JOÃO 13: 1-17 – PARTE III

Cristo Lavando os Pés dos Discípulos. A Necessidade de Obediência
III – Cristo lavou os pés de seus discípulos para que este ato pudesse representar para eles uma lavagem espiritual, e a purificação da alma das contaminações do pecado. Isso é claramente declarado em sua conversa com Pedro sobre este assunto, vv. 6-11, na qual podemos observar:
1. A surpresa de Pedro ao ver seu Mestre cuidando desse serviço degradante (v. 6): Ele se aproximou de Simão Pedro, com sua toalha e uma bacia, e ordenou-lhe que expusesse seus pés para serem lavados. Crisóstomo presume que primeiro Ele lavou os pés de Judas, que prontamente aceitou a honra, e ficou feliz em ver seu Mestre se rebaixar desse modo. Porém, é mais provável que, ao realizar esse serviço (que é expresso pela frase “começou a lavar”, v. 5), o Senhor tenha começado por Pedro, para que os demais não se recusassem, por não terem ouvido a explicação contida no diálogo anterior entre o Senhor e Pedro. Quer Cristo tenha se dirigido primeiro a Pedro ou não, quando se dirigiu a ele, Pedro ficou surpreso com a proposta: “Senhor”, diz ele, “tu lavas me os pés a mim?” Aqui há uma ênfase que deve ser colocada sobre os termos “tu” e “mim”, e a colocação das palavras é notável, Tu lavas-me os pés a mim? O que é esse tu? E quanto a mim? Essas coisas devem ser contempladas mais do que expressadas. “Por que tu, nosso Senhor e Mestre, a quem nós conhecemos e acreditamos ser o Filho de Deus, o Salvador e Soberano do mundo, fazes isso por mim, um inútil verme da terra, um homem pecador, Senhor? Devem lavar meus pés essas mãos que com um toque têm purificado os leprosos, dado a visão aos cegos e ressuscitado aos mortos?” Assim disse Theophylact, e, apoiando-se nele, o Dr. Taylor. De muito bom grado, Pedro teria pego a bacia e a toalha, e lavado os pés de seu Mestre, e ficado orgulhoso dessa honra, Lucas 17.7,8. “Isso teria sido natural e normal. Mas o fato de o meu Mestre lavar meus pés é de uma impropriedade como nunca houve. Permitir isto seria uma falta de delicadeza para com Ele, um paradoxo tão grande, que eu não posso entender. É esse “o costume dos homens?” Observe que as condescendências de Cristo, especialmente suas condescendências para conosco, das quais tomamos conhecimento através da sua graça, são, de forma justa, motivo de nossa admiração, cap. 14.22. Quem sou eu, Senhor Deus? E qual é a casa de meu pai?
2. A imediata resposta que Cristo deu a essa pergunta que indicava surpresa. Isto, ao menos, era suficiente para calar suas objeções (v. 7): “O que eu faço, não o sabes tu, agora, mas tu o saberás depois”. Aqui estão duas razões pelas quais Pedro deveria se submeter ao que Cristo estava fazendo:
(1) Porque, no momento, ele estava desinformado no tocante a isso, e não devia opor-se àquilo que ele não entendia, mas concordar com a vontade e a sabedoria de alguém que podia dar uma boa razão para tudo aquilo que dizia e fazia. Cristo ensinaria Pedro a ter uma obediência completa: ‘”O que eu faço, não o sabes tu, agora’, e, consequentemente, não és um juiz adequado para isso, mas deves acreditar que isso é o melhor a ser feito, porque eu o estou fazendo”. Observe que nossa consciência de que trabalhamos sob a ignorância, e nossa incapacidade de avaliar o que Deus faz, deveria nos tornar indulgentes e modestos em nossas censuras aos seus procedimentos. Veja Hebreus 11.8.
(2) Porque, nesse ato, havia alguma coisa importante, cujo significado Pedro saberia mais tarde: ‘”Tu o saberás depois’, por que necessitas ser lavado, quando fores culpado do abominável pecado de me negar”, segundo alguns. “Tu o saberás, quando, no desempenho da função de um apóstolo, fores usado na purificação daqueles que carregam seu fardo de pecados e contaminações, daqueles que estão apegados à iniquidade”, segundo o Dr. Hammond. Observe que:
[1] Nosso Senhor Jesus faz muitas coisas cujo significado nem mesmo seus próprios discípulos conhecem por hora, mas o saberão depois. O que Ele fez quando se tornou homem por nós e o que Ele fez quando se tornou um verme, e não um homem, por nós, o que Ele fez quando viveu nossa vida e o que Ele fez quando renunciou a ela, não podia ser compreendido, senão mais tarde, e parecia, então, que isso convinha a Ele, Hebreus 2.17. Providências subsequentes explicam as anteriores, e nós percebemos posteriormente qual era o objetivo benevolente de eventos que pareciam totalmente opostos, e situações em que o modo como pensávamos estava a ponto de se mostrar correto.
[2] A lavagem dos pés dos discípulos por Cristo tinha um significado que eles próprios só entenderam mais tarde, quando Cristo explicou que ela era uma espécie de lavagem da regeneração, e quando o Espírito foi derramado do céu sobre eles. Devemos deixar que Cristo use seus próprios métodos, tanto em suas leis quanto em suas providências, e assim descobriremos, através dos resultados, que Ele faz tudo da melhor maneira possível.
3. A recusa peremptória de Pedro em permitir que Cristo lavasse seus pés (v. 8): “Nunca me lavarás os pés”. “Não, nunca”. Assim está no original. É a linguagem de uma resolução firme. Sendo assim:
(1) Aqui havia uma demonstração de humildade e modéstia por parte do Senhor. Em vista disto, Pedro parecia ter, e sem dúvida realmente tinha, um grande respeito por seu Mestre, como ele o admitira, Lucas 5.8. Dessa maneira, muitos são enganados pensando que serão recompensados por uma humildade voluntária que está de acordo com seu próprio pensamento, e não de acordo com a vontade do Senhor (Colossenses 2.18,23). Nossa renúncia deve estar de acordo com aquilo que Cristo ordena ou aceita, pois:
(2) Sob essa aparência de humildade, havia uma verdadeira contradição à vontade do Senhor Jesus: “Eu lavarei teus pés”, diz Cristo. “Nunca me lavarás”, diz Pedro. “Isso não é uma coisa apropriada”, querendo se fazer, desse modo, mais sábio do que Cristo. Não é humildade, mas deslealdade, colocar de lado as dádivas do Evangelho, como se fossem preciosas demais para serem concedidas a nós ou boas demais para serem verdadeiras.
4. A persistência de Cristo em sua oferta, e a boa razão pela qual Pedro deveria aceitá-la: “Se eu te não lavar, não tens parte comigo”. Isto pode ser entendido:
(1) Como uma severa advertência contra a desobediência: “Se eu te não lavar, se tu continuares insubmisso, e não acatares a vontade de seu Mestre em algo tão pequeno, não serás reconhecido como um dos meus discípulos, mas serás merecidamente rejeitado e expulso por não cumprir ordens”. Vários dos antigos entendem isso desse modo. Se Pedro se julgar mais sábio do que seu Mestre, e discutir as ordens que deveria obedecer, ele, na verdade, estará renunciando sua fidelidade, e dizendo aquilo que outros disseram: “‘Que parte temos nós com Davi’, no Filho de Davi?” E assim virá sua perdição, e ele não terá parte com o Senhor. Que ele não tenha mais condutas que lhe serão prejudiciais, pois “o obedecer é melhor do que o sacrificar”, 1 Samuel 15.22. Ou:
(2) Como uma declaração da necessidade da lavagem espiritual, e assim eu penso que deva ser entendido: “Se eu não lavar tua alma da contaminação do pecado, não terás parte comigo, nenhum interesse em mim, nenhuma comunhão comigo, nenhum benefício através de mim”. Observe que todos aqueles, e somente aqueles, que são espiritualmente lavados por Cristo, é que têm parte em Cristo.
[1] Toda a felicidade de um cristão está associada a ter parte em Cristo, ou com Cristo, a ser participante de Cristo (Hebreus 3.14), a compartilhar esses privilégios inestimáveis que resultam da união e do relacionamento com Ele. Esta é aquela boa parte cuja posse é a única coisa indispensável.
[2] Para que tenhamos parte em Cristo, é necessário que Ele nos lave. Todos aqueles a quem Cristo reconhece e salva, Ele justifica e santifica, e estas bênçãos estão incluídas no ato de lavá-los. Não podemos participar de sua glória se não participamos de seu mérito e justiça, como também de seu Espírito e graça.
5. Mais do que a submissão de Pedro, seu fervoroso pedido para ser lavado por Cristo, v. 9. Observe o significado de suas palavras: “Senhor, não só os meus pés, mas também as mãos e a cabeça”. Como o pensamento de Pedro mudou rapidamente! Quando o erro de sua compreensão foi reparado, a determinação deturpada de sua vontade foi logo modificada. Não devemos ser tão radicais em qualquer decisão (exceto em nossa decisão de seguir a Cristo), porque podemos logo enxergar razões para voltar atrás. Devemos ser cuidadosos ao assumirmos um compromisso que exija persistência. Observe:
(1) Como Pedro está preparado para retroceder naquilo que tinha dito: “Senhor, que tolo fui eu ao proferir algo tão precipitado!” Agora que a lavagem dele parecia ser um ato da autoridade e da graça de Cristo, ele a aceita. Mas Pedro não gostou quando esta lhe parecia apenas um ato de humilhação. Observe que:
[1] Homens bons, quando percebem seus erros, não se recusarão a se retratar.
[2] Cedo ou tarde, Cristo fará com que todos pensem como Ele.
(2) Como ele é inoportuno para a graça purificadora do Senhor Jesus, e o poder universal desta graça maravilhosa precisa estar até mesmo sobre suas mãos e sua cabeça. Observe que a separação de Cristo, e a exclusão de ter participação nele, é o mal mais temível aos olhos de todos os que são esclarecidos, pelo temor do qual eles serão persuadidos a fazer qualquer coisa. E por medo disso, devemos ser sinceros em nossas orações a Deus, para que Ele nos lave, justifique e santifique. “Senhor, que eu não seja removido da tua presença. Torne-me merecedor de ti, pela lavagem da regeneração. Senhor, lave não apenas meus pés, de todas as contaminações que se prendem a eles, mas também minhas mãos e minha cabeça, das manchas que contraíram, e da sujeira imperceptível que se origina na transpiração do meu próprio corpo”. Observe que aqueles que verdadeira mente desejam ser santificados, desejam sê-lo por completo, e ter o corpo inteiro, com todas as suas partes e forças, purificado, 1 Tessalonicenses 5.23.
6. A explicação de Cristo deste símbolo, na medida que ele representa uma lavagem espiritual.
(1) Com referência aos seus discípulos que lhes eram fiéis (v. 10): ”Aquele que está lavado”, que é completamente lavado no banho (como era habitualmente praticado nessas regiões), tendo lavadas sua cabeça e suas mãos, e tendo apenas sujado seus pés ao caminhar para casa quando retorna para sua casa, “não necessita de lavar senão os pés”. Pedro havia ido de um extremo ao outro. No princípio, ele não queria deixar Cristo lavar seus pés, e agora ele desconsidera o que Cristo havia feito por ele em seu batismo (o que era expresso através disso), e clama para que suas mãos e sua cabeça sejam lavadas. Agora Cristo o instrui quanto ao significado. Ele precisa lavar seus pés, mas não suas mãos e sua cabeça.
[1] Veja aqui qual é o conforto e o privilégio daqueles que estão em uma condição justificada; Eles são lava dos por Cristo, e cada partícula é purificada, isto é, eles são bondosamente aceitos por Deus, como se fossem justos. E, embora pequemos, não precisamos ser justificados exatamente como no início, pois os pecados que cometemos não são voluntários. Por esta razão, não precisamos ser frequentemente batizados quando nos arrependemos de nossas falhas cotidianas. A evidência de uma condição justificada pode estar oculta, e seu conforto, suspenso, apesar de o privilégio ainda não ter sido cancelado ou retirado. Embora tenhamos oportunidade de nos arrependermos diariamente, “os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento”. O coração pode ser varrido e enfeitado, e ainda assim continuar sendo o palácio do Diabo. Mas, se ele for lavado, pertencerá a Cristo, e o Senhor não o desperdiçará, nem o lançará fora.
[2] Veja qual deveria ser a preocupação diária daqueles que, através da graça, estão em uma condição justificada, e isto é lavar os pés. Purificarem-se da culpa que contraem diariamente através das fraquezas e das negligências, pelo renovado exercício do arrependimento, com uma perseverança confiante na virtude do sangue de Cristo. Nós também devemos lavar nossos pés através da vigilância constante contra tudo o que contamina, pois devemos purificar nosso caminho, e lavar nossos pés levando isso em conta, Salmos 119.9. Os sacerdotes, quando eram consagrados, eram purificados com água, e, embora depois não precisassem ser lavados completamente, ainda assim, sempre que iam ministrar, eles deviam lavar seus pés e suas mãos, sob pena de morte, Êxodo 30.19,20. A provisão feita para nossa purificação não deveria nos tornar presunçosos, mas sim ainda mais cautelosos. “Já lavei os meus pés. Como os tornarei a sujar?” Do perdão ele ontem, nós deveríamos extrair um argumento contra a tentação de hoje.
(2) A acusação a Judas: “Vós estais limpos, mas não todos”, v. 10,11. Ele declara seus discípulos limpos, limpos através da palavra que Ele lhes havia falado, cap. 15.3. Ele próprio os lavou e depois disse: “Vós estais limpos”. Mas Ele exclui Judas: “Mas não todos”. Eles eram todos batizados, mesmo Judas, mas não todos limpos. Muitos possuem o símbolo, mas não aquilo que ele representa. Observe que:
[1] Mesmo entre aqueles que são chamados discípulos de Cristo, e manifestam relação com Ele, existem alguns que não estão limpos, Provérbios 30.12.
[2) “O Senhor conhece os que são seus”, e aqueles que não são, 2 Timóteo 2.19. A visão ele Cristo pode distinguir entre o precioso e o vil, o puro e o impuro.
[3] Quando aqueles que chamam a si mesmos de discípulos mais tarde mostram ser traidores, no final, sua apostasia é, até certo ponto, uma evidência de sua hipocrisia desde o princípio.
[4] Cristo percebe que é necessário deixar seus discípulos saberem que não estão completamente limpos, para que possamos todos desconfiar a respeito ele nós mesmos (Sou eu, Senhor? Sou eu que estou entre os limpos, mas ainda assim não estou limpo?), e para que, quando os hipócritas forem descobertos, isso não possa ser surpresa nem obstáculo para nós.
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