JOÃO 8: 38-47 – PARTE II

As palavras de Cristo aos fariseus
III – Tendo, desta maneira, contestado seu parentesco, tanto com Abraão quanto com Deus, a seguir Ele lhes diz claramente de quem eles são filhos: “Vós tendes por pai ao diabo”, v. 44. Se eles não eram filhos de Deus, deviam ser do Diabo, pois Deus e Satanás dividem o mundo da humanidade. Por isto, diz-se que o Diabo opera nos filhos da desobediência, Efésios 2.2. Todas as pessoas pecadoras são filhas do Diabo, filhos de Belial (2 Coríntios 6.15), são a semente da serpente (Genesis 3.15), filhos do Maligno, Mateus 13.38. Eles compartilham da sua natureza, ostentam sua imagem, obedecem aos seus mandamentos, e seguem seu exemplo. Os idólatras “dizem ao pedaço de madeira: Tu és meu pai”, Jeremias 2.27. O fato de que alguns dos filhos dos homens, especialmente dos filhos da igreja, sejam chamados de filhos do Diabo é uma acusação muito forte, e soa muito rude e terrível, e nosso Salvador prova isto de maneira completa.
1. Com um argumento geral: “Quereis satisfazer os desejos de vosso pai”.
(1) “Vocês satisfazem os desejos do Diabo, os desejos que ele deseja que vocês satisfaçam. Vocês o agradam e satisfazem, e cedem à sua tentação, e são feitos cativos da sua vontade. Na verdade, vocês realizam aqueles desejos que o próprio Diabo satisfaz”. O Diabo tenta os homens aos desejos carnais e mundanos, mas, sendo um espírito, ele não consegue satis fazê-los por si só. Os desejos peculiares do Diabo são iniquidades espirituais; os desejos das forças intelectuais, e sua lógica corrupta; orgulho e inveja, e ira e maldade; a inimizade ao que é bom, e a atração de outros àquilo que é mau. Estes são desejos que o Diabo satisfaz, e aqueles que estão sob o domínio de tais desejos se assemelham ao Diabo, da mesma maneira como um filho é parecido com seu pai. Quanto mais contemplação, e artifício, e complacência secreta existir no pecado, mais ele se parecerá com os desejos do Diabo.
(2) Vocês querem satisfazer os desejos do Diabo. Quanto mais disposição existir nestes desejos, mais diabólicos serão. Quando o pecado é cometido por escolha, e não por surpresa, com prazer, e não com relutância, quando se persiste nele com uma ousada presunção e uma determinação desesperada, como a daqueles que diziam: ”Amo os estranhos e após eles andarei”, então o pecador realizará os desejos do Diabo. “Vocês se deleitam em realizar os desejos do seu pai”, segundo o Dr. Hammond. Eles estão escondidos sob a língua como algo doce.
1. Por dois exemplos em particular, nos quais eles . declaradamente se pareciam com o Diabo – matando e mentindo. O Diabo é um inimigo da vida (porque Deus é o Deus da vida, e a vida é a felicidade do homem), e um inimigo da verdade (porque Deus é o Deus da verdade, e a verdade é a obrigação da sociedade humana).
(1) “Ele foi homicida desde o princípio”, não do seu próprio princípio, pois ele foi criado como um anjo de luz, e tinha tido um estado inicial que era puro e bom, mas desde o início da sua apostasia, que aconteceu pouco depois da criação do homem. Ele era homicida, um assassino.
[1] Ele odiava os homens, e com esta disposição, era um assassino de homens. A origem do seu nome, Satanás, é ódio. Ele denegriu a imagem de Deus no homem, invejou sua felicidade, e desejou ardentemente sua ruína. Ele é um inimigo declarado de toda a raça humana.
[2] Foi ele quem tentou o homem àquele pecado que trouxe a morte ao mundo, sendo assim o assassino de toda a humanidade, da qual Adão era apenas um líder. Ele foi um assassino de almas, enganou-as, levando-as ao pecado, e com isto as matou (Romanos 7.11), envenenou o homem com a desobediência, e, para piorar as coisas, fez dele seu próprio assassino. Assim ele era, não somente no princípio, mas desde o princípio, o que sugere que assim ele tinha sido desde então. Tal como ele começou, assim continua sendo, o assassino dos homens, com suas tentações. O grande tentador é o grande destruidor. Os judeus chamavam o Diabo de anjo da morte.
[3] Ele foi o primeiro impulso no primeiro assassinato, cometido por Caim, que era do maligno e matou a seu irmão, 1 João 3.12. Se o Diabo não tivesse agido tão fortemente na vida de Caim, este não poderia ter cometido um ato tão antinatural, como matar seu próprio irmão. Tendo Caim assassinado seu irmão, por instigação do Diabo, o Diabo é chamado de assassino, o que não diminui a culpa pessoal de Caim, mas aumenta a do Diabo, cujos tormentos, nós temos razão para pensar, serão maiores, quando chegar a hora, por toda a maldade a que ele atrai os homens. Veja como temos razões para aumentar nossa guarda “contra as astutas ciladas do diabo”, e nunca dar ouvidos a ele (pois ele é um assassino, e certamente deseja nos fazer mal, mesmo quando nos fala com gentilezas), e nos assombrarmos com o fato de que aquele que é o assassino dos filhos dos homens ainda esteja, pelo seu próprio consentimento, dominando-os desta maneira. Estes judeus o seguiam, e eram assassinos, como ele; assassinos de almas, às quais conduziam, de olhos vendados, ao fosso, e as faziam filhas do inferno; inimigos declarados de Cristo, agora dispostos a ser seus traidores e assassinos, pela mesma razão pela qual Caim matou a Abel. Estes judeus eram aquela semente da serpente que iria ferir o calcanhar da Semente da mulher: “Agora, procurais matar-me a mim”.
(2) Ele foi um mentiroso. Uma mentira se opõe à verdade (1 João 2.21), e assim, de uma maneira muito própria, o Diabo aqui é descrito como sendo:
[1] Inimigo da verdade, e, portanto, de Cristo. Em primeiro lugar, ele desertou da verdade. Ele “não se firmou na verdade”, não continuou na pureza e retidão da sua natureza, na qual ele tinha sido criado, mas abandonou este seu primeiro estado. Quando ele degenerou da bondade, ele se afastou da verdade, pois sua apostasia se baseava em uma mentira. Os anjos eram o exército do Senhor. Aqueles que caíram não foram fiéis ao seu comandante e soberano, eles não eram dignos de confiança, sendo acusados de loucura e deserção, Jó 4.18. Por verdade, aqui, podemos interpretar a vontade revelada de Deus a respeito da salvação do homem por Jesus Cristo, a verdade que Cristo agora pregava, e à qual os judeus se opunham. Assim, eles agiram como seu pai, o Diabo, que, vendo a honra colocada sobre a natureza humana, no primeiro Adão, e prevendo uma honra muito maior destinada ao segundo Adão, não desejou estar de acordo com aquele conselho de Deus, nem permanecer na verdade a res peito dele, mas, com um espírito de orgulho e inveja, dispôs-se a resistir a este, e a tentar frustrar seus desígnios. E a mesma coisa fizeram estes judeus, seus filhos e agentes. Em segundo lugar, ele está destituído da verdade: “Não há verdade nele”. Seu interesse no mundo é sustentado por mentiras e falsidades, e nele não existe verdade, nada em que se possa confiar, nem nele nem em nada que ele diga ou fale. As noções que ele propaga a respeito do bem e do mal são falsas e errôneas, suas provas são milagres falsos, suas tentações são todas trapaças. Ele tem grande conhecimento da verdade, mas, não tendo afeto por ela, ao contrário, sendo um inimigo contumaz dela, diz-se que “não há verdade nele”.
[2] Ele é amigo e patrono da mentira: “Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio”. Três coisas são aqui ditas a respeito do Diabo com referência ao peca do da mentira. Em primeiro lugar, que ele é um mentiroso. Seus oráculos são mentirosos, seus profetas são mentirosos, e as imagens nas quais ele é adorado são professoras de mentiras. Ele tentou nossos primeiros pais com uma mentira direta. Todas as suas tentações são realizadas por mentiras, chamando o mal de bem, e o bem de mal, e prometendo impunidade no pecado. Ele sabe que são mentiras, e as sugere com a intenção de enganai; e, desta maneira, destruir. Quando, agora, ele contradizia o Evangelho, pelos escribas e fariseus, era por meio de mentiras, e quando, posteriormente, ele o corrompeu, no “homem do pecado”, foi por meio de fortes enganos e uma mentira muito complicada. Em segundo lugar; que, quando ele “profere mentira, fala do que lhe é próprio”. É a própria expressão da sua língua, da sua, não de Deus. Seu Criador nunca a pôs nele. Quando os homens dizem uma mentira, eles a emprestam do Diabo, Satanás enche seus corações, para que mintam (Atos 5.3). Mas quando o Diabo diz uma mentira, seu modelo é criação sua, os motivos são seus, o que indica a profundidade desesperadora de iniquidade na qual estes espíritos apóstatas estão afundados. Assim como na sua primeira aposta sia eles não tiveram tentador, também sua iniquidade se deve unicamente a eles mesmos. Em terceiro lugar, que ele é o “pai da mentira”.
1. Ele é o pai de todas as mentiras, não apenas das mentiras que ele mesmo sugere, mas daquelas que são ditas pelos outros. Ele é o autor e criador de todas as mentiras. Quando os homens dizem mentiras, eles falam por ele, e como da sua boca. Originalmente, elas vêm dele, e têm sua imagem.
2. Ele é o pai de todos os mentirosos, assim podemos entender. Deus criou os homens com uma disposição à verdade. É coe rente com a razão e a luz natural, com a ordem das nossas faculdades e as leis da sociedade, que digamos a verdade. Mas o Diabo, o criador do pecado, o espírito que opera nos filhos da desobediência, corrompeu tanto a natureza do homem, que se diz que “alienam-se os ímpios desde a madre… proferindo mentiras” (Salmos 58.3). Ele os ensinou a tratar enganosamente com suas línguas, Romanos 3.13. Ele é o pai dos mentirosos, que os gerou, que os instruiu no caminho da mentira, a quem eles se assemelham e obedecem, e com quem todos os mentirosos terão sua sorte para sempre.
IV – Cristo, tendo, desta maneira, provado que todos os assassinos e todos os mentirosos são filhos do Diabo, espera que as consciências dos seus ouvintes digam: “Tu és este homem”. Mas Jesus vem, nos versículos seguintes, ajudá-los na aplicação desta verdade a si mesmos. Ele não os chama de mentirosos, mas lhes mostra que eles não eram amigos da verdade, e com isto se assemelhavam àquele que não se firmava na verdade, porque não há verdade nele. Ele os acusa de duas coisas:
1. De não crerem na palavra da verdade (v. 46).
(1) Isto pode ser interpretado de duas maneiras.
[1] “Embora Eu lhes diga a verdade, ainda assim vocês não creem em mim, que eu faça isto”. Embora Ele desse provas abundantes de que foi designado por Deus, o Pai, e do seu afeto pelos filhos dos homens, ainda assim eles não queriam crer que Ele lhes dizia a verdade. ‘½. verdade anda tropeçando pelas ruas”, Isaías 69.14,16. As maiores verdades, em alguns, não tinham a menor credibilidade, pois eles “se opõem à luz”, Jó 24.13. Ou:
[2] “Por Eu vos dizer a verdade”, assim podemos entender, “por isso ‘não me credes”‘. Eles não queriam aceitá-lo, nem recebê-lo como um profeta, porque Ele lhes dizia algumas verdades desagradáveis que eles não queriam ouvir. Ele lhes dizia a verdade a respeito de si mesmos e da sua própria situação, mostrando-lhes seus rostos em um espelho que não os lisonjeava. Por isto, eles não queriam crer em nenhuma palavra que Ele dissesse. Miserável é a situação daqueles a quem a luz da verdade divina se torna um tormento.
(2) Agora, para lhes mostrar como a infidelidade que estavam demonstrando era irracional, Ele se permite explicar a questão, v. 46. Sendo eles contrários a Ele, alguém estava errado. Ou o Senhor estava errado, ou eles estavam errados. Portanto, é necessário fazer uma escolha. E é óbvio que o Senhor estava certo.
[1] Se Ele estava errado, por que não o convenciam? A falsidade dos falsos profetas era descoberta, fosse pela má inclinação das suas doutrinas (Deuteronômio 13.2), fosse pelo mau teor da sua conversa: “Por seus frutos os conhecereis”. “Mas”, diz Cristo, “quem dentre vós, vós do Sinédrio, que vos dedicais a julgar os profetas, “quem dentre vós me convence de pecado?” Eles o acusavam de alguns dos piores crimes – gula, embriaguez, blasfêmia, violação do sábado, aliança com Satanás, e outros. Mas suas acusações eram calúnias maliciosas e infundadas, e eram tais, que todos os que o conheciam sabiam que eram completamente falsas. Quando eles tinham feito o máximo de truques e artifícios, subornos e perjúrio, para provar que Ele havia cometido algum crime, o mesmo juiz que o condenou reconheceu que não achava nele crime algum. Ele os desafia a condená-lo por um pecado que é, em primeiro lugar, uma doutrina incoerente. Eles tinham ouvido seu testemunho. Poderiam eles mostrar nele alguma coisa absurda ou que não merecesse credibilidade, qualquer contradição, fosse dele mesmo ou das Escrituras, ou alguma deturpação das verdades ou dos costumes, insinuada pela sua doutrina?, cap. 18.20. Ou, em segundo lugar, um comportamento incoerente: “Qual de vocês pode, com razão, acusar-me de alguma coisa, em palavras ou atos, inconveniente a um profeta?” Veja a maravilhosa condescendência do nosso Senhor Jesus, que não exigiu nenhuma credibilidade além daquela que sustentasse suas exigências. Veja Jeremias 2.5,31; Miquéias 6.3. Com isto, os ministros podem aprender:
1. A andar de maneira extremamente circunspeta, para que seus mais rígidos observadores não tenham o poder de condená-los de pecado, para que o “ministério não seja censurado”. A única maneira de não ser acusado de pecado é não pecar.
2. A estar dispostos a aceitar um escrutínio. Embora estejamos confiantes, em muitas ocasiões, de que estamos certos, ainda assim devemos estar dispostos a avaliar se não estamos no erro. Veja Jó 6.24.
[2] Se eles estavam errados, por que não eram convencidos por Ele? “‘Se vos digo a verdade, por que não credes?’ Se não podeis me convencer de nenhum erro, deveis reconhecer que Eu digo a verdade. E por que não me dais crédito? Por que não lidais comigo com confiança?” Observe que se os homens apenas examinassem a razão da sua infidelidade, e examinassem o motivo pelo qual não creem naquilo que não conseguem contradizer, eles se encontrariam reduzidos a tais absurdos dos quais somente poderiam se envergonhar, pois ficaria patente que a razão pela qual não creem em Jesus Cristo é que não estão dispostos a se separar dos seus pecados, e renunciar a si mesmos, e servir a Deus fielmente, porque não são da religião cristã, não querem, na verdade, pertencer a nenhuma religião, e sua descrença no nosso Redentor se resume a uma rebelião declarada contra nosso Criador.
3. Outra acusação a eles é o fato de que não desejam ouvir as palavras de Deus (v. 47), o que mostra ainda mais o quanto era infundada sua reivindicação de parentesco com Deus. Aqui temos:
(1). A apresentação de uma doutrina: “Quem é de Deus escuta as palavras de Deus”. Isto é:
[1] Ele está disposto e pronto para ouvi-las, é sinceramente desejoso de conhecer qual é o pensamento de Deus, e alegremente aceita o que sabe que é tal pensamento. As palavras de Deus têm tal autoridade sobre todos os que são nascidos de Deus, e são tão agradáveis a eles, que eles anelam por elas, como o menino Samuel: “Fala, Senhor, porque o teu servo ouve”. Que venha a palavra do Senhor.
[2] Ele as apreende e discerne, ele as ouve para perceber a voz de Deus nelas, coisa que o homem natural não consegue fazer, 1 Coríntios 2.14. Aquele que é de Deus logo tem consciência das descobertas que faz a respeito dele, da proximidade do seu nome (Salmos 75.1), como os familiares conhecem os passos do seu senhor, para que, quando vier e bater, logo possam abrir-lhe (Lucas 12.36), como a ovelha distingue a voz do seu pastor da de um estranho, cap. 10.4,5; Cantares 2.8.
(2). A aplicação desta doutrina, para a condenação destes judeus incrédulos: “Por isso, vós não as escutais”. Isto é:”Vocês não prestam atenção às palavras de Deus, vocês não as entendem, não creem nelas, nem se preocupam em ouvi-las, porque não são de Deus. O fato de que vocês estejam surdos e mortos para a Palavra de Deus é uma evidência clara de que não são de Deus”. É na sua palavra que Deus se manifesta e está presente entre nós. Portanto, nós somos considerados bem ou mal influenciados pela sua palavra. Veja 2 Coríntios 4.4; 1 João 4.6. Ou, o fato de que não eram de Deus era o motivo pelo qual eles não ouviam de maneira benéfica as palavras de Deus, proferidas por Cristo. Eles não o compreendiam, e não criam nele, não porque as coisas em si mesmas fossem obscuras, ou porque lhes faltasse evidência, mas porque os ouvintes não eram de Deus, não tinham nascido de novo. Se a palavra do reino não produz frutos, a culpa deve ser atribuída ao solo, e não à semente, como fica claro na parábola do semeador. Mateus 13.3.
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