TALENTOS FUTUROS
Num futuro próximo, em um mundo VUCA, fica a pergunta: os programas de trainees e estagiários farão sentido? Sim. Mas teremos de vencer alguns desafios e promover mudanças nas empresas e escolas.

Pensar em como será o trabalho das empresas em atrair e reter os talemos das gerações mais novas, no futuro, nos faz pensar nas mudanças que vão surgir e nas que já estão em curso. Transformações necessárias no que se refere à formação desses futuros profissionais, aos modelos de gestão, de vínculo de trabalho com a empresa e, sim, mudanças trazidas pelas gerações que chegarem. E comecemos por essas jovens moças e moços…
ESSES MOÇOS…
“Esses moços, pobres moços… Ah! Se soubessem o que eu sei… Não é preciso lembrar do clássico de Lupicínio Rodrigues para trazer à tona o choque entre gerações. De um lado, temos o jovem que vai com muita sede ao pote; de outro, a voz da experiência… Mas, independentemente da época, jovem é sempre jovem – tem sempre seus rompantes e reservas em relação aos mais velhos. “A cada nova geração que chega ao mercado, observamos um conjunto de atitudes diferences às das anteriores. Isso aconteceu com a geração X em relação aos baby boomers; com a geração Y, em relação aos Xs e baby boomers; e agora, acontece novamente com a geração Z”, diz Sidnei Oliveira, consultor e presidente da Escola de Mentores. Para ele, o mais interessante nesse debate não é exatamente as características de uma ou outra geração, mas o fato de elas conviverem mutuamente, algo diferente do que acontecia até meados do século 20. Isso se deve, entre outras razões, ao aumento na expectativa de vida e à evolução da tecnologia e à consequente proliferação de informações na web que permitiram que pessoas mais seniores se mantivessem ativas no mercado de trabalho por mais tempo.
Apesar de evitar os estereótipos que rotulam, de forma superficial e generalizada, os jovens atuais. Oliveira conta que, ao olhar o conjunto de atitudes e comportamentos dos millennials, (parte dos Y e parte dos Zs, com idade entre 18 e 30 anos), percebem-se alguns pontos em comum, como a busca por usufruir o presente em detrimento de escolhas que permitam usufruir o futuro. ”Parece que os jovens de hoje, vendo que os mais veteranos não estão, de fato, usufruindo de todo o trabalho que tiveram, optam por adotar uma estratégia diferente, diz. Mas essa estratégia também traz consequências: o surgimento de um jovem, como afirma Oliveira, “supernutrido” de informações e referências, mas pouco preparado para lidar com suas escolhas, renúncias e frustrações.
“A geração Z nasceu e cresceu em um mundo de ritmo mais acelerado, estão acostumados a se informar por meio de redes sociais. Aliás, a primeira coisa que fazem ao acordar é verificar as atualizações do Instagram”, diz Mafra Habimorad, sócia responsável pela divisão de inovação da Cia de Talentos. Mas há outros interesses, como ela acrescenta: família, educação, saúde e tempo livre são conceitos mais prioritários do que dinheiro ou ascensão social. “Não que estes últimos não sejam relevantes, só não são mais importantes que os primeiros.
Entender o que os jovens querem é um passo para atraí-los. E as novas gerações querem mostrar a que vieram ao mundo. Por isso, propósito também é uma palavra-chave, como avalia Josué Bressane, sócio-diretor da Falconi Gente. Organizações que são inspiradoras, que manifestam seu papel dentro da sociedade e que mostram como podem ser transformadoras, seja do ponto de vista social, econômico, demográfico ou educacional, parecem ganhar mais pontos. “O retorno financeiro deixou de ser prioridade para a nova geração e a possibilidade de contribuição para uma sociedade melhor está à frente. Assim, os processos de recrutamento e seleção devem conversar com esse objetivo”, diz o consultor.
Na verdade, as empresas não devem esquecer o valor do dinheiro, mas precisam entender melhor a questão do salário: não ser o principal foco não significa aceitar ganhar pouco, mas só um salário atraente não é mais suficiente para engajar. “Esse tema será cada vez mais forte entre os jovens, pois o hábito de consumo está mudando significativamente, o que vai interferir no peso da remuneração ou na forma como a encaramos”, diz Mafra.
MAS NÃO DA PARA GENERALIZAR
Diretor da Anima Consultoria para Evolução Humana, coach, professor e autor de Millenials: o mundo é melhor (Qualitymark), Robson Santarém faz uma ressalva. Ele traz as observações de um millenial autor de um dos capítulos de seu livro, Augusto Junior. O jovem é responsável por uma startup que seleciona estagiários e trainees e conhece bem o perfil desses jovens. Junior conta existirem quatro perfis:
1 – OUTLIERS: que são os fora de série, inspiradores, querem mudar o mundo, são comprometidos, são líderes;
2 – POTENCIAIS: aqueles para os quais dizemos...esses vão longe’, precisam desenvolver todo o potencial e estão abertos;
3 – COMUNS: talvez a maioria, aqueles que precisam ser despertados, usam a lei do mínimo esforço;
4 – RETARDATÁRIOS: os “nem-nem”, seja por falta de vontade própria ou por falta de oportunidade, muitos, vítimas da situação social-política-econômica-cultural.
O maior desafio das empresas, e dos gestores, em especial de RH, é conhecer essas histórias e perfis desses jovens para ajudá-los em seu desenvolvimento. E não apenas nisso, mas, como lembra Santarém, também para inovar nos processos, adequando linguagem e metodologias que façam sentido para os jovens, que possibilitem às empresas encontrarem o perfil mais adequado às suas necessidades.
Entender uma parte para mudar o todo – ao menos da gestão, a partir do que demandam os jovens e os impactos dessa onda de Revolução 4.0. Tendo esses fatores como drivers, muitas empresas colocam os atuais modelos de gestão na berlinda e propõem outros que já dão seus primeiros passos ou vivenciam uma espécie de infância corporativa. Assim, explica Oliveira, a gestão caracterizada pela hierarquia e departamentalização de atribuições e tarefas passa a ser desafiada pelos novos negócios com modelo de gestão colaborativa.
“Empresas como Netflix, Uber, Air bnb e Nubank têm demonstrado essa nova realidade e já são consideradas clássicas na gestão colaborativa, na qual as atribuições e tarefas dependem essencialmente da maturidade dos profissionais envolvidos nos processos dessas companhias”, diz Oliveira.
E é nesse novo modelo que os jovens parecem mais adaptados, pois ele reproduz, de certa forma, a existência (e vivência) deles no ambiente digital, sobretudo nas redes sociais e nos jogos virtuais. “Isso contribui muito para que os jovens sejam um dos principais fatores de transformações nas empresas que pretendem ser relevantes nos próximos anos”, destaca.
COMEÇO D0 FIM?
Apesar de Paulo Mendes, sócio- fundador da Amrop 2Get, trabalhar com profissionais mais seniores, ele mantém um contato muito furte com empresas da nova economia, contratando profissionais para elas. “Usamos plataformas que conectam projetos em andamento com profissionais que tenham a expertise e o interesse para participarem deles. E a contratação pode ser interina, ou seja, enquanto o projeto estiver em funcionamento. E acredito que essa será a tendência para os jovens”, diz Mendes.
Por essa razão, ele acredita que programas de trainees, por exemplo, deixarão de existir. “Novas gerações pensam de forma diferente, são mais imediatistas. Modelos de contratação de trainees, pensados para desenvolvimento no médio e longo prazo, simplesmente deixarão de fazer sentido em termos de custo/benefício para as empresas”, avalia Mendes. “Afinal, elas investem muito dinheiro e tempo para treinar um profissional que tem cada vez menos desejo de criar laços com a mesma empresa por muito tempo. A nova realidade, tecnológica e imediatista, já existe e não tem como lutarmos contra. Mas, calma. Vamos tratar do futuro desses programas um pouco mais adiante.
Tendo esse pano de fundo, Mendes explica que as empresas funcionarão com células criadas para projetos específicos. A regra será o trabalho por meio de redes e de conexões que se juntam para formar os times, e por meio de um time permanente dentro da organização. Ou seja, os vínculos são outros… E um dos pontos- chave de atração de uma companhia não será mais a marca, na avaliação de Mendes, mas a qualidade da liderança. “Cada vez mais as pessoas optarão por trabalhar com lideranças que, de alguma forma, as inspiram, e por projetos que estejam alinhados ao seu propósito.”
Ter mais de um formato de vínculo de trabalho é certamente uma tendência, avalia Carla Albertini Esteves, sócia-diretora de projetos da Cia de Talentos. Ela cita a ‘uberização’ da mão de obra que, essencialmente, significa uma nova relação de trabalho com uma ou mais empresas: do ponto de vista da organização, pressupõe trabalhar com uma rede interna e externa de talentos. “O que podemos afirmar, hoje, é que o apetite para testar novos modelos de trabalho, que promovam mais autonomia e desenvolvimento, já é uma realidade. A pesquisa Carreira dos Sonhos de 2017 mostra que 66% dos jovens, 68% da média gestão e 77% da alta liderança gostariam de experimentar novos modelos de trabalho”, diz.
Carla faz questão de destacar que os jovens, dentre os três públicos, é o que tem “menos apetite-, apesar de a maioria desejar experimentar um modelo novo. “Os jovens ainda têm uma expectativa de encontrar um plano de carreira e estabilidade financeira e esses dois pontos conflitam com modelos menos tradicionais de vínculo. O desafio será desenhar carreiras cada vez mais individualizadas e autogeridas que deem conta desta ambiguidade de desejos e interesses.” Contudo, há quem discuta o vínculo por projetos, como Robson Santarém. Para ele, até pode ser um caminho para alguns dos perfis dessa geração, não para todos. “Um grande contingente espera trabalhar em organizações que os acolham, que lhes deem significado e autonomia e possibilitem aprendizado e crescimento. Há, porém, outros cujo perfil diferenciado vai se sentir mais motivado com o dinamismo dos projetos – organizações que agem como startups serão bem-vindas e desejadas por esses tipos. E percebo que é crescente esse número de jovens que quer empreender e cresce também o empreendedorismo social e veio também uma insatisfação com muitos dos modelos organizacionais ainda vigentes, diz Santarém. E uma das alternativas encontrada para os jovens é criar sua própria empresa – mais conhecidas como startups…
O MOVIMENTO DAS STARTUPS
Coordenador de recrutamento e seleção do Nube, Erick Sperduti concorda que alguns jovens já possuem o perfil empreendedor enraizado e as corporações não têm muito como agir em relação a isso. “Muitos buscam experiências em startups, pois terão mais voz ativa e autonomia para tomar decisões, se sentido mais valorizados. É importante que as empresas façam uma ‘leitura’ desses principais aspectos para promover mudanças de uma forma organizada e coerente para captação desse público”, avalia.
O movimento das startups ganhou muita força no imaginário dos jovens nos últimos anos. Isso se deve, de acordo com Sidnei Oliveira, porque o cenário de trabalho nas empresas ainda é bastante “hostil” para as expectativas ansiosas dos jovens.
E ele dá um recado às moças e moços para que, como na canção de Lupicínio, não se deixem levar apenas pela paixão desenfreada de achar que montar uma startup é apenas “trabalhar sem chefe e fazer apenas o que ama no seu próprio horário”. Todos sabemos que isso está bem longe da realidade e grande parte desses mesmos jovens acabam retomando para o mercado de trabalho comum, quando não conseguem mais manter sua infraestrutura de vida e não têm mais a quem recorrer para isso, diz Oliveira. Ou seja: vida de empreendedor é difícil como o quê.
E o autor de Gerações: encontros, desencontros e novas perspectivas (Integrare Business), entre outros livros, corrobora a opinião de Sperduti: esse movimento é um sinal de alerta (ao menos deveria ser) para que as empresas mudem, não só para atrair os jovens, mas porque elas estão diante de cenários disruptivos que podem pôr um fim em suas próprias existências. “E a melhor estratégia [das empresas) é observar a linguagem e a forma de operar das startups, ousando inovar. Essa é a melhor forma de atrair os jovens e criar vínculos com seus melhores talentos, conta Oliveira.
E pode começar olhando para exemplos dos EUA e de alguns países da Europa, como aconselha Mendes. Alguns pararam de lutar contra as startups e passaram a se associar e a investir nelas, “É uma forma de contar com os jovens brilhantes, motivados e inspirados, com alto senso de dono, alinhados com sua estratégia corporativa”, diz o sócio da Amrop 2Gel.
“De fato, perdemos profissionais ou que abrem suas startups ou que são convidados por outras”, diz Roberto Martins, diretor da PwC Brasil. Em outros países, a empresa de auditoria e consultoria mantém aceleradores desses projetos internamente, com boas doses de investimento. A ideia é manter os talentos dentro de casa. “As empresas perdem boas oportunidades com a saída desses profissionais. Se os jovens querem empreender, querem testar novas maneiras de trabalho ou provocar novos modelos de negócios, por que não dentro das próprias organizações? Por que não dar essa oportunidade para eles?”, questiona Martins, citando um bom exemplo brasileiro: o Cubo, fundado pelo Itaú Unibanco, em parceria com a Redpoint eventures. Mas na PwC Brasil essa aceleradora ainda não chegou; há discussões sobre como trazer para cá.
MUDANÇAS EM CURSO
Na batalha com as startups pela atenção e pelo comprometimento (que tende a ser infinito enquanto durar, numa versão “viniciusiana” dos novos vínculos de trabalho), muitas empresas estão promovendo mudanças em seus processos de recrutamento e seleção de jovens. Os desafios são grandes. E um deles, como explica Débora Nascimento, diretora do Instituto Capacitare, começa logo no processo de atração. Há uma grande demanda por perfis semelhantes. E isso, num universo reduzido de oferta, traz dificuldades. “Por essa razão, há tantas ações de marketing e de valorização da marca empregadora: para que os jovens não só participem da seleção, como se mantenham engajados e fiéis a ela até o final”, diz Débora.
E pode acreditar: os jovens desistem de processos longos. Renata Franco, gerente de gestão de talentos da PwC Brasil, conta que, a partir da constatação do imediatismo dessa nova geração, alguns processos foram mudados no Programa Nova Geração. Desde o ano passado, por exemplo, o projeto de captação de trainees para a firma passou a ser mais rápido. Bem mais rápido.
“O programa vai se reinventando ao longo dos anos. Ele era bem formal e demorado: fazíamos uma etapa de seleção; depois uma etapa de testes online; então, os aprovados participavam de uma dinâmica de grupo; quem passava nas dinâmicas ia para as entrevistas. Eram meses até chegar ao fim do processo, com todos os provados em definitivo”, lembra Renata.
Agora, é diferente. Depois de ouvir os feedbacks de todos os profissionais que passaram por esses processos (aprovados e não aprovados) e com base também em estudos sobre gerações que a própria PwC produz e outros, a empresa resolveu aplacar o imediatismo dos jovens e sua predileção por resultados rápidos. Atualmente, em um dia, na parte da manhã, os jovens fazem uma dinâmica de grupo; os candidatos, ao final de cada uma, já ficam sabendo que foram aprovados; estes, ainda no mesmo dia, são encaminhados para a entrevista. Ou seja, no fim do dia sabem quem vai fazer parte ou não do time da `PwC. “No processo mais demorado, perdíamos bons candidatos para outras empresas, também em busca de trainees”, conclui Renata.
Na edição deste ano do Programa Nova Geração, foram oferecidas cerca de 400 vagas para estudantes matriculados a partir do 2º ano da graduação ou formados há, no máximo, dois anos. Os candidatos puderam optar por atuar em três áreas de negócios: auditoria, consultoria tributária e societária ou consultoria de negócios. E quase 40 mil jovens se inscreveram para o programa.
POUCA GENTE, POUCOS RECURSOS
Outro obstáculo que os programas para novos talentos enfrentam refere-se em como o RH vai prover esses jovens com formas diferenciadas de atuação e de aprendizagem, sem deixar que o interesse deles por uma carreira na empresa murche. Mas esse desafio tem agravantes; em um cenário conturbado, com organizações com poucos recursos financeiros e humanos para isso (para completar a lista de “maldades”, muitas estão com um número reduzido de profissionais para acompanhar esses programas, pois as empresas estão bem mais enxutas). Mas, calma: na crise, crie! Na opinião de Débora, esse panorama irá forçar o surgimento de um “RH criativo, atento e amigo, que valoriza os jovens e os programas de estágio e trainee como verdadeiros celeiros de excelentes profissionais”.
Paralelamente a esses desafios, algumas mudanças já vêm sendo adotadas em alguns desses programas. Pelos referenciais e experiências dos jovens no mundo digital ou virtual, algumas empresas passam a oferecer programas mais “sedutores”. Entenda-se: com uma linguagem muito próxima da cultura que os candidatos vivem. Por isso, já não é mais incomum observar programas de seleção em ambientes “descolados’, com recrutadores amigáveis e superacessíveis, dispostos a dar feedback e conselhos de forma autêntica, diz Sidnei Oliveira.
A utilização mais frequente de games também é percebida por Erick Sperduti, do Nube.”Eles podem avaliar algum conhecimento ou simular uma situação real da empresa para observar o comportamento dos candidatos”, diz ele. E o uso dessa tecnologia permite identificar uma tendência desses programas: uma redução nas seleções presenciais e uma maior utilização dos meios virtuais. E nesse caso, temos outra ação que passa a fazer parte desses processos de seleção: as vivências por meio de desafios. “Aqui, o objetivo é conferir mais autenticidade aos seus processos, o que parece estar funcionando por enquanto”, acrescenta Oliveira
Na Netshoes, por exemplo, os jovens interessados em entrar para a empresa passam pelo Tech Talents. Trata-se, segundo Gabriela Garcia, chief business transformation oficer da empresa de e-commerce, de uma reinvenção do processo seletivo, idealizado especificamente para a seleção na área de tecnologia. Mas aspectos como dinamismo e trabalho em equipe também são avaliados, assim como em um recrutamento mais tradicional”, diz ela.
“Do ponto de vista da atração de talentos, inovar e ser criativo no processo é algo que deve ser considerado e, por isso, pensamos nessa dinâmica com o Tech Talents. Essa nova geração, que já nasceu conectada e está chegando agora ao mercado, é motivada por novos desafios e mostrar todo o DNA digital da Netshoes, desde o recrutamento, pode gerar identificação e atrair os jovens talentos”, conta. Para participarem do projeto, os jovens que se inscrevem (por meio de um link na internet) já começam com um desafio para resolver.
Falando de startups, na Netshoes, o medo de perder os jovens talentos para as startups não existe, ao contrário. “Se um jovem talento daqui decidir se dedicar a um projeto pessoal ou empreender, o que queremos é que a nossa história e valores o inspirem nesse novo movimento”, diz Gabriela. No fundo, o que não pode ser perdido é a capacidade de criar ou desenvolver talentos.
UMA QUESTÃO DE EDUCAÇÃO, TAMBÉM
As mudanças não são apenas tarefas de casa das empresas. De acordo com Maira, da Cia de Talentos, todas as instituições de ensino (do básico ao superior) têm duas lições a serem feitas. Uma delas é rever o modelo e o desenho da experiência de aprendizagem, de forma que contemple um modelo e premissas mais atuais como uma lógica menos linear, com papéis mais compartilhados, com multidisciplinaridade e mecanismos de avaliação e processo do aluno que sejam mais semelhantes à vida adulta. A outra é revisitar o conteúdo educacional, desde os temas a serem ensinados até a forma como se inter-relacionam. Precisamos dar maior peso ao desenvolvimento de competências socioemocionais e de habilidades metacognitivas, aquelas capazes de ajudar os alunos a aprenderem a aprender e a terem mais autoconhecimento e clareza de suas fortalezas comportamentais e pontos de atenção”, diz Maira.
Na avaliação de Sperduti, algumas universidades já estão se reavaliando e adotando mudanças, como a adesão à tecnologia como parte integrante no processo de aprendizagem, desde matérias ensinadas a distância até cursos completamente virtuais. “Entretanto, engana-se quem pensa sobre esse tipo de ensino ainda limitar-se apenas a textos e vídeos explicativos. A inteligência artificial já é uma realidade presente dentro das universidades, tomando o processo mais adaptativo e facilitando a comunicação entre alunos e professores, com interfaces dinâmicas e intuitivas. Os jovens estão sendo preparados para cenários mais flexíveis, preocupando-se menos com horários e mais com resultados”, diz.
“Agora, cabe às empresas romperem o preconceito com esse tipo de ensino, pois já são mais de um milhão de alunos em todo o país estudando EAD”, diz o executivo do Nube.
Mas o caminho para isso ainda é longo. Para o diretor de inovação acadêmica e redes de cooperação do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), Fábio Reis, há um grupo muito pequeno de instituições que fazem um esforço para entender o jovem e o momento digital que vivemos. “De maneira geral, o modelo de ensino e de relacionamento ainda é o do século 20, o convencional. “As instituições até têm a percepção do processo de mudança, falam da nova geração e dos desafios, só que não promovem mudanças sistêmicas, que de fato contemplem o jovem digital”, diz Reis.
Para ele, é perigoso que haja um distanciamento cada vez maior entre essas instituições e os jovens. Isso pode fazer com que estes deixem de considerar o ensino superior como algo relevante. “Essa falta de sintonia dos jovens com a sala de aula também poderá ser sentida no setor produtivo. Trabalhar as competências necessárias será multo mais importante do que a apresentação de um diploma. Se não houver um novo modelo acadêmico, para atender às demandas do mercado de trabalho, os jovens irão criar o portfólio de certificados, com diversos cursos de curta e média duração, mas que contribuem para a sua atuação e desenvolvimento profissional, comenta Reis.
“Para redesenhar o modelo acadêmico, as instituições precisam buscar boas referências nacionais e internacionais, serem mais hands on, digitais, interativas, formar os jovens por competências, diz. Em 2017, o Semesp montou o Grupo de Trabalho de Inovação, formado por pessoas de diversas áreas, para instigar essa transformação, ajudar no processo de mudança institucional e acadêmica, diminuir a evasão, aumentar o engajamento dos estudantes e, consequentemente, melhorar os resultados acadêmicos e administrativos das instituições de ensino superior.
OS PROGRAMAS DE TRAINEE FARÃO SENTIDO?
Diante dessas transformações de geração, de gestão, de vínculo de trabalho e de formação, fica a pergunta: os programas de trainees terão espaço num futuro não muito distante? A grande maioria dos especialistas ouvidos afirma que sim, mas com reservas. Vamos entendê-las. Sidnei Oliveira, por exemplo, ressalta que trabalhar o high potential é sempre essencial; e os programas de trainee, e os de estágio também, têm esse objetivo (ajudar a preparar sucessores).
“Isso significa que não há como abrir mão dessas iniciativas, pois trata-se de trabalhar a gestão do conhecimento tácito – aquele que não há como documentar – presente nas atitudes e comportamento dos profissionais mais veteranos”, conta. Mas esses programas farão sentido desde que possibilitem uma experiência real, na avaliação de Robson Santarém. Isto é, desde que propiciem uma experiência que seja produtiva, de aprendizado contínuo, que permita aos jovens tomar consciência de suas potencialidades e de como aplicá-las, contribuindo para que as organizações tenham melhores resultados, em termos de inovação e contribuição para a sociedade e o ambiente natural. “Do contrário, esses programas vão gerar insatisfação e resultados negativos”, diz ele.
Se, por um lado, as empresas continuarão precisando de jovens de muito potencial para acelerar projetos e iniciativas e ocupar posições estratégicas a médio e longo prazo, de outro, os jovens vão continuar interessados em trilhar caminhos profissionais de aceleração e aprendizagem constante. “Mas certamente os programas passarão e já estão passando por transformações. Primeiro, na forma de a empresa atrair, baseando-se em uma proposta de valor para o empregado (da sigla EVP em inglês, Employee Value Proposition) genuína e em processos de seleção por perfil comportamental e de valores, e cada vez menos pelo nome da instituição, por exemplo. Hoje, 65% das posições de jovens talentos trabalhadas na Cia de Talentos já priorizam competências comportamentais e experiências de vida acima da marca da instituição em que o jovem estudou”, diz Carla.
Para ela, as mudanças nesses programas virão no desenho de desenvolvimento on the job e de formação dentro da empresa, criando ciclos mais curtos de aprendizagem e de contribuição, e menos de uma grande etapa de formação para um dia ocupar uma posição de liderança. “Entendemos que coaching e mentoria para desenvolvimento de resiliência e leitura de cultura e cenários também serão mais presentes nos programas, assim como a capacidade de aprender rapidamente e de se adaptar”, diz Carla.
Vale ressaltar que não apenas os jovens devem desenvolver a capacidade de aprender a aprender e a se adaptar aos novos tempos. Como vimos, as próprias empresas devem dar um passo nessa direção, não só para ter os bons por perto ou dentro delas, seja lá qual for o vínculo com eles, mas para se manterem no mercado.