PARA PENSAR MAIS SOBRE SEXO
Poucos acreditam ser “completamente normais quando se trata de sexualidade. Em alguma medida, quase todos somos perseguidos por culpa e neurose, fobia e desejos perturbadores, indiferença e aversão. Na verdade, somos universalmente pervertidos – mas apenas em relação a ideais de normalidade altamente equivocados.
É raro passarmos pela vida sem sentir – em geral com um tanto de agonia secreta, talvez ao fim de um relacionamento, ou deitados na cama junto ao nosso parceiro, frustrados, sem conseguir dormir – que somos um pouco esquisitos em relação ao sexo. É nessa área que a maioria de nós tem a dolorosa impressão, no nosso mais íntimo, de ser bastante incomum. Apesar de ser um dos atos mais privados, o sexo é cercado por uma série de ideias poderosas que nos sugerem quão normais as pessoas deveriam se sentir e lidar com a questão.
No entanto, na verdade, a maior parte de nós não é nem de longe normal quando se trata de sexo. Somos quase todos perseguidos pela culpa e neurose, pela fobia e por desejos perturbadores, pela indiferença e aversão. Não nos aproximamos do sexo como deveríamos, com uma perspectiva alegre, esportiva, não obsessiva, constante, bem-ajustada com a qual nos torturamos ao acreditar que outras pessoas possuem. Somos universalmente pervertidos – mas apenas em relação a ideais de normalidade altamente equivocados.
Considerando o quanto é normal ser estranho, é lamentável que as realidades da vida sexual raramente consigam chegar à esfera pública. Se quisermos que alguém pense bem de nós, é impossível comunicar-lhes a maior parte do que somos sexualmente. Homens e mulheres apaixonados instintivamente partilharão apenas uma fração de seus desejos por medo, em geral justificado, de gerar repulsa intolerável em seus parceiros.
Achamos mais fácil morrer sem ter certas conversas. A prioridade de livros filosóficos sobre sexo parece evidente: não é para nos ensinar como desfrutar de um sexo mais intenso ou regular, mas para nos mostrar como, por meio de uma linguagem simples, podemos começar a nos sentir um pouco menos estranhos em relação ao sexo que queremos ter ou que nos esforçamos para evitar.
Quaisquer desconfortos que sentimos em relação ao sexo são geralmente agravados pela ideia de que pertencemos a uma geração livre – e que, em consequência disso, deveríamos, a esta altura, pensar no sexo como um assunto simples e sem complicações.
O discurso padrão sobre a libertação de nossos grilhões é mais ou menos assim: por milhares de anos em todo o mundo, por conta de uma diabólica combinação de fanatismo religioso e costumes sociais pedantes, as pessoas eram atormentadas por uma injustificada sensação de confusão e pecado em torno do sexo. Achavam que as mãos cairiam se se masturbassem. Acreditavam que poderiam ser queimados em um barril de óleo por terem olhado para o tornozelo de alguém. Não tinham a menor ideia do que eram ereções ou clitóris. Eram ridículas.
Então, em algum momento entre a Primeira Guerra Mundial e o lançamento do Sputnik 1, as coisas mudaram para melhor. Finalmente as pessoas começaram a usar biquínis, admitiram que se masturbavam, conseguiram mencionar em contextos sociais o sexo oral feminino, começaram a assistir a filmes pornôs e passaram a se sentir profundamente à vontade com um tópico que, quase inexplicavelmente, tinha sido fonte de desnecessária frustração neurótica durante a maior parte da história humana. Ser capaz de começar uma relação sexual com confiança e satisfação tornou-se uma expectativa tão comum para a era moderna quanto o medo e a culpa tinham sido em eras anteriores. O sexo passou a ser percebido como um passatempo útil, revigorante e fisicamente restaurador, um pouco como o tênis – algo que todos deveriam praticar tão frequentemente quanto possível para aliviar os estresses da vida moderna.
Esse discurso de esclarecimento e progresso, por mais lisonjeiro que possa ser para nossas capacidades racionais e sensibilidades pagãs, contorna convenientemente um fato intransponível: que o sexo é algo em relação ao qual podemos esperar nos sentir livres. Não foi mera coincidência o sexo ter nos perturbado por milhares de anos. Afirmações religiosas repressivas e tabus sociais surgiram de aspectos de nossa natureza que não podem desaparecer de uma hora para outra. Fomos incomodados pelo sexo porque ele é uma força fundamentalmente perturbadora, opressora e louca, em profundo conflito com a maioria de nossas ambições e incapaz de ser bem integrada na sociedade civilizada.
Apesar de nossos melhores esforços para eliminar suas peculiaridades, o sexo jamais será simples ou bonito como gostaríamos que fosse. Ele não é fundamentalmente democrático ou gentil e está ligado a crueldade, transgressão e desejo de subjugação e humilhação.
Ele se recusa a acomodar-se no topo do amor, como deveria. Por mais que tentemos domá-lo, o sexo tem uma tendência recorrente a causar estragos em nossa vida: nos leva a destruir nossos relacionamentos, ameaça nossa produtividade e nos faz ficar acordados até muito tarde, em boates, conversando com pessoas de quem não gostamos, mas cujas barrigas expostas desejamos desesperadamente tocar. O sexo está em um conflito absurdo, e talvez irreconciliável, com alguns de nossos compromissos e valores mais elevados.
Não é de surpreender que não tenhamos outra opção senão reprimir suas exigências a maior parte do tempo. Deveríamos aceitar que o sexo é inerentemente estranho em vez de nos culpar por não reagirmos com mais normalidade a seus confusos impulsos.
Isso não significa dizer que não podemos dar passos para nos tornar mais sábios em relação ao sexo. Apenas devemos saber que nunca vamos superar inteiramente as dificuldades que ele coloca em nosso caminho. Devemos esperar, no máximo, uma respeitável acomodação a uma força anárquica e impulsiva.
Os manuais de sexo, do Kama Sutra a Os prazeres do sexo, foram unânimes em situar os problemas da sexualidade no âmbito físico. O sexo será melhor- nos asseguram de forma variada – quando dominarmos a posição de lótus, quando aprendermos a usar cubos de gelo com criatividade e quando encontrarmos técnicas para chegarmos juntos ao orgasmo.
Se às vezes nos mostramos irritados com esses manuais, talvez seja porque – por trás de sua prosa encorajadora e de seus diagramas úteis – e a sério a noção de que o sexo é perturbador principalmente porque não tentamos a masturbação anal ou porque não dominamos o método Karezza (que propõe o sexo sem orgasmo). No entanto, essas aventuras estão no voluptuoso extremo do espectro da sexualidade humana e debocham dos tipos de desafios que normalmente enfrentamos.
Para a maioria de nós, a verdadeira causa de preocupação não está em como tornar o sexo ainda melhor com um amante que já está entusiasmado para passar várias horas conosco em um divã tentando novas posições, em meio a aromas de jasmim e canto dos pássaros. Na verdade, nos preocupamos sobre como o sexo com nosso parceiro de longa data está problemático devido a ressentimentos ligados à educação dos filhos e ao dinheiro, ou ao do nosso vício em pornografia na internet, ou porque só desejamos o sexo com pessoas que não amamos ou porque tivemos um caso com alguém no trabalho e com isso partimos permanentemente o coração e a confiança de nosso parceiro.
Diante desses problemas e de muitos outros, talvez questionemos nossas expectativas sobre a frequência que podemos esperar que o sexo seja bom para nós – e, contrariamente ao espírito de hoje em dia, podemos concluir que um limite justo e natural para nossas ambições talvez seja umas poucas vezes ao longo de toda a nossa vida. Assim como a felicidade, uma noite maravilhosa de sexo talvez seja uma preciosa e sublime exceção.
Durante nossos melhores encontros, raramente percebemos quanto somos privilegiados. Somente quando ficamos mais velhos e relembramos, repetida e nostalgicamente, alguns poucos episódios eróticos, começamos a nos dar conta da mesquinhez com que os deuses do sexo nos lançam suas dádivas – e, portanto, que uma noite maravilhosa de sexo é realmente uma extraordinária e rara façanha da biologia, da psicologia e do timing.
Durante a maior parte de nossa vida, o sexo parece fadado a ser objeto de desejo e constrangimento. O que quer que alguns manuais de sexo possam prometer, não há solução para a maioria dos dilemas criados pelo sexo. Um livro de autoajuda útil sobre este tema deveria então se concentrar em administrar dor, não em eliminá-la totalmente; deveríamos esperar encontrar uma versão literária de um hospício, e não de um hospital. No entanto, embora não possamos esperar que livros resolvam nossos problemas, eles podem oferecer oportunidades para descarregarmos nossa tristeza e encontrarmos uma confirmação de que nossas aflições são comuns a outras pessoas. Livros têm a função de nos consolar com a lembrança de que não estamos sós nas humilhantes e peculiares dificuldades impostas pelo fato inevitável de que possuímos desejo sexual.
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