ENVELHECER É UM PRIVILÉGIO!
Cada pessoa tem responsabilidade sobre o próprio processo de amadurecimento. Para desfrutar da maturidade é importante preparar-se e traçar um projeto de vida que compreenda aspectos relativos à saúde física, mental, financeira, social e intelectual.
Você já pensou em um plano para seu envelhecimento? Feche os olhos e se imagine comemorando seu aniversário de 85 anos. Imaginou? Tarefa difícil? Em geral, as pessoas se surpreendem com essa provocação. Quando estimuladas a pensar na celebração dos 85 anos, trazem visualizações de grandes festas, na maioria das vezes rodeadas por família e amigos ou se imaginam em navios ou destinos paradisíacos realizando a viagem tão sonhada. Nessa visão do futuro, a celebração só acontecerá da forma que idealizamos se houver um planejamento de vida. Para alcançarmos nosso objetivo, precisamos de um plano!
Essa provocação foi feita pelo médico brasileiro Alexandre Kalache, que dirigiu o departamento de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, atualmente, preside o Centro Internacional de Longevidade Brasil. Em sua opinião, o país vive o que chama de “revolução da longevidade”.
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corroboram essa impressão. Em 2017, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 76 anos, o que aumentou substancialmente se compararmos à esperança de vida em 1945, que era de 43 anos ou em 1980, de 62,6 anos. O Brasil mudou seu cenário demográfico rapidamente e esse aumento da expectativa de vida foi possível, principalmente, devido à melhora nos parâmetros de saúde pública, ao acesso à assistência médica, aos novos equipamentos e medicamentos. Não são apenas esses números que nos impressionam: a quantidade de pessoas com mais de 60 anos aumentou expressivamente. Em 1940, tínhamos 1,7 milhão de idosos; em 2010, já eram 20,6 milhões, e as projeções do IBGE para 2020 são de 30,9 milhões. Podemos pensar que o envelhecimento populacional seja uma grande conquista.
Porém, não raro, nos deparamos com a supervalorização do padrão contemporâneo de beleza e nos submetemos a ele. Isso explica por que tantas pessoas estão dispostas a fazer qualquer coisa para não envelhecer, sujeitando-se a procedimentos cirúrgicos e terapias anti-ageing (do inglês antienvelhecimento), na tentativa de se adequar à indústria do consumo. Deixamos de lado o fato de que cada idade tem suas características e beleza e o envelhecimento é inerente à vida. Mas é preciso avaliar o que queremos: quantidade ou qualidade? Provavelmente ambos. Os profissionais graduados em gerontologia acreditam que não podemos nos contentar apenas com o acréscimo de velas nos bolos de aniversário – precisamos acrescentar vida aos anos.
O termo “gerontologia” (do grego géron: envelhecimento; e logia: estudo) foi estabelecido por Elie Metchnikoff, em 1903. No Brasil, o primeiro curso de bacharelado foi criado em 2005, com a proposta de preparar profissionais para atuar em todo o processo de envelhecimento, sob as perspectivas biológica, psicológica e social. Essa atuação perpassa diversos cenários, desde preparação de professores nas escolas infantis para trabalharem com a temática até gerenciamento de instituições que oferecem serviços para idosos e suas famílias.
DESDE A INFÂNCIA
Queremos qualidade de vida por muito tempo. Mas para isso precisamos querer envelhecer – algo nem sempre bem-visto em nossa cultura e talvez por isso esse processo seja muitas vezes negado. Muitas pessoas chegam aos 60 anos ou mais e dizem: “A partir de agora vou me cuidar!”. Na verdade, é fundamental estimular a cultura do autocuidado desde a infância. Cada um de nós é responsável pelo próprio processo de envelhecimento, mas nem sempre somos realmente protagonistas de nossas vidas. Quanto nos responsabilizamos por nossas escolhas? Alimentação saudável e balanceada em nutrientes; práticas de exercícios físicos (pelo menos três vezes por semana); atividades cognitivas regulares (como leitura, jogos, aprendizado de um novo idioma, um instrumento musical); interação social, além de outros estímulos podem nos ajudar a construir o envelhecimento que sonhamos, aquele imaginado para a festa de 85 anos. Em que consiste o nosso planejamento de vida? Parece muito abstrato traçar um plano para a existência, talvez um pouco presunçoso, mas o importante é estabelecer metas de cuidado com o corpo e a mente e de reflexão – e nos compromissarmos com elas. É fundamental sabermos que, no nosso trajeto, podemos encontrar alguma ponte rompida, às vezes é possível utilizar um atalho, outras vezes precisamos arrumar a ponte para prosseguirmos. Mas o que precisamos fazer para chegar aos 85 anos – ou mais – como desejamos, partindo de onde estamos agora?
Em primeiro lugar há alguns pontos a serem observados. Por exemplo: os termos senescência e senilidade ainda são muito confundidos. Durante muito tempo, as pessoas achavam que envelhecer era sinônimo de doença e esse processo era chamado de senilidade. A senescência refere se ao envelhecimento normal, no qual algumas alterações fisiológicas são esperadas, embora a intensidade e o início variem. Entre as mudanças há o aparecimento de rugas e cabelos brancos, menor acuidade dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), menor resistência física, diminuição da estatura, alteração nas funções cardíacas, renais, respiratórias e digestivas. É importante ressaltar que essas condições não trazem restrições necessariamente.
Em contrapartida, para a maioria das pessoas alguns aspectos psicológicos vão se fortalecendo com o tempo, de acordo com as experiências de vida, auxiliando na tomada de decisões, nas relações interpessoais, diminuindo a impulsividade, melhorando a coerência e a objetividade. As decisões que tomamos aos 40 anos são totalmente diferentes daquelas tomadas aos 25 anos; há maior coerência, ponderação, enfim, há mais resiliência (resistência psíquica).
A educadora Anita Liberalesso Neri, doutora em desenvolvimento humano, professora e coordenadora do curso de pós-graduação em gerontologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), introduziu no Brasil o conceito de lifespan (desenvolvimento ao longo de toda a vida). Segundo ela, o modelo psicológico de envelhecimento bem-sucedido, baseado em processos de aprimoramento seletivo com compensação, significa simplesmente fazer e ser o melhor possível com os recursos de que dispomos.
O planejamento de vida deve levar em consideração aspectos positivos e negativos que surgem ao longo do tempo para que possamos nos preparar para o que virá, levando em conta a promoção tanto da saúde física quanto psíquica. Segundo Kalache, um projeto de vida compreende quatro capitais: vital, financeiro, social e de conhecimento.
O capital vital diz respeito ao estilo de vida; trata-se do cuidado com alimentação, funcionamento do corpo e atividade física. O capital financeiro envolve a administração financeira pessoal e a reflexão sobre como queremos viver nossa aposentadoria, nos organizando antecipadamente para isso. O capital social engloba relações com amigos, família, companheiros, já que é fundamental nutrir redes de suporte. Por fim, o capital de conhecimento compreende o acesso a informações, educação continuada tanto formal quanto não formal, o que nos possibilita reinventar o curso de vida a qualquer momento.
DIREITO, DEVER E VOZ
A educação para o envelhecimento deveria ser algo ensinado nas escolas desde as primeiras séries com o objetivo de desmitificar o envelhecimento e agregar à velhice perspectivas positivas. Esse tipo de informação auxilia o curso da própria vida, além de contribuir para o fortalecimento das relações e trocas intergeracionais.
Se uma pessoa entende que será o velho de amanhã, sua atitude muda. Temos, porém, a tendência a acreditar que idoso é sempre o outro – e ficamos felizes quando alguém nos dá uma idade menor do que temos. Essa cultura vem de onde? Na maioria das vezes, o adjetivo “velho” caracteriza o objeto que queremos substituir, aquele que jogaremos fora. Mas é possível mudar essa perspectiva. E se “velho” adjetivar um vinho, um uísque, uma cachaça, uma moeda, um móvel, um disco de vinil, uma louça, um livro? Talvez pensássemos nesses objetos como antigos, valiosos – e não como descartáveis.
Socialmente, parece urgente ressignificar nossos idosos e idosas, atribuindo a eles o valor cultural que têm. Essa quebra de paradigmas pode contribuir para que tantas pessoas deixem de estar à margem e passem a compor o quadro social como agente ativo, com atividades, direitos, deveres e voz. Dessa forma, não só os idosos teriam ganhos, mas todas as pessoas, incluindo eu e você – que estamos envelhecendo a cada instante.
As Universidades Abertas à Terceira Idade (UNATIs) são grandes exemplos de inclusão e valorização. Segundo a psicóloga Meire Cachioni, professora do curso de graduação em gerontologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de UNATls, há aproximadamente 200 programas para idosos nas instituições de ensino superior brasileiras. A proposta é promover a inserção do idoso, estimulando a saúde física e mental, a participação e a autonomia por meio de oportunidades educacionais e culturais que favoreçam o desenvolvimento desses homens e mulheres.
Outras iniciativas, também no campo da educação não formal, são os cursos de extensão nas universidades, bem como projetos e programas destinados aos idosos em institutos culturais, museus e equipamentos de lazer, como o Serviço Social do Comércio (Sesc). Essas iniciativas são excelentes oportunidades para os idosos, desde que as diretrizes dos programas não os “infantilizem”. É indispensável atentar para o fato de que o processo de envelhecimento é muito heterogêneo, e ao oferecer atividades para idosos é importante ter respeito e consideração pela história de vida dessas pessoas.
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