A LIÇÃO DE LUCAS
Portador de uma doença incapacitante e educado desde a alfabetização por estudantes de medicina da Santa Casa de São Paulo, Lucas dos Santos, hoje com 19 anos, recebeu o diploma do ensino fundamental sem nunca ter podido sair da cama.
O mundo está lá, pertinho, ao alcance dos olhos. O globo terrestre fica em cima do ventilador mecânico que fornece oxigênio a Lucas Barbosa dos Santos, 19 anos. Desde os dois anos, a representação geográfica dos mares e continentes da Terra é a única visão que ele tem do planeta. Em junho de 2001, o jovem deu entrada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, na zona central de São Paulo, com uma queixa de pneumonia, e de lá não saiu mais. Portador da Doença de Pompe, enfermidade rara que causa fraqueza muscular progressiva e para a qual ainda não existe cura, Lucas não respira mais sozinho. Consegue apenas falar, com dificuldade, e movimentar os olhos. Um box da enfermaria pediátrica da instituição é sua casa. Obviamente, ele nunca pôde ir a escola, mas no final do ano ganhou o diploma de formatura no ensino fundamental depois de passar na prova do Ecceja, o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos aplicado pelo Ministério da Educação a pessoas que, por alguma razão, não conseguiram frequentar as salas de aula. Dos 1,6 milhão de inscritos, o rapaz foi o único candidato da classe hospitalar a fazer a prova. Agora, para 2019, prepara-se para aprender o conteúdo do ensino médio e, depois, da faculdade. Lucas, o menino que nunca vê o céu, quer ser astrofísico.
A aprovação de Lucas no exame é resultado da feliz combinação entre vontade de aprender, garra e força, por parte do garoto, e da solidariedade de voluntários e estudantes de medicina da Faculdade de Medicina da Santa Casa, que se revezaram ao longo de anos do lado do leito para ensiná-lo a ler, a escrever e a entender um mundo que ele nunca viu de verdade. A única coisa que ele consegue enxergar é o que pode ser visto pelas nesgas do pequeno vitral de uma das paredes do box e as imagens que aparecem na tevê disponível para ele.
No início do ano, o estudante Lucas Maschietto Boff, um dos professores do Lucas paciente, percebeu que ele estava meio triste, sem perspectivas. “Criamos um canal no Youtube”, conta o futuro médico. No “Universo do Lucão”, o garoto fala sobre o seu dia a dia, e incentiva, com palavras de apoio, a quem passa por situações difíceis. O estudante de medicina achou que a comunicação virtual ainda não era tudo. Como Lucas já tinha aprendido muito conteúdo do ensino fundamental, a turma resolveu inscrevê-lo no Ecceja. Pronto, estava estabelecida a meta para 2019. Os estudantes iniciaram um intensivão para o “Lucão”. “Fizemos a divisão por dia, horário e disciplina”, conta Lucas, o estudante.
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