QUANDO OS AUTISTAS CRESCEM
É frequente que empresas busquem profissionais flexíveis, sociáveis, com boa rede de contatos e capacidade de interação – justamente aspectos de que pessoas diagnosticadas com TEA não dispõem. Em compensação, podem ter outras habilidades muito valiosas. Felizmente, alguns projetos têm ajudado a diminuir o preconceito e ampliar as oportunidades para esses jovens.
Maria* tem autismo. Sempre teve dificuldade para fazer amigos, mas se saía bem nos estudos, tirava boas notas. A escola onde estudava oferecia serviços de apoio para alunos com distúrbios do desenvolvimento, o que a ajudou a ingressar numa faculdade local. “No entanto, quando esse tipo de suporte cessou após a graduação, ela praticamente desmoronou”, recorda a mãe, Amira. No primeiro mês na universidade, Maria parou de frequentar as aulas e deixou de completar as tarefas. Depois de algum tempo, evitava a todo custo sair do dormitório. Desistiu da faculdade e voltou para casa, passando a permanecer o dia todo no quarto durante 23 horas por dia.
A história de Maria não é incomum. Muitos pais comparam a experiência do filho com autismo de sair do ensino médio com a de “cair de um penhasco”. “De forma geral, crianças e adolescentes com necessidades especiais têm mais facilidade de conseguir atendimento em instituições do que os mais velhos”, reconhece Ana Maria Mello, superintendente da Associação de Amigos do Autista (AMA), mãe de um rapaz de 37 anos com comprometimento intelectual pronunciado. “Meu filho mesmo não tem condições de trabalhar, mas mesmo para os que têm mais autonomia, infelizmente, há pouquíssimas opções para esse público.” Na própria AMA, com cerca de 200 funcionários, existem só dois contratados pelo regime de cotas. “Como o próprio nome diz, o transtorno do espectro autista (TEA) aparece em variados graus e, de fato, nem todos estão aptos a trabalhar, mesmo em tarefas simples, como empacotar objetos”, explica a superintendente. Além disso, muitos sequer têm a vontade de seguir alguma atividade profissional; é preciso fazer primeiro um trabalho com os jovens que poderiam seguir um encaminhamento mais autônomo.
INTELIGÊNCIA E DIFICULDADE
Espera-se que na idade adulta eles estejam qualificados profissionalmente e encontrem uma ocupação que os ajude a obter alguma autonomia. Até recentemente, quase não existia esse tipo de trabalho para um segmento crescente da população: adultos com autismo de alto funcionamento, mesmo em países industrializados. Estudos americanos, aliás, mostram que esse grupo é subempregado em comparação com pessoas com deficiências cognitivas mais graves, o que pode favorecer a solidão e o abatimento emocional. A combinação única entre inteligência comum ou alta e dificuldades de compreensão social pode deixar esses jovens adultos em uma situação frustrante: muitos apresentam os mesmos objetivos que seus pares com desenvolvimento considerado típico e, ainda que se esforcem, as oportunidades são raras.
Pais, psicólogos, médicos, pesquisadores e educadores reconhecem o problema. Nos últimos anos, surgiram nos Estados Unidos alguns projetos voltados para o atendimento desse grupo negligenciado. Atualmente, por exemplo, Maria está matriculada num plano de estágio em um dos programas mais bem estruturados, o Aspire, com base no Hospital Geral de Massachusetts (MGH). Ela trabalha meio período e diz gostar da socialização com os colegas. “Sair, conversar, usar o transporte público tem sido uma grande mudança”, diz Amira. A prevalência da síndrome continua a subir e, cada vez mais, pessoas com o diagnóstico entram na idade adulta. Alguns projetos buscam facilitar essa transição à medida que a pessoa cresce.
O espectro do autismo abrange um vasto conjunto de sintomas, mas todos com o diagnóstico têm algo em comum: a falta de facilidade de interação social. Adultos jovens que participam de programas específicos manifestam esses prejuízos de diversas formas. Para muitos, é difícil identificar emoções alheias, discernir o tópico da conversa e a maneira apropriada de se comportar em público ou compreender os próprios sentimentos e as necessidades.
Obviamente essas dificuldades pesam muito na hora de encontrar e manter um emprego. Pessoas com outros tipos de problema, como distúrbios da fala e linguagem, dificuldades de aprendizagem e até mesmo deficiência intelectual, apresentam taxas muito mais elevadas de emprego, o que sugere que os números entre os adultos com autismo não podem ser explicados somente pelos prejuízos. “Em geral, as empresas buscam profissionais flexíveis, sociáveis, com boa rede de contatos e capacidade de interação, e é justamente nessas áreas que a pessoa com autismo tem dificuldade”, observa a psicóloga Fernanda Lima, diretora de formação da Specialisterne. A empresa social foi fundada há 13 anos na Dinamarca, quando um diretor do departamento de tecnologia de informação (TI), pai de um menino autista, na ocasião com 7 anos, viu que o filho havia desenhado um complexo índice de um mapa, extremamente preciso, com mais de 500 caracteres, incluindo letras e números – e não havia cometido um erro sequer. Hoje, está em 32 cidades em 15 países, onde possibilitou a colocação profissional de mais de mil pessoas, vinculadas diretamente aos escritórios e por meio de parcerias.
A consultoria chegou ao Brasil há um ano e até agora já foram formadas 33 pessoas, 13 delas colocadas no mercado de trabalho e as demais em processo de inclusão profissional. As contratações ocorreram nas cidades de São Paulo e São Leopoldo e, em breve, no Rio de Janeiro. Mas a proposta é aumentar esse número e, para isso, terá início um novo curso de formação em São Paulo, com duração de cinco meses. Em 2015, no Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, foi iniciado um debate na Organização das Nações Unidas (ONU) entre representantes da Specialisterne e as duas maiores empresas mundiais do setor de TI, a SAP e a HP, para apresentar os benefícios de contratar pessoa com TEA. A SAP tem hoje mais de cem contratados e a HP, 37.
“A ideia não é que as empresas sejam benevolentes em relação a essas contratações, mas percebam o valor agregado que essa mão de obra especializada oferece”, salienta a psicóloga. Entre as vantagens profissionais de pessoas autistas de alto funcionamento (com os quais a Specialisterne trabalha) estão características como excelente memória, facilidade de raciocínio lógico e de manter a atenção prolongada no desempenho de uma tarefa que outros poderiam considerar desinteressante e tediosa, habilidade para detectar erros e padrões repetitivos, perseverança, honestidade (até pela falta de familiaridade com a dissimulação). “É o que chamamos de ‘paixão pelos detalhes’, que pode ser tão útil para o mercado”, diz Fernanda Lima.
A estimativa é que, pelo mundo afora, mais de 80% dos adultos com diagnóstico de autismo estejam fora do mercado de trabalho. “O fato é que, apesar das iniciativas que temos hoje, esses jovens estão em alto risco, principalmente após a saída do ensino médio, um período atribulado em que devem encontrar maneiras de participar do mundo do trabalho e da vida acadêmica”, afirma o psicólogo Paul Shattuck, professor na Universidade Drexel. Segundo ele, essa situação existe, em parte, porque os serviços de apoio foram criados levando em conta as necessidades de pessoas com deficiência intelectual, e não evoluiu muito ao longo do tempo. “Quem tem quociente intelectual (QI) mediano, mesmo que apresente dificuldades e peculiaridades na interação social, raramente consegue ajuda”, diz. Isso é realidade para muitos adultos que participam do Aspire. Apesar de o rótulo “síndrome de Asperger” não estar mais incluído no DSM-5, o manual psiquiátrico de transtornos mentais, muitos clientes do programa carregam esse diagnóstico ou se identificam com ele. Outros preferem autismo de alto funcionamento ou TID, que se refere ao transtorno invasivo do desenvolvimento, outro termo que não aparece mais no DSM, mas está associado a um nível relativamente alto de habilidades.
Mesmo quando essas pessoas encontram emprego, em geral as empresas costumam oferecer regime de voluntariado ou de meio período. Um levantamento mostrou que apenas 27 dos 48 participantes da amostra já haviam trabalhado desde o ensino médio; destes, apenas um era capaz de se sustentar. Já o Aspire, não disponível no Brasil, foi lançado há 12 anos, quando se separou do YouthCare (um programa de assistência a jovens), um projeto maior, que atende crianças com diversos tipos de problemas de saúde mental. O psicólogo clínico e diretor-executivo do Aspire, Scott McLeod, esclarece que o número de diagnósticos havia aumentado. E a YouthCare recebia muitos casos de pacientes no espectro. Os conselheiros decidiram, então, que precisavam de um programa voltado exclusivamente para o autismo.
Segundo a psicóloga escolar e diretora do programa, Dot Lucci, o objetivo é abordar o que a equipe do Aspire chama de três S: self-awareness (autoconhecimento), social competency (competência social) e stress management (gestão do estresse). Ela afirma que muitos que participam do projeto são brilhantes. “Mas, se você não é consciente de si nem apto socialmente e é incapaz de lidar com a ansiedade, nem toda inteligência do mundo pode ajudar. Nessas condições, dificilmente a pessoa será capaz de conseguir se manter um emprego ou permanecer num relacionamento”, argumenta.
NO TRABALHO
Alex se senta à mesa em uma conferência ao lado de seu supervisor, Kevin Heffernan. Ele está chegando ao fim de seu estágio de 14 semanas na divisão de Imobiliário Corporativo da Liberty Mutual. O rapaz conseguiu a vaga por meio do programa Aspire, que coloca profissionalmente jovens adultos com autismo em empresas nos arredores de Boston, além de oferecer apoio e orientação. Alex está entusiasmado com a experiência. “A oportunidade me deu um motivo para acordar”, diz. A experiência também lhe ensinou habilidades de trabalho essenciais, como fazer tabelas dinâmicas no Excel, algo de que se orgulha muito, a julgar pelo sorriso tímido em seu rosto quando menciona isso.
Heffernan conta que assim que terminar o estágio o garoto pode se candidatar a alguns cargos na empresa, e tem boas chances de conseguir uma vaga. “O céu é o limite para ele”, diz sorrindo. Não é somente sua capacidade de trabalho que impressiona o supervisor, mas também a forma como interage com os colegas. Antes de Alex começar a trabalhar, Heffernan foi avisado de que o rapaz era tímido e ficava ansioso em algumas situações sociais. “Meu radar ficava ligado”, admite o patrão. Mas com o tempo Alex foi se sentindo mais à vontade com os colegas de trabalho. “Ele está indo muito bem, obrigado”, comemora Heffernan.
Estudos sobre programas de treinamento profissional para pessoas com autismo, embora preliminares, sugerem que a abordagem pode ajudar os mais crescidos, como Alex, a ter sucesso. Por exemplo, em um ensaio clínico do programa de transição do ensino médio – projeto SEARCH, que atende adultos com a síndrome nos Estados Unidos, os participantes completaram um programa de estágio de nove meses incorporado em um negócio grande da comunidade, como um hospital, por exemplo, em que passaram por diferentes postos de trabalho e aprenderam diversas habilidades práticas, como usar o transporte público para chegar ao local. Eles tiveram também apoio individualizado de especialistas em autismo. Enquanto isso, o grupo de controle recebeu os serviços-padrão prestados pela escola. Os dados são animadores: dos 24 adultos que concluíram o estágio, 21 conseguiram um emprego, em comparação com apenas um dos 16 entre os outros voluntários. Essa diferença se manteve por três meses. E talvez ainda mais importante: os que participaram do programa ganharam independência ao longo do tempo – isto é, precisavam cada vez menos de suporte – o que, infelizmente, não foi observado no grupo de controle.
O projeto oferece orientação, atividades sociais em grupo e oportunidades de estágio. O Aspire dispõe também de serviços que facilitam a aproximação entre os estudantes, como o acampamento de verão do primeiro ano, em que os alunos têm a oportunidade de desenvolver habilidades práticas relacionadas à vida no campus. Assim que ingressam na faculdade, podem se inscrever no programa de tutoria do Aspire. Cada participante conhece um universitário bem articulado no campus, com quem forma um par. Esse aluno ajuda a pessoa com autismo a se familiarizar com os serviços e principais recursos, oferecendo suporte contínuo.
Para quem tem deficiência intelectual, programas como Next Steps (próximos passos), da Universidade Vanderbilt, permitem que os alunos tenham aulas ao lado de colegas, aprendam competências profissionais e sociais e ganhem um certificado após dois anos. Nos Estados Unidos, outras iniciativas para adultos com a síndrome também focam o emprego e a educação continuada. Um exemplo é o Programa de Estágio da Faculdade, com base em Indiana, Califórnia, Massachusetts e Nova York, voltado para estudantes universitários no espectro do autismo que não apresentam prejuízos intelectuais.
O projeto SEARCH também atende esse perfil ou quem apresenta qualquer prejuízo significativo no desenvolvimento. É importante fazer essas distinções por causa da grande variabilidade de funcionamento de pessoas com autismo. Não é fácil oferecer tratamento a essa população tendo em vista a heterogeneidade dentro do espectro. Diferenciar os casos também ajuda a assegurar programas de financiamento – a maioria vem de doações filantrópicas privadas, o que permite oferecer auxílio financeiro às famílias dos clientes.
Esses programas favorecem não só conseguir emprego, mas também mantê-lo com sucesso, o que, muitas vezes, exige ter de lidar com situações delicadas. Um dos estagiários do Aspire se mostrou bastante angustiado, por exemplo, depois de encontrar um colega de trabalho de etnia diferente da sua. Disse ao supervisor que não poderia trabalhar com essa pessoa porque já havia passado por uma experiência negativa com alguém da mesma cultura. Ana Maria Mello, da AMA, também se lembra de que, em uma entrevista de um candidato a uma vaga de emprego, ouviu do rapaz que nove horas era “muito cedo” para começar a trabalhar e ele não gostava de acordar cedo. “Sincero e sem rodeios”, comenta.
Essas situações podem ser desconfortáveis, mas McLeod enxerga isso como uma ótima oportunidade de aprender onde mais importa: na hora e na vida real. De fato, “fazer intervenções no cotidiano”, como ele mesmo diz, é a chave da abordagem do Aspire. “Um dos principais desafios para quem tem a síndrome é a transferência e generalização das habilidades”, argumenta. Ele acredita que compreender a perspectiva do outro pode fazer sentido num consultório terapêutico, mas ser algo extremamente difícil de praticar na vida diária.
DE OLHO NO FUTURO
Maria se senta com um pequeno grupo de homens e mulheres jovens à mesa numa sala de reuniões, esperando começar o seminário semanal de estágio. Ela conversa com uma garota morena e sorridente chamada Nicole enquanto os outros verificam os smartphones. Um quadro de avisos na parede tem um papel que diz: “Eu almejo…”. Logo ao lado, há algumas estrelas desenhadas com metas escritas pelos clientes, desde sonhos a coisas simples: “Seja um piloto da Nascar”; “Chegue ao trabalho cinco minutos antes”; “Pergunte aos outros sobre seus interesses”. O psicólogo clínico Bretton Mulder, diretor do departamento de adolescentes e jovens adultos do Aspire, começa a sessão perguntando aos estagiários como foram as coisas nas primeiras duas semanas de trabalho. Maria se queixa de que levou duas horas para pegar seu crachá de segurança na MGH, onde tem atuado na área de gestão de materiais. Outros mencionam problemas de tráfego ou da socialização por meio da música. Depois de ouvir o grupo, Mulder discute maneiras de distinguir comentários relacionados ao tema na hora de participar de reuniões. Fala também sobre a importância de evitar julgar colegas de trabalho com base na aparência ou no nível de educação, por exemplo.
Durante a reunião, sem se dar conta, Nicole interrompe seus companheiros, mas logo em seguida percebe. Coloca uma das mãos sobre a boca e gentilmente sinaliza com a outra na direção de quem estava na vez de falar, como se dissesse, “Opa… vá em frente”. McLeod destaca que para muitas pessoas com a síndrome é um desafio demonstrar esse nível de autoconsciência exemplificado por Nicole. “No autismo, a dificuldade de compreender a perspectiva alheia pode vir acompanhada da confusão entre si e o outro”, explica. Para ajudar os participantes do Aspire e de outros programas a descobrir a própria identidade, os tutores os incentivam a refletir sobre suas forças, fraquezas, seus pensamentos e sentimentos. Um processo que pode levar a importantes compreensões: “Sou uma pessoa brilhante, mas que costuma reagir intensa- mente a certos estímulos sensoriais”, exemplifica McLeod. Os clientes são encorajados a partilhar esses aspectos relevantes da personalidade com amigos ou colegas de trabalho, o que tende a favorecer a aceitação e compreensão mais rapidamente.
Considerando a autoconsciência como base mental e as habilidades sociais aplicadas como componentes práticos, um terceiro fator, não raro deixado de lado, mas crucial para auxiliar adultos no espectro do autismo, é a capacidade de lidar com o estresse. Muitos projetos, incluindo o Aspire, ensinam a seus clientes técnicas da medi- tação mindfulness e ioga, por exemplo. Os dados preliminares indicam que, com esses três pilares, muitos clientes conseguem arrumar um trabalho e, em algum momento, dispensar os programas de apoio. No entanto, a prevalência do transtorno continua crescendo. Uma em cada 68 crianças tem autismo, segundo estimativas de 2010 dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), um aumento de 30% em relação aos números publicados em 2008. Pesquisas recentes sugerem que uma das principais razões dessa diferença se deve ao diagnóstico mais frequente precisamente do perfil atendido pelo Aspire: pessoas cognitivamente mais capazes.
Embora o projeto ainda não tenha mensurado os resultados, os dados da pesquisa sugerem que os clientes e suas famílias es- tão bem satisfeitos. Para algumas pessoas como Maria, o programa tem sido uma espécie de bote salva-vidas. O estágio na MGH pode não ser o emprego dos sonhos. “Qualquer um pode fazer isso”, ela diz a seus colegas com naturalidade durante o seminário de estágio. No entanto, Maria encara isso como um grande passo em direção ao seu objetivo de longo prazo, que é ser paramédica. E, talvez mais importante, Amira conta que a equipe ajuda a filha a se sentir “respeitada e admirada. Essas pessoas enxergam as possibilidades e o potencial que ela tem”. Como resultado, a perspectiva de Maria mudou drasticamente. “Ela costumava dizer que não tinha futuro”, desabafa a mãe. “Agora, minha filha faz planos.”
PESSOAS QUE PRECISAM DE PESSOAS
Um rapaz de 19 anos, de pele clara e cabelos escuros, chamado Mateus, permanece no centro de um círculo, cercado por seus pares sentados em cadeiras dobráveis. “Preciso ganhar dinheiro rapidamente. O que devo fazer?”, pergunta.
“Roubar todo o ouro da cidade… ou assaltar um banco em Paris!”, exclama Dani.
“Trabalhar turnos de 24 horas para o resto da vida”, Nicolas sugere.
“Vender os braços e as pernas”, diz Jane, que escuta muitas risadas.
Esses jovens adultos com autismo participam de um jogo de improvisação chamado Bad advice (mau conselho), promovido no Aspire. A pessoa no centro do círculo apresenta um problema a ser resolvido, enquanto o restante tenta chegar à pior sugestão possível. Além de ser uma atividade divertida para “quebrar o gelo”, o exercício oferece o conceito de “prós e contras” sociais; a premissa é que ensinar como não se comportar em situações coletivas registra nos participantes, de maneira implícita, como devem agir.
Depois, começa mais uma sessão de grupo Excursões de Sábado do Aspire. Para a maioria dos clientes, os encontros proporcionam um passeio extremamente necessário. Embora muitos com autismo sejam considerados distantes e desinteressados na socialização, para outros tantos, o oposto é verdadeiro. Um estudo da Universidade do Missouri com adultos diagnosticados com a síndrome, publicado em abril passado, revela que uma boa parte sofre com a solidão e o isolamento, o que pode levar à depressão e à ansiedade. O afastamento social pode ser grave: um estudo nacional feito com adolescentes com autismo, publicado em 2011, mostra que mais da metade não havia se aproximado de um amigo no ano anterior. E, quando outro grupo de pesquisadores perguntou aos pais de adultos com a síndrome sobre necessidades não atendidas dos filhos, muitos citaram a interação coletiva. Um grande número de autistas nessa idade anseia se relacionar socialmente, mas não sabe como.
A excursão oferece uma oportunidade não só de desfrutar da companhia um do outro, mas de praticar habilidades em que os jovens adultos têm dificuldade, como o que a equipe chama de “atividades cotidianas” – tarefas como organizar um passeio e gerir tempo e dinheiro. Após o jogo de improvisação e antes que o grupo sinta o vento de primavera no início da tarde, os profissionais da Aspire lembram a todos que vão assistir a um filme no centro da cidade durante a semana. Eles reveem a programação para o dia, verificam a rota de metrô para o cinema e distribuem carteiras com cartões de débito pré-carregados e bilhetes de metrô. No caminho de ida e volta do teatro, há bastante tempo para praticar outra habilidade essencial: a conversa.
Dan, um jovem com o cabelo muito rente e óculos de sol, pergunta a data de aniversário dos colegas para ler o horóscopo num aplicativo de smartphone. Atualmente, as saídas são tranquilas.
Depois do evento, todos costumam se reunir para discutir os “altos e baixos”. (Consenso: assistir ao filme Lego foi considerado positivo; Caminhar contra o vento, negativo.) No entanto, há percalços ocasionais. Em uma viagem para o Arsenal da Marinha, com um grupo diferente, um dos membros, cansado de caminhar, se deitou para descansar em uma cama a bordo de um navio. Essas situações complicadas podem ser uma boa oportunidade de discutir comportamentos sociais adequados – por exemplo, explicando que, em algumas ocasiões, é necessário agir de forma diferente em público e no privado.
O programa Aspire realiza a maior parte das intervenções coletivamente, em vez de trabalhar no caso a caso. “Acreditamos que ações individuais não são desafiadoras; entendemos que o grupo é um dos lugares mais poderosos para aprender aptidões”, observa o psicólogo Scott McLeod. Ao mesmo tempo, esse contexto é possível causar mais segurança e previsibilidade do que diversas situações cotidianas, o que pode permitir que os clientes se sintam menos apreensivos e pratiquem habilidades que talvez de outra forma não os deixassem à vontade. “A razão de não demonstrar determinada capacidade social, em geral, se deve a fatores muito mais complexos do que apenas não ter tal habilidade”, completa. Em muitos casos, outras questões pesam, como ansiedade, dificuldade de compreender a perspectiva alheia ou simplesmente não assimilar o propósito de certos comportamentos coletivos. É por isso que o Aspire evita simplesmente desenvolver aptidões nos clientes, uma abordagem que, segundo McLeod, “falhou completamente”.
Poucos estudos (e distantes entre si) abordam a melhor forma de ajudar adultos com autismo a aprender e a praticar habilidades sociais. O programa desenvolveu um estilo de trabalho a partir de diversos métodos com base em evidências psicológicas. Um tutor enfatiza os pontos fortes do cliente e oferece comentários positivos e negativos, uma técnica apoiada nos princípios da psicologia positiva.
Eles também encorajam os participantes a raciocinar sobre os pensamentos e sentimentos subjacentes ao comportamento alheio e próprio, um princípio central da terapia cognitivo-comportamental. “A premissa é que podemos aprender aptidões coletivas por meio da troca com os pares, respeitando o próprio tempo e o do outro.
Mas, se não temos ideia do que está em jogo, isso se torna superficial. Tudo se desfaz ao encararmos uma situação diferente”, argumenta Dot Lucci. “Por isso, propomos algo diferente.”
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