QUEM CUIDA DE QUEM CUIDA?
Milhões de pessoas oferecem assistência direta a um ente querido em período integral ou em parte do tempo e, com frequência, postergam ou mesmo negligenciam a própria vida.
A dedicação e as boas intenções, no entanto, não as livram do alto nível de estresse. Felizmente, pesquisadores têm comprovado maneiras eficientes de ajudar esses cuidadores a se dedicar ao outro sem adoecer ou se perder de si mesmos.

Em 14 de novembro de 2011, Sonia Alvarado recebeu do exército americano um telefonema às 5 da manhã. Seu filho, Luís, tinha sofrido um acidente com um explosivo improvisado próximo a Kandahar, Afeganistão. Sonia e o marido, Júlio, ambos pastores metodistas, imediatamente pegaram um voo até a Alemanha, onde o rapaz de 24 anos se encontrava em uma cama de hospital, em coma, com sondas instaladas em várias partes do corpo. Os médicos disseram ao casal que se despedisse do jovem, pois o prognóstico não era bom: ele apresentava atividade cerebral mínima. “Vocês não conhecem a teimosia de meu filho”, disse Sonia.
Ela e Júlio sentaram-se ao lado de Luís e, por horas a fio, não pararam de conversar com o filho. Finalmente viram escorrer lágrimas pelo seu rosto. “Continue a lutar, nós lutaremos junto com você”, disse a mãe. Relembrando-se daquele dia, ela diz: “Naquele momento tomamos a decisão de sempre cuidarmos dele”.
Não há dados exatos, mas estima-se que aproximadamente um em cada cinco adultos tenha se voluntariado para esse tipo de responsabilidade (ou se vê diante da necessidade de assumi-la), fornecendo cuidados para entes queridos que estão doentes, frágeis ou incapacitados, de acordo com um relatório conjunto da Associação Americana de Aposentados (AARP) e da Aliança Nacional de Cuidadores. Entre essas pessoas, a grande maioria (em torno de 85%) cuida de um parente: um dos pais ou sogros responde por metade dos casos, um cônjuge ou parceiro, por outros 12%; e uma mistura de tios, tias, avôs e avós e outros, pelo restante. Estudo desenvolvido pela professora de serviço social Sara Sanders, da Universidade de Iowa, mostrou que cuidadores relataram, basicamente, três tipos de benefício: crescimento espiritual e aumento na fé, crescimento pessoal e sentimentos de domínio e realização.
É um trabalho difícil, inexorável e não remunerado, embora seu valor econômico seja enorme – estimado, nos Estados Unidos, em US$ 470 bilhões em 2013. Como é de esperar, aqueles que acumulam horas a fio dedicando-se a uma pessoa com problemas de saúde são particularmente propensos a vivenciar estresse físico e emocional, efeitos negativos de saúde e preocupações financeiras. Comparados à população em geral, são mais aptos a descrever sua saúde como “razoável” ou “fraca”, e cerca de um quarto diz que ser cuidador levou a uma deterioração de sua saúde.
Conforme a estimativa média de vida aumenta e o número de cuidadores informais cresce, os custos emocionais, físicos e financeiros tanto individuais quanto sociais também incham. Em 1993, o Congresso dos Estados Unidos promulgou a Lei de Licença Médica e Familiar, que oferece a trabalhadores qualificados alguma assistência na forma de licença com garantia de emprego para cuidar de um membro da família. No Brasil não há esse benefício. Nos últimos anos, mais de metade dos estados americanos aprovaram a legislação desenvolvida pela AARP, que exige que hospitais forneçam treinamento em tarefas médicas essenciais para aqueles que cuidam de um parente que recentemente recebeu alta de um hospital. O Brasil ainda está bastante defasado em relação ao apoio a cuidadores.
Especialistas garantem, porém, que há formas eficientes de ajudá-los. Por décadas, a longevidade e a demanda por cuidadores cresceram vertiginosamente, o que levou cientistas sociais a se empenharem em desvendar por que algumas pessoas se saem melhor como cuidadores enquanto outras têm grandes dificuldades para assumir a tarefa. No processo, identificaram estratégias específicas para lidar com a sobrecarga e aumentar as recompensas de desempenhar esse papel.
GÊNERO, CULTURA, COMUNIDADE
Pesquisadores reconhecem que o bem-estar dos cuidadores depende de muito mais do que o atendimento de necessidades práticas, médicas e financeiras. Cuidar de um ente da família constitui uma experiência intensa e profundamente pessoal, diz respeito ao confronto com a própria mortalidade, à condição humana vulnerável, às relações com filhos, filhas, maridos e esposas, pais e mães; exige que seja encontrado sentido na perda e satisfação naquilo que muitos veriam como trabalho servil ou autossacrifício. Fundamentalmente, a maneira como pensamos o papel de cuidador definirá em grande parte se entramos em colapso diante da pressão dessa posição ou se obtemos um senso de propósito e realização.
Ou seja: as pessoas podem considerar uma tribulação ou uma bênção cuidar de um ente querido. Na prática, é uma combinação dos dois – e muitos fatores diferentes são capazes de tornar uma alternativa mais provável do que a outra. Steven H. Zarit, gerontologista pioneiro, professor emérito da Universidade Estadual da Pensilvânia, está entre os mais dedicados a essa questão. Ele é responsável pela criação conjunta da Entrevista de Sobrecarga Zarit, uma ferramenta internacionalmente utilizada na prestação de cuidados, para avaliar o impacto emocional, físico e social dessa atividade nos indivíduos. De acordo com o especialista, a percepção da sobrecarga é subjetiva e depende mais das convicções dos indivíduos, relacionamentos e cultura do que do peso das tarefas do dia a dia.
O relacionamento entre os “parceiros de cuidados”, termo atualmente utilizado para cuidador e recebedor, importa muito – assim como a qualidade do vínculo: amoroso, hostil ou ambivalente. Uma proximidade emocional maior entre os pares cônjuge/ cônjuge ou filho/pais, por exemplo, costuma beneficiar aquele que recebe o cuidado. Mas num estudo de 2012 feito com cuidadores de portadores de demência, a gerontologista Elizabeth B. Fauth e seus colegas da Universidade Estadual de Utah descobriram que, para o cuidador, a experiência era “mista”: combinava experiências positivas com uma sensação de perda, anseio e, para alguns, propensão à depressão.
Em uma pesquisa de 2013, a psicoterapeuta Judy R. Strauss, professora da Universidade de Nova York, relatou uma diferença entre cuidadores que eram filhos e filhas em comparação a genros e (principalmente) noras. Os filhos adultos sofriam mais com problemas de saúde mental e com estresse na família, ao passo que os cônjuges relatavam menos tensão familiar e mais apoio de seus companheiros. Esse padrão pode refletir uma série de fatores. É possível que as pessoas ofereçam mais elogios e apoio a genros e noras enquanto supõem que o cuidado de seus filhos seja algo “líquido e certo”; há a possibilidade de que os filhos se sintam mais pressionados a cuidar dos próprios pais do que de outra pessoa; e, finalmente, pode ser menos emocionalmente angustiante acompanhar a deterioração do sogro ou da sogra do que a dos próprios pais.
Diferenças de gênero sugerem questões semelhantes. Mulheres, de forma geral, sofrem mais quando estão nesse papel – e, em especial, quando é o marido que adoece. Em um estudo de 2014 desenvolvido com 533 cuidadores relatado no periódico científico Journal of Family Nursing, por exemplo, pesquisadores demonstraram que homens geralmente parecem sentir menos sobrecarga. No geral, a prestação de cuidados ainda é considerada uma tarefa feminina. Portanto, mulheres que assumem essa tarefa em relação a um ente querido se conformam às expectativas, mas os homens “quebram expectativas” e, assim, tendem a receber mais reconhecimento e apoio. Outros estudos constataram que a convicção de que a prestação de cuidados é uma tarefa feminina contribui para a relutância das mulheres em utilizar serviços profissionais nessa área. Quando recorrem a uma assistência externa, é como se tivessem “menos controle” e, consequentemente, menor satisfação que homens nas mesmas circunstâncias. Homens seriam, portanto, melhores em pedir ajuda nessas circunstâncias e capazes de receber mais apoio sem sentir que falharam ou que foram “substituídos” por fornecedores de serviços remunerados, como colaboradores diários de saúde ou assistentes de saúde domiciliar.
A cultura e a etnia também desempenham papel nesse quadro. Vários estudos confirmaram a descoberta de Peggye Dilworth-Anderson, em 2004, de que, como um grupo, americanos afrodescendentes que cuidam de entes queridos com demência têm uma experiência mais positiva do que americanos brancos, relatando mais equilíbrio emocional, menos depressão e estresse. Segundo a pesquisadora, “valores culturais como a necessidade de lutar por reconhecimento social desde muito cedo podem fomentar maior resiliência e estilos ‘ativos’ de lidar com os problemas”. Ela observa que aqueles que enfrentam ativamente as dificuldades administram os desafios de forma direta em vez de evitá-los, ou sofrer exageradamente por algo que não pode ser alterado imediatamente. Um estudo de 2015 desenvolvido pelo gerontologista David Roth, da Universidade Johns Hopkins, constatou que os hispânicos também vivenciavam mais o lado positivo da prestação de cuidados do que os brancos. “Essa habilidade emocional pode estar associada a ligações familiares fortes, o que resulta em mais apoio social”, considera Roth.
Muitas lições podem ser tiradas desses estudos de diferenças de grupo. A mulher, por exemplo, pode questionar – e abandonar – a crença opressora de que é a figura cuidadora “padrão” – e se dar conta de que não só é possível, mas também legítimo buscar apoio. Pesquisas sobre diferenças culturais sugerem que todos os cuidadores, independentemente da etnia, se beneficiariam de maior apoio social. Muitas vezes, cuidadores atribuem a essa função uma conotação nobre ou uma tarefa sem reconhecimento impingida pelas circunstâncias. “O que aprendemos com as pesquisas é que, se as pessoas sentem que estão ganhando algo positivo com a experiência, como a possibilidade de viver momentos afetivamente agradáveis juntos, ou têm a sensação de que sua tarefa é valorizada, sentem menos estresse”, diz Zarit.
O MELHOR NA PIOR DAS HIPÓTESES
Quando Luís Alvarado foi levado para casa, tinha as duas pernas amputadas e, por causa das lesões cerebrais, era incapaz de falar ou engolir. Ele sofreu uma colostomia e passou a ser alimentando por meio de uma sonda e se comunicar por meio de gestos e expressões faciais. Os pais se dedicam desde então a cuidar de seu filho 24 horas por dia, sete dias por semana. A irmã do rapaz, Mariana Stovall, o marido e as filhas do casal se mudaram para uma casa vizinha dois anos depois. “Passamos pelo processo da dor, ficamos indignados com Deus, com o exército, com o governo, com todos; mas aos poucos chegamos à aceitação”, diz Sonia. “Desisti de meus outros sonhos e ambições sem arrependimentos porque cuidar de nosso filho é nossa vida agora; não sabemos quanto tempo o teremos conosco e somos gratos a cada dia de convívio; é como se tivéssemos recebido o presente de estar com ele mais um pouco.”
Amigos e membros da igreja frequentada pela família costumam ajudar, levando comida e assumindo tarefas quando os pais ficam doentes ou se sentem extenuados e, por qualquer motivo, a irmã não consegue dar conta dos afazeres. “Aprendi que é preciso aceitar ajuda”, diz Sonia. A bem da verdade, os Alvarado têm algumas vantagens que os ajudaram a ser cuidadores bem-sucedidos. Como latinos e metodistas, sua cultura e fé conferem sentido aos sacrifícios. Sentiram desde o início que tinham a competência necessária para aprender e desempenhar as tarefas de enfermagem com qualidade. Além disso, a família já era unida e altamente funcional antes de a tragédia os atingir.
Demonstram também quatro fatores já provados para melhorar as chances de se dar bem como cuidadores. Em 1990 o falecido sociólogo Leonard Pearlin identificou três elementos psicológicos essenciais para a prestação de cuidados: domínio (senso de controle da própria vida), apoio social e estratégias para oferecer cuidados. Recentemente, cientistas adicionaram um quarto item a essa lista: formas diretas de reduzir os níveis de estresse físico do cuidador. Na prática, há uma interação dinâmica entre esses fatores. Melhorar o bem-estar físico favorece o senso de domínio da pessoa. Fomentar a capacidade de cuidar de si mesmo reduz os níveis de estresse e reforça a capacidade empática e a paciência.
NÃO É PESSOAL!
Parceiros de cuidado se conhecem bem melhor do que um médico e um paciente. Mesmo assim, se às vezes falta ao cuidador o conhecimento necessário para lidar com sintomas assustadores ou irritantes, é fundamental manter algum senso de domínio quando uma condição se agrava. Pessoas que acompanham pacientes com demência, por exemplo, costumam enfrentar situações como agitação, insônia, perambulação e incontinência de um ente querido.
Soluções são invariavelmente elaboradas sob medida para doenças específicas, mas muitas estratégias são adaptáveis. “É essencial que cuidadores não levem os comportamentos do paciente para o lado pessoal”, diz Roth. Uma mulher que convive com um marido com sintomas de Alzheimer, por exemplo, pode aprender a ver as alterações bruscas de humor dele não como um sinal de desrespeito ou desamor, mas como uma indicação de que ele está frustrado com a perda da própria capacidade de desempenhar tarefas rotineiras. Roth mostrou que é possível ensinar esse tipo de reavaliação.
Em 2004, ele coordenou uma equipe que designou 406 voluntários (cônjuge tinha doença de Alzheimer) a dois tipos de serviços: um programa-padrão voltado a orientações técnicas ou de aconselhamento e apoio destinado a reduzir reações negativas a problemas de comportamento do paciente. Quatro anos depois, embora a frequência de comportamentos problemáticos não se tenha reduzido, os cuidadores que haviam recebido aconselhamento eram significativamente menos propensos a reagir negativamente (com irritação, por exemplo). Isso é importante, pois estudos demonstraram que as avaliações subjetivas de cuidadores de suas principais fontes de estresse constituíam indicadores melhores de seu grau de êxito do que a frequência com que de fato as situações estressantes ocorriam.
Outra estratégia poderosa é concentrar-se em promover experiências gratificantes. Pesquisas clássicas constataram que é eficiente que cuidadores de pessoas com demência enumerem coisas que gostavam de fazer junto com seus entes queridos – caminhar no parque, tomar um sorvete, dançar, por exemplo – e as façam novamente. Ambos os parceiros costumam vivenciar uma melhora e um reforço da intimidade. Mais recentemente, um estudo piloto coordenado pela doutora em psicologia Dolores Gallagher-Thompson, professora da Universidade Stanford, constatou que atividades compartilhadas alegres beneficiam significativamente os cuidadores de pessoas de diferentes idades com depressão intratável.
Gallagher-Thompson é autora também de um estudo feito em 2015 com cuidadores de pacientes com demência que envolvia a programação de eventos agradáveis e a melhora da comunicação entre os parceiros. O experimento revelou a diminuição de sintomas de depressão leve nos 29 cuidadores que passaram por um programa psicoeducacional voltado para a programação de atividades agradáveis com os parceiros.
ADMINISTRANDO O ESTRESSE
“A parte mais difícil é conseguir algum ‘respiro’ para mim alguns dias”, diz a americana Wendi Steines, de 44 anos, divorciada, mãe de Nicolas, de 14 anos, e Adam de 11, ambos com transtorno do espectro autista. Ela não participou de nenhuma intervenção organizada, mas juntou-se a seminários de pais e grupos de autismo e leu muito a respeito do assunto, improvisando o próprio programa de autoajuda, composto de muitos dos elementos testados em universidades.
Parte de sua estratégia é apelar para apoio social intenso. Muitas intervenções trabalham para fortalecer esse elemento crucial. Por exemplo, terapeutas do Grupo de Intervenção para Filhos Cuidadores Adultos, da Universidade de Nova York, destinado a ajudar as pessoas que cuidam de pais com demência, realizam sessões individuais e familiares que intensificam o apoio da rede social de um cuidador. A ajuda pode vir de irmãos, membros da igreja ou velhos amigos. Wendi Steines desenvolveu a própria rede sólida de mães no subúrbio de New Jersey, Filadélfia, onde mora. “Nós nos reunimos sempre, bebemos uma garrafa de vinho, rimos e cuidamos dos filhos umas das outras”, diz Steines. O grupo ajuda-a também quando está triste e preocupada com o futuro de seus filhos
De fato, uma equipe liderada pela psicóloga Valerie Shilling, pesquisadora da Faculdade de Medicina de Brighton e Sussex, realizou um estudo qualitativo que colocou em contato por um ano 12 pais, 23 “colaboradores” (pais de crianças com necessidades especiais treinados para oferecer apoio emocional para outros pais) e dez profissionais (psicólogos, assistentes sociais e educadores). O estudo, publicado em 2015, constatou que as experiências compartilhadas se tornaram fundamentais. Os pais enfatizaram o sentimento de maior estabilidade emocional, crescimento pessoal e redução do isolamento. Os colaboradores também colheram benefícios: citaram a satisfação e o aumento da autoestima por se sentirem úteis.
Em muitas ocasiões, entretanto, os cuidadores precisam recorrer aos próprios recursos. Quando Adam Steines tem um surto de uma hora por causa da lição de casa – gritando, agitando os braços e chutando –, a mãe conta com estratégias comportamentais. Respirar fundo e imaginar o ponto de vista de seu filho, por exemplo, ajuda-a a passar por um momento difícil. Essas habilidades podem ser cruciais. Um estudo de 2015 conduzido pela pesquisadora Jieun Song, da Universidade de Wisconsin-Madison, por exemplo, constatou um maior “envelhecimento cognitivo” e problemas de memória entre as mulheres em uma amostra de 128 pais de meia-idade que haviam criado seus filhos com incapacidades, comparados aos 512 pais de filhos saudáveis. A cientista e seus colegas suspeitam que a diferença pode ser atribuída ao alto índice de estresse crônico.
Segundo vários estudos, entre eles um publicado no ano passado por Nirbhay N. Singh, da Universidade Augusta, a prática diária da meditação é um dos meios mais eficazes para reduzir a tensão de cuidadores. A tecnologia também pode ajudar. Embora faltem estudos nessa área, pesquisadores como Gallagher-Thompson encorajam o uso de aplicativos de smartphone para acessar meditação orientada. Em muitos casos, a pessoa que recebe cuidados também pode praticar – e receber os benefícios da meditação.
PARA RESTAURAR ENERGIAS
Das quatro características cruciais da prestação de cuidados bem-sucedida – domínio, estratégias para lidar com a função, apoio social e redução do estresse físico – esta última talvez seja a que mais tem aspectos a serem estudados. Nesse campo, cientistas provaram recentemente que se afastar da prestação dos cuidados em manhãs ou dias regularmente programados pode trazer um alívio estimável.
Pesquisadores do estudo de Estresse e Saúde Diários (Daily Stress and Health – DASH), liderado por Zarit, testaram essa ideia, com resultados excepcionais. Zarit e seus colegas entrevistaram 158 cuidadores familiares de pessoas com demência e acompanharam o hormônio cortisol dos voluntários. A ideia era examinar como o estresse percebido e mensurado dos indivíduos mudava quando conseguiam uma folga de suas tarefas ao levar o recebedor de seus cuidados a um serviço especializado com atendimento durante o dia.
O estudo, publicado pelo periódico científico Gerontologist, em 2016, constatou que esses intervalos periódicos nas tarefas resultavam na regulação do cortisol não só nos dias de recesso, mas de forma geral. Foram verificados níveis maiores do hormônio antiestresse DHEA-S no dia após o descanso, mesmo quando a pessoa já havia retomado sua rotina. As descobertas sugerem que utilizar serviços-dia de cuidados para adultos para ter um recesso poderia melhorar a saúde dos cuidadores a longo prazo. Os participantes vivenciaram menos estresse psicológico nas manhãs antes de tirar a folga – talvez por já terem expectativa de seu próximo recesso. Um estudo de 2013 da Universidade Brigham Young sobre momentos de descanso para casais com filhos diagnosticados com o espectro autista também revelou benefícios impressionantes. Mais intervalos nos cuidados não só reduzia o estresse diário, mas aumentava as gratificações dos pais na prestação dos cuidados e melhorava a relação com o cônjuge. Todos saíam ganhando.

ANATOMIA DE UMA INTERVENÇÃO
Entre as abordagens mais bem-sucedidas para ajudar cuidadores está uma intervenção desenvolvida pela Universidade de Nova York (NYUCI, na sigla em inglês), destinada a dar apoio às pessoas que acompanham parentes com demência. O programa, baseado no trabalho realizado no fim da década de 90 pela epidemiologista psiquiátrica Mary S. Mittelman, tem garantido menos sofrimento às famílias e adiamento da necessidade de institucionalização do paciente, já que os participantes conseguem cuidar de seus entes queridos em casa por mais tempo do que os que não fazem parte do projeto. Resultados positivos do programa NYUCI agora foram constatados em intervenções em cinco estados americanos.
O gerontologista Joseph Gaugler, da Universidade de Minnesota, e seus colegas adaptaram o programa NYUCI para pessoas que cuidam de pais. Em 2013 relataram que apenas 37% dos filhos adultos que participaram haviam colocado os pais em uma instituição, em comparação a 66% do grupo de controle. Cuidadores relataram também uma melhor qualidade de vida, sintomas reduzidos de depressão e menos estresse em resposta a comportamentos perturbadores.
O NYUCI é um programa multifacetado que inclui encaminhamentos para grupos de apoio e programas de meditação. O principal componente é uma série de sessões de terapia individuais e em família. Além de sessões regularmente agendadas, os participantes podem buscar aconselhamentos pontuais por telefone, seja quando o paciente está gritando pela casa na madrugada ou quando os parentes divergem sobre a forma de tratar os pais. Um estudo clássico de 1993 mostrou que para filhas cuidadoras casadas os irmãos e irmãs constituíam tanto fonte de apoio como de estresse. E um estudo de 2014 com 90 cuidadores de pessoas com demência na Colômbia constatou que a dinâmica familiar negativa estava significativamente associada à depressão e ao estresse do cuidador.
Sheryl Fairbanks, de 65 anos, participou de uma intervenção de Gaugler em 2009. “Eu estava cuidando 24 horas por dia, sete dias por semana de quatro idosos (meus próprios pais e os do meu marido) em três casas, com uma variedade de enfermidades, incluindo a demência vascular da minha mãe”, lembra-se. Ela havia recentemente abandonado uma longa carreira de sucesso como executiva de TI. Sua irmã não estava “disponível” para a prestação de cuidados ou para participar de sessões de terapia familiar, e o marido de Fairbanks foi seu principal ajudante.
Como parte do programa, Fairbanks reunia-se por 90 minutos por mês com o terapeuta familiar Mark Reese, às vezes na casa dela ou numa cafeteria próxima. Reese ajudou-a a enfrentar diversas dificuldades práticas e emocionais por um período de 18 meses. “Mark salvou minha vida”, diz ela a respeito da experiência que terminou em maio de 2012, quando o último de seus “pacientes” faleceu. “Driblei a depressão, consegui ver um panorama mais amplo e encontrei sentido na situação”, afirma.
O sucesso dessa iniciativa levou à criação do Programa de Apoio Familiar à Doença de Alzheimer e Demências Relacionadas da Universidade de Nova York (N.Y.U.’s Alzheimer’s Disease and Related Dementias Family Support Program), em julho de 2016. O projeto, financiado pelo Estado, oferece acompanhamento gratuito aos cuidadores na área, seja pessoalmente ou por meio de videoconferências ou telefone, dependendo da preferência do cuidador. Mittelman está atualmente recrutando cuidadores de todo o país para participar em um estudo para determinar se a versão por videoconferência é capaz de alcançar os resultados do programa presencial.

DICAS ESSENCIAIS
Especialistas enfatizam quatro elementos-chave para administrar o estresse e aumentar as gratificações da pessoa que se dedica a acompanhar um ente querido doente ou fragilizado:
DOMÍNIO
Aprenda o máximo que puder sobre o transtorno com o qual está lidando. Quanto mais souber a respeito dos sintomas e comportamentos típicos, melhor poderá prever os problemas e não os levar para o lado pessoal – tudo isso ajuda a construir um senso de competência e controle.
ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM A FUNÇÃO
Recorra a grupos de defesa e apoio, conselheiros e terapeutas para aprender habilidades específicas tais como saber desenvolver uma visão mais positiva a respeito do comportamento de um ente querido e como pensar sobre a própria trajetória como cuidador. Aprenda a se concentrar nos bons cuidados de seu parente, e não em fazer a pessoa feliz, o que costuma ser uma tarefa impossível.
APOIO SOCIAL
Descarte qualquer noção de que você deve ser capaz de lidar com as responsabilidades sozinho. Recorra a serviços profissionais especializados, família, amigos, organizações religiosas, organizações voluntárias e grupos de apoio específicos para a doença em busca de solidariedade, humor e participação ativa.
REDUÇÃO DO ESTRESSE
Faça exercícios e uso de programas de recesso. Tente também treinamento de atenção plena. Embora trabalhar com um especialista em meditação seja o ideal, aplicativos como Calm and Headspace podem ser úteis.
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