MUNDO SEM FILTROS
A Superabundância de informações que nos atinge diariamente tem se mostrado um desafio na educação, pois hoje as crianças têm fácil acesso a qualquer assunto.

Vivemos uma época peculiar da história da humanidade, devido em grande parte às transformações tecnológicas, científicas, culturais, políticas, financeiras e sociais que se desenvolveram a partir das últimas décadas do século XX. Ver o homem chegar à Lua, assistir ao vivo a Guerra do Golfo hoje parecem até fatos comuns, mas marcaram a vida de toda uma geração.
Acompanhamos atualmente inúmeras e rápidas mudanças em nosso mundo, que habitualmente aconteciam paulatinamente ao longo de duas ou mais gerações, com uma ciclagem cada vez mais acentuada, alterando padrões de convívio social, de troca de informações, de incremento científico, qualidade de vida e longevidade, nunca antes assistidos. Essas atualizações constantes, que nos são praticamente impostas pelos meios de comunicação, interagem sobre toda a sociedade criando novas demandas e conquistas, gerando um movimento acelerado e constante de adequações de toda ordem.
E com esse quadro, de repente, vimos também entrar em nossas vidas, e em nossas casas e escolas, uma imensidão desgovernada de notícias, fatos amplamente divulgados e nem sempre com a seriedade necessária. E infelizmente se multiplicou, sem o devido cuidado, o acesso a noticiários veiculados pelas telinhas, onde predomina a exposição desmedida da violência física, mental, psicológica, e cada vez fica mais difícil compreender e conseguir esclarecer para as novas gerações alguns fatos – e suas consequências – que se desenrolam, tamanha a profusão de contextos de onde surgem.
Quando se fala em educação, existem pontos positivos e negativos decorrentes dessa superabundância de informações que nos atinge diariamente. Entre eles, destaca-se o fato de que sinalizam o despreparo dos adultos em lidar com tantas transformações simultâneas e ajudar as crianças a absorvê-las de modo positivo. De outro, estimula a reflexão dos adultos sobre como educar, em uma época em que não há mais praticamente nenhuma certeza de como será o futuro.
Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas: “Será preciso ter mais cuidado ao filtrar informações ou isso pode tornar as crianças despreparadas para o mundo em que vivem? É possível se conversar sobre qualquer tema com as crianças? Como não deixar as crianças confusas frente a notícias controversas, diálogos tendencionistas, cheios de ódio e preconceito?”.
Pais e educadores enfrentam uma realidade que por si só já é ameaçadora: hoje não dá para dizer que tal assunto é “coisa de adulto”, pois, o que não explicarem, facilmente as crianças vão buscar entender na internet ou mesmo com seus amigos. E, nesse caso, nada garante que terão uma visão responsável, elucidativa e adequada sobre qualquer assunto.
Além disso, basta ligar a televisão em qualquer programa, mesmo no horário infantil, para ouvirmos falar sobre temas controversos, sem fundamento real, notícias sobre agressões, roubos, assaltos, crimes, onde não se economizam imagens de cenas chocantes, bizarras, que se imagina mais adequadas para o final da noite. Natural, desejável? Não, pois é uma violência contra um ser em desenvolvimento, que fica impactado com informações que não têm condições de entender e assimilar devidamente, e muitas vezes nem consegue se expressar a respeito, outras vezes acaba por se tornar refratário à agressividade do meio, tamanha a bagagem de informações inadequadas que recebe.
O que muda ao se comentar notícias com crianças de diferentes idades é o grau de complexidade da nossa explicação, a escolha das palavras mais simples e corriqueiras, o cuidado com a forma de nos expressar, o contorno mais respeitoso ‘a mente infantil e a exposição menos comprometida com a opinião pessoal. Críticas a um fato podem ser feitas desde que acompanhadas de um lado construtivo: isso ensina a pensar!
Às vezes os pais julgam que os filhos não têm nenhum conhecimento sobre temas polêmicos e ficam surpresos quando os ouvem conversarem entre si ou opinarem sobre eles. Esse é um ótimo momento para estender o assunto, explicar às crianças o que ocorre de fato, em uma linguagem adequada, ensinado a exercitar seu pensamento, reflexão e responsabilidade pessoal e social. Assim, aprendem a distinguir os fatos reais das perturbadoras e fantasiosas interpretações que infelizmente brotam em uma parte das mídias.
É muito comum ainda os familiares se atrapalharem querendo ensinar tudo de uma só vez sobre uma dúvida, até para se esquivarem de outras perguntas. Mas com isso as crianças continuam sem entender e perdem a confiança, o vínculo com quem poderá ajudá-los no futuro em situações semelhantes.
O melhor caminho é mesmo tentar saber da criança o que ela já conhece do assunto para responder a contento, sem preconceitos, com responsabilidade. Assim também se ensina a não terem receio de perguntar sempre que necessário, pois sentirão o interesse e o respeito que o adulto tem por ela.
Como princípio, mentir é o pior caminho: os pais devem enaltecer nos fatos aquilo que percebem como menos preocupante, conflituoso e doloroso para a criança.
Os maiores cuidados consistem em evitar que a criança fique sem resposta e procurar sempre estar a seu lado para ajudá-la a compreender assuntos dolorosos ou muito polêmicos, evitando que tenha múltiplos contatos com esse tipo de notícia sozinha ou acompanhada de pessoas que não vão ajudá-la.
Educar hoje tornou-se um grande desafio. Mostrar interesse e desejo de aprender junto com a criança costuma abrir espaço para muitos e bons diálogos ft1turos, base para uma educação em um mt1ndo constantemente em evolução.
MARIA IRENE MALUF – é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br
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