EXPERIÊNCIA EMOCIONAL TRAUMÁTICA
Entre os comportamentos sexuais inadequados, o abuso sexual é, indiscutivelmente, uma circunstância que pode acarretar consequências indeléveis.
Pela natureza violenta que está implicitada nesses atos, as pesquisas que procuram esclarecer as diversas facetas a ele relacionadas são complexas de serem conduzidas e inconclusivas. A maioria dos estudos é realizada com a população carcerária ou a pedido do poder Judiciário. É uma tarefa quase impossível realizar estudos com criminosos sexuais antes do delito.
Diversos são os questionamentos sobre as causas dessa condição, por exemplo: será que existem padrões de comportamento relacionados a tais práticas? Se existem, como reconhecê-los?
A maior parte dos criminosos sexuais apresenta um diagnóstico psiquiátrico associado a tais práticas, sendo o transtorno da personalidade o que se observa com maior frequência, entre esses o da personalidade antissocial é o mais verificado. Outras condições como dependência de drogas, transtornos do humor e outros distúrbios sexuais, como o transtorno pedofílico, podem estar coligadas (vale lembrar que um indivíduo que abusa sexualmente de crianças não é necessariamente um pedófilo).
No estupro – além de ser um ato violento e humilhante -, a sua expressão comportamental se completa por meio de práticas sexuais, as mais diversas. Geralmente, o estupro está correlacionado a sensações de poder e ódio; nem sempre a conduta sexual é o foco principal. As pesquisas realizadas nesse campo colocam em dúvida o que é primário: a sensação de poder/ódio versus os impulsos sexuais.
O termo coerção sexual também é empregado para designar quando uma pessoa domina a outra pela força física e/ou a compele a participar de alguma pratica sexual.
Determinadas situações que aumentam o estresse, como confinamento em prisões, babás que abusam de crianças por estarem às suas ordens, podem ser um fator precipitante para tal ato. Comumente, após a mudança de ambiente, a ocorrência não persiste: nesse aspecto diríamos que são abusadores sexuais circunstanciais. Por outro lado, há aqueles que são preferenciais, ou seja, indivíduos que ainda que possam obter gratificação sexual dentro do que é considerado legal, assim não o fazem.
O abuso sexual é uma manifestação global por mais que se tente saber sua incidência ela permanece desconhecida: justamente por ser uma das condições de maior subnotificação em todo o mundo, uma pequena parcela aparece nas estatísticas oficiais. Entre as razões para a subnotificação estão aquelas impregnadas por preconceito, como se a vítima também fosse culpada pela sua ocorrência, o perpetrador é inocente – não foi bem um estupro. Há ainda quem o considere como uma circunstância banal, bem como há quem pense que as vítimas são somente do gênero feminino, entretanto os dados dos casos que são notificados demonstram que 80% delas são do gênero feminino e 20% do masculino.
Os estudos atuais indicam que 20% dos abusos são cometidos em situações fora do ambiente familiar, entretanto, a imensa maioria ocorre em contextos familiares. Assim sendo, a maior parte é de casos de incesto, sendo o pai em primeiro lugar, seguido pelo padrasto, irmãos, avós, tios, cunhados e primos.
Como conhecido, as vítimas preferenciais dos abusadores sexuais são crianças e/ou adolescentes, portanto considera-se abuso sexual toda obtenção de gratificação sexual cometida por um indivíduo em fases posteriores do desenvolvimento por meio de violência física, coerção, sedução ou indução do seu consentimento. Compreende, ainda, condições que estão vinculadas à exploração sexual para obtenção de lucro, como a prostituição e pornografia infantil.
A repercussão do abuso dependerá de uma série de fatores, vítimas que sofreram a violência poderão apresentar lesões corporais, entretanto a repercussão emocional nem sempre estará vinculada pelo que pode ser considerado mais ou menos agressivo. Além do constrangimento desse cenário, outro aspecto que precisa ser investigado são as doenças sexualmente transmissíveis.
Repercussões no psiquismo nem sempre ocorrerão imediatamente após o ato violento. As vítimas de abuso sexual tenderão a apresentar algum transtorno psiquiátrico ao longo de suas vidas, e os mais relatados são: depressão, transtornos alimentares, estresse pós traumático, transtornos de ansiedade, disfunções sexuais, abuso de álcool e/ ou outras drogas; além de marcas no psiquismo como vulnerabilidade e revitimização (fenômeno decorrente do sofrimento continuado ou repetido da vítima de um ato violento, após o encerramento deste): portanto, faz-se imprescindível que esse tema seja mais bem compreendido e debatido pelos diversos segmentos da sociedade.
GIANCARLO SPIZZIRRI – é psiquiatra doutorando pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina das USP, médico do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do IPq e professor do curso de especialização em Sexualidade Humana da USP.
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