JOÃO 11: 33-44 – PARTE III

Cristo na sepultura de Lázaro. A Ressurreição de Lázaro
III – A realização do milagre propriamente dito. Os espectadores, estimulados pelo rolar da pedra, reuniram se ao redor do sepulcro, não para entregar o pó de volta ao pó, e aquilo que fora formado da terra de volta à terra, mas para receber de novo do pó aquilo que era pó, e da terra aquilo que fora formado da terra. E sendo despertadas suas expectativas, nosso Senhor Jesus inicia seu trabalho.
1. Ele se dirige ao seu Pai que vive no céu, pois assim Ele o tinha chamado (cap. 6.27,37), e assim o olha aqui.
(1) O gesto que Ele fez foi muito significativo: Ele levantou os olhos para o céu, uma expressão exterior da elevação da sua mente, para mostrar aos espectadores de onde Ele obtinha seu poder, e também para nos dar um exemplo. Este sinal exterior é, portanto, recomendado nas nossas práticas. Veja cap. 17.1. Veja como irão reagir aqueles que, de forma profana, o ridicularizam. Mas o que nos é especificamente recomendado é que devemos nossos corações a Deus nas alturas. O que é a oração, senão a ascensão da alma a Deus, e a orientação dos seus afetos e impulsos para o céu? Ele levantou seus olhos, como quem olha para o alto, olhando além da sepultura onde estava Lázaro, e ignorando todas as dificuldades que surgiam dali, para que pudesse ter seus olhos fixos na onipotência divina, para nos ensinar a fazer como Abraão, que não “atentou para o seu próprio corpo já amortecido… nem tampouco para o amortecimento do ventre de Sara”, nunca ocupou seus pensamentos com isto, e assim conseguiu um nível de fé a ponto de não vacilar quanto à promessa, Romanos 4.20.
(2) Sua maneira de dirigir-se a Deus demonstrava uma grande certeza, e uma confiança que era adequada a Ele: “Pai, graças te dou, por me haveres ouvido”.
[1] Aqui Ele nos ensina, com seu próprio exemplo, em primeiro lugar, a chamar Deus de Pai, na oração, e a nos aproximarmos dele como os filhos se aproximam do pai, com uma reverência humilde, e, apesar disto, uma ousadia santa. Em segundo lugar, a louvá-lo nas nossas orações, e, quando viermos para implorar por mais misericórdia, com gratidão reconheceremos as bênçãos anteriores. Os agradecimentos, que evidenciam a glória de Deus (não a nossa, como os fariseus evidenciavam quando agradeciam a Deus), são formas adequadas através das quais devemos apresentar nossas súplicas.
[2] O agradecimento do nosso Salvador aqui pretendia expressar a inabalável certeza que Ele tinha da realização deste milagre, que Ele tinha poder para realizar, juntamente com seu Pai: “Pai, Eu te agradeço porque minha vontade e a tua são, neste caso, como sempre são, iguais”. Elias e Eliseu ressuscitavam os mortos como servos, por súplicas, mas Cristo, sendo Filho, por autoridade, tendo a vida em si mesmo, e poder para despertar quem Ele desejasse. E Ele fala sobre isto como sendo seu próprio ato (v. 11): “Vou despertá-lo”, mas também fala disto como aquilo que tinha obtido por oração, por que seu Pai o tinha ouvido. Provavelmente, Ele tenha orado quando se moveu em espírito duas vezes (vv. 33,38), em uma oração mental, com gemidos que não poderiam ser exprimidos.
Em primeiro lugar, Cristo fala deste milagre como sendo uma resposta à oração:
1. Porque assim Ele desejava se humilhar. Embora Ele fosse o Filho de Deus, ainda assim tinha aprendido a obedecer, na atitude de pedir e receber. Sua coroa de Mediador lhe era concedida por solicitação, embora lhe pertencesse por direito, Salmos 2.8; cap. 17.5. Ele ora pela glória que tinha antes que o mundo existisse, embora, nunca tendo perdido o direito a ela, podia tê-la exigido.
2. Porque Ele se alegrava, as sim, em honrar a oração, tornando-a a chave com a qual Ele liberava os tesouros do poder e da graça divinos. Desta maneira, Ele nos ensinaria, em oração, pelo exercício vivo da fé, a entrar no santuário.
Em segundo lugar, Cristo, tendo certeza de que sua oração seria atendida, professa:
1. Sua agradecida aceitação desta resposta: “Graças te dou, por me haveres ouvido”. Embora o milagre ainda não tivesse se realizado, ainda assim a oração foi atendida, e Ele triunfa antes da vitória. Ninguém pode pretender ter uma certeza como a que Cristo tinha, mas nós podemos, pela fé, ter uma perspectiva da graça antes que ela seja completamente concedida, e podemos nos alegrar com esta perspectiva, e dar graças a Deus por ela. Nas devoções de Davi, o mesmo salmo que começa com uma oração pedindo uma graça, é concluído dando graças por ela. Observe:
(a) As misericórdias em resposta à oração devem ser, de uma maneira especial, reconhecidas com gratidão. Além da concessão da graça propriamente dita, nós devemos considerar como um grande favor o fato de termos nossas pobres almas observadas.
(b) Devemos receber a primeira manifestação da res posta à oração dando graças prematuramente. Como Deus nos atende com misericórdia, mesmo antes de lhe pedirmos algo, e nos ouve quando ainda estamos falando, assim nós devemos responder a Ele com louvor antes que Ele conceda, e dar-lhe graças enquanto Ele ainda está proferindo palavras boas e consoladoras.
2. Sua certeza jovial de uma resposta pronta a qualquer momento (v. 42): “Eu bem sei que sempre me ouves”. Que ninguém pense que isto foi algum favor incomum concedido a Ele agora, um favor como Ele nunca tinha tido antes, nem jamais voltaria a ter. Não, Ele tinha o mesmo poder divino acompanhando-o por toda a sua missão, e não realizou nada, exceto o que Ele sabia que estaria de acordo com o conselho da vontade de Deus. “Graças te dou”, diz Ele, “por ser ouvido neste caso, porque tenho certeza de que sou ouvido em todas as coisas”. Veja aqui:
(a) O interesse que nosso Senhor Jesus recebia do céu. O Pai sempre o ouvia, Ele tinha acesso ao Pai em todas as ocasiões, e sucesso com Ele em todas as tarefas. E podemos ter certeza de que seu interesse não será menor pela sua ida ao céu, o que pode nos encorajar a confiar na sua intercessão, e a colocar todas as nossas solicitações nas suas mãos, pois temos a certeza de que a Ele o Pai sempre ouve.
(b) A confiança que Ele tinha de tal interesse: “Eu bem sei”. Ele não tinha tido a menor hesitação ou dúvida a este respeito, mas tinha na sua própria mente uma satisfação completa da complacência do Pai, e da sua cooperação em tudo. Nós não somos capazes de ter uma certeza tão particular como a que Ele tinha, mas sabemos que qualquer coisa que pedirmos, segundo sua vontade, Ele nos ouve, 1 João 5.14,15.
Em terceiro lugar, por que Cristo daria esta indicação pública de ter obtido este milagre através da oração?
Ele acrescenta: “Por causa da multidão que está ao redor, para que creiam que tu me enviaste”, pois a resposta à oração pode trazer uma mensagem ao coração do povo, como se fosse uma pregação.
1. Isto pretendia eliminar as objeções dos seus inimigos, e suas reflexões. Os fariseus e suas crias tinham sugerido, de maneira blasfema, que Ele realizava seus milagres através de algum tipo de pacto com o Diabo. Agora, para evidenciar o contrário, Ele se dirige abertamente a Deus, usando orações, e não encantos, não olhando furtivamente e murmurando, como faziam aqueles que usavam espíritos familiares (Isaias 8.19), mas com os olhos elevados e uma voz que professava sua comunicação com o Céu, e sua confiança no Céu.
2. Isto pretendia corroborar a fé daqueles que se influenciavam por Ele: “Para que creiam que tu me enviaste”, não para destruir as vidas dos homens, mas para salvá-las. Moisés, para mostrar que Deus o tinha enviado, fez a terra se abrir e engolir homens (Números 16.31). Elias, para mostrar que Deus o tinha enviado, fez descer fogo do céu e devorar homens, pois a lei era uma dispensação de terror e morte. Mas Cristo prova qual é sua missão, ressuscitando alguém que estava morto. Alguns preferem esta interpretação: se Cristo tivesse declarado que o faria livremente, pelo seu próprio poder, alguns dos seus fracos discípulos, que ainda não tinham compreendido sua natureza divina, poderiam ter pensado que Ele se encarregava de coisas em excesso, e poderiam ter se atrapalha do com esta ideia. Estes “bebês” não podiam suportar este alimento tão forte, por isto Ele decide falar do seu poder como algo recebido e obtido, Ele fala renunciando a si mesmo, para que pudesse falar mais claramente a nós.
3. Agora Ele se dirige ao seu amigo morto na terra. Ele “clamou com grande voz: Lázaro, vem para fora”.
(1) Ele poderia ter ressuscitado Lázaro por uma aplicação silenciosa do seu poder e da sua vontade, e pelas operações imperceptíveis do Espírito da vida. Mas Ele o fez com um clamor, um clamor com grande voz:
[1] Para indicar o poder que foi utilizado na ressurreição de Lázaro, a maneira que Ele criou para fazer esta obra nova e maravilhosa. Ele falou, e o milagre aconteceu. Ele clamou, para evidenciar a grandiosidade da obra, e do poder empregado nela, e para estimular-se, como se com isto atacasse os portões da morte, como os soldados se põem em ação com um grito. Falando com Lázaro, era adequado clamar com grande voz, pois, em primeiro lugar, a alma de Lázaro, que devia ser chamada de volta, estava longe, não estava pairando sobre o sepulcro, como imaginavam os judeus, mas tinha sido removida para o Hades, o mundo dos espíritos. É natural que falemos alto quando chamamos quem está à distância. Em segundo lugar, o corpo de Lázaro, que devia ser chamado, estava adormecido, e é usual que falemos alto quando de sejamos despertar alguém. Porém, mais do que todos estes argumentos, o Senhor Jesus clamou com grande voz para que se cumprissem as Escrituras (Isaias 45.19): “Não falei em segredo, nem em lugar algum escuro da terra”.
[2] Para se tornar uma característica de outros prodígios, e, particularmente, de outras ressurreições, que o poder de Cristo viria a realizar. Este clamor com grande voz era um modelo, em primeiro lugar, do chamado do Evangelho, pelo qual as almas mortas deveriam ser trazidas do sepulcro do pecado, de cuja ressurreição Cristo já tinha falado anteriormente (cap. 5.25), e da sua palavra como o meio para que isto se cumprisse (cap. 6.63), e agora Ele apresenta uma amostra. Com sua palavra, o Senhor disse às almas: “Vive; sim… vive”, Ezequiel 16.6. “Levanta-te dentre os mortos”, Efésios 5.14. O espírito de vida de Deus entrou naqueles que tinham sido ossos secos e mortos, quando Ezequiel profetizou a eles, Ezequiel 37.10. Aqueles que inferem, a partir dos mandamentos da palavra de retornar e viver, que o homem tem um poder próprio para converter e regenerar a si mesmo, podem, igualmente, inferir deste chamado a Lázaro que ele tinha o poder de ressuscitar a si mesmo. Em segundo lugar, do som da trombeta do arcanjo no último dia, com o qual aqueles que dormem no pó serão despertados e convocados diante do grande tribunal, quando Cristo descerá com um clamor, um chamado, ou um comando, como este: “Vem para fora”, Salmos 50.4. Ele chamará dos céus suas almas, e da terra, seus corpos, para que possa julgar seu povo.
(2) Este clamor em grande voz foi curto, porém poderoso, por meio de Deus, para demolir as fortalezas do sepulcro.
[1] Ele o chama pelo nome, Lázaro, assim como nós chamamos pelos seus nomes àqueles a quem desejamos despertar de um sono profundo. Deus disse a Moisés, como sinal do seu favor: “Conheço-te por teu nome”. O fato de que o chame pelo nome indica que o mesmo indivíduo que morreu ressuscitará novamente no último dia. Aquele que chama as estrelas pelos seus nomes pode distinguir, pelo nome, suas estrelas que es tão no pó da terra, e não perderá uma sequer.
[2] Ele o chama para que saia da sepultura, falando com ele como se já estivesse vivo, e não tivesse nada para fazer, exceto sair da sepultura. Ele não diz a Lázaro: Vive, pois Ele mesmo deve dar a vida, mas Ele lhe diz: Vem, pois quando, pela graça de Cr isto, nós vivemos espiritualmente, devemos nos mover. O sepulcro do pecado e deste mundo não é lugar para aqueles a quem Cristo despertou, e por isto eles devem vir para fora.
[3] O evento se realizou de acordo com a intenção: aquele que estava morto saiu para fora, v. 44. O poder acompanhou a palavra de Cristo, para reunir a alma e o corpo de Lázaro, e então ele saiu. O milagre é descrito, não pelas suas correntes invisíveis, para satisfazer nossa curiosidade, mas pelos seus resultados visíveis, para adequar nossa fé. Alguém pergunta onde estava a alma de Lázaro durante os quatro dias de separação do corpo? Não nos é dito, mas temos motivos para pensar que estava no paraíso, em alegria e felicidade. Mas você dirá: “Não terá sido, na verdade, uma crueldade fazê-la retornar à prisão no corpo?” Sendo assim, para a honra de Cristo e para servir aos interesses do seu reino, esta não foi uma ofensa a Lázaro, assim como não foi uma ofensa ao apóstolo Paulo continuar na carne, mesmo sabendo que partir para junto de Cristo era muito melhor. Se alguém perguntar se Lázaro, depois de ser ressuscitado, poderia dar uma explicação ou descrição da remoção da sua alma do corpo, ou do seu retorno até ele, ou sobre o que ele tinha visto no outro mundo, eu suponho que estas mudanças foram tão indescritíveis para ele, que ele diria, como Paulo: “Se no corpo, se fora do corpo, não sei”, e quanto ao que ele viu e ouviu, que não seria lícito nem possível falar sobre estas coisas. No mundo dos sentidos, em que vivemos, não podemos construir para nós, e muito menos transmitir a outros, quaisquer ideias adequadas sobre o mundo dos espíritos, e sobre as questões daquele mundo. Não devemos cobiçar ter uma sabedoria superior àquilo que está escrito, e tudo o que está escrito a respeito da ressurreição de Lázaro é que “o defunto saiu”. Alguns observaram que, embora possamos ler sobre muitos que foram ressuscitados, que, sem dúvida, conversavam familiarmente com os homens depois disto, as Escrituras não registraram se quer uma palavra proferida por qualquer um deles, exceto pelo nosso Senhor Jesus.
(3) Este milagre se realizou:
[1] Rapidamente. Nada se interpõe entre o comando, “vem para fora”, e o resultado, ele “saiu”, fez-se tão rapidamente quanto foi dito. Haja vida, e houve vida. Assim, a transformação na ressurreição ocorrerá “num momento, num abrir e fechar de olhos”, 1 Coríntios 15.52. O poder onipotente, que pode fazer tudo, pode fazer tudo em um instante: “Ele me invocará, e eu lhe responderei”. Atenderei ao chamado, como no caso de Lázaro: Aqui estou.
[2] Perfeitamente. Ele voltou completamente à vida, e saiu do sepulcro tão forte como sempre se levantou da sua cama. Lázaro retornou, não somente para a vida, mas para uma vida saudável. Ele não ressuscitou apenas por alguns momentos, mas para viver como os outros homens.
[3] Com um milagre adicional, como alguns consideram o fato de ele ter saído do sepulcro, embora estivesse vestido com suas faixas do túmulo, com as quais lhe foram atadas as mãos e os pés, e tendo seu rosto envolto por um lenço (pois esta era a maneira de sepultar dos judeus). E ele saiu com as mesmas vestes com as quais tinha sido sepultado, para que pudesse parecer que era ele mesmo, e não outro, e que ele não apenas estava vivo, mas forte, e capaz de caminhar, mesmo com as faixas. O fato de o seu rosto estar envolto por um lenço provava que ele tinha estado realmente morto, pois, se não fosse assim, em um período de tempo menor do que os quatro dias, o lenço o teria asfixiado. E os espectadores, ao desatá-lo, o toca riam, o veriam, observariam que era ele mesmo e, desta maneira, seriam testemunhas deste milagre. Veja aqui, em primeiro lugar, como nós levamos pouco conosco quando deixamos este mundo – somente um lençol que nos envolve, e um caixão. Não há troca de roupas no sepulcro, nada, exceto um único conjunto de faixas. Em segundo lugar, em que condições estaremos no sepulcro. Que sabedoria ou astúcia pode haver onde os olhos estão vendados, ou que trabalho pode haver onde as mãos e os pés estão atados? E assim será no sepulcro, para onde iremos. Tendo Lázaro saído, atrapalhado e embaraçado com suas faixas, podemos muito bem imaginar que aqueles ao redor do sepulcro estariam tremendamente surpresos e assustados com isto. Nós também estaríamos, se víssemos um morto ressuscitar. Mas Cristo, para tornar a situação mais familiar, lhes diz que trabalhem: “Desligai-o”, afrouxai suas faixas, para que possam servir como roupas até que ele chegue à sua casa. E ele irá sozinho, vestido assim, sem ninguém para guiá-lo ou sustentá-lo, até à sua própria casa”. Como, no Antigo Testamento, os trasladas de Enoque e Elias foram demonstrações perceptíveis de um estado invisível e superior (um deles, na metade da era patriarcal, o outro, na legislação mosaica), assim a ressurreição de Lázaro, no Novo Testamento, teve a finalidade de confirmar a doutrina da ressurreição.
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