A INTERNET É UMA SALA DE AULA
Com milhões de seguidores, professor usa YouTube e redes sociais para ensinar biologia
O biólogo Paulo Jubilut mudou sua trajetória como professor a partir de uma demissão. Frente ao desafio de se reinventar na docência, ele criou a maior plataforma digital de videoaulas voltadas à alunos pré-universitários do Brasil, que já atingiu cerca de 3,5 milhões de visualizações. Especialista no uso de redes sociais na educação, ele acredita que a quantidade crescente de alunos interessados em aprender em comunidades virtuais reflete alternativas de abordagem na educação à distância (EAD) – e vê no uso de tecnologias um aliado para uma mudança de paradigma.
COMO VOCÊ DESCOBRIU QUE PODERIA USAR AS REDES SOCIAIS PARA ENSINAR BIOLOGIA?
Fui professor de biologia em um curso pré-vestibular, de onde fui demitido em 2011, o que me fez pensar em novas formas de abordar o tema. Resolvi gravar uma aula e postar no YouTube, numa época em que essa plataforma não era o fenômeno que é hoje. Comecei com linguagem descontraída e informal, em contraponto às videoaulas mais formais, usando uma linguagem mais próxima da linguagem do aluno. O vídeo fez sucesso e gravei outras aulas que começaram a ser mais visualizadas. Comecei a postar as aulas em um canal que já tem cerca de 1,3 milhão de seguidores, e numa página no Facebook, com cerca de 3,5 milhões de curtidas, o que fez de mim possivelmente o professor com maior engajamento em redes sociais no Brasil.
COMO FOI A MIGRAÇÃO DA SALA DE AULA PARA O ANBIENTE VIRTUAL?
Fui aprendendo na prática, porque o uso de redes sociais na educação é recente no Brasil. No Facebook, comecei a falar de biologia relacionada ao cotidiano das pessoas. É uma ciência da vida, e para que as pessoas conseguissem relacionar sua vida com biologia, busquei falar sobre corpo humano, doenças, medicamentos. Na rede social passei a atingir o grande público. Hoje não trabalho mais sozinho, mas em equipe. Temos uma empresa com 30 pessoas, uma agência digital especializada em biologia. Também temos professores de física e química, para abordar as ciências da natureza de maneira interdisciplinar.
NAS REDES SOCIAIS NÃO HÁ CONTROLE SOBRE QUANTIDADE E PERFIL DE USUÁRIOS QUE ACESSAM INFORMAÇÕES. ISSO INFLUENCIOU A MANEIRA COMO VOCÊ PASSOU A USAR AS REDES?
É preciso ter cuidado, porque nas redes sociais há pessoas intolerantes, que não aceitam informações de caráter científico. Por exemplo, para explicar cromossomos, falamos de gênero e descobrimos que essa discussão inflama as pessoas. Falamos sobre o vírus Zika, e houve manifestações contra as vacinas. Nas redes as pessoas se manifestam muito mais e de maneira mais agressiva. Por isso, as linguagens foram se aprimorando, para evitar ou desestimular ataques. Hoje nos adiantamos buscando uma abordagem mais adequada, para evitar possíveis problemas. Passamos a usar algumas estratégias para aumentar o público – por exemplo, usar o tema animais de estimação para criar empatia com a biologia, porque pets engajam as pessoas. Navegando, o aluno chega a uma informação sobre pet que queremos abordar, como vacinação, o que nos ajuda a esclarecer o tema e a combater informações de movimentos que são contra vacinas, por exemplo.
MAS COMO DAR UMA AULA EM UM TEMPO TÃO REDUZIDO?
Se não se pode dar uma aula em oito minutos, é necessário tornar as aulas mais atraentes. Hoje, nossa proposta é fazer videoaulas com linguagem cinematográfica, mais próxima dos seriados, uma linguagem com a qual os alunos estão familiarizados. Por isso, gravamos aulas de biologia in loco, mostrando a fauna local, o que o ensino presencial não consegue fazer. A ideia é que o aluno assista essa aula em casa, para que o professor depois possa abordar o tema em sala de aula.
A IDEIA DE EAD ESTÁ BEM DIFUNDIDA, MAS RECURSOS COMO AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO AINDA O FOCO DOS PROFESSORES. COMO AS NOVAS TECNOLOGIAS PODEM SER MAIS RAPIDAMENTE ABSORVIDAS?
A EAD ainda produz o ensino presencial, o que não é inovador e apenas replica no meio digital o modelo analógico, que não funciona mais. A EAD continua formal, mesmo estando voltada a uma geração extremamente informal. Mas, mesmo não sendo disruptiva ou inovadora, a EAD cresce devido ao estilo de vida das pessoas, mais atarefadas, com maior acesso à internet, à banda larga. Contudo, é preciso crescer com qualidade. Para atingir a linguagem dessa geração e uma nova EAD, é preciso manter o aluno motivado. Este é o desafio tecnológico da EAD, porque ainda é mais difícil manter o aluno motivado no ensino à distância do que no presencial.
BESSE SENTIDO, AS REDES SOCIAIS INFLUENCIAM O CONTEÚDO E A PRÓPRIA METODOLOGIA. QUAIS SERIAM AS VANTAGENS, DESVANTAGENS E DESAFIOS?
Desde pequeno o aluno está acostumado a aulas presenciais. A EAD é um sistema com o qual ele não está habituado, para o qual não foi treinado. Essa transição é complicada, e muitos não se adaptam. Não é questão de disciplina, mas de treinamento. Por isso, há mais resistência ao ensino à distância do que ao presencial. Quando o aluno se perde dentro da modalidade à distância, ele se desmotiva, e gera mais evasão do que no ensino presencial. Se o aluno não entende como funciona, se não consegue tirar uma dúvida, ele se sente só e desiste. O grande desafio da EAD é construir plataformas de aprendizagem que repliquem o melhor do modelo presencial, que é fazer com que o aluno se sinta em comunidade, que interaja e tire dúvidas.
AS CHAMADAS AULAS-SHOW, EM QUE UM PROFESSOR TEM DE MANTER A ATENÇÃO DE UM AUDITÓRIO LOTADO, SÃO UM MODELO POSSÍVEL PARA VIDEOAULAS?
Depende. Eu mesmo já dei esse tipo de aula, sem informação suficiente para o aluno, porque dar 50 aulas por semana impede pesquisa e aprimoramento e o conteúdo fica sem profundidade. Mas na modalidade digital a aula precisa ser bem preparada para atingir muita gente. O professor precisa ter tempo para estudar, buscar estratégias, apoio em trabalhos científicos. Se isso acontecer, é possível dar aula para duas mil pessoas, com carisma e humor, mas também com muito conteúdo.
MAS COMO ESSE TIPO DE AULA PODERIA FUNCIONAR NAS REDES SOCIAIS?
O essencial de uma videoaula nas redes sociais é ir direto ao ponto, sem enrolação, com exemplos diretos, porque os dez primeiros segundos do vídeo são fundamentais para a pessoa decidir se assiste ou não. Em dez segundos é preciso deixar claro o que tem de melhor na aula e encantar o aluno. No vídeo, a percepção de tempo é diferente. E os professores precisam saber disso. Um exemplo de três minutos em sala precisa ser de 20 segundos no vídeo. E, se determinado tema necessita de uma hora para ser abordado, é preciso dividir a aula em módulos de 10 a 15 minutos, para engajar e não perder o aluno.
COMO ISSO FOI OBSERVADO?
Fazemos análise permanente de dados. Temos ferramentas, como os analytics, que informam em qual momento da aula houve queda na audiência, perda de visualização. Analisamos o que a aula mostrava naquele exato momento, a fim de criar alternativas para não diminuir o público. Por exemplo, descobrimos que quando um exercício começa a ser resolvido há perda de público, e passamos a dividir as aulas em duas partes, uma com conteúdo e outra com exercício. Na primeira aula, queremos encantar. Na segunda, desenvolver. Assim, chegamos ao final com um público possivelmente menor, mas mais interessado.
NESSE SENTIDO, É O ALUNO QUEM DETERMINA O QUE QUER.
Sim, é uma possibilidade. Hoje usamos computação gráfica, o que deixa as aulas mais ricas e até mais longas, mas para isso, é preciso criar um roteiro antes de gravar, pensar a aula no formato de vídeo. No digital, o aluno tem mais liberdade de tirar dúvidas, por conta da interação mediada.
E COMO ACONTECE ESSA INTERAÇÃO NAS REDES?
Atualmente, há grupos de WhatsApp em que os alunos discutem os temas das aulas, há Instagram de estudos com comunidades gigantescas para tirar dúvidas, e há grupos no Facebook, com o mesmo propósito. Por isso, é preciso pensar nas redes como plataformas que possibilitam criar comunidades, e a EAD, cada vez mais, vai funcionar como comunidade virtual. Outro exemplo de interação acontece nas comunidades gamificadas, em que os alunos tiram suas dúvidas e pontuam com isso, como em um jogo. Há votação e mediadores, ou seja, a tecnologia permite que as pessoas interajam, aprendam e tirem dúvidas entre si. Nessas comunidades, o professor está se tornando um tutor, porque as pessoas estão aprendendo a aprender sozinhas.
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