JOÃO 8: 38-47 – PARTE I

As palavras de Cristo aos fariseus
Aqui, Cristo e os judeus ainda estão discutindo. Ele se dispõe a convencê-los e convertê-los, enquanto eles ainda se dispõem a contradizê-lo e combatê-lo.
I – Aqui, ele identifica que a diferença entre seus sentimentos e os deles se deve a uma origem diferente (v. 38): “Eu falo do que vi junto de meu Pai, e vós fazeis o que também vistes junto de vosso pai”. Aqui se fala de dois pais, de acordo com as duas famílias em que estão divididos os filhos dos homens – Deus e o Diabo, e, sem controvérsia, eles são opostos um ao outro.
1. A doutrina de Cristo era do céu, era copiada dos conselhos da sabedoria infinita, e das bondosas intenções do amor eterno.
(1) “Eu falo do que vi”. As revelações que Cristo nos fez, de Deus e do outro mundo, não se baseiam em adivinhações ou rumores, mas em inspeção ocular, de modo que Ele estava completamente familiarizado com a natureza, e seguro da verdade, de tudo o que dizia. Aquele que é dado como uma testemunha para o povo é uma testemunha ocular, e, por isto, é irrepreensível.
(2) “Vi junto de meu Pai”. A doutrina de Cristo não é uma hipótese plausível, sustentada por argumentos prováveis, mas é uma reprodução exata das verdades incontestáveis que estão permanentemente alojadas na mente eterna. Não era apenas o que Ele tinha ouvido do seu Pai, mas o que Ele tinha visto junto dele, quando o conselho de paz se fez entre ambos. Moisés dizia o que ouvia de Deus, mas não podia ver o rosto de Deus. Paulo tinha estado no terceiro céu, mas o que tinha visto ali, ele não podia, não devia, dizer, pois era a prerrogativa de Cr isto a de ter visto aquilo de que falava, e de falar do que tinha visto.
2. As obras deles vinham do inferno: “‘Vós, porém, fazeis o que vistes em vosso pai’. Vós, pelas vossas próprias obras, sois próprios de vosso pai, pois é evidente com quem tendes semelhança, e por isto é fácil descobrir vossa origem”. Assim como um filho que é treinado com seu pai aprende as palavras e os costumes do seu pai, e cresce como ele, sempre imitando-o em tudo, como por uma imagem natural, também estes judeus, pela sua maldosa oposição a Cristo e ao Evangelho, se faziam como o Diabo, como se o tivessem colocado diligentemente diante de si mesmos, para que este fosse seu padrão.
II – Ele imita e responde às suas orgulhosas ostentações de parentesco com Abraão e com Deus, como seus pais, e lhes mostra a inutilidade e a falsidade das suas pretensões.
1. Eles alegavam parentesco com Abraão, e Cristo responde a isto. Eles disseram: “Nosso pai é Abraão”, v. 39. Com isto, eles pretendiam:
(1) Honrar a si mesmos, e aparentar que eram grandiosos. Eles tinham se esquecido da mortificação prescrita, que lhes trazia aquele reconhecimento (Deuteronômio 26.5): “Siro miserável foi meu pai”, e da acusação apresentada contra seus ancestrais degenerados (sobre cujas pegadas eles andavam, e não sobre as do primeiro fundador da família): “Teu pai era amorreu, e a tua mãe, hetéia”, Ezequiel 16.3. Como é comum que aquelas famílias que estão afundando e entrando em de cadência se vangloriem da sua origem, também é comum que aquelas igrejas que são corruptas e depravadas se valorizem com base na sua antiguidade e na eminência dos seus fundadores. Nós fomos troianos, e Tróia já existiu.
(2) Eles desejavam lançar seu ódio sobre Cristo pelo que Ele refletia sobre o patriarca Abraão, ao falar do seu pai como alguém de quem eles tinham aprendido o mal. Veja como eles procuravam uma oportunidade para discutir com Ele. Agora Cristo destrói seu argumento, e revela sua inutilidade com um argumento simples e convincente: “Os filhos de Abraão farão as obras de Abraão, mas vocês não fazem as obras de Abraão, e, portanto, não são filhos de Abraão”.
[1] A proposta é clara: “Se sois filhos de Abraão”, filhos de Abraão que poderiam reivindicar um interesse no concerto feito com ele e com sua descendência, o que realmente lhes honraria muito, então deveríeis realizar ‘as obras de Abraão’, pois somente aos da casa de Abraão que guardassem o caminho do Senhor, como fez Abraão, Deus cumpriria aquilo que prometeu”. Genesis 18.19. Somente são reconhecidos como a semente de Abraão, aos quais pertence a promessa, aqueles que andam nas suas pegadas de fé e de obediência, Romanos 4.12. Embora os judeus tivessem suas genealogias, e as mantivessem exatas, ainda assim eles não podiam, por meio delas, comprovar seu parentesco com Abraão, para ter o benefício do antigo vínculo, a menos que andassem no mesmo espírito. O parentesco das boas mulheres com Sara é provado unicamente por isto – “da qual vós sois filhas, fazendo o bem e não temendo nenhum espanto”, 1 Pedro 3.6. Observe que aqueles que desejam ser reconhecidos como semente de Abraão não devem somente ter a fé de Abraão, mas realizar as obras de Abraão (Tiago 2.21,22), devem responder ao chamado de Deus, como ele, devem entregar ao Senhor os confortos que mais apreciam, devem ser estrangeiros e peregrinos neste mundo, devem manter a adoração a Deus nas suas famílias, e sempre andar diante de Deus na sua justiça, pois estas eram as obras de Abraão.
[2] A suposição, da mesma maneira, é evidente: “Mas agora procurais matar-me, a mim que vos tenho falado a verdade que ouvi de Deus; assim não procedeu Abraão”, v. 40.
Em primeiro lugar, Ele lhes mostra qual era a obra deles, a obra que procuravam realizar agora. Eles procuravam matá-lo. E três coisas são indicadas como um agravamento da sua intenção:
1. Eles eram tão antinaturais a ponto de procurar tirar a vida de um homem, um homem como eles mesmos, osso de seu osso, e carne da sua carne, alguém que não lhes tinha feito nenhum mal, nenhuma provocação. “Até quando maquinareis o mal contra um homem?” (Salmos 62.3).
2. Eles eram tão ingratos a ponto de procurar tirar a vida daquele que lhes tinha dito a verdade, que não somente não lhes tinha feito nenhum mal, mas lhes tinha feito a maior gentileza possível; não somente não os tinha coagido com uma mentira, mas os tinha instruído nas verdades mais necessárias e importantes. Seria Ele seu inimigo?
3. Eles eram tão ímpios a ponto de procurar tirar a vida daquele que lhes dizia a verdade que tinha ouvido de Deus, que era um mensageiro enviado de Deus até eles, de modo que seus esforços contra Ele eram um ato de maldade contra Deus. Esta era a obra deles, e eles perseveravam nela.
Em segundo lugar, Ele lhes mostra que isto não convinha aos filhos de Abraão, pois “Abraão não fez isso”.
1. “Ele não fez nada semelhante a isto. Ele era famoso pela sua humanidade, vejam o resgate dos cativos realizado por ele. E quanto à sua piedade, vejam sua obediência à visão celestial em muitos exemplos, exemplos muito sensíveis”. Abraão cria em Deus, eles eram obstinados na incredulidade. Abraão seguia a Deus, eles lutavam contra Ele. De modo que ele os ignoraria, e não os reconheceria, pois eram extremamente diferentes dele, Isaías 63.16. Veja Jeremias 22.15-17.
2. “Ele não teria feito isto, se vivesse agora, ou se Eu tivesse vivido neste mundo em seus dias”. Ele não teria feito isto, assim alguns interpretam. Assim devemos fugir de qualquer tipo de maldade. Será que Abraão, e Isaque, e Jacó teriam feito isto? Jamais podemos esperar estar com eles, se não formos como eles.
[3] Naturalmente, vem a conclusão (v. 41): “Quais quer que sejam suas ostentações e pretensões, vocês não são filhos de Abraão, mas têm um pai em outra família (v. 41). Existe um pai cujas obras vocês fazem, e dele vocês têm o mesmo espírito, e com ele vocês se parecem”. Jesus ainda não diz claramente que se refere ao Diabo, até que eles, pelas suas críticas contínuas, o forçam a explicar-se, o que nos ensina a tratar até mesmo os homens maus com civilidade e respeito, e não nos apressarmos em dizer deles, ou a eles, o que, embora verdadeiro, soe de maneira áspera. O Senhor os colocou à prova, verificando se eles permitiriam que suas próprias consciências deduzissem, a partir das suas palavras, que eles eram filhos do Diabo. E é melhor ouvirem isto das suas consciências, agora que são chamados ao arrependimento, isto é, a trocarem de pai e trocarem de família, ao modificarem seu espírito e procedimento, do que ouvirem isto de Cristo no grande dia.
3. Tão longe eles estavam de reconhecer que eram indignos do parentesco com Abraão, que alegaram parentesco com o próprio Deus, como seu Pai: “‘Nós não somos nascidos de prostituição’, não somos bastardos, mas filhos legítimos. “Temos um Pai, que é Deus”.
(1). Alguns interpretam isto literalmente. Eles não eram filhos da escrava, como eram os descendentes de Ismael, nem gerados em incesto, como eram os moabitas e amonitas (Deuteronômio 23.3), nem eram uma descendência espúria na família de Abraão, mas eram hebreus, nascidos de hebreus, e, tendo nascido de casamentos legítimos, eles podiam chamar a Deus de Pai, que instituiu este estado honroso em inocência, pois uma semente legítima, sem manchas de divórcios, nem de pluralidade de esposas, é chamada de semente de Deus, Malaquias 2.15.
(2). Outros interpretam isto de maneira figurada. Agora eles começam a perceber que Cristo falava de um pai espiritual, e não carnal, falava do pai da sua religião. E assim:
[1] Eles se recusam a ser uma geração de idólatras: “Nós não somos nascidos de prostituição, não somos filhos de pais idólatras, nem fomos criados em adorações idólatras”. A idolatria é sempre mencionada como a prostituição espiritual, e os idólatras, como filhos da prostituição, Oséias 2.4; Isaías 57.3. Mas, se eles queriam dizer que não eram descendentes de idólatras, a alegação era falsa, pois nenhuma nação estava mais habituada à idolatria do que a dos judeus, antes do cativeiro. Se eles não queriam dizer nada, além do fato de que eles mesmos não eram idólatras, então o que queriam dizer? Um homem pode estar livre da idolatria, e ainda assim perecer em outra iniquidade, e ser expulso do concerto de Abraão. Se vocês não cometem nenhuma idolatria (aplique-se isto a esta prostituição espiritual), ainda as sim, se vocês matam, vocês se tornam transgressores do concerto. Um filho pródigo rebelde será deserdado, ainda que não seja nascido de prostituição.
[2] Eles se orgulham de serem fiéis adoradores do Deus verdadeiro. “Nós não temos muitos pais, como têm os pagãos, muitos deuses e muitos senhores”, e ainda assim estavam sem Deus, -um filho do povo tem muitos pais, e nenhum garantido. Não, o Senhor nosso Deus é um único Senhor e um único Pai, e, portanto, isto nos é conveniente. Observe que somente se adulam, e colocam uma trapaça condenadora sobre suas próprias almas, aqueles que imaginam que o fato de professarem a verdadeira religião e adorarem ao Deus verdadeiro irá salvá-los, embora eles não adorem a Deus em espírito e em verdade, nem sejam fiéis à sua profissão de fé. Nosso Salvador lhes dá uma resposta completa a esta alegação fraudulenta (vv. 42,43), e prova, com dois argumentos, que eles não tinham nenhum direito de chamar a Deus de Pai.
Em primeiro lugar, eles não amavam a Cristo: “Se Deus fosse o vosso Pai, certamente, me amaríeis”. Ele tinha contestado seu parentesco com Abraão pelo fato de que procuravam matá-lo (v. 40), mas aqui Ele contesta seu parentesco com Deus pelo fato de que não o amavam nem reconheciam. Um homem pode se passar por filho de Abraão, se não aparentar ser um inimigo de Cristo, por algum pecado ofensivo, mas ele não pode ser aceito como filho de Deus, a menos que seja um amigo fiel e um seguidor de Cristo. Observe que todos os que têm a Deus como seu Pai, têm um verdadeiro amor por Jesus Cristo e uma grande admiração pela sua pessoa, um sentimento de gratidão pelo seu amor, um sincero afeto à sua causa e ao seu reino, uma concordância com a salvação realizada por Ele, bem como com seus métodos e condições, e o cuidado de observar seus mandamentos, que é a evidência mais certa do nosso amor por Ele. Nós estamos aqui em um estado de experiência, e a maneira como nós nos comportamos em relação ao nosso Criador será julgada, e, de acordo com o resultado deste julgamento, desfrutaremos o estado de retribuição. Deus adotou vários métodos para nos testar, e este era um deles. Ele enviou seu Filho ao mundo, com provas suficientes da sua filiação e missão, concluindo que todos os que o chamassem de Pai iriam beijar seu Filho, e dar as boas-vindas àquele que era o primogênito entre muitos irmãos. Veja 1 João 5.1. Nossa adoção será provada ou contestada pelo seguinte: Nós amamos a Cristo, ou não? Se alguém não o ama, está muito longe de ser um filho de Deus, e é, na verdade, um anátema, alguém amaldiçoado, 1 Coríntios 16.22. Mas nosso Salvador provou que aqueles que o amam são filhos de Deus, pois, diz Ele: “Eu saí e vim de Deus”. Eles devem amá-lo, porque:
1. Ele era o Filho de Deus: “Eu saí de Deus”. Segundo o Dr. Whitby, significa sua divina origem, do Pai, pela comunicação da essência divina, e também a união do logos divino à sua natureza humana. Isto não podia deixar de recomendá-lo aos afetos de todos os que nasceram de Deus. Cristo é chamado o Amado porque, sendo o Amado do Pai, certamente é o Amado de todos os santos, Efésios 1.6. 2. Ele era o enviado de Deus, vinha dele como um embaixador ao mundo da humanidade. Ele não veio de si mesmo, como os falsos profetas, dos quais nem a mis são nem a mensagem eram de Deus, Jeremias 23.21. Observe a ênfase que Ele dá a isto: “Vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas ele me enviou”. Suas credenciais e suas instruções vinham de Deus. Ele veio para reunir em um corpo os filhos de Deus (cap. 11.52), para trazer muitos filhos à glória, Hebreus 2.10. E não deveriam todos os filhos de Deus abraçar, com os dois braços, um mensageiro enviado do seu Pai com tal missão? Mas estes judeus aparentam não ser parentes de Deus, pela sua falta de afeição a Jesus Cristo.
Em segundo lugar, eles não o entendiam. O fato de que não compreendiam a língua e o dialeto da família era um sinal de que eles não pertenciam à família de Deus: “Não entendeis a minha linguagem” (v. 43). As palavras de Cristo eram divinas e celestiais, mas suficientemente compreensíveis para aqueles que estavam familiarizados com a voz de Cristo no Antigo Testamento. Aqueles que estavam familiarizados com a palavra do Criador não precisavam de nenhum outro código para o dialeto do Redentor. E ainda assim, estes judeus estranham a doutrina de Cristo, e encontram complicações nela, e não sei quais obstáculos. Podia um galileu ser conhecido pela sua maneira de falar? Um efraimita, pelo seu sibolete? E alguém teria a confiança de chamar a Deus de Pai, se para ele o Filho de Deus era como um bárbaro, mesmo expressando a vontade de Deus através das palavras do Espírito de Deus? Observe que aqueles que não estão familiarizados com as palavras divinas têm motivos para temer serem estranhos à natureza divina. Cristo falava as palavras de Deus (cap. 3.34) no dialeto do reino de Deus. No entanto, eles, que pretendiam pertencer ao reino, não compreendiam suas expressões e características, mas, como estranhos, e, além disto, rudes, as ridicularizavam. E o motivo pelo qual eles não compreendiam as palavras de Cristo piorava a situação: “Por não poderdes ouvir a minha palavra”, isto é: “Vocês não conseguem se persuadir a ouvi-la atentamente, imparcialmente e sem preconceitos, como ela deve ser ouvida”. O significado deste “não” é um “não desejam” obstinado, da mesma maneira como os judeus não quiseram ouvir a Estêvão (At 7.57), nem a Paulo, Atos 23.22. Observe que a antipatia enraizada dos corações corrompidos dos homens para com a doutrina de Cristo é a verdadeira razão pela qual eles não a conhecem, e é a causa dos seus erros e enganos a respeito dela. Eles não gostam dela, nem a amam, e por isto não a compreendem, como Pedro, que fingiu não entender o que a criada dizia (Mateus 26.70), quando, na verdade, ele não sabia o que responder. “Vocês não podem ouvir minhas palavras, pois têm tampados seus ouvidos (Salmos 58.4,5), e Deus, a caminho de um julgamento justo, fez seus ouvidos duros”. Isaías 6.10.
Você precisa fazer login para comentar.