JOÃO 12: 27-36

A confirmação divina de Cristo. O sermão de Cristo ao povo
Aqui Cristo é honrado pelo seu Pai, por uma voz vinda do céu, ocasionada pelas suas palavras seguintes, e que propiciou uma conversa adicional com o povo. Nestes versículos, temos:
I – As palavras de Cristo ao seu Pai, por ocasião da dificuldade que perturbou seu espírito neste momento: “Agora, a minha alma está perturbada”, v. 27. Palavras estranhas saindo dos lábios de Cristo, e, desta vez, surpreendentes, pois elas surgem em meio a diversas perspectivas agradáveis, com as quais, poderíamos pensar, Ele devia ter dito: Agora minha alma está satisfeita. Observe que a perturbação da alma, às vezes, surge depois de grandes vitórias espirituais. Neste mundo de misturas e transformação, nós devemos esperar desalentos à nossa alegria, e que o mais alto grau de consolo seja o passo seguinte à perturbação. Depois de ter estado no terceiro céu, Paulo tinha um espinho na carne. Observe:
1. O terror que Cristo sentia pelos seus sofrimentos iminentes: “Agora, a minha alma está perturbada”. Agora tinha início a cena escura e funesta, estes eram os primeiros espasmos do sofrimento da sua alma, agora tinha início sua agonia, sua alma começava a sentir-se excessivamente entristecida. Observe que:
(1) O pecado da nossa alma foi a perturbação da alma de Cristo, quando Ele se encarregou de nos redimir e salvar, e de fazer da sua alma uma oferta pelo nosso pecado.
(2) A perturbação da alma de Cristo se destinava a diminuir a perturbação das nossas almas, pois, depois disto, Ele disse aos seus discípulos (cap. 14.1): “‘Não se turbe o vosso coração’. Por que deveriam perturbar-se vossos corações, e o meu também?” Nosso Senhor Jesus prosseguiu alegremente no seu trabalho, com a perspectiva da alegria diante de si, e ainda assim sujeito a uma perturbação da alma. A tristeza santa é coerente com a alegria espiritual, e é o caminho para a alegria eterna. Cristo agora estava perturbado, entristecido, temeroso, e assim ficaria durante algum tempo. Mas não seria assim para sempre, e não duraria tanto tempo. O consolo dos cristãos em suas perturbações é o mesmo. Elas duram somente um momento, e serão transformadas em alegria.
2. A dificuldade na qual Ele parece estar, evidenciada pelas palavras: “E que direi eu?” Isto não significa que Ele estivesse consultando a qualquer outra pessoa, como se precisasse de conselho, mas que estava considerando, consigo mesmo, o que era apropriado que Ele dissesse agora. Quando nossas almas estão perturbadas, nós devemos prestar atenção para não falar de forma imprudente ou irrefletida, mas debater internamente o que devemos dizer. Cristo fala como alguém que está decidindo o que fazer. Havia uma luta entre a obra de que Ele tinha se encarregado, que exigia sofrimentos, e a natureza que Ele tinha assumido, que temia tais sofri mentos. Entre estas duas, aqui Ele faz uma pausa: “E que direi eu?” Ele procurou, e não havia ninguém para ajudá-lo, o que fez com que o Senhor fizesse uma pausa. Calvino observa que o fato de que Ele falasse desta maneira, como alguém que está prestes a tomar uma decisão, é um grande exemplo da humilhação de Cristo. Quanto mais completamente o Senhor da glória se esvazia, mais brilhante é a evidência do amor que Ele sente por nós. Desta maneira, Ele estava sendo, em todos os aspectos, tentado, como nós o somos, e isto para nos encorajar, quando não soubermos o que fazer, a erguer os olhos a Ele.
3. Sua oração a Deus, em meio a esta situação difícil: “Pai, salva-me desta hora”, orando, não tanto para que esta hora não chegasse, mas para que Ele pudesse passar por ela. “Salva-me desta hora”. Estas eram palavras de uma natureza inocente, e expressa sentimentos que estavam sendo derramados em oração. Observe que é o dever e o interesse das almas perturbadas recorrer a Deus em fiel e fervorosa oração, e em oração olhá-lo como um Pai. Cristo era voluntário nos seus sofrimentos, e ainda as sim orou para ser salvo deles. Observe que a oração para evitar um problema pode muito bem ser coerente com a paciência para suportá-lo, e a submissão à vontade de Deus em meio à situação. Observe que o Senhor chama seus sofrimentos de “esta hora”, referindo-se aos eventos esperados, que estavam próximos. Aqui Ele indica que o momento do seu sofrimento era:
(1) Uma hora determinada, fixada, e Ele a conhecia. Tinha sido dito duas vezes, anteriormente, que sua hora ainda não era chegada, mas agora ela estava tão próxima, que Ele podia dizer que já era chegada.
(2) Um curto período de tempo. Uma hora dura pouco, e também durariam pouco os sofrimentos de Cristo. Ele podia ver, através deles, a alegria diante de si.
4. Sua aquiescência com a vontade do seu Pai, apesar de tudo. O Senhor Jesus faz uma pausa e recorda o que tinha dito antes: “Mas para isso vim a esta hora”. A natureza inocente teve a primeira palavra, mas a sabedoria e o amor divinos, a última. Observe que aqueles que desejam prosseguir regularmente devem fazê-lo com base em reflexões adicionais. O queixoso fala em primeiro lugar, mas, se desejarmos julgar com justiça, deveremos ouvir a outra parte. Com a reflexão adicional, Ele censurou a si mesmo: “Mas para isso vim a esta hora”. Ele não se cala em relação aos seus sofrimentos, por não poder evitá-los, não havia solução, mas se satisfaz com o fato de não poder evitá-los, pois estava de acordo com seu compromisso voluntário, e seria o ápice de toda a sua missão. Se Ele fugisse agora, isto frustra ria tudo o que tinha sido feito até aqui. Aqui há uma referência aos conselhos divinos a respeito dos seus sofrimentos, em virtude dos quais lhe convinha submeter-se e sofrer. Observe que o fato de que fomos, o tempo todo, designados para as horas mais funestas da nossa vida deve nos reconciliar com elas. Veja 1 Tessalonicenses 3.3.
5. A consideração do Senhor Jesus pela honra de Deus, o Pai, nesta circunstância. Tendo retirado sua primeira petição, Ele apresenta outra, de acordo com a qual Ele irá agir: “Pai, glorifica o teu nome”, com o mesmo significado de: Pai, seja feita a tua vontade, pois a vontade de Deus é para sua própria glória. Isto expressa significativamente uma submissão à vontade de Deus. É uma consagração dos seus sofrimentos à glória de Deus. Era uma palavra de mediação, e dita por aquele que, como nosso fiador, tinha se encarregado de satisfazer a justiça divina pelo nosso pecado. O mal que. pelo pecado, nós fizemos a Deus, está na sua glória, na sua glória declarativa, pois, de nenhuma outra maneira, nós somos capazes de fazer-lhe mal. Nós nunca poderemos compensá-lo por este mal que lhe fizemos, nem qualquer criatura, por nós. Portanto, nada restava, exceto que Deus se honrasse a si mesmo sobre nós, em nossa completa ruína. Aqui, portanto, nosso Senhor Jesus intercedeu, encarregou-se de satisfazer a honra ofendida de Deus, e Ele o fez com sua humilhação. Ele negou a si mesmo as honras devidas ao Filho de Deus encarnado, despojou-se delas, e se submeteu às maiores ofensas. Aqui Ele faz uma proposta desta satisfação com algo equivalente: ‘”Pai, glorifica o teu nome’. Que tua justiça seja honrada pelo sacrifício, e não pelo pecador. Que a dívida seja cobrada de mim, Eu sou capaz de pagá-la completamente”. Desta maneira, o Senhor restaura aqueles que o buscam.
II – A resposta do seu Pai a estas palavras, pois Ele sempre o ouvia, e ainda o ouve. Observe:
1. Como esta resposta foi dada. Por meio de uma voz vinda do céu. Os judeus falam muito de Bath-kôl- a filha de uma voz, como uma entre diversas maneiras pelas quais Deus, no passado, falava com os profetas. Mas nós não encontramos nenhum exemplo de que Ele falasse assim a ninguém, exceto ao nosso Senhor Jesus. Esta era uma honra reservada para Ele (Mateus 3.17; 17.5), e aqui, provavelmente, esta voz audível foi apresentada por alguma aparição visível, ou de luz ou de trevas, pois ambas eram usadas como veículos da glória divina.
2. Qual foi a resposta. Foi uma resposta rápida àquele pedido: “Pai, glorifica o teu nome”: “Já o tenho glorificado e outra vez o glorificarei”. Quando oramos como fomos ensinados, “Pai nosso, santificado seja o teu nome”, há um consolo para nós, que esta é uma oração atendida. Ela foi respondida a Cristo aqui. E nele, a resposta é estendida a todos os verdadeiros crentes.
(1) O nome de Deus tinha sido glorificado na vida de Cristo, na sua doutrina e nos seus milagres, e em todos os exemplos que Ele dava de santidade e bondade.
(2) Ele seria ainda mais glorificado na morte e nos sofrimentos de Cristo. Sua sabedoria e poder, sua justiça e santidade, sua verdade e bondade, seriam enormemente glorificados. As exigências de uma lei infringida seriam plenamente atendidas. A afronta feita à soberania de Deus, satisfeita. E Deus aceitou a compensação, e declarou-se satisfeito. O que Deus fez, para a glorificação do seu próprio nome, foi um incentivo para que nós esperemos o que Ele ainda irá fazer. Aquele que garantiu os interesses da sua própria glória, ainda os irá garantir.
III – A opinião dos espectadores a respeito desta voz, v. 29. Podemos esperar que houvesse entre eles alguns cujas mentes estivessem tão bem preparadas para receber uma revelação divina, que compreenderiam o que foi dito, e o registrariam. Mas aqui se observa a perversa sugestão da multidão: alguns disseram “que ha via sido um trovão”; outros, que perceberam que havia uma voz claramente nítida e compreensível, diziam que certamente “um anjo lhe falou”. Isto mostra:
1. Que isto foi algo real, mesmo no julgamento daqueles que não eram, de maneira nenhuma, bem influenciados por Jesus.
2. Que eles detestavam admitir uma evidência tão clara da missão divina de Cristo. Eles preferiam dizer que era isto, ou aquilo, ou qualquer coisa, a dizer que Deus tinha falado com Jesus, em resposta à sua oração. E, se o trovão tivesse sons tão nítidos (como Apocalipse 10.3,4), não seria a voz de Deus? Ou, se os anjos falassem com Ele, não são eles os mensageiros de Deus? Mas assim Deus fala uma vez, na verdade duas, e o homem não se dá conta.
IV – A explicação que nosso próprio Salvador dá sobre esta voz.
1. Por que ela foi enviada (v. 30): ‘”Não veio esta voz por amor de mim’, meramente para meu incentivo e para minha satisfação” (pois poderia ter sido sussurrada ao seu ouvido, em particular), “mas por amor de vós”.
(1) “Para que todos vocês que a ouviram possam crer que o Pai me enviou”. O que é dito do céu a respeito do nosso Senhor Jesus, e da glorificação do Pai nele, é dito por nós, para que possamos ser levados a submeter-nos a Ele, e a descansar nele.
(2) “Para que vocês, meus discípulos, que deverão me seguir nos sofrimentos, possam, com isto, ser consolados com os mesmos consolos que me fazem prosseguir”. Que isto incentive aqueles que, por amor a Jesus, se separam da própria vida, se forem chamados a fazê-lo, pois isto irá acrescentar honra a Deus. Observe que as promessas e o apoio concedidos ao nosso Senhor Jesus, nos seus sofrimentos, eram por nós. Por nós, Ele se santificou, e se consolou.
2. Qual é o significado desta afirmação. Aquele que está no seio do Pai conhece sua voz, e o que isto significa. E Deus quis dizer duas coisas, quando disse que iria glorificar seu próprio nome:
(1) Que, pela morte de Cristo, Satanás seria derrotado (v. 31): ”Agora, é o juízo”. Ele fala com exultação e triunfo divinos. ”Agora, é chegado o ano dos meus redimidos, e a hora prefixada para ferir a cabeça da serpente, e destruir completamente os poderes das trevas. Agora, para alcançar este objetivo glorioso: agora, agora, esta grande obra deve ser realizada, esta obra sobre a qual tanto se considerou nos conselhos divinos, tanto se falou na palavra escrita, que foi a esperança dos santos e o terror dos demônios”. O motivo do triunfo é:
[1] Que “agora, é o juízo deste mundo”, krisis, interpretado como um termo médico: ”Agora é a crise deste mundo”.
O mundo enfermo é chegado agora ao momento decisivo. Este é o dia crítico, no qual a escala oscilante irá pender para a vida ou para a morte, para toda a humanidade. Todos os que não se recuperarem com isto, ficarão impotentes e desesperançados. Ou, mais exatamente, é um termo legal, como o entendemos: ‘Agora, o julgamento se iniciou, para que seja executado contra o príncipe deste mundo”. Observe que a morte de Cristo era “o juízo deste mundo”. Em primeiro lugar, é um juízo de revelação e distinção. Agora é o juízo deste mundo, pois os homens terão um caráter que estará de conformidade com aquilo que a cruz de Cristo representar para eles. Para alguns, é loucura e uma pedra de tropeço, para outros, é a sabedoria e o poder de Deus, e disto havia um modelo nos dois ladrões que foram crucificados com Ele. Os homens são julgados pelo que pensam a respeito da morte de Cristo. Em segundo lugar, é um juízo de favor e absolvição dos eleitos que estão no mundo. Cristo, sobre a cruz, fez uma intercessão entre um Deus justo e um mundo culpado, como um sacrifício pelo pecado, e um fiador pelos pecadores. Assim, quando Ele fosse julgado, e a iniquidade fosse imputada a Ele, e Ele fosse ferido pelas nossas transgressões, seria como o juízo deste mundo, pois uma justiça duradoura estava sendo introduzida desta maneira, não somente para os judeus, mas para o mundo inteiro, 1 João 2.1,2; Daniel 9.24. Em terceiro lugar, é um juízo de condenação imposto contra os poderes das trevas. Veja cap. 16.11. O juízo existe para defesa e libertação, a confirmação de um direito transgredido. Na mor te de Cristo, houve um famoso juízo entre Cristo e Satanás, a semente prometida contra a serpente. O julgamento foi pelo mundo, e pela soberania sobre este. O Diabo tinha tido grande influência sobre os filhos dos homens durante muito tempo, um tempo incalculável. Agora se requer a prescrição, e esta reivindicação está fundamentada em uma alegação de perda de direitos, devido ao pecado. Nós vemos o Diabo desejoso de chegar a um acordo (Lucas 4.6,7). Ele teria dado os reinos deste mundo a Cristo, desde que o Senhor os administrasse por seu intermédio, estando-lhe sujeito. Mas Cristo jamais aceitaria uma proposta ridícula como esta. O Senhor trabalharia de uma maneira perfeita. Ao morrer na cruz, o Senhor Jesus retirou o pecado e o substituiu pela justiça divina, e disputou o título de dívida de uma forma lícita, e o recuperou no tribunal do céu. O domínio de Satanás é declarado como uma usurpação, e por esta razão o mundo é entregue ao Senhor Jesus, sendo seu por direito, Salmos 2.6,8. O juízo deste mundo consiste no fato de que ele pertence a Cristo, e não a Satanás. Assim, pertencemos a Cristo, somos dele.
[2] Que “agora, será expulso o príncipe deste mundo”. Em primeiro lugar, é o Diabo que é aqui chamado de príncipe deste mundo, por que ele governa sobre os homens do mundo, através das coisas do mundo. Ele é o príncipe das trevas deste mundo, isto é, deste mundo às escuras, daqueles que andam às escuras nele, 2 Coríntios 4.4; Efésios 4.12. Em segundo lugar, está escrito que ele é expulso, que agora será expulso, pois o que quer que tivesse sido feito até aqui, para o enfraquecimento do reino do Diabo, tinha sido feito em virtude de um Cristo que viria, e por isto se considera agora como concluído. Cristo, reconciliando o mundo com Deus pelo mérito da sua morte, rompeu o poder da morte, e expulsou Satanás como um destruidor. Cristo, devolvendo o mundo a Deus, pela doutrina da sua cruz, rompeu o poder do pecado, e expulsou Satanás como um enganador. O Senhor foi ferido em seu calcanhar, mas a cabeça da serpente foi esmagada, Gênesis 3.15. Quando os oráculos da serpente foram silenciados, seus templos, abandonados, seus ídolos, deixados famintos, e os reinos do mundo se tornaram reinos de Cristo, então o príncipe do mundo foi expulso. Isto fica evidente através da comparação desta situação com a visão de João (Apocalipse 12.8-11), onde está escrito que isto foi feito pelo sangue do Cordeiro. A frequente expulsão que Cristo fazia dos demônios dos corpos das pessoas era uma indicação do grande desígnio da sua missão global. Observe com que segurança Cristo aqui fala da vitória sobre Satanás. É como se esta vitória já tivesse sido alcançada. E mesmo quando o Senhor se entrega à morte, Ele triunfa sobre ela.
(2) Que, pela morte de Cristo, as almas seriam convertidas, e isto seria a expulsão de Satanás (v: 32): “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim”. Aqui, observe duas coisas:
[1] O grande desígnio do nosso Senhor Jesus, que era atrair todos os homens a si mesmo, não somente os judeus, que tinham estado por muito tempo em uma pro fissão de fé, um povo próximo a Deus, mas também os gentios, que tinham estado afastados. Ele era o “desejado de todas as nações” (Ageu 2.7), e a Ele todas as pessoas deveriam se congregar. Era isto o que os inimigos de Cristo temiam, que o mundo viesse após Ele, e Ele os atrairia a si, apesar da oposição dos seus inimigos. Observe aqui como o próprio Cristo é tudo na conversão de uma alma. Em primeiro lugar, é Cristo quem atrai: ”Atrairei”. Esta é, às vezes, uma função do Pai (cap. 6.44), mas aqui é do Filho, que é o braço do Senhor. Ele não nos conduz à força, mas nos atrai, com cordas humanas (Oseias 11.4; Jeremias 31.3). O Senhor nos atrai como um imã. A alma passa a desejar a doce presença do Senhor, e isto ocorre através do seu poder. Em segundo lugar, é a Cristo que somos atraídos: “Eu os atrairei a mim, como o centro da sua unidade”. A alma que estava distante de Deus é trazida a uma intimidade com Ele. Aquele que estava tímido e desconfiado dele, é levado a amá-lo e a confiar nele, atraído aos seus termos, aos seus braços. Agora Cristo iria para o céu, e iria atrair os corações dos homens a si.
[2] O estranho método que Cristo usou para realizar seu objetivo, sendo levantado da terra. Nós lemos o que Ele queria dizer com isto, para evitar enganos (v. 33): “E dizia isso significando de que morte havia de morrer”, a morte de cruz, embora eles tivessem planejado e tentado apedrejá-lo até a morte. Aquele que foi crucificado, foi primeiramente pregado à cruz, e então levantado sobre ela. Ele foi levantado como um espetáculo ao mundo, levantado entre o céu e a terra, como alguém indigno de ambos. Mas a palavra aqui usada significa um progresso honroso, ean hupsotho – se eu for exaltado. O Senhor considerava que seus sofrimentos eram sua honra. Qualquer que seja a morte que tenhamos, se morrermos em Cristo, seremos levantados desta masmorra, deste covil de leões, até as regiões de luz e amor. Nós devemos aprender com nosso Mestre a falar sobre a morte com um prazer santo, e dizer: “Seremos então levantados”. Agora, Cristo atraiu todos os homens a si, depois de ser levantado da terra. Em primeiro lugar, foi posterior no tempo. O grande crescimento da igreja se deu depois da morte de Cristo. Enquanto Cristo vivia, nós lemos sobre milhares de pessoas, em um sermão, milagrosamente alimentadas, mas depois da sua morte, nós lemos sobre milhares de pessoas, em um sermão, que se agregaram à igreja. Israel começou a multiplicar-se no Egito depois da morte de José. Em segundo lugar, foi posterior como uma consequência abençoada. Observe que existe, na morte de Cristo, uma virtude poderosa e uma eficácia que levam as almas a Ele. A cruz de Cristo, embora, para alguns, seja uma pedra de tropeço, é, para outros, um imã. Alguns interpretam isto como uma alusão ao atrair peixes a uma rede. O levantar de Cristo era como o lançar de uma rede (Mateus 13.47,48); ou a definição de um estandarte, que agrega os soldados; ou, na verdade, isto se refere ao levantar da serpente de metal no deserto, que atraiu a ela todos aqueles que estavam ferido s pelas serpentes ardentes, tão logo souberam que ela tinha sido levantada e que ela possuía poder de cura . Oh! Que afluxo houve até ela! E que afluxo também houve até Cristo, quando a salvação, por meio dele, foi pregada a todas as nações. Veja cap. 3.14,15. Talvez isto tivesse alguma referência à postura na qual Cristo foi crucificado, com seus braços abertos e estendidos, para convidar todos a virem até Ele, e para aceitar todos os que viessem. Aqueles que levaram Cristo a esta morte ignominiosa pensaram que estavam, desta maneira, afastando todos os homens dele. Mas o Diabo foi vencido com suas próprias armas. “Do comedor saiu comida”.
V – A objeção levantada pelo povo quanto ao que Ele tinha dito, e sua crítica, v. 34. Embora eles tivessem ouvido a voz do céu, e as graciosas palavras que saíram da boca de Jesus, ainda assim objetam e desejam discutir com Ele. Cristo tinha dito ser o Filho do homem (v. 23), que eles sabiam que era um dos títulos do Messias, Daniel. Ele também tinha dito que o Filho do homem devia ser levantado, o que eles compreenderam como sua morte, e provavelmente Ele assim se explicou, e alguns pen saram que Ele estava repetindo o que tinha dito a Nicodemos (cap. 3.14): “Assim importa que o Filho do Homem seja levantado”. Contra isto:
1. Eles recorrem àquelas Escrituras do Antigo Testamento que falam da perpetuidade do Messias, que Ele estava distante de ser arrancado no meio dos seus dias, pois seria um sacerdote eterno (Salmos 110.4), e um rei eterno (Salmos 89.29ss.), que a duração dos seus dias seria “para sempre e eternamente”, e dos seus anos, “como muitas gerações” (Salmos 21.4; 61.6), e com base nisto, eles concluíam que o Messias não morreria. Desta maneira, um grande conhecimento do que está escrito nas Escrituras, se o coração não é santificado, é capaz de ser mal empregado para servir à causa da infidelidade, e lutar contra o cristianismo com suas próprias armas. A perversão deles, ao opor-se desta maneira ao que Jesus tinha dito, será evidenciada, se considerarmos:
(1) Que, quando deram testemunho das Escrituras para provar que o Messias permaneceria para sempre, eles não perceberam os textos que falam da morte e dos sofrimentos do Messias. Eles tinham ouvido da lei que o Cristo permaneceria para sempre. E nunca tinham amido da lei que o Messias seria tirado (Daniel 9.26), e que deveria derramar sua alma na morte (Isaias 53.12), e, particularmente, que suas mãos e seus pés seriam traspassados? Por que, então, estranham tanto o levantar do Filho do homem? Observe que frequentemente nós nos arriscamos a cometer grandes erros, e então os defendemos com argumentos das Escrituras, se parando coisas que Deus, na sua palavra, colocou juntas, e opondo-nos a uma verdade com a desculpa de apoiar a outra. Nós ouvimos do Evangelho sobre aquilo que exalta a graça livre, e também ouvimos sobre aquilo que impõe o dever, e devemos cordialmente aceitar ambas as coisas, e não se pará-las, nem colocá-las em desacordo.
(2) Que, quando se opuseram ao que Cristo dizia a respeito dos sofrimentos do Filho do homem, não se deram conta do que Ele tinha dito a respeito da sua glória e exaltação. Eles tinham ouvido da lei que o Cristo permaneceria para sempre. E não tinham ouvido nosso Senhor Jesus dizer que Ele devia ser glorificado, que Ele devia produzir muitos frutos, e atrair todos os homens para si? Ele não tinha acabado de prometer honras imortais aos seus seguidores, o que pressupunha que Ele permaneceria para sempre? Mas isto, eles ignoraram. Desta maneira, os que discutiam injustamente se opunham a alguns aspectos da opinião de um adversário, da qual, se pudessem apenas entendê-la na totalidade, não fariam outra coisa, senão concordar com ela. E na doutrina de Cristo existem paradoxos, que, para os homens de mentes corrompidas, são pedras de tropeço, como, por exemplo, Cristo crucificado, e ainda assim glorificado, levantado da terra, e ainda assim atraindo todos a si.
2. Eles perguntaram, portanto: “Quem é esse Filho do Homem?” Eles perguntaram isto, não com um desejo de aprender, mas de forma zombeteira e insultante, como se agora tivessem frustrado seus objetivos e o tivessem destruído. “Você diz: Convém que o Filho do homem morra. Nós provamos que o Messias não deve morrer, e onde está, então, sua qualidade de Messias? Este Filho do homem, que você diz ser, não pode ser o Messias, portanto você precisa pensar em outra coisa para fingir ser”. O que lhes criava preconceitos contra Cristo eram a humildade e pobreza dele. Eles preferiam não ter nenhum Cristo a ter um sofredor.
VI – O que Cristo disse quanto a esta objeção, ou, mais exatamente, como Ele respondeu a ela. A objeção era uma crítica perfeita. Eles podiam, se assim o desejassem, responder eles mesmos a ela: o homem morre, e ainda assim é imortal, e permanece para sempre, e assim também o Filho do homem. Portanto, em vez de responder a estes loucos, de acordo com sua loucura, Ele lhes dá uma séria advertência, para que tomem cuidado para não perderem o dia da sua oportunidade devido a críticas inúteis e infrutíferas como esta (vv. 35,36): ‘”A luz ainda está convosco por um pouco de tempo’, e apenas um pouco. Portanto, convém ter prudência, e ‘andai enquanto tendes luz”‘.
1. De maneira geral, podemos observar aqui:
(1) A preocupação que Cristo tem pelas almas dos homens, e seu desejo pelo bem-estar delas. Com que ternura Ele os adverte aqui, para que tomem cuidado. O Senhor estava advertindo aqueles que estavam planejando o mal contra Ele. Mesmo quando suportava a contradição dos pecadores, Ele procurava sua conversão. Veja Provérbios 29.10.
(2) O método que Ele adota com estes homens que objetam, instruindo com mansidão os que resistem, 2 Timóteo 2.25. Se as consciências dos homens apenas despertassem, com a devida preocupação, sobre seu estado eterno, e se eles considerassem o pouco tempo que têm a perder, e nenhum tempo sobrando, eles não desperdiçariam pensamentos e tempo preciosos fazendo críticas.
2. De maneira particular, temos aqui:
(1) A vantagem que tinham em ter a Cristo e seu Evangelho entre eles, com a pouca duração e a incerteza de que desfrutavam de ambos: ”A luz ainda está convosco por um pouco de tempo”. Cristo é esta luz, e alguns dos antigos sugerem que, ao dizer que é a luz, Ele dá uma resposta tácita à objeção deles. Sua morte na cru z era tão coerente com sua permanência para sempre quanto o pôr-do-sol, todas as noites, é coerente com sua perpetuidade. A duração do reino de Cristo é comparada com a do sol e da luz, Salmos 72.17; 89.36,37. As ordenanças do céu são fixadas imutavelmente, e ainda assim o sol e a luz se põem e são eclipsados. Assim, Cristo, o Sol da Justiça, permanece para sempre, e ainda assim foi eclipsado pelos seus sofrimentos, e esteve somente por um pouco de tempo no nosso horizonte. Veja:
[1] Os judeus, nesta época, tinham a luz com eles. Eles tinham a presença física de Cristo, ouviam sua pregação e viam seus milagres. As Escrituras são para nós uma luz que alumia em lugar escuro.
[2] Esta luz estaria somente um pouco de tempo com eles. Cristo iria deixá-los em breve, sua igreja visível em breve seria dissolvida e o reino de Deus seria tirado deles, e a cegueira e a insensibilidade cairiam sobre Israel. Observe que é bom que todos nós consideremos por quão pouco tempo nós temos a luz conosco. O tempo é curto, e talvez a oportunidade não seja tão longa. A luz deve ser removida. Pelo menos, nós seremos removidos em breve. Ainda por um pouco de tempo está conosco a luz da vida. Ainda por um pouco de tempo está conosco a luz do Evangelho, o dia da graça, os meios da graça, o Espírito da graça, ainda por um pouco de tempo.
(2) O aviso que Jesus lhes dá, de aproveitarem ao máximo este privilégio, enquanto podem, por causa do perigo que correm de perdê-lo: ”Andai enquanto tendes luz”, como viajantes que aproveitam ao máximo para seguir adiante, para não serem surpreendidos pela noite na sua jornada, porque viajar à noite é desconfortável e perigoso. “Venham”, dizem eles, “vamos corrigir nosso passo e seguir em frente, enquanto temos a luz do dia”. Devemos ter esta prudência pelas nossas almas, que estão viajando rumo à eternidade. Observe:
[1] É nosso interesse caminhar, seguir adiante rumo ao céu, e chegar mais perto dele, tornando-nos adequados para ele. Nossa vida é apenas um dia, e nós temos uma viagem de um dia para fazer.
[2] A melhor hora para caminhar é enquanto temos a luz. O dia é o período adequado para o trabalho, assim como a noite o é para o descanso. A hora adequada para obtermos a graça é quando temos a Palavra da graça pregada para nós, e o Espírito da graça lutando por nós. Esta é a hora de trabalhar.
[3] Nós devemos nos preocupar, portanto, em aproveitar nossas oportunidades, para que nosso dia não termine antes que tenhamos terminado o trabalho do dia, e a viagem do dia: “Para que as trevas vos não apanhem”, para que não percais vossas oportunidades, e não possais recuperá-las nem concluir o trabalho que tendes a fazer”. Então vêm as trevas, isto é, uma incapacidade tão completa de alcançar a grande salvação, que torna o estado do pecador descuidado praticamente deplorável. Deste modo, se seu trabalho não estiver concluído, provavelmente ficará sem ser concluído para sempre.
(3) A triste condição daqueles que pecaram e afastaram o Evangelho, e chegaram agora ao fim do seu dia da graça. Eles andam nas trevas, e não sabem para onde vão, nem por onde vão, não conhecem o caminho em que andam, nem para que finalidade estão andando. Aquele que está destituído da luz do Evangelho, e não está familiarizado com suas revelações e orientações, vaga incessantemente em erros e enganos, e em milhares de caminhos tortuosos, e não se dá conta disto. Se deixarmos de lado as instruções da doutrina cristã, não conheceremos a diferença entre o bem e o mal. Aquele que assim age caminha para a destruição, e não conhece o perigo, pois está dormindo ou dançando à beira do abismo.
(4) O grande dever e interesse de cada um de nós, deduzido a partir de tudo isto (v.36): “Enquanto tendes luz, crede na luz”. Os judeus tinham agora a presença de Deus consigo, e deveriam aproveitá-la ao máximo. Afinal de contas, eles teriam as primeiras ofertas do Evangelho, feitas pelos apóstolos, onde quer que estivessem. Esta era uma advertência para que eles não resistissem, mas aceitassem a oferta quando ela lhes fosse feita. Cristo disse a mesma coisa a todos aqueles que desfrutavam do Evangelho. Observe que:
[1] Ê o dever de cada um de nós crer na luz do Evangelho, recebê-la como uma luz divina, aceitar a verdade que ela revela, pois ela é uma luz para nossos olhos, e seguir sua orientação, pois é uma luz para nossos pés. Cristo é a luz, e nós devemos crer nele, assim como Ele nos é revelado, como uma luz fiel que não nos enganará, uma luz segura que não nos desencaminhará.
[2] Nós devemos nos preocupar em apegar-nos a Cristo enquanto tivermos a luz, enquanto tivermos o Evangelho para nos mostrar o caminho até Ele e nos orientar neste caminho.
[3] Aqueles que creem na luz serão filhos da luz. Serão reconhecidos como cristãos, chamados filhos da luz (Lucas 16.8; Efésios 5.8) e do dia, 1 Tessalonicenses 5.5. Aqueles que têm a Deus por seu Pai são filhos da luz, pois Deus é luz. Eles nascem de cima, e são herdeiros do céu, e filhos da luz, pois o céu é luz.
VII – Cristo se retirou do meio deles: “Essas coisas disse Jesus”, e não disse mais nada nesta ocasião, mas deixou isto para que considerassem, “e, retirando-se, escondeu-se deles”. E isto Ele fez:
1. Para sua convicção e despertar. Se eles não considerarem o que Ele disse, Ele não terá nada mais a dizer-lhes. Eles estão presos à sua infidelidade, como Efraim aos ídolos. Que fiquem assim. Observe que Cristo, com razão, remove os meios da graça daqueles que discutem com Ele, e esconde seu rosto de uma geração de perversidade, Deuteronômio 32.20.
2. Para sua própria preservação. Ele se escondeu da fúria e ira deles, retirando-se, provavelmente, para Betânia, onde estava hospedado. Com isto, fica evidente que o que Ele tinha dito os tinha irritado e exasperado, e eles se tornaram piores com aquilo que deveria tê-los tornado melhores.
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