SIM, VOCÊ SABE LER MENTES!
A capacidade, nem sempre consciente. de compreender tanto a intenção quanto a dor ou a alegria do outro – mesmo sem que algo tenha sido expresso em palavras – é um atributo da complexa comunicação humana; os mecanismos cerebrais envolvidos nesse processo ajudam neurocientistas a compreender o funcionamento cerebral.
Desde pequenos aprendemos uma série de coisas só observando o mundo que nos cerca. Nos primeiros anos de vida começamos a entendera tristeza, alegria, desilusão e ciúmes dos outros como correlatos emocionais de nossos comportamentos. “Não chora, mamãe”, provavelmente dirá a garotinha ao ver a mãe emocionada por alguma razão. Por volta dos 4 anos, as crianças dão os primeiros passos em direção ao domínio das habilidades sociais: copiam gestos, imitam palavras e atitudes e, geralmente, desenvolvem simpatias. Dessa forma, sinalizam que fazem parte dos mesmos círculos de que todos nós participamos para nos tornar “membros da tribo”, capazes de compartilhar comportamentos socialmente contagiantes como chorar, bocejar, sorrir, gargalhar e fazer caretas de nojo.
Imaginar o que se passa com a outra pessoa por qual razão alguém fez ou disse determinada coisa nos confere alguma sensação de tranquilidade, como se o mundo a nosso redor fizesse sentido e, contornado pela lógica, se tornasse menos ameaçador. Esse tipo de intuição surge naturalmente para a maioria de nós – mas não para todos. Pessoas com autismo não dispõem desse recurso. O transtorno do desenvolvimento afeta uma pessoa em cada 500 (essa cifra varia, dependendo de como definimos o distúrbio). Atualmente, tem sido adotado o termo “transtornos do espectro do autismo” para ressaltar que a patologia varia amplamente em grau de seriedade, mas mantém em comum três sintomas: profunda ausência de habilidades sociais, baixa capacidade de comunicação e comportamentos repetitivos. Independentemente da gravidade da manifestação, na base dessas características estão os problemas de intuição social
Autistas têm dificuldade em se aproximar de outras pessoas porque não construíram um repertório de habilidades de desenvolvimento que permite que os humanos se tornem “especialistas em ter a mente alheia”. Não falamos aqui da habilidade especial de descobrir pensamentos, mas da capacidade de inferir o que os outros estão pensando e sentindo em diferentes circunstâncias.
“Existem evidências, com base em estudos de imageamento do cérebro de uma criança autista onde, inicialmente o córtex frontoinsular e o córtex cingulado anterior, normalmente ativados por interações sociais – estão praticamente inativas em autistas”, explica o psicólogo Bruce M. Hood. diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo de Bristol, da Universidade de Bristol. Inglaterra. “Dados de autópsias também indicam que as estruturas do córtex frontoinsular e do córtex cingulado anterior são alteradas nos casos de autismo.
O pesquisador John Allman, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, acredita que boa parte desse déficit social pode ser atribuída à falta de um tipo especial de neurônios fusiformes, também conhecidos como neurônios de Von Economo, em homenagem ao seu descobridor, que os observou em 1925. Neurônios fusiformes consistem em um neurônio bipolar bem desenvolvido encontrado somente no córtex frontoinsular e no córtex cingulado anterior que, acredita-se, fornece a interconexão entre as áreas do cérebro ativadas pela aprendizagem e pelo contato social. Essa localização pode explicar por que neurônios fusiformes só foram encontrados em espécies particularmente sociais, como todos os grandes símios, elefantes, baleias e golfinhos.
Dentre todos os animais. os humanos são os que têm número maior de neurônios fusiformes localizados no córtex frontoinsular e no córtex cingulado anterior – as mesmas regiões que podem ser comprometidas no espectro de transtornos do autismo. “Acredita-se que os neurônios fusiformes funcionem como rastreadores das experiências sociais levando uma rápida avaliação de situações similares no futuro”, observa Hood. Segundo o pesquisador, essas estruturas fornecem a base da aprendizagem social intuitiva quando observamos e copiamos os outros. “Pode, portanto, não ser coincidência o fato de que a densidade de neurônios fusiformes nas regiões sociais aumenta desde a infância até atingir níveis de adulto já por volta do terceiro ou quarto ano de vida em crianças normais”, ressalta Hood.
Nesta idade, considerada por muitos especialistas em desenvolvimento infantil o divisor de águas, ocorre uma mudança considerável nas habilidades de intuição social. Já pessoas com autismo, que tiveram atividades de áreas do córtex frontoinsular e do córtex cingulado anterior interrompidas, apresentam dificuldade de realizar o que o resto de nós sabe fazer sem ter de pensar muito: descobrir o que se passa com nosso semelhante – basta prestar atenção. No entanto. não raro, subestimamos nossa capacidade de percepção a respeito do que as pessoas sentem e pensam.
NEURÔNIOS-ESPELHO
É por meio das interações sociais que aprendemos o que é importante para nossa sobrevivência e a nos identificar com as emoções dos outros, reconhecer seus desejos, perspectivas, intenções. Tudo que nosso semelhante faz ou deixa de fazer nós podemos compreender, já que nosso cérebro tem a capacidade de organizar uma representação da vida interior de outra pessoa, independentemente de nosso próprio estado mental. Portanto, experimentos neurocientíficos focados em reações individuais talvez expliquem muito pouco da natureza humana. É preciso considerar também as vivências grupais.
Evidências neurocientíficas a favor da empatia humana começaram a surgir na década de 90, na Itália. A equipe liderada pelo neurocientista Giacomo Rizzolatti, da Universidade de Parma, estava pesquisando o controle motor em macacos, e para isso havia implantado eletrodos em neurônios do córtex pré-motor. Depois de realizarem as tarefas, os macacos recebiam amendoins. Para dar o petisco, o pesquisador se aproximava do animal que havia sido testado até que, de repente, o sensor ao qual o cérebro de um deles estava conectado começou a registrar alguma coisa. Os neurônios do córtex prémotor estavam sendo ativados, apesar de o macaco permanecer imóvel.
Os italianos chamaram essas células “neurônios-espelho”, porque entram em ação não apenas em situações em que um movimento é executado, mas também quando o indivíduo observa a mesma ação realizada por outros. Os neurônios-espelho nos permitem internalizar a ação alheia e nos colocar virtualmente no lugar do outro. Isso significa que nós não só compreendemos os sentimentos dos outros simplesmente porque nosso cérebro apreende sua perspectiva, mas porque realmente compartilhamos tais sentimentos ou sensações.
A DOR ALHEIA
Para aprofundar a pesquisa desse fenômeno, 16 casais voluntários participaram de um experimento muito original. A mulher se submetia à ressonância magnética funcional e o marido ou namorado sentava-se ao lado dela. A mão esquerda de ambos estava conectada a eletrodos, pelos quais recebiam descargas elétricas de diferentes intensidades. As mais fortes doíam como uma picada de abelha, mas duravam apenas um segundo e não deixavam marcas. Em um monitor, setas de cores diferentes mostravam para a mulher se o parceiro estava recebendo os choques e a que intensidade. Um não via o rosto do outro, guiavam-se apenas pelos sinais do monitor.
Quando a mulher recebia uma descarga de baixa intensidade, todo o circuito de assimilação da dor de seu cérebro era ativado: ínsula, córtex somatossensorial primário e secundário, córtex cingular anterior, tálamo, cerebelo e certas regiões do tronco cerebral. Essas eram justamente as reações esperadas. Entretanto, quando o parceiro recebia estímulos doloridos, e a mulher era informada disso pelo monitor, a maior parte dessas “áreas da dor” do cérebro dela tomava-se ativa, especialmente regiões emocionalmente relevantes como o córtex cingular anterior e a ínsula. É como se o cérebro se compadecesse da dor do parceiro. Contudo. a magnitude da reação variava entre as mulheres: as que haviam se mostrado especialmente empáticas numa entrevista feita antes do experimento reagiram de forma mais intensa, com uma nítida elevação da atividade nos centros cerebrais associados a dor.
Em compensação, duas importantes regiões do cérebro feminino permaneceram em absoluto silêncio: os córtices somatossensorial primário e secundário, relacionados a localização corporal da dor. O resultado é totalmente plausível pois internalizar a dor subjetivado outro já basta – a informação sensorial não é necessária. Mas, se o estimulo doloroso atinge nosso próprio corpo, temos de saber exatamente onde ele nos afeta para poder combatê-lo ou fugir dele.
A experiência puramente corporal sempre está acompanhada de sensações subjetivas que atuam como ameaças e promovem alterações de humor. Os cientistas supõem que nossa aversão emocional a dor está relacionada com a atividade de regiões como o giro cingulado anterior e a insula: ambas permaneceram ativas nas mulheres que sabiam que seus parceiros estavam recebendo uma picada dolorida. Outros estudos têm fornecido informações importantes sobre o possível papel dessas duas estruturas na assimilação da dor, bem como de outras sensações. Estímulos emocionais – mesmo dos negativos, que nos causam desconforto – desencadeiam alterações e reações em nosso corpo: transpiração, taquicardia, aumento da pressão arterial. Os pesquisadores supõem que as informações sobre o estado corporal são enviadas em diversas estações de processamento cerebral para, por fim, serem armazenadas na insula como uma espécie de “pacote subjetivo”.
MENOS RUDES
Outras pesquisas com neuroimageamento mostram que a atividade na ínsula aumenta até quando as pessoas apenas pensam que alguma coisa vai doer. “Fica evidente, portanto, que usamos informações armazenadas em algum tipo de banco de dados emocionais para antecipar certos eventos para nós mesmos, e também para os outros”, salienta o pesquisador Kevin Dutton, do Instituto Faraday da Faculdade St. Edmund, Universidade de Cambridge. Para ele, a capacidade de empatia deve ter a ver com um sistema que codifica experiências pessoais. Nosso próprio universo de sensações torna-se então matéria-prima para a compreensão das emoções alheias, o que permite concluir que podemos nos pôr no lugar de outra pessoa, sentir como ela se sente, se já tivemos alguma vez na vida experimentado sensações parecidas”, afirma.
Portanto, o altruísmo pode ser resultado da arquitetura cerebral. O fato de que propriedades humanas tão profundas tenham um fundamento neuronal é o que torna a neurociência social cognitiva uma área tão interessante. Por que a natureza nos dotou de empatia? Ao que tudo indica, para facilitar a vida em sociedade.
O JOGO DA IMITAÇÃO
O neurocientista Giacomo Rizzolatti, da Universidade de Parma, pesquisava o controle de movimentos de macacos e para isso havia implantado eletrodos em neurônios do córtex pré-motor nos animais. Rizzolatti e sua equipe descobriram, por acaso, a existência dos “neurônios-espelho”. Essas estruturas microscópicas entram em ação não apenas quando um movimento é executado, mas também quando o indivíduo observa uma ação realizada por outros. Os neurônios-espelho nos permitem internalizar a ação alheia e nos colocar virtualmente no lugar do outro. Isso significa que nós não só compreendemos os sentimentos dos outros simplesmente porque nosso cérebro apreende sua perspectiva, mas porque realmente compartilhamos tais sentimentos ou sensações.
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