DENTRO DA MENTE TERRORISTA
Cientistas sondam o psiquismo de adeptos de grupos extremistas na tentativa de descobrir o que motiva seus atos. Longe de serem matadores enlouquecidos, eles cometem atrocidades acreditando racionalmente estar a serviço de um bem maior.
O terrorismo é um flagelo atemporal. Mas nos últimos anos a ferocidade das agressões desde 11 de setembro de 2001 até as decapitações transmitidas ao vivo e o recrudescimento das atividades da AI Qaeda e outros grupos extremistas, culminando com os ataques em Paris, têm provocado maior interesse de cientistas que buscam elucidar a sustentação psíquica do terrorismo. Embora as gerações anteriores de pesquisadores tenham se concentrado nas raízes políticas de grupos como o Exército Republicano Irlandês (IRA), atualmente muitos estudiosos investigam o funcionamento mental que impele pessoas a cometer atos extremos contra civis.
Estudos recentes sugerem que a vasta maioria dos terroristas não é mentalmente doente, apesar de apresentar fragilidade emocional. Na verdade, são pessoas racionais que pesam os custos e os benefícios do terror e concluem que seus atos são justificáveis – e, mais que isso, necessários. Entretanto, essa lógica não se sustenta, a não ser em um determinado contexto social bastante restrito. A dinâmica de grupo, frequentemente impulsionada por uma liderança carismática, desempenha o poderoso papel de convencer os indivíduos a adotar metas e a empregar violência para atingi-las. Fatores pessoais também atraem as pessoas ao terror. Grupos extremistas oferecem a seus membros a prazerosa sensação de pertencimento, de fazer parte de algo importante e estar investido de poder que, em alguns casos, pode ser um meio de se vingar das afrontas sofridas no passado.
É inegável que muitas das explicações psicológicas do terrorismo se apoiam em terreno instável porque os estudos empíricos da mente terrorista são relativamente escassos, em parte por causa da dificuldade de serem realizados. Ainda assim, os pesquisadores esperam que o conhecimento os ajude a frustrar o terrorismo por meio da dissolução da cola psicológica que mantém unidos esses grupos rebeldes.
A DESTRUIÇÃO DO MUNDO
O terrorismo moderno pode ser remontado ao século 12 d.C., quando os zelotes da Judeia assassinaram secretamente membros de forças de ocupação romana e seus colaboradores porque achavam que o governo romano era incompatível com o judaísmo. Assim como outros extremistas religiosos, os zelotes rejeitavam a autoridade de um governo secular e as leis que não incorporassem suas crenças.
Séculos depois, a ascensão do nacionalismo engendrou uma nova estirpe terrorista, exemplificada pelo IRA, fiel a um grupo com cultura e valores comuns. A maioria dos nacionalistas almeja criar ou reclamar uma terra natal: as ações são projetadas para conquistar simpatia internacional para sua causa e coagir o grupo dominante a fazer concessões aos seus desejos. Terroristas revolucionários sociais como a Facção do Exército Vermelho (RAF), também conhecida como Baader-Meinhof), da Alemanha, e as Brigadas Vermelhas italianas, por outro lado, buscavam derrubar o capitalismo e a ordem social.
Nas décadas de 70 e 80, revolucionários foram responsáveis pela maioria dos atos de terrorismo. Nas últimas décadas, porém, tornou-se mais frequente o terrorismo religioso – de certa forma, mais próximos dos zelotes da Judeia. Ao contrário das facções de motivação mais política, esses extremistas se empenham na destruição do mundo ocidental em nome de Deus. E por isso são tão perigosos: não temem a reação negativa nem a morte ou o martírio. O decreto islâmico fatwa) emitido em fevereiro de 1998 pela Frente Islâmica Mundial ilustra esse estado de espírito destrutivo: obedecendo ao comando de Deus, emitimos a seguinte fatwa a todo s os muçulmanos: a resolução de matar os americanos e seus aliados – civis e militares – é um dever individual de todo muçulmano que possa fazê-lo para libertar a mesquita de al-Aqsa e a sagrada mesquita (Meca) das garras deles, e para que os exércitos deles se retirem de todas as terras do Islã, derrotados e incapazes de ameaçar qualquer muçulmano”.
CONVICÇÃO PROFUNDA
Essa forma de pensar pode parecer quase patológica. De fato, muitas pessoas automaticamente qualificamos terroristas de “loucos”. Alguns pesquisadores levantaram a suspeita de problemas psiquiátricos, como transtorno da personalidade antissocial, como causa de violência política ou religiosa. Entretanto, estudos dos membros da Fração do Exército Vermelho (RAF), o Exército Republicano Irlandês (IRA) e Hezbollah, no Líbano, entre outros, não produziram nenhuma evidência de que os terroristas apresentem transtornos mentais.
Mesmo homens e mulheres-bomba têm aspectos mentais prevalentemente saudáveis. Depois de ter entrevistado cerca de 250 membros do Hamas e Jihad Islâmica em Gaza, a jornalista Nasra Hassan, então funcionária da Organização das Nações Unidas (ONU), relatou que nenhuma dessas pessoas-bomba em potencial parecia deprimida ou eufórica (o que poderia maquiar um estado depressivo). Pelo contrário: discutiam o ataque com naturalidade e eram motivadas por profunda convicção de que o que estavam fazendo era certo.
Há dez anos, um comitê de especialistas em causas psicológicas do terrorismo concluiu que a psicopatologia individual era insuficiente para explicar o terrorismo. De fato, os líderes desses movimentos geralmente fazem uma triagem de tais pessoas em suas organizações, pois a instabilidade as torna perigosas para a própria organização. Na teoria do terrorismo como “escolha racional”, a violência e a perpetração do medo funcionam como estratégia para atingir objetivos políticos e religiosos
Tratados autobiográficos sobre o primeiro chefe do estado-maior do IRA Provisório, Sean MacStiofaina, ativista da Organização para a Libertação da Palestina Leili Khaled e o guerrilheiro brasileiro Carlos Marighella corroboram esse ponto de vista, de acordo com a especialista em terrorismo Martha Crenshaw, da Universidade Wesleyan. A pesquisadora enfatiza a coexistência da capacidade intelectual com o ódio, e a teorização política funciona como válvula de escape para a frustração diante de situações de injustiça. A racionalização torna-se perigosa quando se consolida e se transforma em dogma.
Estudos sobre jihadistas islâmicos militantes revelam sinais similares de normalidade incrustados no fanatismo. Depois de vasculhar documentos do governo, reportagens jornalísticas e autos de tribunais sobre 400 desses extremistas, o psiquiatra forense Marc Sageman, da Universidade Estadual da Pensilvânia, afirma que esses indivíduos estão longe de ser combatentes desesperançados ou indivíduos socialmente isolados que sofreram lavagem cerebral. Mais de 90% deles vieram de famílias zelosas, intactas; 63% tinham frequentado a faculdade. Da mesma forma, todos os sequestradores suicidas do 11 de Setembro tinham um bom nível de instrução – três deles estavam fazendo pós-graduação – e descendiam de famílias sauditas e egípcias prósperas.
“Sob alguns aspectos, eles estão entre os melhores e mais brilhantes de suas sociedades, escreveu Sageman em um ensaio sobre seu livro Underswnding terror nelworh. Em geral, os terroristas são pessoas ‘normais’, exatamente como você ou eu.”
Obviamente, nem todos têm uma história financeira e social sólida. Quando cientistas israelenses montaram perfis post-mortem de 93 homens-bomba palestinos, com idade entre 17 a 22 anos, descobriram que eram todos sem instrução, desempregados e solteiros.
Independentemente dos antecedentes, o que parece unir todos os terroristas é a disposição de subordinar a identidade individual a uma identidade coletiva, de acordo com o psicólogo político Jerrold M. Post, da Universidade George Washington. Um número crescente de pesquisadores, incluindo Post, acredita que o terrorismo possa ser mais bem entendido através da lente da psicologia de grupo. É no contexto social que o cálculo racional dos terroristas faz sentido, já que os benefícios do terrorismo são geralmente os do grupo – e não do indivíduo.
Líderes carismáticos têm papel importante em determinar essas metas e convencer os seguidores a defende-las. De acordo com um artigo de Post no ijournal USA, comandantes palestinos de homens-bomba suicidas dizem a seus recrutas: “Vocês têm uma vida sem valor à sua frente, mas podem fazer algo significativo e entrar para o hall dos mártires”. Quando a estudante de pós-graduação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) Nichole Argo entrevistou em prisões israelenses 15 palestinos que tinham participado de missões suicidas fracassadas, em 2003, ela também constatou que eles colocavam os interesses da sociedade acima do próprio bem-estar.
Da mesma forma como um clérigo religioso, Osama bin Laden se referia sistematicamente aos versos do Alcorão para validar os atos de extrema violência. Nas culturas do Oriente Médio, os objetivos políticos extremistas frequentemente são inculcados bem cedo nos jovens. Das entrevistas com 35 terroristas médio-orientais presos, Post e colegas constataram que os adultos ensinam rotineiramente as crianças a odiar o inimigo, Israel, e a acreditar na causa de derrotar as forças israelenses. Um dos entrevistados contou que soubera pelo xeque da sua mesquita como o inimigo efetivamente expulsou os palestinos da Palestina.
Nas entrevistas feitas pela equipe de Post, terroristas islâmicos militantes do Hezbollah e do Hamas justificaram o terrorismo suicida chamando-o de martírio, ou auto sacrifício em nome de Alá. Portanto, tais atos cumpriram outra meta socialmente prescrita: sublinharam a profundidade da fé de uma pessoa. O contexto social foi crucial para essa ideia. Os pesquisadores descobriram que terroristas do Islã com motivação claramente religiosa estavam mais determinados a se sacrificar do que os perpetradores menos religiosos, cujos objetivos eram puramente políticos.
Os rebeldes chechenos que mantiveram cativos 800 espectadores de um teatro de Moscou durante 58 horas em outubro de 2002 estavam igualmente determinados ao auto sacrifício pelo suposto bem maior. Ao entrevistar 11 dos reféns sobreviventes, a psicóloga Anne Speckhard, da Universidade Livre de Bruxelas, concluiu que os auto- denominados “combatentes da liberdade” chechenos sabiam o que queriam: fim da violenta ocupação da Chechênia e independência do país.
Ao mesmo tempo, nada parecia mais importante para eles do que morrer pela terra natal. Durante o cerco, um dos terroristas teria dito: “Todos nós temos o mesmo destino aqui. Estamos aqui para morrer”. O terrorismo foi, portanto, usado como um meio para encontrar um significado social e pessoal para a própria existência.
“EU ESTOU NO MAPA”
De fato, fazer parte de um grupo radical proporciona um senso de comunidade, poder e identidade a pessoas que, do contrário, se sentem sozinhas, impotentes e sem importância. Um dos prisioneiros entrevistados pela equipe de Post declarou: “uma ação armada proclama que eu estou aqui, existo, sou forte, estou no controle: faço diferença, estou no mapa”
Em algumas sociedades, é mais clara a pressão social. Quando indagados sobre o motivo de ter aderido ao movimento, muitos dos entrevistados de Post responderam que havia uma certa naturalidade na participação; não pertencer seria sinônimo de ostracismo. O psicólogo John Horgan, da Universidade Estadual da Pensilvânia, conversou com um ex-ativista que lhe ofereceu uma explicação semelhante: “Entrei meio que escorregando; tive a sensação de que estava sendo sugado pelo grupo, e quando me dei conta já estava lá, aquele era meu lugar”.
Além de proporcionar um senso de comunidade e poder, a organização terrorista pode fornecer um meio efetivo de vingança. “O que leva as pessoas a tais atos de violência é uma longa história de raiva por se sentirem de alguma forma humilhadas”, escreveu o psiquiatra palestino Eyad El Sarraj, que, morto em 2013, dirigiu o Programa Comunitário de Saúde Mental de Gaza. “Muitos homens-bomba suicidas durante a segunda intifada, de 2000 a 2005, testemunharam membros da família serem torturados e mortos.”
Mais de 70% dos cerca de 900 jovens muçulmanos da Faixa de Gaza entrevistados pelo psicólogo Brian K. Barber, da Universidade do Tennessee, tinham sofrido um grave traumatismo durante a primeira intifada, de 1987 a 1993. Muitos desses adolescentes tinham sido vítimas de gás lacrimogéneo lançado por soldados israelenses ou sofrido ataques enquanto estavam na escola ou em casa. Estudos dos antecedentes de outros terroristas também indicam que o trauma foi o motivo mais importante a impeli-los para o movimento clandestino.
Em outros casos, rivalidade familiar pode ser um fator significativo. O criminologista Lorenz Boellinger, da Universidade de Bremen, na Alemanha, e colegas investigaram os antecedentes de 250 pessoas suspeitas ou condenadas por atividade terrorista – leram autos de julgamento e conversaram com funcionários de presídios e também com sete terroristas. Os pesquisadores observaram que na infância muitos dos ativistas tinham sofrido estresse por laços familiares ruins ou outros problemas sociais. Aparentemente, os entrevistados compensavam as decepções e a sensação de impotência subscrevendo uma realidade na qual tinham sensação de maior autonomia.
O terrorismo não tem a ver apenas com a violência explícita. Como sugere o nome, está associado ao medo, como expresso no aforismo chinês: Mate um, apavore 10 mil. Em muitos casos, essa tática psicológica funciona bem demais: depois dos ataques sincronizados, na sexta-feira, 13 de novembro, em Paris, a tristeza silenciou a cidade. Estudos documentam que após 11 de setembro de 2011 um grande número de americanos sofreu altos níveis de estresse. Cada vez mais, porém, pesquisadores se empenham em entender o funcionamento psíquico de terroristas e, assim, descobrir meios de frustrar o recrutamento de novos membros para os grupos e facilitar o afastamento do terrorismo para aqueles que assim desejarem.
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