PRIMEIRO O GESTO, DEPOIS A PALAVRA
A inteligência humana se reflete no sofisticado controle da musculatura; foi por meio da ampliação da coordenação motora fina e das expressões faciais que, ao longo dos séculos, desenvolvemos a cognição, a linguagem e a capacidade de usar os mais variados instrumentos.
Um macaco jamais poderia tocar piano. Falta-lhe, para isso, a capacidade de mover os dedos com velocidade e precisão para pressionar as teclas em rápida sucessão. Nós, humanos, porém, mesmo quando não sabemos nada de música, em pouco tempo podemos aprender a tocar pelo menos uma melodia curta. Isso sem falar na vertiginosa execução de pianistas profissionais. Nossa habilidade manual ultrapassa em muito a dos outros primatas – e esse é um fato, em geral, menos considerado que outros diferenciais na capacidade de articulação vocal e na linguagem. No entanto, do ponto de vista neurobiológico, essas duas habilidades estão estreitamente ligadas, pois os mesmos centros cerebrais controlam grande parte dos recursos necessários para a fala e para o uso das mãos.
Nos últimos séculos, a pesquisa comportamental derrubou quase todas as supostas barreiras que separavam os homens dos animais, como o uso de ferramentas, a comunicação simbólica e a categorização abstrata. O mesmo vale para as atividades cognitivas, faculdades de pensamento e compreensão que – embora em forma rudimentar – os animais também possuem. Só a linguagem parece ser exclusivamente nossa: apesar de todos os esforços, até hoje nenhum macaco aprendeu a falar, pelo menos não como nós. O pouco da linguagem de sinais que alguns aprendem com dificuldade é suficiente apenas para atender necessidades de comunicação com o treinador.
Uma característica da fala é o controle da musculatura do aparelho fonador. É notável que a destreza manual também se apoie em uma motricidade refinada. Somos capazes de comandar a musculatura das mãos e dos braços com mais precisão do que qualquer animal. Mas é importante observar que essa habilidade motora já começa a se manifestar nos primatas. Seus dedos se tornaram mais rápidos, e sua mímica mais pronunciada – o que ainda não basta para a articulação vocal. O fato é que só o homem tem o dom da fala, assim como a capacidade de realizar atividades manuais complexas. Acre dito que essa extraordinária inteligência motora forneceu a base de nossa evolução cultural. É ela que provê o fundamento para a fala e, consequentemente, para a cultura e a tecnologia.
Essa afirmação pode surpreender. Muitos animais correm e saltam melhor do que nós. Para fazer isso, dispõem de um complexo aparato neuronal que emite instruções de movimento e os ajusta às circunstâncias. Na evolução da inteligência motora humana é nesse mesmo fundamento que se baseiam nossa capacidade linguística e nosso controle manual.
O controle de movimentos dos mamíferos percorre três instâncias neuronais articuladas hierarquicamente. A mais baixa situa-se na medula espinhal. Lá se originam sinais produzidos em pequenas redes neuronais – os geradores centrais de padrões – que determinam, por exemplo, a alternância rítmica automática da musculatura das pernas ao caminhar. Esses sinais são transmitidos em seguida aos neurônios motores, cujas ramificações se estendem da medula aos músculos. A medula espinhal, por si só, consegue produzir os movimentos básicos, já que seus padrões são coordenados com as juntas individuais. Essas redes neuronais podem levarem conta informações dos sentidos e ajustar o movimento conforme a necessidade.
TRÊS PLANOS DE CONTROLE
Se quisermos manter um membro em certa posição, por exemplo, as redes neuronais fornecem os programas adequados: selecionam a possibilidade que deve ser ativada, a partir de informações enviadas do centro de movimento no mielencéfalo, a instância neuronal imediata mente superior à qual estão subordinadas. Essa parte posterior do cérebro também recebe e analisa informações sensoriais sobre a posição atual do membro durante o movimento.
Durante a evolução dos vertebrados superiores, os centros do mielencéfalo ficaram cada vez mais submetidos à influência do córtex motor. Nessa instância superior de controle do movimento, que se estende por uma faixa transversal no topo do cérebro, originam-se todas as atividades intencionais, tanto no caso de um felino carnívoro preparando-se para o salto como quando movimentamos a língua para falar. Mas o córtex motor não está em condições de produzir, sozinho, os movimentos apropriados. Para isso ele precisa de outras instâncias hierarquicamente superiores. A estimulação elétrica de regiões isoladas do córtex motor gera, em geral, apenas contrações de músculos individuais. Para que o córtex motor envie indicações de uma ação coordenada e adequada às necessidades e à situação é necessária a integração de regiões cerebrais situadas imediatamente à frente: as áreas pré-motoras. Elas fornecem os programas com a sequência de estímulos necessária para dirigir os movimentos a determinado objetivo. Para isso, reúnem informações provenientes dos órgãos dos sentidos, da musculatura e dos centros associativos na região anterior do cérebro.
Nas regiões pré-motoras do córtex formam-se também as intenções de realizar ações voluntárias, que são posteriormente transmitidas ao córtex motor. Mas essas áreas não produzem sozinhas suas instruções. Na verdade, recebem um grande auxílio do cerebelo, que supervisiona o desenrolar temporal de séries complexas de movimentos. O cerebelo funciona como um “treinador”, que cuida para que as novas ações sejam aprendidas; ele é ativado para a fixação de programas de movimento, como ocorre nas brincadeiras dos filhotes de animais e quando crianças aprendem a correr.
Os três planos hierárquicos para o controle da atividade muscular valem para os mamíferos em geral, mas neles começa a aparecer algo completamente novo – uma aquisição que logo iria alterar em muitos aspectos o comportamento dos primatas, embora só no homem assuma a máxima importância. O que surgiu foi uma “via expressa”, por assim dizer, ligando diretamente a parte anterior do cérebro à medula espinhal, provocando um curto-circuito nos centros motores do mielencéfalo: a chamada via cérebrospinal, ou via piramidal. Cerca de metade de seus filamentos neuronais vem do córtex motor; e a outra parte, das áreas pré-motoras. Os filamentos da via piramidal dos mamíferos estendem-se em primeiro lugar até os gerado res centrais de padrões na medula espinhal. Com isso, a parte anterior do cérebro pode influenciar diretamente os centros motores da medula e, desse modo, controlar com mais facilidade as ações.
Nos primatas ocorre ainda outro acréscimo. Os filamentos da via piramidal que controlam a mão e os dedos provocam um curto-circuito até mesmo nos geradores de padrões e estimulam diretamente os próprios neurônios motores, que se prolongam da medula até os músculos. É provável que a peculiar destreza manual dos primatas e do homem funda-se nessa ligação direta entre o córtex cerebral e os neurônios musculares. Graças a ela, nós e os símios somos capazes de mover os dedos individualmente, de acordo com nossa vontade, coisa que outros mamíferos, como os gatos, não conseguem fazer.
Uma lesão na via piramidal faz com que símios percam a destreza dos dedos. Depois de um curto período de restabelecimento, esses animais podem voltar a correr e subir em árvores, mas não são mais capazes de agarrar coisas. Por outro lado, mesmo com um defeito na ligação com o mielencéfalo, evolutivamente mais antigo, eles continuam capazes de retirar alimento com os dedos de um buraco, embora não possam mais se locomover. Isso ocorre porque, neles, a locomoção se efetua a partir dos centros mais antigos do mielencéfalo, ao passo que o movimento dos dedos é comandado através da via piramidal, mais recente.
Chama a atenção o fato de que, já nos símios, a maioria dos filamentos nessas vias rápidas que levam à medula comandem ali justamente os neurônios que controlam músculos das mãos e dos dedos, e esse fenômeno acentua-se nos humanos. Além disso, em nosso caso, os neurônios motores dos braços e ombros recebem ordens diretamente “de cima”, da região anterior do cérebro. É por isso que os seres humanos podem atingir um alvo com grande precisão, e os macacos não conseguem acertar nem uma única vez a cabeça do prego com um martelo.
As pernas recebem pouca atenção na via piramidal, como se mostra na conhecida figura do “homúnculo motor”, um esquema distorcido de um homem colocado sobre o córtex motor, cuja grandeza relativa das partes individuais do corpo corresponde à sua representação neuronal. Em relação às pernas, as mãos aparecem como superdimensionadas, com os dedos, particularmente o polegar, assumindo proporções gigantescas. O esquema correspondente de um chimpanzé aproxima-se muito mais das proporções naturais de seu corpo; apenas as mãos e os pés parecem um pouco mais encorpados. Mas não é apenas a competência do homem no uso das mãos que se revela no esquema do homúnculo motor. A figura ajuda também a compreender a evolução da capacidade de articulação vocal do homem – algo interessante para os biólogos evolucionistas. A grotesca imagem representa o homem como constituído principalmente de mãos e rosto – um rosto com uma enorme boca. Lábios e língua, em particular, aparecem como fortemente representados no córtex motor.
De fato, no homem, um espesso ramo da via piramidal acomoda os nervos para a musculatura da face, lábios, língua e palato, bem como – e isto é um caso único entre os primatas – para a laringe. Nos símios, já há filamentos dessa via rápida que controlam a musculatura facial e, entre outras coisas, a mímica, mas essa ligação direta só se acentua no ser humano. A isso se acresce – o que é mais interessante – que o controle fino da musculatura facial agora nos permite produzir os sons da fala. Em outras palavras, foi a grande ampliação da inteligência motora para controle da face e das mãos que nos tornou humanos.
NEURÔNIOS-ESPELHO
Isso tudo pode ser expresso da seguinte maneira: a destreza motora de uma parte do corpo é tanto maior quanto mais extensamente estiver representada no córtex motor. Nos homens e nos símios, isso significa que há um número maior de filamentos piramidais associados a ela. Nos seres humanos, dois terços da superfície do córtex motor estão dedicados à face e às mãos; nos chimpanzés, isso é menos da metade (e essa diferença também se manifesta no cerebelo). Mas por que, ainda assim, um chimpanzé não consegue aprender a falar e tocar piano? Simples. Essas duas habilidades exigem coisas além do alcance de seu cérebro: uma competência motora mais fina e programas mais diversificados de sequências de movimentos longas e organizadas.
É só após um longo exercício que chegamos a dominar movimentos complexos e precisos dos braços, mãos e dedos. Isso vale tanto para trabalhos manuais quanto para tocar pia no. Para isso, o aprendiz recorre em grande medida à imitação. E embora os símios antropoides nem de longe alcancem o grau necessário de aprendizado motor, todos os primatas dispõem de alguns mecanismos neuronais notáveis e ainda não muito bem conhecidos, a partir dos quais nossa inteligência motora pode ter se construído.
As áreas pré-motoras geram as intenções concretas de movimento e fornecem ao córtex motor os programas neuronais adequados. Uma região da parte frontal do cérebro dos símios interessa especialmente os neuropsicólogos: a área FS, que participa de certas ações particulares das mãos e da boca. Ela coincide, em boa parte, com o centro da fala nos humanos, a chamada área de Broca. Só recentemente se verificou que a área de Broca não está envolvida apenas na fala, mas também em atividades das mãos e dedos, o que torna essa região do cérebro importante para a compreensão da evolução humana.
A área F5 dos símios, por sua vez, não participa da emissão de sons; seus neurônios destinam-se a funções de outro tipo. Em geral eles não se ativam para qualquer movimento da mão ou da boca, mas apenas para ações propositais e aprendidas, que se realizam sobre objetos, ou por meio deles. A ação desses neurônios se divide, além disso, em uma série de tarefas diversas. Nos símios, as células da área F5 estão dedicadas, em sua maioria, à tarefa de pegar coisas. Em consequência, a região não apresenta neurônios de movimento, mas verdadeiros neurônios de ação, que comandam comportamentos adquiridos e propositais.
Parece claro que essa área do cérebro apresenta um conjunto de instruções para situações correntes do dia a dia. Em princípio, esses programas individuais poderiam ser agrupados para formarem cadeias de ações dos mais variados comprimentos. O neurologista William H. Calvin, da Universidade Estadual de Washington, em Seattle, trouxe evidências de que a área F5 dos símios só executa essas instruções de forma relativamente lenta, imprecisa e limitada.
A área F5 exibe outra propriedade instigante: uma classe de células chamada neurônios-espelho dispara não apenas quando o símio executa determinada ação aprendida, mas também quando ele vê alguém executar essa ação. Nesses casos, trata-se sempre de ações propositais realizadas sobre um objeto, como agarrá-lo. É importante que o executante faça o mesmo movimento. Se o investigador não apanhar o objeto com os dedos, mas com uma pinça, as células nervosas do símio observador permanecem inativas.
Poderiam existir, então, algoritmos neuronais refinados e ampliados que permitiriam o aprendizado de complexas sequências de ações pela simples imitação, incluindo a fala? O aprendizado por imitação é mais importante para o homem do que para qualquer outro primata. Ainda não temos muitas informações precisas sobre neurônios-espelho na área de Broca dos seres humanos, mas já sabemos que essas células estão presentes ali e podem desempenhar um papel importante em nossa capacidade de imitação, na qual crianças pequenas são mestras. É possível que essa região do cérebro, em particular, tenha suprido as principais condições para uma motricidade fina plenamente desenvolvida. Pode ser que os neurônios de ação forneçam a base para dirigir movimentos precisos, através da via piramidal. E os neurônios-espelho ajudariam, antes de tudo, a aprender complexas sequências de movimentos.
Alguns neuropsicólogos supõem que deficiências nessa região do cérebro possam ser a razão pela qual algumas crianças autistas têm dificuldades de imitação. Muitas delas falam pouco, várias não se comunicam verbalmente e só conseguem planejar ações de forma incompleta. As primeiras investigações revelam que, em autistas, a área de Broca é bem menos ativa que o normal.
OUTROS SONS
A linguagem distingue o homem de outros animais. O local no cérebro responsável por essa função, a área de Broca, desenvolveu-se a partir da área FS dos símios, na qual as instruções para os movimentos coordenados levam em conta também informações visuais. Como todos os primatas, somos “animais visuais”, isto é, agimos em grande medida orientados pela visão. As crianças aprendem a falar não apenas ouvindo, mas também observando os movimentos da boca – e não é por acaso que conseguem aprender uma língua de sinais tão facilmente como uma linguagem falada.
Pode-se até mesmo especular que mecanismos semelhantes ao comportamento dos neurônios-espelho participem dos planos que fazemos e da fala interior, silenciosa. De fato, nos símios, esses neurônios se ativam com a mera observação de uma ação, sem realizá-la – como se o animal estivesse executando a ação apenas “mentalmente”.
Nos seres humanos, um simples pensamento já se conecta à motricidade e nesse trabalho de entendimento puramente mental, extensas regiões do cerebelo são ativadas. Essa constatação é recente, pois há alguns anos ainda se pensava que o cerebelo desempenhasse apenas funções motoras.
O rico repertório vocal dos primatas não é aprendido pelos símios jovens: eles nascem com ele, e sua área F5 não desempenha nenhuma função na produção desses sons inatos. É um erro, portanto, procurar as origens de nossa linguagem na vocalização de outros primatas. Quando se deseja provocar a emissão desses sons pelos símios, é preciso acessar outra área do cérebro, denominada giro cingulado. A estimulação elétrica dessa área desencadeia nos seres humanos sons emocionais como choro ou riso, mas jamais elementos da fala. Em contrapartida, regiões pré-motoras dos seres humanos fazem com que eles pronunciem sílabas e palavras, mas não desencadeiam nenhum som nos outros primatas. Assim, o córtex cerebral é em princípio dispensável para a vocalização inata dos primatas. O repertório sonoro específico, bem como a capacidade de vocalização, permanece inalterado quando essas áreas do córtex são lesadas. Exatamente o contrário ocorre no caso da fala humana: pacientes com lesões bilaterais do córtex motor não conseguem mais falar nem cantar.
Os símios dispõem apenas de sons inatos, cuja origem neuronal ainda é desconhecida. Foram identificadas, porém, várias regiões cerebrais que, ao serem eletricamente estimuladas, desencadeiam esses sons. Uma porta para o repertório completo está no mesencéfalo (ou cérebro médio). Vale lembrar que a maioria das vocalizações específicas podem ser desencadeadas a partir do giro cingulado, que se localiza bem no interior do córtex, próximo à região em que os dois hemisférios cerebrais se encontram.
Ainda sabemos pouco sobre o papel do giro cingulado na emissão de sons pelos seres humanos. Ele certamente participa da produção de sons com carga emocional, mas é irrelevante para os elementos sonoros da linguagem. Em consequência, os velhos centros vocais dos primatas não são – e nunca foram – um modelo para nossa fala. As regiões motoras e pré-motoras do córtex são muito mais importantes, porque fornecem os programas para ações e controlam a musculatura da face e de todo o aparelho de articulação fonética. Impulsos para a fala originam-se ainda de outro lugar, um extenso campo do córtex situado acima da área de Broca – o verdadeiro centro da fala. Esse campo, a área motora suplementar (AM5), já assume uma posição importante na motricidade voluntária dos animais, e é frequentemente incluído no córtex pré-motor. Dessa área sai uma grande parte dos filamentos da via piramidal, incluindo aqueles que se estendem até a face. AAMS é importante para a produção de programas de comportamentos intencionais padronizados e, portanto, para a preparação e execução de ações.
Quando esse campo do córtex é estimulado eletricamente nos seres humanos, o paciente enuncia sílabas ou elementos linguísticos individuais. A AMS, no entanto, não é o centro da linguagem nos seres humanos. É a combinação entre a AM5 e a área de Broca que gera palavras e frases, unindo assim os elementos em um todo.
A AM5 parece ser importante para a fala espontânea. Quando essa área é destruída, o paciente ainda consegue responder a perguntas, mas não é mais capaz de falar espontaneamente – é como se lhe faltasse o impulso para falar. Tanto nos símios como no homem, esse campo dá início aos movimentos manuais adquiridos, e isso nos ajuda a entender melhor a função da AM5. Ela pode ter, no homem, uma função dupla: buscar na memória os padrões aprendidos dos movimentos dos dedos, e também dos movimentos do aparelho fonador. Mas ainda não está claro o modo como as duas áreas, a AM5 e a área de Broca, trabalham em conjunto, e quais as funções de cada uma.
PENSAMENTO E MOVIMENTO
O fato de que essas duas áreas desempenhem no homem um duplo papel – controle dos movimentos manuais e do aparelho fonador – faz alguns pesquisadores acreditarem que a linguagem se desenvolveu a partir da crescente habilidade manual dos primatas. Os símios aparentemente possuem na F5 (precursora da área de Broca humana) algo ritmos neuronais que concatenam movimentos individuais, embora as sequências resultantes continuem sendo curtas. Evidentemente, falta aos símios a capacidade de articular movimentos complexos em longas cadeias de ações, e recordarem-se delas.
Essa capacidade é indispensável não apenas para tocar piano, mas para concatenar sílabas em palavras, e palavras em frases. Apenas o homem dispõe de redes neurais locais que possibilitam essas concatenações em princípio infinitas de movimentos sequenciais. Do ponto de vista de sua história evolutiva, de fato a fala parece estar estreitamente ligada a nossas habilidades manuais. As maiores realizações na arte e na ciência não existiriam sem essas habilidades; nada saberíamos da riqueza intelectual de Sigmund Freud, Charles Darwin ou das criações musicais de Igor Stravinsky se estes não tivessem expressado ou escrito suas ideias, em palavras ou notação musical. Ao ler ou ouvir os pensamentos científicos ou musicais de outras pessoas, podemos chegar a pensá-los nós mesmos.
Os centros da linguagem no cérebro humano, principalmente a área de Broca, permitem juntar ações elementares da musculatura que comanda a articulação vocal de forma muito rápida e precisa, formando cadeias tão longas quanto se queira. Dispomos, para esse fim, de algoritmos neuronais que concatenam os comandos motores individuais formando séries arbitrariamente longas e sempre diferentes. Esses encadeamentos podem seguir regras aprendidas, como uma gramática ou o dedilhado de uma peça para piano.
Ainda não sabemos, porém, qual é a origem das estruturas gramaticais que ordenam as palavras em frases sintaticamente bem construídas. A pesquisa biológica encontra aí seus limites. A geração de sequências gramaticais de sons capazes de veicular sentidos exige competências de tipo fonológico e sintático, como as descritas por Noam Chomsky. Essas competências devem ter se desenvolvido em conjunto com as capacidades motoras, mas ainda não é possível, hoje, responder como isso se deu. Nossos pensamentos motores muitas vezes não são sequer executados, mas experimentados em silêncio. Nossa capacidade de pensar desenvolveu-se a partir de nossa espetacular inteligência motora, como se a moldássemos com as mãos e a expressássemos em palavras.
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