NÃO BRIGUE COM O URSO-BRANCO!
Se uma preocupação – a respeito da qual não é possível fazer nada imediatamente – não sai da cabeça, provavelmente não vai adiantar tentar se livrar dela evitando o pensamento recorrente. Em vez disso, pode ser mais útil começar a conversar consigo mesmo.
Dinheiro, trabalho, filhos, relacionamentos amorosos, opinião alheia, situação política e econômica do país, compromissos na vida profissional ou nos estudos… Motivos para apreensão não faltam. O problema é, quando a sensação desagradável associada à necessidade de controle se torna crônica e se manifesta de forma patológica num quadro, a ansiedade. Dados do Instituto Americano de Terapia Cognitiva indicam que 38% das pessoas se preocupam todos os dias. Só nos Estados Unidos mais de 20 milhões são preocupados crônicos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quarto país com maior porcentagem de pessoas com algum distúrbio ansioso. Aproximadamente 23% dos brasileiros passam por esse problema em algum momento da vida. Não por acaso, a venda de medicamentos contra a ansiedade só cresce. No Brasil, o benzodiazepínico Rivotril, por exemplo, vendido apenas com retenção de receita, está entre os medicamentos mais comprados nas farmácias. Lançado no país em 1973 para amenizar os efeitos da epilepsia, passou a ser usado como tranquilizante por apresentar vantagens em relação aos produtos disponíveis na época. Em 2013, o seu consumo ultrapassou os 13,8 milhões de caixas. É compreensível que tantas pessoas busquem maneiras rápidas de lidar com o desconforto mental – o problema é que, como a própria bula alerta, o uso contínuo desse tipo de medicamento pode causar dependência física e psíquica. O risco de dependência aumenta com a dose, tratamentos prolongados e em pacientes com história de abuso de álcool ou drogas. Obviamente há casos em que a administração do remédio é necessária, mas é preciso considerar que dependência pode ocorrer mesmo em pessoas que utilizam o produto sob orientação médica e costuma ser acompanhada de crises de abstinência que podem se tornar verdadeiros pesadelos, incluindo surtos psicóticos, distúrbios do sono e ansiedade extrema – o que parece um contrassenso, já que o objetivo inicial era justamente controlar a ansiedade. Pelo fato de a preocupação estar tão presente na vida das pessoas, em variados níveis, e o uso de remédios ser tão controverso, especialistas argumentam que é importante estar atento a esse sintoma para evitar que se torne um quadro mais grave. A tendência humana a se “pré-o-cupar” com algo que não pode ser resolvido no momento chamou atenção dos pesquisadores há cerca de 30 anos, quando começaram a apurar sua abrangência no espectro de patologias relacionadas à ansiedade. No início da década de 80, o psicólogo Thomas Borkovec, da Universidade Estadual da Pensilvânia, pioneiro nesse campo de estudo, interessou-se por esse traço enquanto investigava distúrbios do sono e descobriu que a atividade cognitiva intrusiva na hora de dormir é um fator causador de insônia. No início da década de 90, Borkovec e seus colegas desenvolveram o Penn State Worry Questionnaire (Questionário sobre a Preocupação do Estado da Pensilvânia), um teste para diagnóstico que ajudou os pesquisadores a mostrar que a aflição excessiva é uma característica do transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Os psicólogos revisaram as orientações psiquiátricas oficiais e apontaram a preocupação como a característica essencial do TAG, cuja manifestação crônica pode ser considerada um problema de saúde mental. Borkovec definiu três componentes principais das preocupações comuns das quais a maioria das pessoas não está livre: o excesso de pensamentos, a tentativa de evitar resultados negativos e a inibição de emoções. Douglas Mennin, diretor do Serviço de Ansiedade e Humor da Universidade Yale, explica que a preocupação está associada à tendência inata dos seres humanos de pensar sobre o futuro: “Temos compulsão por controle; os preocupados crônicos veem o mundo como um lugar inseguro e tentam lutar contra a sensação de desconforto”. Os excessivamente preocupados nutrem a crença de que a aflição lhes propicia esse controle e tendem a evitar situações sobre as quais não detenham nenhum poder. Borkovec fez uma descoberta curiosa: essas pessoas se martirizavam por questões que raramente ocorriam. No entanto, com frequência, os participantes do estudo reportaram acreditar que o pensamento exagerado sobre um possível acontecimento negativo evitara que este ocorresse – ainda que não houvesse nenhuma lógica nesse raciocínio. Não é de surpreender que os preocupados exibam atividade aumentada em áreas do cérebro associadas às funções executivas como planejamento, raciocínio e controle do impulso. Recentemente, o psicólogo Stefan Hoffmann, da Universidade de Boston, usou um eletroencefalograma para medir a atividade no córtex pré-frontal, antes e após ter sido dito a 27 universitários que deveriam fazer um discurso em público. Ele confirmou evidências anteriores de aumento de atividade no córtex frontal esquerdo em pessoas que se preocupam em comparação com as que não têm a reação, o que sugere que essa área cerebral desempenha papel preponderante nesse comportamento. Porém, a tentativa exagerada de estar no comando de determinada situação ou dos próprios pensamentos pode ser um tiro pela culatra quando, em vez de atingir seu objetivo, as pessoas são dominadas por aflições repetitivas. A pesquisa mostra que, quanto mais cultivamos pensamentos angustiantes, mais as ameaças nos parecem reais e mais se repetirão em nossa cabeça, às vezes de forma incontrolável. O psicólogo Daniel M. Wegner, da Universidade Harvard, descobriu num estudo que, quando as pessoas recebiam ordens para não pensar em um urso- branco, demonstravam a tendência de mencioná-lo com frequência. No experimento, Wegner deixou um voluntário do estudo em uma sala com um microfone e um sino e pediu a ele que discorresse livremente sobre qualquer assunto. Em determinado momento, o pesquisador interrompia o monólogo e dizia ao participante que continuasse a falar – mas, nesse ponto, avisava que não pensasse no urso- branco em hipótese alguma. Se a pessoa pensasse no animal, deveria tocar o sino. Na média, os voluntários tocaram o sino mais de seis vezes nos cinco minutos seguintes e chegaram a dizer alto “urso- branco” várias vezes. “Ao tentarmos nos livrar de uma preocupação ou de um pensamento recorrente, a situação parece piorar; o mesmo ocorre quando uma música se fixa na sua cabeça; você quer esquecê-la, mas ela continua ressoando na sua mente cada vez mais sempre que tenta afastá-la”, diz Wegner. O que fazer, então? Ora, não brigue com o urso- branco e não o mande embora – até porque ele não vai tão facilmente assim. O melhor, nesse caso, pode ser “olhar nos olhos” da preocupação. Ou seja, encarar a apreensão, dar espaço a ela em vez de tentar se distrair. Um bom começo é determinar se suas inquietações poderão realmente ajudar você a encontrar soluções práticas para o
problema. Se a resposta for “sim”, faça uma lista com medidas claras e práticas para resolver a questão, de preferência estabelecendo prazos. Não consegue colocar em prática o que pode ser melhorado? Então pode ser hora de procurar ajuda. Marcar um horário com um psicólogo costuma ser o começo de um processo fundamental para entender o que está por trás da insegurança ou da apatia que se traduzem em uma exaustiva protelação. Se a resposta for “não, minhas preocupações não me ajudarão a resolver o que me aflige”, pegue papel e caneta registre suas preocupações improdutivas durante o dia e reserve, diariamente, algo em torno de 15minutos para se dedicar especificamente à reflexão sobre elas. Se a preocupação apareceu “na hora errada”, ignore e deixe para se concentrar nela no tempo reservado para isso. Um fato curioso é que muita gente descobre que, quando autorizadas a aparecer no horário estipulado, elas simplesmente desaparecem. Assuntos “urgentes”, que pareciam exigir resposta imediata, parecem ter perdido a importância mais tarde. Se a preocupação insistir, apele para o pronto-socorro. Concentrar-se na própria respiração, percebendo o caminho que o ar percorre a partir das narinas, por pelo menos cinco minutos, é uma forma simples e bastante eficiente para lidar com a ansiedade. Técnicas como essa, desenvolvidas com base em ensinamentos budistas, ressaltam a importância de viver o momento presente e experimentar todas as emoções, mesmo as desagradáveis. Costumamos nos concentrar (ou seja, estar no centro de nossa vida) quando estamos imersos em nossa música predileta ou numa conversa animada com os amigos. Uma forma eficaz de “permanecer” no presente é praticar a respiração profunda, deixando o corpo relaxar e a tensão dos músculos desaparecer. Outro caminho que usa a cognição a seu favor é fazer uma avaliação honesta, imaginando a pior das hipóteses: o que acontece se um de seus receios se concretizar? Você sobreviveria à perda do emprego ou do namorado (a)? Relativizar a forma como você avalia os desapontamentos costuma diminuir – ou até atenuar – a sensação de fracasso. Outra providência bastante útil: examinar as preocupações que o incomodaram no passado e hoje não fazem mais sentido. Se tiver dificuldade de lembrar quais são é porque, provavelmente, aquelas apreensões nunca se tornaram realidade ou que você conseguiu lidar com elas e esquecê-las. Essa forma de pensar ajuda a redimensionar as inquietações atuais. Vale lembrar também que os preocupados costumam ter dificuldade em aceitar que nunca poderão ter controle completo sobre sua vida. Alguns psicólogos garantem que repetir baixinho uma preocupação por 20 minutos (“Nunca vou pegar no sono” ou “Posso perder o meu emprego”) reduz o medo que temos de que essa afirmação se concretize. A maioria das pessoas fica entediada e nem chega a completar o tempo – termina desviando a atenção para outras prioridades. Caso seja muito difícil assumir sozinho esses cuidados consigo mesmo, um bom caminho é procurar a ajuda profissional para compreender o que de fato se esconde por trás de tanta preocupação.
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