A CIÊNCIA DO OTIMISMO
Pesquisas sobre um fenômeno denominado “erros de previsão” revelam a inclinação de nosso cérebro para superestimar as probabilidades de que ocorram eventos positivos.
Experimente perguntar a um casal que planeja se casar quais são suas possibilidades de separação no futuro. Provavelmente a maioria das pessoas responderá “nenhuma!”. Tente, então, informar aos pombinhos que o Brasil tem registrado, ano a ano, queda no número de casamentos e aumento de divórcios, segundo dados da pesquisa Estatísticas do Registro Civil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os dados mais recentes, de 2016, foram concedidos 344.526 divórcios, um aumento de quase 5% em relação a 2015 (o que pode parecer pouco, mas vale lembrar que estamos falando de quase 16 mil separações).
Depois de apresentar esses dados, repita a pergunta aos noivos. Eles mudarão de opinião? Improvável. Até as pessoas que por motivos profissionais têm na memória cada detalhe dos aspectos legais do divórcio, inclusive sua elevada incidência, no calor dos últimos preparativos para a cerimônia tendem a declarar que o risco de que eles próprios se divorciem é praticamente inexistente. Como se explica isso?
Psicólogos vêm reunindo testemunhos do otimismo há décadas e já constataram que em geral as pessoas superestimam as chances de que lhes ocorram eventos positivos, como ganhar na loteria. Ao mesmo tempo, subestimam a probabilidade de ocorrência de eventos negativos, como se envolver em um acidente de carro ou desenvolver câncer. Informar as pessoas das probabilidades estatísticas de viver eventos negativos, como o divórcio, parece ser surpreendentemente ineficaz se o propósito for alterar as previsões otimistas; do mesmo modo, ressaltar fatores de risco de doenças que ainda não se manifestaram não é suficiente para suscitar percepções realísticas a respeito da própria vulnerabilidade. Ou seja, saber não basta.
Intrigados com essa constatação, os especialistas têm se perguntado como funciona o processo psíquico que faz com que as pessoas mantenham uma visão cor-de-rosa do futuro mesmo diante de fatos da realidade que se contrapõem às expectativas positivas. Afinal, quais são os processos neurais envolvidos nas expectativas otimistas?
Para encontrarmos uma resposta, estudamos o otimismo usando uma abordagem neurocientífica introduzida recentemente e hoje em pleno desenvolvimento: a descrição da atividade neurológica associada a comportamentos complexos com base em um conceito simples de erros de previsão.
Trata-se de utilizar e avaliar a capacidade do cérebro de prever o que acontecerá no futuro. O conceito foi usado pela primeira vez em pesquisas sobre inteligência artificial. Sucessivamente, a ideia foi aplicada a diversos âmbitos de pesquisa, dando origem a vários modos de descrever os erros por meio de equações matemáticas.
UM BOM CONSELHO
Psicólogos e neurocientistas dedicaram dezenas de estudos à identificação das regiões do cérebro envolvidas no cálculo dos erros de previsão. A questão foi analisada de vários modos, mas o experimento mais típico consistiu em pedir que voluntários jogassem – apostando dinheiro – em versões computadorizadas de um caça-níquel enquanto seu cérebro era analisado durante um exame de ressonância magnética funcional (fMRI).
Um resultado desses estudos foi particularmente interessante. Foram observados esquemas de atividade neurológica similares tanto quando os voluntários jogavam a dinheiro como em ocasiões nas quais estavam empenhados em manter interações sociais complexas, em que constatavam, por exemplo, que havia pertinência e sabedoria em algum conselho recebido da pessoa com quem conversavam ou numa frase que o interlocutor dizia.
O pesquisador Timothy Behrens e seus colegas da Universidade de Oxford usaram os erros de previsão para desenvolver um modelo de como os seres humanos incorporam os conselhos dos parceiros sociais em suas decisões. Os participantes do experimento deviam escolher repetidamente uma dentre três opções para que recebessem a maior recompensa.
Antes de escolherem, entretanto, viam qual opção a outra pessoa havia aconselhado. Os indivíduos deviam então calcular os erros de previsão relativos a dois tipos de informação: não social (qual recompensa davam as duas opções) e social (quanto o conselho recebido parecia bom). Os resultados demonstraram que os dois tipos de equívocos eram elaborados de modo análogo, sugerindo a existência de correlações conceituais na elaboração das informações sociais e não sociais.
QUEM GOSTA DE VOCÊ?
Os erros de previsão parecem ser influenciados também por outro aspecto muito comum do comportamento humano: a descoberta de que outra pessoa tem estima (ou indiferença) por nós. Em uma pesquisa recente realizada pela neurocientista Rebecca Jones e seus colegas da Universidade Cornell, os participantes do estudo avaliavam com que frequência desconhecidos da mesma idade demonstravam interesse em interagir com eles por meio de mensagens no Facebook.
Os erros de previsão captavam a diferença entre as expectativas de receberem mensagens e o que acontecia de fato. Analogamente ao que foi verificado no estudo de Timothy Behrens, os sinais relativos ao erro de previsão estão ligados à atividade cerebral comumente ativada quando aprendemos a frequência com que podemos esperar obter recompensas não sociais – como o dinheiro.
Apesar dessas constatações, muitos cientistas continuavam se perguntando de que modo os erros de previsão nos ajudam a compreender o otimismo. Para entendermos melhor essa questão, realizamos um estudo na Universidade College London. Continuávamos querendo saber como as pessoas fazem para conservar suas previsões otimistas.
Em nosso experimento, os voluntários estimavam sua probabilidade de viver 80 eventos negativos, entre os quais sofrer de diversas doenças e cometer atos delituosos. Em um momento, eles eram informados das probabilidades estatísticas de aqueles eventos se concretizarem no decorrer da existência de uma pessoa. Enfim, avaliamos até que ponto os voluntários alteravam suas previsões ao solicitarmos que fizessem uma nova avaliação. O mesmo pedido foi feito em relação a acontecimentos positivos.
Curiosamente, se as notícias eram boas – por exemplo, quando um evento negativo resultava estatisticamente menos provável do que pensavam –, as pessoas facilmente reviam suas opiniões, mostrando-se mais otimistas. Mas, se as informações eram ruins, segundo tendiam a mudar bem pouco os prognósticos. Além disso, os erros de previsão para as notícias boas e as desagradáveis apareciam ligados a regiões cerebrais distintas. Aliás, quanto mais otimista era o participante, menos eficiente parecia ser a região responsável pela codificação das informações desagradáveis. Isso nos leva a considerar que a responsabilidade pela tendência a termos (ou não) uma visão positiva do futuro pode estar relacionada a um desequilíbrio na elaboração cerebral dos erros. Sabemos, porém, que há questões a serem consideradas, ligadas ao sistema de crenças das pessoas e aos seus valores culturais. Por mais que a neurociência esteja avançada, é preciso reconhecer que não é possível dizer com certeza tudo que se passa na mente de uma noiva diante do altar ou de uma mãe que olha amorosamente para seu bebê.
DINHEIRO DA VOVÓ
Para explicarmos melhor a capacidade cerebral de fazer avaliações e previsões, podemos recorrer a um exemplo prático. Imagine que uma tia muito querida lhe dê uma quantia de dinheiro cada vez que você for visitá-la. Faça uma estimativa de quanto ela lhe dará com base no quanto ela dispõe de recursos financeiros e em sua generosidade. Assim, quando ela lhe der o dinheiro concretamente, não ficará apenas contente com o presente, mas poderá verificar também quanto a realidade pode divergir daquilo que imaginou. Em outras palavras: considere margens de erro em suas estimativas, assim você aumentará suas chances de prever corretamente quanto sua tia lhe dará na próxima vez que for visitá-la. Esse processo exemplifica um modelo essencial da aprendizagem, usado constantemente pelo cérebro.
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