BEBÊS SÃO MAIS ESPERTOS DO QUE VOCÊ IMAGINA
Crianças desvendam o mundo de um modo muito semelhante ao dos cientistas: por meio de experimentos, análises estatísticas e formação de teorias intuitivas em relação à fenômenos físicos, biológicos e psicológicos.
Há 30 ou 40 anos, a maioria dos psicólogos, filósofos e psiquiatras julgava que bebês e crianças pequenas eram irracionais, egocêntricas e amorais. Acreditavam que se limitavam ao concreto, ao aqui e agora – incapazes de compreender causas e efeitos, imaginar as experiências de outras pessoas ou apreciar a diferença entre a realidade e a fantasia. E, frequentemente, crianças ainda são vistas por leigos como “adultos imperfeitos”.
Nas últimas três décadas, porém, cientistas descobriram que até os bebês com poucas semanas sabem bem mais do que supúnhamos. Além disso, estudos têm mostrado um fato curioso: crianças desvendam o mundo de um modo muito semelhante ao utilizado por cientistas, recorrendo a experimentos, análises estatísticas e formação de teorias intuitivas no âmbito físico, biológico e psicológico. No entanto, há pouco mais de uma década pesquisadores começaram a compreender os mecanismos computacionais, evolutivos e neurológicos subjacentes que escoram notáveis aptidões precoces. Essas descobertas revolucionárias não apenas mudam nossos conceitos sobre bebês, mas também apresentam novas perspectivas sobre a natureza humana.
Por que nos enganamos tanto, e durante tanto tempo, sobre os bebês? De fato, se observarmos crianças de 4 anos ou menos, poderemos concluir que não há grande atividade intelectual. Afinal, bebês não sabem falar. E até as crianças em idade pré-escolar não têm muita destreza para relatar o que pensam. Faça uma pergunta vaga a uma criança de 3 anos e provavelmente receberá como resposta um lindo – mas incompreensível – monólogo, com palavras fluindo livremente, nem sempre com a coerência valorizada pelos adultos. Até precursores do estudo do funcionamento da mente infantil, como o psicólogo suíço Jean Piaget, concluíram que o pensamento dos pequenos era egocêntrico, “pré – causal” (sem noção de causa e efeito), irracional e ilógico.
FÍSICA PARA OS PEQUENOS
Abordagens científicas iniciadas no final da década de 70 dependem de técnicas que focalizam o que bebês e crianças pequenas fazem – e não o que falam. Bebês se detêm mais demoradamente em situações novas e inesperadas que naquelas previsíveis – e os pesquisadores podem utilizar esse comportamento para tentar descobrir o que os pequenos esperam acontecer. Entretanto, os resultados mais contundentes vêm de estudos que também consideram as ações: que objetos os bebês tentam agarrar ou alcançar engatinhando? Como imitam as ações de crianças mais velhas e de adultos?
Embora os muito jovens tenham grande dificuldade para nos dizer o que pensam, podemos utilizar a linguagem com mais sutileza para induzi-las a revelar o que sabem. O pesquisador Henry Wellman, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, por exemplo, analisou gravações de conversas infantis espontâneas para obter pistas sobre como os pequeninos pensam. Podemos lhes fazer uma pergunta muito direta, pedindo que escolham entre apenas duas alternativas, em vez de outra mais vaga e aberta.
Em meados dos anos 80 e até a década seguinte, os cientistas que aplicaram essa técnica descobriram que os bebês já sabem muita coisa a respeito do mundo que os cerca. E esse conhecimento vai muito além do concreto, das sensações de aqui e agora. Pesquisadores como as doutoras em psicologia Renée Baillargeon, da Universidade de Illinois, e Elizabeth S. Spelke, da Universidade Harvard, constataram que bebês entendem relações físicas elementares, como trajetórias de movimento, gravidade e contenção. Olham mais pausadamente para um carrinho que parece atravessar uma parede sólida que para situações que se encaixam em princípios fundamentais da física cotidiana.
Ao atingirem 3 ou 4 anos, as crianças têm ideias básicas sobre biologia e uma compreensão inicial de crescimento, herança genética e processos de adoecimento. Isso revela que elas vão além das aparências perceptivas superficiais quando pensam sobre objetos ou fenômenos. A doutora em psicologia com especialização em linguística Susan A. Gelman, também de Michigan, descobriu que elas acreditam que animais e plantas têm uma “essência” – algo invisível que permanece imutável, mesmo quando os aspectos externos mudam. Para bebês e crianças pequenas, o conhecimento mais importante de todos é o de outras pessoas. O doutor em psicologia Andrew N. Meltzoff, codiretor do Instituto do Aprendizado e Ciências do Cérebro e pesquisador da Universidade de Washington, demonstrou que recém-nascidos já entendem que pessoas são especiais e imitarão suas expressões faciais.
A cientista Betty Repacholi e eu constatamos, em 1996, que bebês de 18 meses entendem que eu posso querer uma coisa, enquanto você quer outra. Durante o experimento, uma pesquisadora mostrava a dois grupos de crianças, um de 1 ano e 2 meses e outro de 1 ano e meio, uma tigela com brócolis e outra com biscoitos em forma de peixinhos, e depois experimentava um pouco dos dois, fazendo uma expressão de desagrado ou apreciação. Em seguida, ela entregava o recipiente aos bebês e, na sequência, estendia a mão e perguntava: “Vocês podem me dar um pouco?”. As crianças de 1 ano e meio lhe deram brócolis quando ela agiu como se gostasse, embora não o escolhessem para si mesmas. (As de 1 ano e 2 meses sempre lhe deram biscoitos). Conclusão: nem mesmo nessa tenra idade as crianças são completamente egocêntricas, pois têm a capacidade de assimilar a perspectiva de outra pessoa, ainda que de modo simplificado. Aos 4 anos, sua compreensão de psicologia cotidiana é ainda mais refinada. Conseguem explicar, por exemplo, se uma pessoa está agindo estranhamente porque acredita em algo que não é verdade.
No fim do século 20, os experimentos haviam mapeado um impressionante conhecimento abstrato e sofisticado sobre bebês, bem como uma igualmente admirável quantidade de informações à medida que as crianças cresciam. Alguns cientistas chegam a argumentar que os bebês parecem nascer cientes de muita coisa que os adultos sabem sobre objetos, pessoas e seus comportamentos. Sem dúvida, recém-nascidos estão longe de ser páginas em branco, mas as mudanças no conhecimento infantil sugerem também que os bebês aprendem sobre o mundo que os cerca por meio das próprias experiências.
EXPERTS EM ESTATÍSTICA
Um dos maiores mistérios da psicologia e da filosofia é como os seres humanos desvendam o mundo com base em um desnorteante emaranhado de dados sensoriais. No decorrer da última década, pesquisadores começaram a entender muito mais como bebês e crianças pequenas são capazes de aprender com tanta rapidez e perspicácia. Em particular, descobrimos que têm uma extraordinária habilidade de assimilação de padrões estatísticos.
Os pesquisadores Jenny R. Saffran, Richard N. Aslin e Elissa L. Newport, todos então da Universidade de Rochester, demonstraram essa capacidade pela primeira vez em estudos sobre os padrões de sons da linguagem. Eles tocaram sequências silábicas com regularidades estatísticas para alguns bebês de 8 meses. Por exemplo, “bi” podia seguir a sílaba “ro” apenas 30% das vezes, enquanto “da” sempre ocorria na sequência de “bi”. Em seguida, tocaram novas séries de sons que podiam ou não seguir esse padrão. Os bebês prestaram atenção mais demoradamente às sequências estatisticamente incomuns. Estudos mais recentes mostram que bebês conseguem detectar padrões estatísticos de tons musicais e cenas visuais, bem como padrões gramaticais mais abstratos.
São até capazes de compreender a relação entre uma amostra estatística e população. Em um estudo de 2008, minha colega Fei Xu, da Universidade da Califórnia em Berkeley, mostrou a bebês de 8 meses uma caixa cheia de bolas de pingue-pongue misturadas: por exemplo, 80% brancas e 20% vermelhas. A pesquisadora então tirava cinco bolas de modo aparentemente aleatório. Os bebês ficaram mais surpresos (ou seja, observaram a cena mais demorada e intensamente) quando ela tirava da caixa quatro bolas vermelhas e uma branca – resultado improvável – do que quando ela extraia quatro brancas e uma vermelha.
Detectar padrões estatísticos é apenas o primeiro passo na descoberta científica. Mais impressionante ainda é que, assim como cientistas, as crianças usam esses dados para tirar conclusões sobre o mundo. Em uma variante do estudo com bolas de pingue-pongue, envolvendo bebês de 1 ano e 8 meses, foram utilizados sapos verdes e patos amarelos. A pesquisadora tirava cinco brinquedos da caixa e em seguida pedia a uma das crianças que lhe desse um bichinho igual aos que estavam sobre a mesa. Os pequenos voluntários se envolveram plenamente na brincadeira e não demonstraram espontaneamente nenhuma preferência de cor quando a experimentadora retirava mais sapos verdes da caixa de brinquedos onde a maioria era verde. Mas lhe davam especificamente um pato amarelo quando ela retirava mais patos da caixa. As crianças concluíram que sua seleção estatisticamente improvável significava que ela não agia de forma aleatória, mas simplesmente devia preferir patos.
Em meu laboratório temos investigado como crianças pequenas utilizam evidências estatísticas e experimentações para descobrir causas e efeitos e concluímos que sua maneira de pensar está longe de ser “pré causal”. Nós lhes mostramos um aparelho que chamamos de detector blicket, uma máquina que acende uma luz e toca música quando você deposita certas coisas nela, mas não outras. Com ela, podemos fornecer às crianças padrões de evidências sobre o detector e observar suas conclusões causais. Quais são os objetos do blicket?
Em um trabalho com a mestre em estatística e doutora em psicologia cognitiva Tamar Kushnir, diretora do Laboratório de Cognição na Primeira Infância da Universidade Cornell, descobrimos que crianças em idade pré-escolar sabiam aplicar probabilidades para aprender como a máquina funciona. Colocamos várias vezes um de dois blocos sobre o aparelho, e a luz acendia duas em cada três vezes para o cubo amarelo, mas apenas duas em cada seis vezes para o azul. Então demos os blocos às crianças e pedimos que “acendessem a máquina”. Embora ainda incapazes de somar ou subtrair, elas provavelmente colocariam o cubo amarelo, de maior probabilidade, em cima da máquina.
E realmente escolheram de forma correta quando balançamos o bloco de alta probabilidade sobre o equipamento, ativando-o, mas sem tocá-lo. Embora pensassem que esse tipo de “ação a distância” fosse improvável no início do experimento (nós perguntamos sobre isso), meninos e meninas sabiam como empregar a probabilidade para descobrir fatos inéditos e surpreendentes a respeito do mundo.
Em outro experimento, a doutora em ciência cognitiva Laura Schulz e eu mostramos a crianças de 4 anos um brinquedo com um interruptor e duas engrenagens em cima – uma azul e outra vermelha. As engrenagens giram quando você aciona o interruptor. Esse brinquedo simples pode funcionar de várias maneiras. Talvez o interruptor faça as duas engrenagens se moverem simultaneamente, ou talvez o interruptor acione a engrenagem azul, que aciona a vermelha, e assim por diante. Mostramos às crianças fotos ilustrando cada uma das possibilidades – a engrenagem vermelha empurraria a azul, por exemplo. Depois, mostramos brinquedos que funcionavam de um ou outro desses jeitos e lhes fornecemos evidências bastante complexas sobre o funcionamento de cada um deles. Por exemplo, as crianças que receberam o “brinquedo causal sequencial” percebiam que, se você removesse a engrenagem azul e acionasse o interruptor, a engrenagem vermelha continuava se movendo; mas, se a engrenagem vermelha fosse tirada e o interruptor acionado, nada acontecia. Pedimos às crianças que escolhessem a imagem que ilustrava o funcionamento do brinquedo. As de 4 anos foram as que se saíram surpreendentemente bem ao determinar como o brinquedo funcionava, com base no padrão de evidências que lhes foi apresentado. Além disso, quando outras crianças foram deixadas a sós com o aparelho, elas brincaram com as engrenagens de um modo que as ajudasse a aprender como ele funcionava – como se estivessem experimentando.
Outro estudo de Laura Schulz envolveu um brinquedo com duas alavancas que faziam aparecer um pato e um fantoche. A um grupo de pré-escolares foi mostrado que o pato surgia quando se pressionava uma alavanca, e o fantoche, ao apertar a outra. O segundo grupo viu que, ao acionar as duas alavancas simultaneamente, os dois brinquedos despontavam, mas as crianças desse grupo nunca tiveram uma chance de ver o que as alavancas faziam separadamente. Em seguida, a pesquisadora fez com que as crianças brincassem com a engenhoca. As do primeiro grupo se entretiveram muito menos que as do segundo. Já sabiam como ela funcionava e estavam menos interessadas em investigá-la. A segunda turma deparou com um mistério, brincou espontaneamente com o aparelho e logo descobriu qual alavanca fazia o quê.
Esses estudos sugerem que, quando crianças brincam voluntariamente, deixando-se envolver livremente, exploram também causas e efeitos e fazem experimentos – o modo mais eficaz de descobrir como funciona o mundo.
“VAMOS DESCOBRIR…”
Obviamente, crianças não fazem experiências nem analisam estatísticas do modo intencional e consciente como cientistas adultos. Entretanto, o cérebro infantil deve estar processando informações inconscientemente de uma maneira que se iguala aos métodos de descobertas científicas. Embora depois da descoberta da plasticidade neural a ideia de que o cérebro funcione como uma máquina tenha se tornado controversa – e, sob muitos aspectos, simplista -, podemos tomar aqui, com ressalvas, a liberdade de compará-lo a um tipo de computador desenvolvido pela evolução e programado por experiência. Cientistas de computação e filósofos começaram a aplicar ideias matemáticas sobre probabilidade para compreender as potentes habilidades de aprendizagem de cientistas – e crianças. Uma nova abordagem para desenvolver programas de computador para aprendizado mecanizado utiliza os chamados modelos probabilísticos, conhecidos também como modelos bayesianos ou redes de Bayes. O programa pode solucionar complexos problemas de expressões genéticas ou ajudar a entender mudanças climáticas. Essa abordagem também levou a novos conceitos sobre como os computadores cerebrais infantis poderiam funcionar.
Os modelos probabilísticos combinam duas ideias básicas. Primeiro, aplicam a matemática para descrever as possíveis explicações que as crianças têm para coisas, pessoas ou palavras. Por exemplo, podem os representar o conhecimento causal de uma criança como um mapa das relações causais entre acontecimentos. Para reproduzir essa hipótese, uma seta poderia apontar, por exemplo, “pressione a alavanca azul” para “pato aparece”.
Segundo, os programas sistematicamente vinculam as hipóteses à probabilidade de diferentes padrões de acontecimentos – como os modelos que emergem de experimentos e análises estatísticas na ciência. Suposições que se adequam melhor aos dados tornam-se mais prováveis. Tenho argumentado que o cérebro infantil também poderia relacionar hipóteses sobre o mundo a padrões de probabilidade. Crianças raciocinam de maneira complexa e sutil, que não pode ser explicada através de simples regras ou associações.
Em pesquisa recente, meu grupo constatou que crianças pequenas que pensam estar sendo instruídas modificam suas análises estatísticas e, consequentemente, podem tornar-se menos criativas. Nesse caso, a experimentadora mostrou a meninos e meninas de 4 anos um brinquedo que tocava música se elas executassem a sequência correta de ações nele, como puxar uma alça e depois apertar uma lâmpada. A pesquisadora disse a algumas das crianças “não sei como esse brinquedo funciona – vamos descobrir”. E começou a experimentar diante delas várias ações sequenciais mais longas, algumas das quais terminavam com a sequência curta e produziam música, outras não. Ao pedir às crianças que fizessem o brinquedo funcionar, muitas delas tentaram a série curta e correta, omitindo, de forma astuta, movimentos que provavelmente eram supérfluos com base nas estatísticas do que haviam observado.
A outro grupo de crianças, a experimentadora disse que ensinaria como o brinquedo funcionava ao lhes mostrar as sequências que produziam música e as que não o faziam, e ela manuseou o equipamento de acordo com isso. Ao serem solicitadas a fazer o brinquedo funcionar, essas crianças nunca tentaram um atalho de ações. Em vez disso, elas imitaram exatamente toda a sequência de movimentos mostrada. Essas crianças estavam ignorando as estatísticas do que viram? Talvez não. O comportamento delas é precisamente descrito por um modelo bayesiano, em que se espera que o “professor” escolha as sequências mais instrutivas. Em outras palavras: se ela soubesse que séries mais curtas de ações funcionavam, não lhes teria mostrado os movimentos desnecessários.
PROJETADOS PARA APRENDER
Se o cérebro é um computador projetado pela evolução, também podemos perguntar quais são as justificativas evolucionárias e a base neurológica para as extraordinárias aptidões de aprendizagem que observamos em crianças muito jovens. O pensamento biológico recente está plenamente de acordo com o que constatamos no laboratório de psicologia.
Da perspectiva evolucionária, uma das coisas mais admiráveis sobre os seres humanos é nosso longo período de imaturidade. Nós temos uma infância muito mais prolongada que qualquer outra espécie. Por que fazer com que os bebês sejam tão indefesos, durante tanto tempo e, assim, exigir que os adultos empenhem tanto trabalho e dedicação para mantê-los vivos? No reino animal, a inteligência e a flexibilidade dos adultos estão correlacionadas com a imaturidade dos filhotes. Espécies “precociais”, como galinhas, dependem de capacidades inatas, altamente especificas, adaptadas a um nicho ambiental em particular e, por isso, amadurecem rapidamente. Já as “altriciais” (cujas proles necessitam de cuidados e alimentação pelos pais) dependem do aprendizado. As gralhas são capazes de catar um objeto novo, como um pedaço de arame, e descobrir como transformá-lo em uma ferramenta, mas seus filhotes dependem de seus pais muito mais tempo que os pintinhos.
Uma estratégia de aprendizado tem muitas vantagens, mas até que este se concretize a criaturinha está indefesa. A evolução soluciona esse problema com uma divisão de trabalho entre bebês e adultos. Os bebês desfrutam um período protegido para aprender sobre seu meio ambiente, sem de fato precisarem fazer nada. Ao crescerem, eles podem aplicar seu conhecimento e descobrir o que é melhor para sobreviver e se reproduzir – e cuidar da próxima geração. Os bebês são projetados para aprender.
Neurocientistas começaram a entender alguns mecanismos cerebrais que permitem todo esse aprendizado. O cérebro de bebês é mais flexível que o de adultos, tem muito mais conexões entre os neurônios, embora nenhuma delas seja particularmente eficiente, mas com o passar do tempo os conectores inutilizados são desbastados e os úteis se tornam mais fortes. O cérebro de bebês tem também um nível elevado daquelas substâncias químicas que mudam facilmente as conexões.
A região cerebral chamada córtex pré-frontal é distintamente humana e leva um tempo longo para amadurecer. As capacidades de concentração, planejamento e ações eficientes dos adultos são governadas por essa área e dependem do longo aprendizado que ocorre na infância. Os circuitos dessa área podem não estar plenamente desenvolvidos até os 20 e poucos anos.
A falta de controle pré-frontal em crianças pequenas parece ser um enorme obstáculo, mas na realidade pode ser tremendamente útil para o aprendizado. A região pré-frontal inibe pensamentos ou ações irrelevantes, mas o fato de serem desinibidos pode ajudar bebês e crianças pequenas a explorar o mundo livremente. Existe uma permuta entre a aptidão para explorar criativamente e aprender com flexibilidade, como uma criança, e a capacidade de planejar e agir com eficiência, como um adulto. Mas precisamente essas qualidades necessárias para agir com competência – como um rápido processamento automático e um circuito cerebral refinado e coerente – podem ser intrinsecamente antitéticas às propriedades úteis ao aprendizado, como a flexibilidade.
Uma nova imagem de infância e natureza humana emerge das pesquisas da última década. Longe de serem meros adultos inacabados, os bebês e as crianças pequenas são primorosamente projetados pela evolução para mudar e criar, aprender e explorar. Essas aptidões, tão inerentes ao significado de ser humano, aparecem em suas formas mais puras nos mais tenros anos de nossa vida. Nossas realizações mais valiosas são possíveis porque já fomos crianças dependentes e indefesas, e não apesar disso. Infância e dedicação são fundamentais para nossa qualidade de seres humanos.
O SALTO COGNITIVO E A TEORIA DA MENTE
Do ponto de vista neurológico, nossos cérebros estão equipados para nos permitir pensar sobre nós mesmos e a respeito dos outros – e assim criar formulações, prever intenções e, consequentemente, comportamentos das pessoas. Essa capacidade nos permite a interação social ao fazer parte de grupos, aprender e cooperar. As primeiras hipóteses sobre essa capacidade – denominada teoria da mente – surgiram há quase meio século, quando foi constatado que, por volta dos 4 anos, as crianças experienciavam uma espécie de “salto cognitivo” bastante significativo. A forma padrão para testar a teoria da mente de uma criança é narrar uma história usando fantoches, apresentando a ela cenas que permitem, ao término, questioná-la sobre o que o boneco pensaria em determinada situação. Por volta dos 4 anos, os pequenos costumam dizer, com confiança, o que o personagem gostaria que ocorresse ou que tem intenção de fazer, percebendo nuances da realidade. Por exemplo: se um fantoche está enganado sobre algo, a criança consegue saber o que ele pensa, qual é seu engano e o que de fato aconteceu sem que ele tenha percebido.
Por si só, esse “ir e vir” mental já indica uma sofisticação psíquica bastante grande em crianças pequenas. Há poucos anos, porém, foi publicado na Science um estudo mostrando que a teoria da mente já podia ser observada em bebês a partir de 15 meses. Embora não pudessem responder, eles acompanhavam a história dos bonecos e detinham o olhar em cenas que os surpreendiam. Quando um dos personagens procurava um brinquedo em um lugar onde não deveria esperar encontrá-lo, os meninos se detinham por mais tempo no movimento, parecendo entender que as pessoas podem ter crenças falsas ou simplesmente se equivocar. Curiosamente, o estudo foi repetido em 2010 com crianças de 7 meses e os resultados obtidos foram muito semelhantes.
A cientista cognitiva Rebecca Saxe, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), salienta que atualmente já não é descartada a possibilidade de que desde muito cedo tenhamos uma forma básica, ou implícita, de teoria da mente que, por volta dos 4 anos, se torna mais refinada. Essa, aliás, não seria a única habilidade que passa por um processo de “aprofundamento”. É o que acontece, por exemplo, em relação aos números. Muito antes de ser possível contar, as crianças têm capacidade de distinguir entre muito e pouco, mais e menos, embora não saibam fazer as quatro operações básicas. Nossa capacidade de tomar decisões também pode desenvolver duas etapas. Há fortes indícios de que temos um sistema automático e intuitivo para a tomada de decisões e um segundo, mais lento e detalhista, que se manifesta desde muito cedo. O cientista cognitivo lan Apperly, pesquisador da Universidade de Birmingham, Reino Unido, encontrou evidências de que crianças têm um sistema implícito mais rápido que os adultos. “Pode haver dois tipos de processos, de um lado para a velocidade e eficiência, e de outro para a flexibilidade”, escreveu em um artigo publicado pelo periódico Psychological Review.
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