A PATOLOGIA DO MOMENTO
Pesquisa mostra que os adeptos do Instagram utilizam- se do potencial comunicacional do aplicativo para dar vazão a suas necessidades narcisistas.
“Qual é o seu Instagram?” – pergunta o polido rapaz para a moça fashionista que acabara de conhecer no badalado café da esquina. “Não possuo” – ela retruca. Neste momento, um rompante de desconfiança paira no ar.
“Qual é o problema dessa pessoa?” – indaga o “Lobo Mau”. Como se já não bastassem as horas investidas, in loco, para abocanhar a primeira “Chapeuzinho Vermelho travestida de vovó inocente”, de que forma o abate poderia ter continuidade? Se a capa desta antes era vermelha, agora o que passa a colorir é o rosto do varão, repleto de raiva, insegurança e paranoia.
Seria o fim dessa anedota infantil? É claro que não. Com um bilhão de usuários ativos mundo afora, a rede social fundada há quase uma década, nos Estados Unidos, por Mike Krieger e Kevin Sytrom, parece ter atingido o seu clímax em 2018. Intitulada de “fábrica narcisista”, caça e caçador podem, com um deslizar de dedos, continuar a sua busca afetivo-patológica.
De acordo com recente estudo desenvolvido pelo pesquisador Seunga Venus Jin, do Departamento de Marketing da Sejong University, na Coreia do Sul, os adeptos do Instagram utilizam-se do potencial comunicacional do aplicativo para dar vazão às suas necessidades narcisistas, seja por meio da busca incessante de seguidores ou do frenesi por curtidas e comentários.
Na visão do especialista, o indivíduo narcisista possui grande quantidade de energia libidinal fixada na etapa do desenvolvimento psicossexual infantil em que mãe e bebê, compõem uma só unidade. É nessa fase que as pulsões sexuais são aglomeradas e direcionadas em relação ao eu do indivíduo, tomando-o mentalmente capaz de buscar os seus objetos de amor externos.
Quando há uma resolução insatisfatória neste período, produzem-se as patologias narcísicas. Assim, o psiquismo passa a operar a seguinte sentença simbólico metafórica de linguagem: “Como não tive forças suficientes para me integrar, utilizar me- ei do próprio corpo como um local paradisíaco de entorpecimento para realizar todos os meus desejos e fantasias”.
Em outras palavras, o indivíduo narcisista ainda não nasceu enquanto sujeito, restando ao mundo real um fantástico faz de conta refratário no qual ele vê a si mesmo projetado nos espelhos dos personagens que encena. É nas redes sociais, portanto, que esse elenco pode ser escolhido livre e ordenadamente sem censura para que cumpram papéis espetaculares.
Seguir as migalhas de pão até a casa da vovozinha? Para os narcisos-lobo-mau, a busca on-line por seguidores representa nada menos do que o impulso maníaco de reparação psicológica. Ora, se o interior está incompleto, faltante e desestruturado, por que não fazer da caçada uma tentativa de reconstruir os afetos que ficaram pendentes de resolução no passado?
Levar uma cestinha de flores para agradar? Já que as afeições pueris foram insuficientes, conferir um coração na bela imagem do perfil alheio, assim como esperar pelo tal reconhecimento, ameniza o sofrimento.
E por que esses olhos e orelhas tão grandes, hein, seu Lobo? Fantasiar-se, utilizando-se dos inúmeros filtros e enquadramentos esteticamente apurados, denota a necessidade de negar a realidade da falta, reconstruindo, imaginariamente, o objeto faltante ideal. Isto é: torno-me perfeito para que um outro ser iluminado, assim como eu, me livre de todas as minhas fístulas.
Por fim, aguardar pelo heroico caçador faz recordar as lamúrias postimeiras de personalidades que dependem de outrem para se salvar. Perseguidas pelo ódio do não existir e pelo vazio incapacitante, estar do lado de fora da trama Instagram midiática é como vivenciar uma fábula para lá de ilusionista. Afinal, para essas pessoas, quem não se mostra nunca poderá ser protagonista.