JOÃO 13: 18-30 – PARTE II

A Traição de Judas é profetizada. A Ansiedade dos discípulos
VI – Os discípulos ficaram ansiosos para que seu Mestre se explicasse, e lhes dissesse a quem, em particular, Ele se referia, porque somente isso podia tirá-los da sua dor atual, pois cada um deles acreditava que tinha motivo para suspeitar tanto de si mesmo como de qualquer um de seus irmãos. Neste momento:
1. De todos os discípulos, João era o mais apto a perguntar, pois ele era o favorito e sentava-se junto a seu Mestre (v. 23): “Um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus”. Parece que este discípulo era João, ao comparar-se com João 21.20,24. Observe:
(1) O carinho especial que Jesus tinha por ele. Ele era conhecido por esta paráfrase, que ele era o discípulo “a quem Jesus amava”. Jesus amava a todos (v. 1), mas João lhe era particularmente querido. Seu nome te m o sentido de “gracioso”. Daniel, que fora exaltado com as revelações do Antigo Testamento, assim como João, do Novo, era um homem muito amado, Daniel 9.23. Observe que, entre os discípulos de Cristo, alguns lhe eram mais caros do que outros.
(2) Seu lugar e postura neste momento: ele “estava reclinado no seio de Jesus”. Alguns dizem que era costume, naquelas nações, sentar-se à mesa em posição reclinada, de modo que o segundo repousava no seio do primeiro, e assim por diante, o que não me parece provável, pois, em tal posição, eles não poderiam comer nem beber de forma conveniente. Porém, quer fosse este ou não o caso, João agora se reclinava no seio de Cristo, e isto parece ser uma expressão extraordinária de carinho usada naquele momento. Observe que havia alguns discípulos de Cristo que se reclinavam ao seu seio, que possuíam uma comunhão mais próxima e acessível com Ele do que outros. O Pai amava ao Filho, e este estavam em seu seio (cap.1.18), e os crentes são, da mesma maneira, um com Cristo, cap. 17.21. Esta glória todos os santos terão, em breve, no seio de Abraão. Cristo trará ao seu seio aqueles que se lançarem aos seus pés.
(3) Que o escritor não declara o nome do discípulo que estava reclinado no seio de Jesus, pois ele era o próprio escritor da história. Em vez de seu nome, ele se designou dessa maneira para mostrar que estava contente com isto. Ser o discípulo “a quem Jesus amava” era seu título honorífico, da mesma forma como na corte de Davi e de Salomão havia alguém que era o amigo do rei. Por esta razão, ele não registrou seu nome, para não se exaltar por ter recebido tão grande bênção, para que não parecesse que se gloriava disso. Paulo, em uma situação similar diz: “Conheço um homem em Cristo”
2. De todos os discípulos, Pedro era o mais ansioso para saber, v. 24. Pedro, sentado a certa distância, acenou para João, através de algum sinal ou de alguma outra maneira, para que perguntasse. Pedro era geralmente o líder, o mais propenso a se colocar na frente, e aqueles cujo temperamento natural os leva a ser assim ousados em responder e perguntar, se refreados pelas leis da humildade e sabedoria, tornam-se muito úteis. Deus concede seus dons de forma variada, mas para que os homens impetuosos na igreja não se julguem melhores, nem os modestos se desanimem, deve ser observado que o discípulo amado não era Pedro, mas João. Pedro estava desejoso de saber, não apenas para que pudesse ter a certeza de que não era ele, mas para que, sabendo quem era, pudessem fugir dele, protegerem-se dele e, se possível, frustrar seu objetivo. Seria desejável, poderíamos pensar, saber quem na igreja nos desapontará, porém deixemos que isto baste – Cristo sabe, embora nós não saibamos. O motivo pelo qual o próprio Pedro não perguntou foi que João tinha uma oportunidade muito melhor, devido à vantagem da sua posição à mesa, de cochichar a pergunta aos ouvidos de Cristo, e receber uma resposta quase pessoal. É bom nos aproximarmos daqueles que estão mais próximos a Cristo, e conseguir que nos incluam em suas orações. Conhecemos alguém que temos razões para pensar que se reclina ao seio de Cristo? Peçamos que esta pessoa nos ajude em oração.
3. A pergunta foi feita de maneira adequada (v. 25): Então, aquele discípulo, “inclinando-se… sobre o peito de Jesus”, e tendo assim a conveniência de sussurrar para Ele, lhe disse: “Senhor, quem é?” Neste momento, João demonstra:
(1) Consideração por seu condiscípulo, e pelo gesto que ele fez. Embora Pedro não tivesse a honra que João tinha nesse momento, o apóstolo amado não desdenha a sugestão e a insinuação que Pedro lhe fez. Observe que aqueles que descansam no seio de Cristo podem, não raramente, aprender alguma coisa que lhes será proveitosa com aqueles que estão aos pés do Senhor. Eles também podem ser lembrados a respeito daquilo que por si mesmos não considerariam. João, tendo aqui uma oportunidade tão auspiciosa, desejava cooperar com Pedro. Cada um de nós recebeu ao menos um dom, e deve ministrá-lo para o bem comum, Romanos 12.6.
(2) Reverência por seu Mestre. Embora ele sussurrasse isto no ouvido de Cristo, ainda assim ele o chamou de Senhor. A intimidade de que ele desfrutava não diminuiu, de forma alguma, seu respeito por seu Mestre. Convém a nós, expressarmo-nos com reverência e observar o decoro até mesmo em nossas devoções privadas, que não são testemunhadas por ninguém, bem como em reuniões públicas. Quanto mais íntima for a ligação que as almas bondosas tiverem com Cristo, mais conscientes elas serão da excelência dele e de sua própria indignidade, como em Gênesis 18.27.
4. Cristo deu uma rápida resposta a esta pergunta, todavia a sussurrou ao ouvido de João, pois parece (v.29) que o resto não estava a par do assunto. “É aquele a quem eu der o bocado molhado”, um pedaço, um a casquinha, quando o imergir no molho. “E, molhando o bocado”, enquanto João observava com atenção seu gesto, “o deu a Judas”, e Judas aceitou-o prontamente, sem suspeitar do seu intento, mas sentindo-se contente com o saboroso bocado que levaria à boca.
(1) Cristo identificou o traidor através de um sinal. Ele podia ter dito a João, pelo nome, quem ele era (“O adversário e inimigo é aquele perverso Judas, ele é o traidor, só ele e mais ninguém”). Mas, desta maneira, o Senhor exercitaria a capacidade de observação de João, e insinuaria a necessidade que seus ministros têm do espírito de discernimento, pois os falsos irmãos contra os quais devemos nos guardar não nos são dados a conhecer por palavras, mas por sinais. Eles nos serão dados a conhecer por seus frutos, por seu espírito. A consolidação de um julgamento correto a respeito deles exige grande diligência e prudência.
(2) Esse sinal consistiu no bocado que Cristo lhe deu, um sinal muito apropriado, pois, como cumprimento das Escrituras (v. 18), o traidor deveria ser alguém que comesse o pão com Ele, alguém que, nesse momento, fosse um indivíduo do povo, como Ele. Havia também um significado nisso, e nos ensina:
[1] Que Cristo, às vezes, dá bocados aos traidores. Riquezas terrenas, honras e prazeres são bocados (se pudermos falar assim) que a Providência, às vezes, coloca nas mãos dos perversos. Judas talvez se considerasse um favorito, pois ele havia recebido o bocado, embora fosse, em si mesmo, alguém sem valor, como Benjamim à mesa de José. Dessa maneira, a prosperidade dos tolos, como um espantoso bocado, contribui para destruí-los.
[2] Que não devemos ser cruéis com aqueles que sabemos que são muito mal-intencionados contra nós. Cristo serviu a Judas com a mesma gentileza com que serviu aos outros à mesa, embora soubesse que ele estava, então, conspirando para sua morte. “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer”. Isto é fazer como Cristo faz.
VII – O próprio Judas, em vez de ficar convencido, através disso, de sua maldade, foi ainda mais confirmado nela, e o alerta que foi dado, foi para ele “cheiro de morte para morte”, pois segue-se que:
1. O Diabo logo após tomou posse dele (v. 27): ”Após o bocado, entrou nele Satanás”, não para lhe causar tristeza, nem para perturbá-lo, que é o efeito que o inimigo causa ao possuir alguns; não para precipitá-lo no fogo, nem na água. Feliz teria sido ele se isso fosse a pior das coisas, ou se, como os porcos, tivesse sido atirado ao mar. Mas Satanás entrou nele para possuí-lo com um predominante preconceito contra Cristo e sua doutrina, e um desprezo por Ele, como alguém cuja vida era de pouco valor, para provocar nele um desejo ávido pelo prêmio da injustiça e uma determinação de não deixar que nada o impedisse de obtê-lo. Porém:
(1). Satanás já não estava antes nele? Como, então, é dito que agora Satanás entrou nele? Judas era desde o começo “um diabo” (cap. 6.70), o “filho da perdição”, mas agora Satanás obteve uma posse maior dele, entrou nele mais completamente. Seu propósito de trair seu Mestre havia agora amadurecido, tornando-se uma decisão imutável. Agora ele retornara com sete outros espíritos piores do que ele próprio, Lucas 11.26. Observe que:
[1] Embora o Diabo esteja em todo homem perverso que realiza suas obras (Efésios 2.2), ainda assim, às vezes, ele entra mais manifestamente e mais fortemente do que em outras vezes, quando os coloca sob uma enorme perversidade, que atemoriza a humanidade e a consciência natural.
[2] Traidores de Cristo têm, em si, muito do Diabo. Cristo fala do pecado de Judas como sendo maior do que o de qualquer de seus perseguidores.
(2). Como Satanás pôde entrar nele “após o bocado”? Talvez ele estivesse sabendo naquele momento que fora descoberto, tornando suas decisões desesperadas. Muitos se tornam piores pelas dádivas da generosidade de Cristo, e são confirmados em sua obstinação pelo erro, por aquilo que deveria levá-los a se arrepender. As brasas sobre suas cabeças, em vez de enternecê-los, os endurecem.
2. Cristo logo depois o dispensa e o abandona aos desejos de seu próprio coração: “Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa”. Isto não deve ser entendido como alertando-o para sua maldade ou justificando-o nela, mas, ou:
(1) Como o abandono de Judas ao comando e poder de Satanás. Cristo sabia que Satanás havia entrado nele e tinha posse pacífica, e agora Ele o dá por perdido. Os vários métodos que Cristo havia utilizado para seu convencimento foram ineficazes, por isso Ele diz: “O que fazes, faze-o depressa. Se estiveres decidido a te desgraçar, vá em frente, e aceite o que vier”. Observe que quando o espírito maligno é aceito de boa vontade, o bom Espírito, de maneira adequada, se retira. Ou
(2) Como o desafiando a fazer seu pior: “Você está planejando contra mim, coloque seu complô em andamento e fique à vontade, quanto antes, melhor, não tenho medo de você, estou pronto para você”. Observe que nosso Senhor Jesus estava muito entusiasmado para sofrer e morrer por nós, e estava impaciente com a demora na conclusão de sua tarefa. Cristo fala da traição de Judas como alguma coisa que Judas estivesse fazendo naquele momento, embora ele apenas a estivesse tramando. Aqueles que estão tramando e planejando o mal já estão, na visão de Deus, fazendo o mal.
3. Aqueles que estavam à mesa não entenderam o que Jesus quis dizer, pois eles não ouviram o que Ele sussurrara a João (vv. 28,29): “Nenhum dos que estavam assentados à mesa”, nem os discípulos, nem quaisquer outros dos convidados, exceto João, sabia com que intenção Ele dissera isto.
(1) Eles não suspeitaram de que Cristo o dissera a Judas, como traidor, porque não havia entrado em suas cabeças que Judas fosse um traidor, nem que se tornasse um. Observe que é uma estupidez perdoável nos discípulos de Cristo não serem perspicazes em suas críticas. A maioria está pronta a dizer, quando ouve coisas ásperas ditas de forma genérica: Uma hora quer dizer uma coisa, e mais tarde, outra. Mas os discípulos de Cristo eram tão bem ensinados a amar uns aos outros que não podiam aprender a suspeitar facilmente uns dos outros. A caridade não pensa mal.
(2) Eles, portanto, aceitaram como verdade que Jesus dissera isso a Judas como ao depositário ou tesoureiro da casa, dando-lhe ordem para gastar algum dinheiro. A conjectura deles, neste caso, nos expõe os usos e propósitos para os quais nosso Senhor Jesus comumente direcionava os gastos, do pouco que possuía em reserva, e assim nos ensina como honrar ao Senhor com nossos recursos. Eles concluíram que algo deveria ser desembolsado, ou
[1] Em obras de piedade: “Compra o que nos é necessário para a festa”. Não obstante Ele tivesse alugado um salão no qual poderiam comer a ceia da Páscoa, Ele também comprara provisões para ela. Os valores que forem desembolsados para a aquisição daquilo que for necessário para a manutenção da obra de Deus entre nós deve ser considerado bem aplicado, e agora temos menos razões para invejar os gastos do passado, pois o Evangelho está longe de ser tão custoso como era a adoração na dispensação da lei de Moisés.
[2} Ou em obras de caridade: “Ou que desse alguma coisa aos pobres”. Por causa disso, parece, em primeiro lugar, que embora nosso Senhor Jesus vivesse, Ele próprio, de esmolas (Lucas 8.3), Ele dava esmolas aos pobres, um pouco do pouco. Embora pudesse muito bem ser isentado, não apenas porque Ele próprio era pobre, mas porque fez tanto bem de outras maneiras, curando tantos gratuitamente, mesmo assim, para estabelecer um exemplo para nós, Jesus dava, para alívio dos pobres, daquilo que Ele tinha para subsistência de sua família. Veja Efésios 4.28. Em segundo lugar, que a ocasião de uma festa religiosa era considerada um momento adequado para obras de caridade. Quando celebrava a Páscoa, o Senhor Jesus sempre dava alguma coisa para os pobres. Ao sentirmos a bondade de Deus para conosco, devemos ser bondosos para com os pobres.
4. Judas, em consequência disto, se fixa vigorosamente em perseguir seu intento contra Cristo: ele “saiu”. São observadas:
(1) Sua rapidez na partida: ele saiu imediatamente, e abandonou a casa:
[1] Por medo de ser mais inteiramente exposto ao grupo, pois, se o fosse, ele podia esperar que todos eles caíssem sobre ele, e isto significaria sua morte, ou pelo menos a frustração de seu projeto.
[2] Ele saiu como alguém que está farto da companhia de Cristo, e do seu grupo de apóstolos. Cristo não precisou expulsá-lo, o próprio Judas se excluiu. Observe que retirar-se da comunhão dos fiéis é geralmente o primeiro ato visível de um apóstata, e o início de uma apostasia.
[3] Ele saiu para perseguir seu objetivo, para procurar por aqueles com quem ele iria fazer sua barganha, e para fazer seu acordo com eles. Agora que Satanás havia entrado em Judas, ele o impelia com precipitação, para que Judas não enxergasse seu erro, e se arrependesse.
(2) A hora de sua partida: “Era já noite”.
[1] Embora fosse noite, um horário inoportuno para negócios, tendo Satanás entrado nele, o frio e a escuridão da noite não foram dificuldades para ele. O fato dos servos do Diabo serem tão determinados e arrojados a serviço dele deveria nos envergonhar de nossa preguiça e covardia em nosso serviço a Cristo.
[2] Como era noite, isto lhe dava a vantagem do segredo e do encobrimento. Ele não queria ser visto tratando com os principais dos sacerdotes, e, portanto, escolheu a noite escura como o horário mais apropriado para tais obras das trevas. Aqueles cujas obras são más, amam as trevas e odeiam a luz. Veja Jó 24.13ss.
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