A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Câmeras de vídeo rastreiam movimentos dos olhos para detector para onde alunos direcionam sua atenção, e sensores de pele revelam se os estudantes estão interessados ou entediados. Os resultados ainda não chegaram às escolas, mas a nova metodologia já desafia crenças estabelecidas ao mostrar que professores não podem ser avaliados com base apenas em suas credenciais acadêmicas, que o tamanho da sala de aula nem sempre é primordial e que alunos poderão realmente ficar mais motivados se fizerem esforços para completar as tarefas durante as aulas, com supervisão e junto com os colegas.
Anna Fisher apresentava um seminário para universitários sobre atenção e distração de crianças pequenas quando notou que as paredes da sala estavam nuas. Isso a fez refletir sobre as salas de aula da pré-escola, que costumam ser decoradas com cartazes alegres, mapas coloridos, gráficos e trabalhos de arte. Ela se questionou, então, sobre que efeito todo aquele estímulo visual exerce sobre crianças, que são muito mais suscetíveis à distração que seus alunos da Universidade Carnegie Mellon. Esse tipo de decoração afeta a capacidade de aprendizado das crianças?
Para verificar isso, a estudante de pós-graduação Karrie Godwin, orientanda de Fisher, desenvolveu um experimento com crianças do jardim de infância da Carnegie Mellon’s Children’s School, uma instituição experimental que funciona no campus. Dois grupos de 12 alunos cada um sentaram-se em uma sala alternadamente decorada ou totalmente vazia e ouviram três histórias sobre ciências em cada ambiente. Os pequenos voluntários foram filmados pelos pesquisadores, que mais tarde observaram o quanto cada criança prestou atenção aos relatos. Ao fim da leitura, fizeram perguntas sobre o que ouviram. As da sala de paredes nuas eram mais propensas a prestar atenção e apresentaram melhores resultados em testes de compreensão. Centenas de experiências como essa fazem parte de uma iniciativa para trazer conhecimentos científicos sobre aprendizagem para as salas de aula. Nos Estados Unidos, esse movimento começou com a lei “No child left behind” (Nenhuma criança deixada para trás), em 2002. Na ocasião, foi fundado o Instituto de Ciência da Educação (IES, na sigla em inglês) para incentivar cientistas a buscar o que foi descrito como “pesquisa cientificamente válida”, em especial estudos controlados randomizados, que defensores do IES consideram bastante confiáveis. Também foi criado o What Works Clearinghouse, espécie de banco de dados com informações variadas para educadores: desde comentários sobre currículos específicos até técnicas de ensino baseadas em evidências.
Agora, pesquisadores americanos estão usando a tecnologia emergente e novos métodos de análise de dados para criar experiências que teriam sido impossíveis há dez anos. Economistas descobriram como compactar os dados para simular estudos randomizados – que muitas vezes são difíceis e caros de adequar a escolas. Câmeras de vídeo rastreiam movimentos dos olhos para ver para onde alunos direcionam sua atenção; sensores de pele mostram se os estudantes estão interessados ou entediados. Grande parte das novas pesquisas supera a simples métrica de testes padronizados para avaliar a aprendizagem em andamento. “Estou interessado em medir o que realmente importa”, afirma Paulo Blikstein, professor assistente da Faculdade de Educação da Universidade Stanford, que participa do desenvolvimento de novas tecnologias e técnicas de coleta de dados para capturar o processo de aprendizagem. Conhecer o bom desempenho dos alunos ao completarem uma tarefa é apenas parte da experiência. Cientistas também gravam a expressão dos alunos, a resposta galvânica da pele e as interações no grupo, entre outras coisas. Blikstein denomina essa abordagem de “aná lise multimodal da aprendizagem”.
A nova metodologia já desafia crenças amplamente estabelecidas ao revelar que professores não podem ser avaliados com base apenas em suas credenciais acadêmicas, que o tamanho da sala de aula nem sempre é primordial e que alunos poderão realmente ficar mais motivados se fizerem esforços para completar uma tarefa em sala de aula. Embora ainda haja muito a ser compreendido nesse campo, as constatações já começam a preencher algumas lacunas nesse quebra-cabeça extremamente complexo chamado educação.
EM BUSCA OE PADRÕES
Perguntas provocativas deflagram os resultados mais surpreendentes. Em uma série de experiências com estudantes do ensino fundamental lI e médio, Blikstein tenta compreender a melhor forma de ensinar matemática e ciências indo além, por exemplo, dos testes de múltipla escolha para avaliar o conhecimento dos alunos. “Muito do que acontece em ciências exatas resulta em fracasso; é o processo de tentativa e erro que esperamos captar com essas novas ferramentas: levamos as crianças ao laboratório e passamos tarefas que envolvem algum tipo de projeto de engenharia ou de ciências”, conta Blikstein. Pesquisadores colocam sensores no laboratório e, às vezes, nas próprias crianças. Depois, coletam os dados e os analisam buscando padrões. “Há muitas coisas na forma como as pessoas aprendem que são contrárias à intuição; gostamos de desvendar esses mecanismos mentais, por vezes equivocados, para entender o que de fato é eficiente.”
A aprendizagem baseada em “descobertas” que ocorrem quando alunos desvendam sozinhos os fatos, em vez de recebê-los prontos, está em voga ultimamente. Blikstein e seus colegas no FabLab @ School, uma rede de oficinas educativas criada por ele em 2009, tentam atingir a essência da quantidade de instruções de que os alunos realmente precisam. Pais podem não gostar de ver seus filhos frustrados na escola, mas Blikstein garante que “há níveis de frustração e de fracasso que são muito produtivos, são ótimas maneiras de aprender”. Em uma série de estudos, ele e seus colegas tentaram descobrir se alunos aprendiam mais sobre um tópico de ciência se assistissem primeiramente a uma aula ou se fizessem uma atividade exploratória. Ele chamou a aula de “ouvir dizer e praticar”. Os alunos foram divididos em dois grupos. Um começou com a atividade expositiva e o outro, com a exploratória. Pesquisadores repetiram o experimento em várias ocasiões e encontraram resultados consistentes: jovens que iniciaram com atividade prática se saíram 25% melhor que aqueles que participaram antes da aula expositiva.
O professor de administração e política Jordan Matsudaira, da Universidade Cornell, ajudou a ressuscitar uma antiga ferramenta de pesquisa econômica e a empregou para observar a utilidade de aulas de reforço. O método, estruturado nos moldes de acompanhamentos clínicos controlados e conhecido como análise de regressão-descontinuidade, compara o rendimento de estudantes. No estudo sobre as aulas complementares, por exemplo, Matsudaira comparou alunos cujos resultados de testes ficaram pouco acima do nível que o s tornava candidatos para as atividades de reforço com aqueles que estavam logo abaixo para verificar se as aulas adicionais melhoravam os resultados dos testes dos alunos. Conclusão: aulas a mais podem ser uma forma mais eficaz para melhorar o aprendizado que a redução do tamanho das turmas, por exemplo.
Outros pesquisadores prospectam dados para monitorar o progresso de vários alunos ao longo do tempo. O professor Ryan Baker, da Universidade Columbia, presidente da International Educational Data Mining Society, lembra que, quando trabalhava em seu doutorado no início dos anos 2000, acordava todas as manhãs às 6 horas para dirigir até uma escola onde passava o dia todo em pé, fazendo anotações em uma prancheta. Avance rapidamente uma década, e a rotina de trabalho de Baker parece muito diferente. Recentemente, ele e seus colegas concluíram uma pesquisa longitudinal de sete anos para estudar os registros digitais sobre como milhares de estudantes do ensino fundamental II usaram um programa de tutoria em matemática pela internet denominado ASSISTments. Os pesquisadores rastrearam se os alunos entraram na faculdade e, se o fizeram, para que tipo de faculdade em termos de exigência e em qual graduação para verificar se poderiam fazer conexões entre o uso do software e as conquistas acadêmicas posteriores.
“O Big Data nos permite observar durante períodos longos e olhar detalhes muito precisos”, afirma Baker. Ele e seus colegas estavam especialmente interessados em ver o que acontecia com alunos que estavam “burlando” o sistema – tentando passar por um conjunto particular de problemas sem seguir todos os passos. Acontece que burlar os problemas mais fáceis não foi tão prejudicial quanto ludibriar nos mais difíceis. Alunos que resolveram as questões mais fáceis poderiam simplesmente estar entediados, enquanto os que trapacearam nas realmente complicadas podem não ter entendido o material. Baker acredita que esse tipo de informação talvez ajude professores e orientadores a descobrir não só quais alunos correm risco de te r problemas acadêmicos, mas também por que eles estão em risco e o que pode ser feito para ajudá-los.
PROFESSOR DE ALTA QUALIDADE
Novos estudos ajudam a construir uma base de evidências inexistente no ensino. Grover Whitehurst, diretor-fundador do IES – e atualmente diretor do Brown Center on Education Policy e membro sênior da Brookings lnstitution -, lembra que quando começou a trabalhar no projeto em 2002, logo após o programa No child left behind entrar em vigor, o superintendente de um distrito predominantemente de minorias pediu-lhe que sugerisse um currículo de matemática comprovadamente eficaz para os seus alunos. “Quando respondi que não ha via nenhum, ele não pôde acreditar estar sendo obrigado por lei a basear tudo o que fazia na pesquisa científica e não haver nenhuma na qual pudesse se fiar.” Esse superintendente não estava sozinho. “Havia muito pouca pesquisa que realmente atendesse às necessidades dos educadores. A maioria dos trabalhos era escrita por acadêmicos para serem lidos por acadêmicos.”
Muitos pesquisadores discordam dessa avaliação dura, mas a crítica forçou a comunidade a examinar e explicar seus métodos e missão. Nos primeiros anos do IES, Whitehurst e outros frequentemente comparavam a ciência da educação com os estudos sobre drogas, que indicavam que pessoas que estudam as escolas deveriam testar currículos ou práticas pedagógicas da mesma forma que um pesquisador farmacêutico testaria um novo fármaco.
Estratégias ecurrículos que passassem no teste iriam para o What Works Clearinghouse.
John Easton, atual diretor do IES e ex-pesquisador educacional na Universidade de Chicago, acredita que o Clearinghouse é especialmente útil como forma de o governo vetar produtos que os distritos escolares podem se sentir pressionados a comprar. “Acho que é uma fonte muito valiosa e confiável a que se pode recorrer e descobrir se há alguma evidência de que esse produto comercial funciona”, declara. O Clearinghouse agora abriga mais de 500 relatórios que resumem descobertas atuais sobre temas como o ensino de matemática para crianças pequenas, a escrita no ensino fundamental e auxílio a alunos no processo de candidatura à faculdade. Também revisou centenas de milhares de relatórios para auxiliar no discernimento entre a pesquisa de melhor qualidade e o trabalho mais fraco, inclusive estudos sobre temas como a eficácia das escolas conveniadas e pagamentos por mérito para professores, que informavam sobre o debate em curso sobre essas questões.
Segundo Whitehurst, uma das contribuições mais importantes da ênfase na ciência rigorosa foi uma mudança drástica na definição de um professor de alta qualidade. No passado, a qualidade era definida pelas credenciais, como um diploma ou certificação específica. “Agora, trata-se de eficácia na sala de aula, medida por observações e pela capacidade de um professor melhorar os resultados das avaliações”, afirma. Embora ainda haja controvérsia significativa sobre como mensurar a eficácia de um professor, Whitehurst acredita que a mudança na abordagem foi impulsionada pela comunidade de pesquisa, especialmente por economistas. Muitos pesquisadores se queixam de que a ênfase do IES em estudos controlados randomizados ignorou outras metodologias potencialmente úteis. Estudos de caso de distritos escolares, por exemplo, poderiam descrever práticas de aprendizado em ação da mesma forma como escolas de administração empregam estudos de caso de empresas. “O quadro atual é realmente um ecossistema de metodologias, o que faz sentido, porque a educação é um fenômeno complexo”, afirma o professor de psicologia da educação Anthony Kelly, da Universidade George Mason. Para Easton, porém, estudos controlados randomizados tomam parte importante nesse processo, mas não necessariamente como “evento culminante”. Para ele, os estudos também podem ser úteis no início do processo de desenvolvimento de uma intervenção educativa para ver se algo está funcionando e se vale a pena investigar mais.
NO MUNDO REAL
Conseguir essa nova ciência em escolas ainda é um desafio. “O problema com a pesquisa em educação, como em muitos outros campos, é que ela normalmente se traduz em longas trajetórias de trabalho”, considera Joan Ferrini-Mundy, diretora adjunta da Directorate for Education and Human Resources. “É muito improvável que um único estudo, em período curto, produza impacto. “Há também uma barreira de longa data entre o laboratório e a sala de aula. No passado, muitos pesquisadores sentiam que não era sua função encontrar aplicações para seu trabalho no mundo real. E educadores, na maior parte das vezes, acreditam que a experiência acumulada na sala de aula superava qualquer coisa que pesquisadores poderiam lhes dizer.
O What Works Clearinghouse deveria ajudar a cobrir essa lacuna, mas em 2010 o General Accountability Office (GAO) constatou que apenas 42% dos distritos escolares pesquisados tinham ouvido falar dele. O levantamento do GAO verificou também que apenas 34% dos distritos acessaram o site do Clearinghouse pelo menos uma vez e que menos ainda o utilizava com frequência. Um relatório atualizado em dezembro de 2013 mostrou que a disseminação permanecia problemática. Easton e outros reconhecem a necessidade de um melhor direcionamento para as escolas. Como parte da solução, o Clearinghouse já publicou 18 “guias práticos”, que estabelecem o que se sabe sobre temas como ensinar inglês ou matemática para crianças pequenas. Cada um é compilado por uma comissão que reúne pesquisadores, professores e administradores escolares. “Os guias de boas práticas também podem orientar pesquisas futuras”, afirma a professora de psicologia Sharon Carver, membro do comitê de matemática para principiantes e diretora da Carnegie Mellon’s Children’s School. Ela pede a seus alunos de pós-graduação que leiam os guias relacionados com seu campo e busquem áreas que precisam de mais exploração.
Cada pergunta da pesquisa é uma tentativa de encaixar mais uma peça de um enorme quebra-cabeça. “Não acho que seja possível olhar para a educação pensando simplesmente se ela funciona ou não, como se fosse uma lâmpada”, ressalta Joseph Merlino, presidente da 21st Century Partnership for STEM Education, uma organização sem fins lucrativos dos subúrbios da Filadélfia. “Não acredito que o conhecimento humano seja assim… Em uma era mecânica, estamos acostumados a pensar nas coisas mecanicamente. Será que funciona? Você pode consertar? Não acredito que se possa corrigir a educação mais do que um pé de tomate. Você o cultiva. Você o nutre. E ele dá frutos.”
A organização de Merlino administrou um estudo controlado randomizado de cinco anos financiado pelo IES sobre a eficácia da aplicação dos quatro princípios da ciência cognitiva para o ensino de ciências no ensino fundamental II. Atribuíram aleatoriamente currículos modificados ou não a um total de 180 escolas na Pensilvânia e no Arizona. Uma parte do experimento foi baseada em pesquisa de ciência cognitiva sobre como as pessoas aprendem por diagramas. Pesquisadores descobriram que algumas das coisas que artistas gráficos colocam em um diagrama para incrementá-lo, como muitas cores, na verdade distraem o aprendizado. Verificaram ainda que estudantes precisam de instruções para ler diagramas. Esse é o tipo de resultado que poderia ser integrado no projeto de adoção de um novo livro. Os professores também poderiam ter tempo para explicar o significado de símbolos diferentes em um diagrama, como setas ou cortes.
Fazer de educadores uma parte importante do processo de pesquisa também gera resultados significativos em sala de aula. Professores muitas vezes sentem que a experiência que adquiriram com a prática é ignorada e que em vez disso obtêm um novo currículo, suposta mente baseado em evidências periódicas, sem muita explicação de por que o novo é muito melhor que o antigo. No passado, pesquisadores geralmente não sentiram que era seu papel explicar seu trabalho a professores. O compartilhamento de conhecimento, porém, tem dois lados. No estudo sobre o currículo de ciências na Pensilvânia e no Arizona, professo res foram envolvidos na concepção inicial dos experimentos. “Eles eram mais como mestres, ensinavam e nos deram retorno; como o estudo foi realizado em escolas de verdade, em vez de laboratório, pesquisadores treinaram os professores enquanto o trabalho prosseguia”, comenta Nora Newcombe, professora de psicologia da Universidade Temple e principal pesquisadora do Spatial lntelligence and Learning Center.
Outros pesquisadores apontam para o modelo da Finlândia, onde as teorias educacionais, as metodologias de pesquisa e a prática são partes importantes da formação de professores, segundo Pasi Sahlberg, que em 2011 escreveu Finnish lessons, um relato de como o país reconstruiu seu sistema de ensino e subiu para o topo do ranking internacional de matemática e alfabetização. De certa forma, a comparação com as escolas americanas é injusta porque a Finlândia é um país mais homogêneo, mas Nora acredita que o treinamento de professores de outros países deva incluir os mais recentes desenvolvimentos da ciência cognitiva. Em muitos programas de formação de professores, alunos “aprendem uma psicologia que está não apenas dez, mas 40 anos atrasada”, diz. Essa formação básica pode ajudar professores a avaliar a importância de novas pesquisas e encontrar formas de incorporá-las nas salas de aula. “Não se pode realmente escrever um roteiro para tudo que acontece na sala de aula”, declara ela. “Se tiver alguns princípios em sua mente para o que você faz nesses momentos aleatórios, poderá executar um trabalho melhor.”
PRIMEIRO, A PRÁTICA
Estudo publicado on-line, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA, revela que estudantes de ciências matriculados em aulas expositivas tradicionais eram mais propensos à reprovação que os colegas que usavam técnicas de aprendizagem ativa, com resolução de problemas em grupo e feedback regular do instrutor.
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