ARMADILHAS DO DINHEIRO
Ansiedade, desejo de auto compensação, culpa, dificuldade de lidar com os próprios medos e auto sabotagem podem ser tão prejudiciais à vida financeira quanto as incertezas do mercado.
Em tempos de crise é impossível não pensar em dinheiro. E parecem ficar ainda mais óbvias as relações emocionais que estabelecemos com o vil metal, bem como as projeções que fazemos sobre as questões concretas relativas ao quanto temos, recebemos, gastamos ou guardamos, assim como nossas prioridades financeiras costumam ser permeadas pelas fantasias e dizem muito a respeito de nossa economia psíquica. Sem menosprezar as faltas efetivas que se materializam no bolso, é importante considerar que grande parte de nossas angústias nessa área está vinculada à forma como nos relacionamos com o dinheiro e com os ideais de satisfação que projetamos nele – e não com a conta bancária em si. Preço e valor, por exemplo, são bem diversos. O primeiro tem a ver com quando se desembolsa por uma mercadoria ou serviço; o segundo pela importância que damos para esse bem.
Por artimanhas do psiquismo, nos apegamos à ideia equivocada de que ter mais necessariamente nos tornará satisfeitos – e tendemos a misturar ter com ser. Essa confusão, claramente destacada pela psicanálise, também tem sido objeto de estudo da neurociência. Um experimento recente mostrou que, para o cérebro, perder dinheiro é doloroso e temerário.
A conclusão é de um estudo publicado na Neuroscience por pesquisadores da Universidade College de Londres. Usando ressonância magnética funcional para analisar o tecido cerebral de 20 voluntários que passavam o tempo apostando em jogos de azar, os cientistas observaram que a perda ativava neurônios dos circuitos ancestrais reguladores do medo e da dor. “De certo modo, muitas decisões cotidianas, como apostar na loteria, investir em aplicações financeiras ou mesmo se empenhar por um aumento de salário, podem ser comparadas a jogos de azar que geralmente resultam em ganho ou perda de dinheiro”, observa o neurocientista Ben Seymour, coordenador da pesquisa. Embora a mostra usada no trabalho seja pequena, o resultado indica um correlato neurológico para a dinâmica psíquica.
Não por acaso, a forma como lidamos com dinheiro é tema tão frequente nas sessões de análise, tratado muitas vezes com mais pudor que informações sobre a sexualidade. Aliás, há alguns anos, o psicólogo venezuelano Axel Capriles, autor de Dinheiro – Sanidade ou loucura (Axis Mundi, 2005), causou algum impacto ao declarar que “o dinheiro é o novo sexo”, justificando que há muito mais loucuras e doenças associadas ao vil metal do que à vida sexual. Embora não tenha dado especificamente à moeda a mesma ênfase que conferiu aos relacionamentos tanto consigo mesmo como com o outro, Freud não deixou de apontar o seu papel na mente e no comportamento humano.
Na teoria freudiana, a relação com o dinheiro está ligada aos primeiros anos de vida, quando a criança aprende que pode “negociar” o afeto da mãe – o que influencia a forma como a pessoa vai lidar com sua vida financeira no futuro. A maneira como nos relacionamos com o que temos, com o que desejamos e com o que tememos perder não é determinante de um tipo de personalidade, mas talvez ofereça pistas a respeito de quadros psicológicos. Uma neurose obsessiva pode se manifestar por meio da avareza, por exemplo, assim como o esbanjamento compõe, em certos casos, características da histeria ou de quadros patológicos de mania.
Muitos usam o poder aquisitivo para compensar sentimentos de insegurança e solidão e só se sentem bem (ainda que provisoriamente) se puderem comprar o que pretendem na hora que querem. Que atire a primeira pedra quem nunca correu para o shopping para afogar as mágoas e saiu de lá com (pelo menos) uma sacola repleta de coisas das quais não precisava realmente. Ou quem jamais teve a sensação de não merecer algo que lutou tanto para conseguir. Há ainda as situações em que se confunde afeto com aquisições, algo que se vê claramente na educação de crianças que muitas vezes ganham presentes quando os pais se sentem culpados pelo pouco tempo que dispensam aos filhos ou pela falta de desejo de ficar com eles.
Em outras palavras, dinheiro não é – nem de longe – apenas uma ferramenta funcional que possibilita trocas: trata-se de ícone de poder, potência, afeto, desejo. E não telo (ou viver sob o signo da insatisfação, apavorado com a hipótese da perda, ainda que remota) pode exacerbar a sensação de falta, impotência, carência, impossibilidade, esvaziamento, frustação, raiva e depressão. Em meio a esse turbilhão, não é difícil esquecer que dinheiro é relativo. Muito ou pouco? Depende de quem avalia – e não apenas em razão da diferença de poder aquisitivo das pessoas, mas pelo papel que tem para cada um, em diferentes momentos. Complexo, adquire conotações emocionais e influencia decisões (por vezes impulsivas, na ânsia de aplacar angústias nem sempre encaradas de frente).
A socióloga Glória Maria Garcia Pereira, autora de As personalidades do dinheiro (Campus, 2005, esgotado), ressalta que há padrões de personalidade inconscientes que determinam nossa relação com dinheiro e argumenta que uma das chaves para não sofrermos com a ciranda financeira é descobri-los. De fato, ansiedade, desejo de auto compensação, ansiedade, culpa, dificuldade de lidar com os próprios medos e auto sabotagem podem ser tão prejudiciais à vida financeira quanto as incertezas do mercado.
PARA COMPRAR COM INTELIGÊNCIA
Com frequência, empresas enviam e-mails com assuntos como: “Compre uma peça e ganhe 50% de desconto em outro produto, “Mantemos o preço só até a meia-noite!” ou “Selecionamos essas ofertas especialmente para você!”. Mesmo conhecendo a estratégia dos comerciantes para tentar fazer os potenciais clientes gastarem o que não planejaram, muita gente costuma clicar – e, não raro, comprar. Mas, principalmente quando a economia anda tão instável, é preciso comprar de forma mais inteligente. Felizmente a psicologia e algumas pesquisas de marketing podem ajudar nos primeiros passos.
FICAR DE FORA ASSUSTA.
O batido e-mail enviado pelas lojas que destacam o limite de tempo para a compra apela para uma tática realmente convincente. Lança a ideia de que os produtos estão prestes a faltar e sugere que podemos ficar sem. “O medo da escassez é primitivo”, diz a socióloga Kelly Goldsmith, professora assistente de marketing da Escola Superior de Gestão Kellogg, da Universidade Northwestern. “Podemos nos tornar extremamente egoístas quando acreditamos que algo pode rapidamente se esgotar – o comportamento violento observado nas grandes liquidações de lojas é ótimo exemplo”.
Se algo parece insuficiente, nossa mente nos diz que é valioso e precisamos tomá-lo de nossos concorrentes. Mesmo que não tenhamos a menor necessidade disso.
ESTABELECER PRIORIDADES É FUNDAMENTAL
Todo mundo gosta de diversidade de produtos ou serviços. Mas, na prática, possibilidades demais podem nos confundir e nos levar a decisões equivocadas, inclusive do ponto de vista financeiro. O dilema diante de muitas opções ilustra um dos maiores problemas enfrentados atualmente: o excesso de objetos, estímulos e demandas. “Requer muito esforço mental pesquisar, considerar e avaliar uma infinidade de ofertas”, observa o psicólogo Alexander Chernev, pesquisador do comportamento do consumidor e professor de marketing da Escola Kellogg. Ele faz um alerta: não precisamos levar em conta todas as opções, principalmente se trabalhamos com prioridades. “Sempre teremos de desistir de uma coisa por outra. Você prefere melhor cobertura no plano de saúde ou preço menor? Na hora de comprar um carro, privilegia o desempenho, o conforto ou a economia de combustível?”. Descobrir o que é mais importante antecipadamente e considerar apenas as opções essenciais ajuda a não naufragar no mar de ofertas.
LISTAS QUE EVITAM A TENTAÇÃO (AINDA QUE A COMPRA SEJA ON LINE).
Anotar o que precisamos antes de sair de casa não serve apenas para lembrar itens necessários. Também nos ajuda a ignorar as mensagens de marketing indesejadas. Estudos sobre como atingir metas mostram que planos de ação concretos (como listas de compras) aumentam as chances de cumprir objetivos. É comum, por exemplo, as pessoas se prepararem para comprar três ou quatro itens no supermercado e, ao chegar lá, ser bombardeadas por gôndolas estrategicamente posicionadas para chamar a atenção e tentar mudar a opinião do consumidor sobre o que ele precisa. Embora fazer anotações sobre o que levar para casa exija um mínimo de organização, Kelly Goldsmith ressalta que pode ajudar a mesmo na hora de escolher ofertas pela internet, onde banners e pop-ups tentam nos seduzir com produtos complementares. A lista é útil para manter os objetivos em meio a tantas distrações.
SALVOS PELA CANETA.
Na hora de tomar uma decisão sobre levar ou não determinada mercadoria para casa, pode ser difícil equilibrar o que os pesquisadores chamam de “vícios e virtudes” do consumidor. A primeira opção pode trazer satisfação imediata, mas custa mais a longo prazo, enquanto que a segunda parece exigir mais de imediato, embora traga benefícios futuros. “Estudos mostram que, quando se trata de comprar, é mais comum as pessoas optarem pelo caminho da satisfação imediata”, diz Chernev. “O risco de ceder é maior se pensarmos na experiência de degustar a barra de chocolate que é vendida perto da caixa registradora.” Uma maneira de resistir mais fortemente aos impulsos é trazer à memória o que realmente importa. Diversos estudos de 2013, realizados pelos psicólogos Brandon Schmeichel, da Universidade Texas A&M, e Kathleen Vohs, da Universidade de Minnesota, mostram que pensar e escrever sobre os objetivos e os valores pessoais e a respeito do que desejam para sua vida nos próximos anos ajudou voluntários a exercer maior autocontrole quando se sentiam exaustos. A próxima vez que você não conseguir dormir e decidir passar o tempo vendo produtos nos sites ou aplicativos de compras, talvez seja mais produtivo pegar caneta e papel para se lembrar do que realmente importa.
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