AI QUE MEDO DO MEU SMARTPHONE!
Há tantos benefícios oferecidos em tão pouco tempo pela tecnologia que, muitas vezes, não nos damos conta das incômodas demandas associadas a eles. Muitas vezes, porém, é inevitável experimentar as angústias despertadas pelo universo digital.
Eles são espertíssimos, com design charmoso, cheios de funções e extremamente úteis. Ainda assim, podem se tornar fonte de inquietação e ansiedade-seja por “exigirem” a todo o momento o envio de respostas, checagens, curtidas e postagens ou simplesmente porque, eventualmente, não estão por perto para possibilitar tudo isso. Consagrados como objetos de desejo, já há algum tempo os smartphones se tornaram muito mais que equipamentos para fazer ligações telefônicas. Na prática, funcionam como máquinas fotográficas, meios de acesso às redes sociais, guardiões de inúmeros aplicativos que nos ajudam a administrar nossa vida e, principalmente, fazem às vezes de janela para o mundo – o que pode ser cansativo. Para muitas pessoas, essa relação tão próxima com a tecnologia reedita inseguranças e angústias que nada têm de “novo” – a não ser o meio que as deflagra.
Afinal, alguém duvida de que é próprio do ser humano sentir medo do desconhecido? Ou que novidades tecnológicas possam significar o desafio de lidar com um universo do qual pouco se sabe? Sob a óptica da evolução, não é difícil perceber que costumamos nos intimidar diante do que não conhecemos – e é bastante provável que a tecnologia integre essa lista, especialmente para aqueles que nasceram antes da década de 80. Além dessa conclusão óbvia, porém, podemos pensar em angústias que despertam novas formas de ser e estar no mundo. Os populares selfies, por exemplo, tanto podem trazer percepções distorcidas e críticas à própria imagem quanto concorrer para o culto a padrões estéticos idealizados. Da mesma forma, as redes sociais que exaltam os pequenos toques de glamour e sucesso de pessoas comuns tendem a instigar a competição, a inveja e o ciúme. Não raro, pessoas que recentemente terminam relacionamentos empenham-se em uma busca masoquista sobre novidades da vida do ex – uma pesquisa que, em geral, traz muito mais sofrimento que alívio.
Mas nada disso é novo. Nos anos 70 dizia-se que fornos de micro-ondas produziam radiação com potencial para causar má-formação congênita. Nos anos 50, temia-se que a TV derretesse células cerebrais. Nos anos 30, acreditava-se que rádios fossem excessivamente estimulantes e prejudicassem o desempenho escolar das crianças. Agora, novas tecnologias aparecem (e desaparecem) mais rapidamente que nunca. Mal temos tempo de nos adaptar a um equipamento antes que ele mude mais uma vez. Não é surpresa, então, que nosso medo do futuro também assuma outros contornos.
Atualmente tememos o efeito de eletrônicos sobre o cérebro das crianças e em sua capacidade de se socializar. Sabemos que governos e grandes empresas coletam nossos dados e tememos por nossa privacidade. Muita gente ainda receia que celulares provoquem câncer cerebral. É verdade que nossos medos geralmente acabam sendo infundados. Ainda assim, alguns podem ser motivo genuíno de alarme – o fato é que ainda não sabemos, pois não há comprovações suficientes. A talidomida, um medicamento para enjoos matinais provocava má-formação congênita. Usar o celular no carro sem dúvida mata milhares de pessoas todos os anos. A Agência Nacional de Segurança realmente espiona americanos, dirigentes de outros países e quiçá eu e você.
Desconfortável. A opção de barrar o avanço da tecnologia, porém, não parece viável. Mas a parte surpreendente sobre o medo razoável é que ele pode ser saudável – quando canalizado na forma de pensamento crítico. Se tememos que as crianças se percam no próprio universo porque desde muito pequenas são extremamente hábeis para lidar com a tecnologia, cabe a nós, adultos, oferecer a elas outras oportunidades de experiências – ainda que seja mais cômodo deixá-las em silêncio com um tablet nas mãos. Se percebemos que parece mais importante postar uma foto para que os outros curtam e compartilhem – e, talvez, no “melhor” dos cenários “viralize” – em vez de viver a experiência, pode ser o momento de rever as próprias prioridades. Ou seja: da mesma forma que temos uma longa tradição de temer novas tecnologias, também temos a capacidade de corrigir o curso de situações que podem ser prejudiciais. De uma forma ou outra, a tecnologia sempre nos mudará e sempre nos assustará, mas olhar para ela de forma crítica e fazer escolhas saudáveis e sempre uma possibilidade atraente. E, para isso, uma pitada de desconfiança e medo de ser tragado pelas comodidades da era digital pode ser muito útil.
O QUE FAÇO SEM ELE?
É compreensível que, em um mundo em que a informática parece tão onipresente e a realidade concreta se mistura com a virtual com tanta facilidade, muitos se assustem diante de novidades – às vezes de forma exagerada (neofobia) ou, mais especificamente, temam a tecnologia (tecnofobia). Ainda que racionalmente o medo não se justifique, o que importa são os sentidos que o novo – e, mais especificamente, a informática – ganha no imaginário dessas pessoas. Por outro lado, quando olhamos para o arsenal tecnológico ao qual boa parte de nós tem acesso atualmente, também pode parecer perturbador pensar em abrir mão de certas comodidades.
Que o diga quem já se encantou por um e-reader com tela fosca, de um centímetro de espessura, daqueles que cabem na bolsa, têm ótima resolução e armazenam mais de 2 mil livros. Ou se acostumou a ter à mão um celular que acessa redes sociais; visualiza páginas simultâneas; aceita GPS; grava, edita e transmite vídeos on-line, lê códigos de barras; trava e destrava portas do carro, abre o porta-malas, controla o ar-condicionado; guarda senhas e escaneia retinas para permitir acesso; transforma voz em texto; organiza a lista de contatos e disca automaticamente. Ufa!
Como medos são inerentes ao ser humano – e funcionam como uma proteção ao que identificamos como perigoso-, a máxima vale para qualquer coisa que vemos como ameaça. É possível, portanto, entender também que aqueles que se habituaram a acessar os recursos de smartphones quase como extensão do próprio corpo se sintam apavorados diante da possibilidade de se afastarem do equipamento – e assim perderem a sensação de controle em relação ao meio e a oportunidade de se comunicar. Não por acaso, recentemente uma marca de carro mostrou numa campanha publicitária um rapaz que ficava completamente nu sem seu celular. A ideia era divulgar a interatividade do veículo e de fato captou a sensação de tanta gente quando não tem seu aparelho ao alcance – ainda que não esteja esperando mensagem, uma informação ou realmente queira falar com alguém naquele momento. Ainda assim a sensação não é apenas de falta, mas de enorme desproteção.
O grande medo de ficar sem o aparelho e, consequentemente, desconectado – de si mesmo e do outro – por algumas horas ganhou nome: nomofobia (contração da expressão no mobile phobia). Um estudo desenvolvido com mil pessoas no Reino Unido (onde a palavra foi utilizada pela primeira vez) revelou que quase 70% dos voluntários se sentiam “muito angustiados” com a ideia de perder o celular. A proporção chegou perto de 80% entre jovens de 18 a 24 anos. Claro que se nos debruçarmos sobre esse medo vamos encontrar inseguranças e angústias bem mais antigas, possivelmente não diretamente relacionadas à falta do smartphone em si, mas sim ao receio de exclusão, da própria fragilidade e ao pavor do abandono.
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