NOVAS EXPERIÊNCIAS DESPERTAM ANTIGAS RECORDAÇÕES
Lembranças de eventos que pareciam banais podem ficar intensas depois, quando se mostram mais importantes do que no momento em que a vivência ocorreu.
Há muito tempo uma pergunta intrigante ronda os estudiosos do cérebro: o que constrói uma memória de longa duração? As pesquisas costumam sugerir que situações emocionais importantes criam raízes profundas, enquanto acontecimentos neutros e comuns do dia a dia promovem impressões fracas, que facilmente se desvanecem. Mas o que dizer de uma experiência que inicialmente não parecia nada memorável, mas que depois se mostrou relevante? Por exemplo, pense que você encontrou um vizinho na rua, ele elogiou a cor de sua roupa e, por um infortúnio, horas depois essa pessoa sofre um acidente que causa sua morte. Certamente, ainda que banais, as palavras do conhecido ganham maior importância por causa da tragédia que o vitimou – e o encontro corriqueiro se torna “o último”.
Estudos anteriores com animais sugeriam que lembranças antigas podiam se tornar mais fortes, mas os cientistas não tinham conseguido replicar os resultados com seres humanos – pelo menos até agora. Novas evidências mostram que recordações inicialmente fracas são mantidas pelo cérebro por um período, durante o qual podem ser intensificadas.
Num estudo recente publicado na Nature, psicólogos da Universidade de Nova York mostraram a 119 voluntários uma série de imagens de ferramentas e animais. Poucos minutos depois, os participantes do experimento visualizaram um novo conjunto de figuras do mesmo padrão, mas dessa vez ao mesmo tempo em que eram submetidos a um choque elétrico para aumentar a importância de apenas uma das categorias. Na sequência, as memórias dos participantes em relação a ambos os grupos de imagens foram testadas em três momentos: imediatamente, seis horas mais tarde e no dia seguinte. Os cientistas observaram que as pessoas se recordavam melhor das figuras da primeira série neutra se pertencessem ao mesmo grupo (ferramenta ou animal) mais tarde associado com o choque. Ou seja: os cientistas constataram que, mesmo que um evento não pareça significativo no momento em que ocorre (como o encontro com o vizinho), uma pista posterior de que a experiência foi importante (sua morte) pode intensificar a memória antiga. Embora a pesquisa ainda não tenha demonstrado esse efeito fora do laboratório, os cientistas conjecturam que isso acontece muitas vezes na vida diária. E nem precisa haver uma tragédia envolvida. Por exemplo, imagine que você conheça várias pessoas em uma reunião social. Dias depois, durante uma entrevista para uma vaga de emprego muito almejada, você descobre que uma delas está no conselho de contratação. De repente os detalhes da conversa que teve na ocasião passada se tornam vívidos e memoráveis – enquanto o bate-papo que teve com outros na mesma ocasião se desbote com o tempo. Pesquisadores reconhecem que, nesse campo, muitas questões ainda permanecem sem resposta. Por exemplo, depois que uma memória é criada, em até quanto tempo pode ser fortalecida? Que tipos de gatilhos podem desencadear essas mudanças? O próximo desafio do psicólogo Joseph Dunsmoor, da Universidade de Nova York, autor principal do estudo, é comprovar se situações positivas ou gratificantes (e não somente choques, tragédias ou sustos) provocam o mesmo efeito
COMO O CÉREBRO AFASTA REGISTROS DESAGRADÁVEIS.
Cientistas isolaram um circuito neural capaz de suprimir o medo, o que pode se traduzir em avanços para tratar problemas psiquiátricos.
O cérebro é hábil para nos alertar de ameaças – e também nos colocar a par quando um perigo deixa de existir. No entanto, algumas vezes, esse sistema falha, o que permite que associações desagradáveis permaneçam – uma alteração que os cientistas acreditam estar na raiz do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Uma nova pesquisa identificou um circuito neural responsável pela capacidade do sistema nervoso de diluir recordações indesejadas. Os resultados podem ter implicações no tratamento de uma ampla gama de distúrbios de ansiedade, incluindo o TEPT. Trabalhos anteriores associaram consistentemente duas áreas neurais com as respostas de medo e a regulação desse sentimento. A amígdala está envolvida com as reações emocionais. A atividade dessa área aumenta consideravelmente quando estamos temerosos. O córtex pré-frontal entra em cena para nos acalmar quando uma ameaça específica é inofensiva no final das contas. Um grande corpo de trabalho relaciona essas duas regiões com a lembrança do susto, mas, devido às suas ligações com muitas outras áreas cerebrais, não se sabia se o esforço conjunto delas estava realmente na raiz da superação do temor. Um novo estudo, conduzido pelo neurocientista Andrew Holmes, do Instituto Nacional de Abuso do Álcool e Alcoolismo, nos Estados Unidos, confirma que é preciso haver uma conexão entre essas duas regiões neurais para dissipar associações de medo. Os pesquisadores trabalharam com camundongos treinados para temer um som apresentado junto com um leve choque nas patas. Em geral, se forem expostos ao mesmo ruído posteriormente, mas sem o estímulo elétrico, os animais aprendem que o barulho é inofensivo – e deixam de ter medo dele. Nesse novo estudo, os pesquisadores interromperam a conexão entre a amígdala e o córtex pré-frontal dos ratos usando a optogenética, que controla neurônios específicos com luzes de fibra óptica. Os autores observaram que suspender essa ligação tão importante impediu os roedores de superar a associação negativa com um som agradável – os animais continuavam a temer o ruído muito tempo depois que os choques desapareciam. Cientistas constataram também que o oposto era verdade: estimular o circuito resultava na extinção mais rápida de memórias de medo. Holmes observa que a amígdala e o córtex pré-frontal são os dois maiores centros de conexões em uma rede de comunicação complexa. No entanto, no caso de prejuízos no mecanismo de extinção do temor, como acontece no TEPT, parece que há alterações em apenas uma conexão entre as duas regiões, e não nos próprios pontos centrais. Assim, os esforços das experiências anteriores para tratar o problema, alterando a atividade de uma dessas grandes áreas do cérebro, provavelmente, eram um exagero. A nova descoberta sugere que os pesquisadores devem explorar medicamentos que atuam sobre esse circuito específico do medo. Holmes acredita que a eliminação saudável do temor depende de “plasticidade neural”, a capacidade do cérebro de fazer novas conexões. Por isso, um processo psicoterápico pode ser a forma menos invasiva e com menos efeitos colaterais para lidar com o medo patológico. Holmes lembra também que a neuroplasticidade é, em parte, influenciada por canabinoides nativos do cérebro, compostos que regulam neurotransmissores. Drogas que alteram o sistema de canabinoide, como o THC, o componente ativo da maconha, poderiam tornar, temporariamente, o circuito de medo mais plástico – o que permitiria a algumas técnicas clínicas, como a terapia de exposição, amenizar a ansiedade de forma mais efetiva.
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