JOÃO 7: 14-36 – PARTE I

Cristo na Festa dos Tabernáculos
Aqui temos:
I – A pregação pública de Cristo no Templo (v. 14): Ele “subiu… ao templo e ensinava”, de acordo com seu costume, quando estava em Jerusalém. Seu trabalho era pregar o Evangelho do reino, e Ele o fazia em todos os lugares onde houvesse gente. Seu sermão não está registrado, provavelmente porque tinha o mesmo propósito dos sermões que Ele tinha pregado na Galileia, que foram registrados pelos outros evangelistas. Pois o Evangelho é o mesmo, para os simples e para os cultos. Mas o que é notável aqui é que isto aconteceu “no meio da festa”, o quarto ou quinto dos oito dias da festa. Não se sabe se Ele não subiu a Jerusalém até o meio da festa, ou se Ele subiu no início, mas se manteve oculto até agora. Mas, podemos perguntar; por que Ele não foi ao Templo para pregar antes? Resposta:
1. Porque o povo teria mais tempo livre para ouvi-lo, e, poderia esperar-se, estaria mais disposto a ouvi-lo depois que tivesse passado alguns dias em suas tendas, como faziam na Festa dos Tabernáculos.
2. Porque Ele desejou manifestar-se quando tanto seus amigos quanto seus inimigos tivessem deixado de procurar por Ele, e assim deu uma amostra do método que usa nas suas manifestações, que é o de chegar à meia-noite, Mateus 25.6. Mas por que Ele apareceu publicamente agora? Certamente para envergonhar seus perseguidores, os principais dos sacerdotes e os anciãos.
(1). Mostrando que, embora eles estivessem muito irados contra Ele, ainda assim Ele não os temia, nem ao seu poder. Veja Isaías 50.7,8.
(2) Tirando o trabalho deles das suas mãos. O trabalho deles era ensinar o povo no Templo, e, particularmente, na Festa dos Tabernáculos. Neemias 8.17,18. Mas, ou eles não ensinavam nada, ou ensinavam, como doutrinas, mandamentos de homens, e por isto Ele sobe ao Templo e ensina o povo. Quando os pastores de Israel fizeram do rebanho uma presa, esta se tornou a ocasião para a manifestação do Sumo Pastor, como havia sido prometido, Ezequiel 34.22,23; Malaquias 3.1.
II – Seu sermão aos judeus ali, e tudo o que Ele disse, se reduz a três títulos:
1. A respeito da sua doutrina. Veja aqui:
(1) Como os judeus a admiraram (v. 15): eles “maravilhavam-se, dizendo: Como sabe este letras, não as tendo aprendido?” Observe aqui:
[1] Que nosso Senhor Jesus não tinha sido educado nas escolas dos profetas, nem aos pés dos rabinos. Ele não somente não viajava para aprender, como faziam os filósofos, mas não fez nenhum uso de escolas e academias no seu próprio país. Moisés foi ensinado sobre os conhecimentos dos egípcios, mas Cristo não foi ensinado sobre os conhecimentos dos judeus. Tendo recebido o Espírito sem medida, Ele não precisava receber nenhum conhecimento dos homens, nem pelos homens. Na ocasião da manifestação de Cristo, o estudo florescia, tanto no império romano quanto na igreja judaica, mais do que em qualquer outra época antes ou depois, e nesta época de indagações, Cristo decidiu estabelecer seu Evangelho, não em uma época de ignorância, para que não parecesse como um desígnio imposto ao mundo. Contudo, Ele mesmo não tinha o aprendizado que estava em voga.
[2] Que Cristo sabia letras, embora nunca as tivesse aprendido. Era poderoso nas Escrituras, embora nunca tivesse tido nenhum doutor da lei como tutor. É necessário que os ministros de Cristo tenham conhecimento, como Ele tinha, e uma vez que eles não podem esperar tê-lo como Ele o teve, por inspiração, eles devem empenhar-se para obtê-lo da maneira usual.
[3] Que o fato de que Cristo tinha conhecimento, embora não tivesse sido ensinado, fazia-o verdadeiramente grandioso e maravilhoso. Os judeus falavam disto maravilhados. Em primeiro lugar, alguns, provavelmente, observavam isto para sua honra: Aquele que não tinha conhecimento obtido pelos homens, e ainda assim superava tanto a todos os que tinham, certamente deve estar dotado de um conhecimento divino. Em segundo lugar, outros, provavelmente, mencionavam isto para desprezá-lo: Por mais que Ele pareça ter, Ele não pode ter realmente nenhum conhecimento verdadeiro, pois Ele nunca esteve na universidade, nem se formou. Em terceiro lugar, alguns, talvez, sugerissem que Ele tinha adquirido seu conhecimento por mágica, ou algum outro meio ilícito. Uma vez que eles não sabem como Ele podia ter conhecimento, eles o julgam como se fosse um ilusionista.
(2) O que Ele afirmou a este respeito. Três coisas:
[1] Que sua doutrina é divina (v. 16): ”A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou”. Eles se ofenderam porque Ele começou a ensinar, embora nunca tivesse aprendido, e em resposta, Ele lhes diz que sua doutrina era do tipo que não se aprende, pois não era o produto do pensamento humano e das forças naturais elevadas pela leitura e conversação, mas era uma revelação divina. Sendo Deus, igual ao Pai, Ele podia verdadeiramente ter dito: ”A minha doutrina é minha, e daquele que me enviou”. Mas estando agora no seu estado de humilhação, e sendo, como Mediador, servo de Deus, era mais coerente dizer: “A minha doutrina não é minha”, não é somente minha, nem originalmente minha, como homem e mediador, mas ‘daquele que me enviou’. Ela não se centra em mim, nem conduz, em última instância, a mim, mas àquele que me enviou”. Deus tinha prometido, a respeito do grande profeta, que Ele poria suas palavras na sua boca (Deuteronômio 18.18), ao que Cristo parece aqui fazer referência. Observe que o consolo daqueles que aceitam a doutrina de Cristo, e a condenação daqueles que a rejeitam, é que ela é uma doutrina divina: ela é de Deus, e não do homem.
(1). Que os mais competentes juízes da verdade e da autoridade divina da doutrina de Cristo são aqueles que têm um sincero e justo desejo e se empenham para realizar a vontade de Deus (v.17 ): “Se alguém quiser fazer a vontade dele”, fundir sua vontade com a vontade de Deus, “pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo”. Observe aqui, em primeiro lugar, que a questão, a respeito da doutrina de Cristo, é se ela é de Deus ou não. Se o Evangelho é uma revelação divina ou uma falsa doutrina. O próprio Cristo estava disposto a ter sua doutrina questionada quanto a se ela era ou não de Deus, e muito mais deveriam seus ministros. E devemos nos preocupar em examinar em que fundamentos nos baseamos, pois, se estivermos engana dos, estaremos miseravelmente enganados. Em segundo lugar, quem provavelmente será bem-sucedido nesta investigação: aqueles que fazem a vontade de Deus, ou que, pelo menos, têm desejo de fazê-la. Veja:
1. Quem são aqueles que fazem a vontade de Deus. Eles são imparciais nas suas investigações a respeito da vontade de Deus, e não se influenciam por nenhum desejo ou interesse, e estão decididos, pela graça de Deus, quando descobrem qual é a vontade de Deus, a agir em conformidade a ela. Eles têm um princípio honesto de consideração a Deus, e são verdadeiramente desejosos de glorificar e agradar a Ele.
2. Como esta pessoa conhecerá a verdade da doutrina de Cristo.
(1) Cristo prometeu lhe dar conhecimento. Ele disse: Ele “conhecerá”, e poderá ter um entendimento. Aqueles que aproveitam a luz que têm, e cautelosamente estão à sua altura, estão assegurados, pela graça divina, contra enganos destrutivos.
(2). Eles estão dispostos e preparados para receber tal conhecimento. Aquele que se dispõe a submeter-se às regras da lei divina se dispõe a aceitar os raios da luz divina. A qualquer que tiver, será dado. Terão bom entendimento aqueles que obedecerem seus mandamentos, Salmos 111.10. Aqueles que se assemelham a Deus têm uma probabilidade maior de compreendê-lo.
(3). Que, com isto, parecia que Cristo, como um mestre, não falava de si mesmo, porque Ele não buscava a si mesmo, v. 18. Em primeiro lugar, veja aqui o caráter de um enganador: ele “busca a sua própria glória”, o que é um sinal de que ele fala de si mesmo, como faziam os falsos cristos e os falsos profetas. Aqui está a descrição da trapaça: eles falam de si mesmos e não receberam a autoridade nem as instruções de Deus, nenhuma autoridade, exceto sua própria, nenhuma inspiração, exceto sua própria imaginação, sua própria política e seus próprios estratagemas. Os embaixadores não falam de si mesmos. Os ministros que falam de si mesmos renunciam ao caráter de embaixadores. Mas veja a revelação da trapaça. Suas pretensões são contestadas, eles procuram somente sua própria glória. Quem fala de si mesmo busca sua própria glória. Aqueles que falam da parte de Deus irão falar a respeito dos interesses de Deus, e para sua glória. Aqueles que almejam sua própria promoção e seus próprios interesses deixarão patente que não foram comissionados por Deus. Em segundo lugar, veja o caráter oposto que Cristo dá de si mesmo e da sua doutrina: “O que busca a glória daquele que o enviou”, como Eu, “esse é verdadeiro”.
1. Ele era enviado por Deus. Os mestres que são enviados por Deus, e somente eles, devem ser recebidos e aceitos por nós. Aqueles que trazem uma mensagem divina devem provar uma missão divina, seja por revelação especial ou por instituição regular.
2. Ele buscava a glória de Deus. Glorificar a Deus era, ao mesmo tempo, a tendência da sua doutrina e o teor de toda sua conduta. 3. Isto era uma prova de que Ele era verdadeiro e de que não havia injustiça nele. Os falsos mestres são extremamente injustos. Eles são injustos com Deus, cujo nome usam inadequadamente, e injustos com as almas dos homens, das quais se aproveitam. Não pode haver injustiça maior do que esta. Mas Cristo mostrou que Ele era verdadeiro, que realmente era o que dizia ser, que nele não havia injustiça, nem falsidade na sua doutrina, nem falácia nem fraude nos seus procedimentos conosco.
3. Eles falam sobre o crime que lhe fora imputado, de curar o paralítico, e de ordenar que ele carregasse sua cama em um sábado, do qual já o tinham acusado, e que ainda era o pretexto da sua inimizade por Ele.
(1) Ele argumenta com eles de modo recriminador, condenando-os de práticas muito piores, v. 19. Como podiam eles censurá-lo por infringir a lei de Moisés, quando eles mesmos eram tão notórios infratores dela? “Não vos deu Moisés a lei?” E era privilégio deles o fato de que tinham a lei, pois nenhuma outra nação tinha a lei. Mas sua maldade era tal, que nenhum deles observava a lei, que eles se rebelavam contra ela, e viviam contraria mente a ela. Muitos dos que têm a lei que lhes foi dada, quando a têm, não a obedecem. Era total a negligência que tinham pela lei: “E nenhum de vós observa a lei”, nem aqueles que estavam em posições de honra, que deviam ter mais conhecimento, nem aqueles que estavam em posições de submissão, que deviam ter sido mais obedientes. Eles se vangloriavam da lei, e fingiam ter zelo por ela, e estavam enfurecidos por Cristo parecer transgredi-la, e ainda assim nenhum deles a obedecia, como aqueles que dizem que são a favor da igreja, mas nunca vão à igreja. Sua maldade se agravava, ao perseguir a Cristo por transgredir a lei, porque eles mesmos não a observavam: “‘Nenhum de vós observa a lei’. Por que procurais matar-me por não observá-la?”. Observe que normalmente aqueles que têm mais falhas são os que mais criticam os outros. Desta maneira, os hipócritas, que estão dispostos a tirar o argueiro do olho do seu irmão, não percebem uma trave no seu próprio olho. “Por que procurais matar-me?” Alguns interpretam isto como a evidência de que não observavam a lei: “Vocês não observam a lei. Se observassem, compreenderiam melhor a si mesmos, e não procurariam matar-me por fazer algo bom”. Aqueles que apoiam a si mesmos, e aos seus interesses, por meio da perseguição e da violência, não importa o que pretendam (embora eles possam se intitular – os guardiões das duas tábuas), não observam a lei de Deus. Chemnitius interpreta isto como uma razão pela qual era o momento de substituir a lei de Moisés pelo Evangelho, porque a lei era considerada insuficiente para restringir o pecado: “Moisés deu a vocês a lei, mas vocês não a observam, nem são protegidos por ela das maiores maldades. Por tanto, existe a necessidade de que sejam introduzidas uma luz mais clara e uma lei melhor. Por que vocês procuram me matar por introduzi-las?”
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