EGOISTA, EU?
O altruísmo pode ser aprendido. A cultura e o meio social no qual vivemos na infância ajudam a moldar crenças; crescer em época de crise pode nos tornar mais atentos às necessidades alheias.
Ouvimos com frequência que estamos cada vez mais individualistas. E, de fato, um estudo recente publicado na Personality and Individual Differences aponta que a verdade não está muito longe dessa percepção do senso comum: a sociedade contemporânea parece cada vez mais egocêntrica quando comparada à de épocas passadas. O aumento na prosperidade econômica, de forma geral, talvez tenha colaborado para esse cenário, segundo outra pesquisa: jovens adultos que passaram por tempos difíceis são menos voltados para si do que aqueles que atingiram a maioridade durante períodos de maior prosperidade econômica.
Para medirem essa tendência, cientistas da Universidade de Michigan percorreram um caminho curioso: analisaram discursos de presidentes americanos entre 1790 e 2012. Eles apostaram que a forma de falar dos eleitos pelo voto revela as ideias, nem sempre assumidas abertamente, com as quais as pessoas em geral se identificam.
Partindo desse pressuposto, os pesquisadores calcularam o “índice de individualidade” de cada oratória comparando o número de palavras que indicam interesse centrado no próprio universo (como “eu”, “nós” ou “mãe”) com a quantidade de termos que sugerem cuidado com o outro (como “ele”, “vizinho” ou “amigo”). Eles observaram não só o aumento constante no uso de palavras que se referiam ao universo pessoal – em geral ligadas ao “eu” e ao “meu” – como também que antes de 1900 as falas continham mais termos relacionados com a preocupação com o outro. Depois de 1920, praticamente todos os discursos giravam em torno do indivíduo e de extensões de si mesmo (por exemplo: suas coisas, seus parentes etc.).
Para verificar se essas constatações refletiam o egoísmo de forma mais ampla, a equipe comparou os resultados com pesquisas sobre o tema em produtos culturais como livros e canções do século 20. E, realmente, comprovaram o aumento da noção de individualidade. “Os dados sugerem que essa característica não está apenas nas conferências presidenciais, mas reflete uma tônica cultural e o modo de as pessoas em geral se relacionarem consigo mesmas e com os outros”, acredita a psicóloga Sara Konrath, coautora do estudo e professora do Instituto de Pesquisa Social, em Michigan.
Em um experimento relacionado, mas independente, publicado em 2014 na revista Psychological Science, a pesquisadora Emily Bianchi, professora da Universidade Emory, analisou a forma como a economia do país afeta o grau de individualismo. Ela utilizou dois tipos de teste de personalidade para medir essa característica em 32.632 participantes de 18 a 83 anos de idade. A cientista observou que pessoas que tinham entre 18 e 25 anos em tempos econômicos difíceis (medidos pela taxa de desemprego) tinham tendência a se tornar menos egocêntricas na vida adulta, em comparação com aquelas que atingiram a maioridade durante períodos de maior prosperidade. O mesmo, porém, não ocorreu com outros grupos etários. Emily Bianchi argumenta que a diferença existe porque o início da idade adulta é mais determinante. Funcionários inexperientes são os mais vulneráveis durante recessões, e o impacto de crises tende a ser maior naqueles que se esforçam para estabelecer uma identidade profissional.
A pesquisadora investigou também a remuneração de chief executive officers (CEOs, diretores executivos), em relação a outros funcionários que ocupam postos de chefia. “É um excelente indicador de narcisismo; aquele que está nesse cargo controla o salário da segunda pessoa mais importante da empresa.” Ela analisou dados de 2.095 CEOs e descobriu que aqueles que ficaram adultos durante booms econômicos tiveram uma compensação financeira 2,3 maior do que o segundo alto executivo, com uma diferença de 1,7 em relação aos que cresceram em tempos menos prósperos. Emily Bianchi acredita, portanto, que a recente recessão de 2008 e 2009 nos Estados Unidos e seus efeitos duradouros sobre o mercado de trabalho provavelmente poderão amenizar tendências narcisistas nos jovens adultos – uma baixa numa tendência ascendente geral.
ARROZ PARA COMBATER O INDIVIDUALISMO
Práticas agrícolas históricas influenciam mentalidades modernas
Muitos associam de imediato a cultura chinesa à rivalidade entre o leste e o oeste daquele pais. Agora, uma pesquisa conjunta entre Estados Unidos e China indica que os moradores do norte apresentam uma mentalidade mais individualista, como a americana, em comparação com seus compatriotas do sul. E o arroz é fator determinante dessa diferença, de acordo com artigo publicado na revista Science.
“O rio Yangtze separa a China em norte e sul e serve também de divisor agrícola e cultural”, diz o psicólogo Thomas Talhelm, da Universidade de Virgínia, principal autor do estudo. Habitantes do norte cultivam predominantemente o trigo, e os do sul o arroz. Essa última atividade é bastante trabalhosa e necessita de água o tempo todo, o que exige a partilha de recursos para que seja bem-sucedida. As comunidades ajudam a plantar e a regar. Já o trabalho com trigo requer metade do esforço e depende mais dos padrões de chuva, por isso pode ser gerenciado com menor dependência dos vizinhos.
Talhelm se perguntou se as práticas agrícolas poderiam ajudar a explicar a mentalidade mais individualista do lado ocidental, comparadas com a forma mais abrangente de raciocinar dos habitantes da região oriental. Para investigar a “teoria do arroz”, a equipe de cientistas analisou o pensamento holístico, a preocupação com o bem da maioria e a lealdade de 1.162estudantes de 28 províncias da China. Como esperado, os pesquisadores comprovaram que essas qualidades estavam mais presentes nas províncias de cultivo de arroz, enquanto o individualismo era mais comum nas áreas em que os moradores trabalhavam com trigo.
Os cientistas analisaram também as taxas de divórcio de cada província, outro indicador do pensamento autocentrado. “O número de separações entre casais nas regiões de trigo era 50% maior do que nas áreas de arroz”, aponta Talhelm. “Embora outras variáveis possam ser consideradas, a teoria está de acordo com outras pesquisas culturais sobre como a atividade agrícola influencia o pensamento”, diz o psicólogo Richard Nisbett, professor da Universidade de Michigan, que não participou do estudo.
Na Turquia, por exemplo, Nisbett descobriu que os que se dedicavam à agricultura (ocupação interdependente) eram muito mais altruístas do que os que viviam do pastoreio (atividade independente). Os resultados reforçam nossa crescente compreensão de que a história agrícola de um região pode ter influência duradoura sobre a mentalidade de seus cidadãos modernos.
PESSOAS GENTIS LEVAM VANTAGEM
Nas sociedades que valorizam o coletivo, a cordialidade conta mais para a posição profissional do que as habilidades.
Nossa cultura costuma conferir respeito, prestígio e admiração àqueles que são avaliados como competentes. A gentileza é até considerada uma característica bem-vinda, mas fica em segundo lugar. Essa regra, porém, não é comum a todas as sociedades, já que o que é valorizado varia de um grupo para outro. O que não muda, onde quer que estejamos, é o fato de que para subir na escada social é preciso incorporar os valores em alta. Em um artigo recente publicado pela Organizational Behavior and Human Decision Processes, o doutor em marketing Carlos Torelli, professor da Universidade de Minnesota, relacionou a influência do individualismo e de senso de coletividade com nossas ideias em relação à posição profissional. Ele e seus colaboradores descobriram que os americanos eram mais propensos a usar a competência (por exemplo, resolvendo problemas difíceis do trabalho) como estratégia para ganhar respeito, de que os latinos. Já estes últimos tendiam a ser mais afetivos e cooperativos com os colegas.
Além disso, individualistas encaram o cargo profissional – e não a cordialidade – como sinal de capacidade, e vice-versa, em relação aos coletivistas. Ignorar essas diferenças culturais pode criar conflitos e decepções se, por exemplo, você e seu superior hierárquico usam diferentes métricas para avaliar desempenho.
“Essa linha de pesquisa tem como base minhas observações sobre diferenças políticas na América Latina e nos Estados Unidos”, diz Torelli. Os candidatos americanos, não raro, discursam sobre as obras que entregaram. “Os latinos, porém, têm mais tendência a idealizar líderes populistas, como Salvador Allende e Hugo Chávez, vendo-os como benfeitores abnegados que realmente se preocupam com o bem-estar do povo.”
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