A MANIA DE DEIXAR PARA DEPOIS
A tendência à procrastinação compromete a carreira, a saúde e a vida financeira de muita gente; embora a biologia possa ser responsabilizada (pelo menos em parte) por esse hábito, é possível se livrar dele.
Quase todo mundo adia decisões e tarefas – e, em algum grau, enfrenta as consequências dessa opção. É o que o economista Piers Steel, professor da Universidade de Calgary, no Canadá, define como procrastinar voluntariamente uma ação pretendida, apesar de saber que essa atitude trará consequências negativas – que poderia facilmente evitar. Ele estima que 20% dos adultos adiam de forma rotineira atividades que melhor seria se fossem realizadas imediatamente. Estilo de vida e situações específicas são particularmente propensos para esse comportamento. Segundo uma pesquisa coordenada por Steel, o problema aflige 90% dos estudantes universitários.
Mas atenção: procrastinar não significa programar deliberadamente tarefas menos cruciais para momentos futuros. O termo é mais adequado para situações em que uma pessoa deixa de seguir essa lógica e acaba adiando as tarefas de maior urgência. Ou seja: se o simples pensamento sobre o trabalho a ser entregue na semana que vem provoca um arrepio desagradável ou a compulsão de fazer algo mais trivial, a pessoa provavelmente está procrastinando. O adiamento, porém, cobra seu preço: coloca em risco a saúde (quando se trata de ir ao médico ou fazer exercícios físicos, por exemplo), prejudica relacionamentos, acarreta perdas financeiras e põe fim a carreiras profissionais. “A procrastinação mina o bem-estar, mas pode haver ganhos secundários recorrentes do mau hábito: os perpetuamente vagarosos parecem obter o benefício, pelo menos imediato, de evitar coisas desagradáveis”, observa o psicólogo Timothy A. Pychyl, professor da Universidade Carleton, em Ottawa, que coordena um grupo de pesquisa sobre o tema. Ele reconhece que, ao longo da vida, todos nós aprendemos a adiar atividades, mas alguns traços estruturais de personalidade aumentam a probabilidade de uma pessoa adquirir o hábito. “Procrastinação é uma dança entre o cérebro e a situação”, resume Pychyl.
A aversão a tarefas é um dos principais gatilhos externos da procrastinação. Quem deixa para fazer depois algo que adora? De acordo com a análise de Steel, metade dos estudantes entrevistados citou a natureza da própria tarefa como o motivo da protelação. Na prática, parece que a maioria não se entusiasma com obrigações como escrever uma dissertação sobre a reprodução dos nematoides ou limpar o armário. “Procrastinação muitas vezes tem a ver com a falta de projetos que realmente reflitam nossas metas”, diz Pychyl.
Do ponto de vista neurológico, somos mais propensos a nos distrair e adiar algo quando o prazo de entrega de um projeto está distante. O motivo está num fenômeno conhecido como retardo temporal, que significa que quanto mais perto uma pessoa estiver de uma recompensa (ou de uma sensação de realização), mais valiosa parecerá a gratificação e, portanto, menos provável será que ela adie a realização do trabalho necessário para merecê-la. Ou seja: gratificação imediata é mais motivadora que os prêmios ou o reconhecimento futuros – o que pode ter forte base evolutiva. Para nossos antepassados, o amanhã era imprevisível e as chances de estar vivo nos próximos dias, não muito animadoras. Portanto, pelo menos desse aspecto, havia verdade no dito “mais vale um pássaro na mão que dois voando”. “Em prol da sobrevivência, as pessoas têm tendência à procrastinação embutida em seu cérebro”, diz Pychyl.
Há alguns anos, o neurocientista Barry Richmond e colegas do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos relataram a descoberta de uma base biológica dessa tendência. Primeiro, a equipe treinou macacos a soltar uma alavanca sempre que um ponto vermelho na tela do computador se tornasse verde. Quando as cobaias continuavam a manipular corretamente a alavanca, o brilho de uma barra cinza aumentava, deixando que os animais soubessem que estavam se aproximando do momento de ganhar uma guloseima. Assim como os procrastinadores humanos, os animais eram relaxados durante as primeiras etapas do experimento, cometendo muitos erros. Mas, quando o saboroso prêmio ficou mais próximo, se tornaram mais perseverantes e cometeram menos equívocos.
Cientistas levantaram a hipótese de que a dopamina, um dos neurotransmissores responsáveis por detectar a sensação de recompensa, poderia estar na base desse comportamento. Trabalhando com Richmond, o geneticista molecular Edward Ginns utilizou um engodo molecular chamado DNA antissentido para impedir parcialmente a produção de um receptor de dopamina na região do cérebro dos macacos chamada córtex rinal, que associa indícios visuais com recompensa. A intervenção diminuiu os efeitos da dopamina até o ponto em que os animais não conseguiam mais prever em que momento do experimento teriam a guloseima. Assim, eles reforçaram as apostas, trabalhando duramente o tempo todo. Mas nem todos os macacos com respostas diminuídas de dopamina se comportaram da mesma maneira. Alguns permaneceram sossegados depois do trata- mento que reprimia a dopamina, empenhando-se pouco, mesmo quando o tempo até a recompensa diminuiu. Essa observação nos alerta sobre as características individuais da procrastinação: alguns de nós somos mais propensos a ela.
A procrastinação também se origina da ansiedade. Muitas vezes, procrastinadores protelam por medo do fracasso, receio de cometer um erro ou de não lidar bem com o sucesso. Esses traços de personalidade entram em cena em situações particulares, em combinação com o ambiente. Os pesquisadores agora estão tentando unificar as teorias existentes da procrastinação e predizer quem tem propensão ao adiamento de tarefas importantes e em quais circunstâncias. Quando uma pessoa espera se sair bem numa atividade ou valoriza essa tarefa, é mais propensa a realizá-la. Por outro lado, se uma recompensa ou punição se situar muito longe no futuro ou se uma pessoa for particularmente “sensível”, com propensão à distração, impulsiva ou com falta de autocontrole, será bem menos propensa a fazer a tarefa, pelo menos a tempo.
Vários cientistas, no entanto, discordam da ideia de que um comportamento humano complexo possa ser definido de maneira tão pragmática. Em lugar de quantificar os traços de personalidade e resolver fórmulas, alguns pesquisadores preferem “extrair” a psicologia por trás do comportamento. Dois elementos importantes no desejo de deixar que os projetos desmoronem são a sensação de desconforto com uma atividade e o desejo de evitá-lo. Um procrastinador diz, “eu me sinto mal com uma tarefa, e, portanto, me afasto para me sentir melhor”. O psicólogo Joseph Ferrari, da Universidade DePaul, cunhou a expressão “procrastinador por esquiva” para descrever aquele em quem a evitação é a principal motivação.
Outro propulsor psicológico da protelação é a indecisão. Digamos que uma mulher pretende visitar uma amiga no hospital. Em lugar de simplesmente apanhar as chaves e sair, a moça indecisa começa a debater internamente se irá de carro ou de metrô. A dúvida pode continuar até que passe tempo bastante para que o horário de visita se encerre.
Uma terceira explicação muitas vezes citada para um atraso irracional é o estado de excitação. O “procrastinador pela excitação” jura que trabalha melhor sob pressão e precisa da adrenalina do último minuto para dar a partida. Essa pessoa acredita que a protelação propicia uma experiência que o psicólogo Mihaly Csíkszentmihályi, da Escola Drucker de Administração da Universidade de Pós-Graduação de Claremont, define como se perder na atividade. Nesse momento, é como se o tempo desaparecesse e o ego se dissolvesse.
Mas procrastinação não facilita o fluxo, de acordo com o cientista social Eunju Lee, da Universidade Halla, da Coreia do Sul. Ele realizou uma pesquisa com 262 estudantes e descobriu que os procrastinadores tendiam a ter menos, e não mais desse tipo de experiência. Afinal, uma pessoa precisa conseguir se libertar de si própria para “se perder” dentro de uma experiência, e os procrastinadores geralmente têm dificuldade em fazê-lo.
Pychyl e seu aluno de pós-graduação Kyle Simpson mediram os traços associados à excitação, entre os quais a busca de emoções e a extroversão, em estudantes que frequentemente procrastinavam. Mas eles acreditam que os adiadores não estão realmente precisando de excitação, mas usam a crença de que necessitam da pressão do último minuto para justificar o fato de estarem se arrastando vagarosamente, quando, na verdade, tentam contornar o desprazer. Outros, protelam estrategicamente os projetos como desculpa para um eventual mau desempenho. Dizem a si mesmos ou aos outros que poderiam ter se saído melhor se tivessem começado antes. Em alguns casos, tal estratégia pode servir de escudo para um ego frágil.
TRUQUES DO OFÍCIO
Procrastinação nem sempre é prejudicial. Em uma pesquisa com 67 universitários, que se reconheciam como “adiadores” de tarefas, o psicólogo Gregory Schraw, da Universidade de Nevada, Las Vegas, e colegas aprenderam que esses voluntários tinham encontrado maneiras criativas de usar o mau hábito a seu favor. Muitos deles, por exemplo, só escolhiam cursos nos quais o professor oferecia um sumário detalhado, em lugar de um esboço grosseiro, dos trabalhos a serem entregues. Essa especificidade permitia adiamentos “planejados”: os jovens poderiam programar como prorrogar a execução da tarefa e, desta forma, se dar ao luxo de ter o máximo de tempo para atividades mais atraentes.
Para lidar com a culpa e a ansiedade acarretadas pela espera até o último minuto, alguns jovens adquiriam logo todos os livros necessários para a realização do trabalho – e os punham numa prateleira. Assim se desviavam da culpa, dizendo a si próprios: pelo menos providenciei os livros. Só 48 horas antes do prazo para a entrega do projeto o procrastinador passava a produzir freneticamente para conseguir terminar a tarefa. Consequentemente, os estudantes faziam o máximo num tempo mínimo – com um mínimo de dor.
Portanto, embora esses alunos estives- sem adiando o trabalho por mais tempo do que deveriam, ainda assim conseguiam ter- minar a tarefa e, ao mesmo tempo, manter a sanidade. Schraw enfatiza que seu estudo não pretende defender a procrastinação, mas destacar que a prática é capaz de engendrar algumas aptidões úteis para a sobrevivência, como planejamento tático, para realizar uma tarefa em tempo limitado e com o mínimo de tensão. “A moral da história é que as pessoas protelam na tentativa de ter uma vida mental melhor”, diz Schraw.
HORA MARCADA
Mas nem todos os especialistas concordam com ele. De fato, a análise de Steel sugere que 95% dos procrastinadores gostariam de mudar essa característica, mas não conseguem. “Hábitos são processos cerebrais não conscientes. Quando a procrastinação se torna crônica, uma pessoa está essencialmente andando em piloto automático”, diz Pychyl.
Alguns especialistas sugerem substituir o reflexo de protelação pelas prescrições de ação cronologicamente determinadas. O psicólogo Peter Gollwitzer, das Universidades de Nova York e de Konstanz, Alemanha, aconselha a criação de “intenções de implementação”, que especificam onde e quando uma pessoa exibirá determinado comporta- mento. Então, em vez de colocar uma meta vaga como “vou ficar saudável”, ela define uma estratégia, inclusive cronológica, embutida: “digamos, vou encaminhar amanhã, às 7h30”, por exemplo, ou “a partir de hoje deixo de comer carne vermelha”.
A definição de prescrições tão específicas parece realmente inibir a tendência de procrastinar. O psicólogo Shane Owens e colegas da Universidade Hofstra demonstraram que procrastinadores que produziam intenções de implementação eram oito vezes mais propensos a cumprir uma intenção do que aqueles que não usavam esse recurso. “Você precisa criar, de antemão, um compromisso específico com uma hora e lugar em que você agirá. Isto o tornará mais propenso a ir até o fim”, diz Owens. Um cronograma inteligente também pode frustrar a procrastinação. Em um experimento feito pelo o economista comportamental da Universidade Duke, Dan Ariely, que na época era do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e o professor de marketing Klaus Wertenbroch, da Insead, uma escola de administração com campina França e Cingapura, pediram a alunos de um curso para executivos que determinassem seus próprios prazos para a entrega de três monografias naquele semestre. Ariely e Wertenbroch estabeleceram punições, impostas para aqueles que se atrasassem. Entre os estudantes, 70% escolheram datas de entrega espaçadas ao longo do semestre, em vez que agrupá-las no final do curso. O curioso foi que aqueles que definiram prazos menores se saíram melhor, em média, que os frequentadores de um curso similar, no qual Ariely definiu uma única data para os três artigos no final do semestre. Tal planejamento pode neutralizar a inclinação para adiar o trabalho.
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