JOÃO 6: 28-59 – PARTE II

Cristo, o verdadeiro Pão do Céu. Cristo dá as boas-vindas a todos os que veem a Ele. A necessidade de alimentar-se de Cristo.
III – Tendo respondido às suas perguntas, Cristo aproveita a oportunidade da objeção que fizeram a respeito do maná para falar de si mesmo, por meio da comparação com o pão, e da fé, por meio da comparação com o comer e o beber. O Senhor uniu isto com comer sua carne e beber seu sangue, e com as observações feitas a este respeito pelos ouvintes. Assim pode ser entendido o restante desta conversa.
1. Tendo falado de si mesmo como o grande dom de Deus, e o pão verdadeiro (v. 32), Jesus explica e confirma o assunto detalhadamente, para que possamos conhecê-lo corretamente.
(1) Aqui o Senhor Jesus mostra que Ele é o pão verdadeiro. Isto Ele repete diversas vezes, vv. 33,35,48-51. Observe:
[1] Que Cristo é pão, Ele é para a alma o que o pão é para o corpo. Ele nutre e sustenta a vida espiritual (é o que a sustem), assim corno o pão nutre e sustenta a vida corpórea. Ele é o sustento da vida. As doutrinas do Evangelho a respeito de Cristo – que Ele é o mediador entre Deus e o homem, que Ele é nossa paz, nossa justiça, nosso Redentor. Por estas coisas vivem os homens. Nossos corpos poderiam viver por algum tempo sem ali mentos, porém nossa alma não pode viver um segundo sem Cristo. O trigo é esmiuçado (Isaias 28.28), e assim também foi Cristo. Ele nasceu em Belém, a casa de pão, e foi tipificado pelo pão da proposição.
[2] Que Ele é o pão de Deus (v. 33), o pão divino. Ele é aquele que é “de Deus” (v.46), é pão que “meu Pai” dá (v.32), o pão que Ele criou para ser o alimento das nossas almas, o pão da família de Deus, o pão dos seus filhos. Os sacrifícios dos levitas eram chamados o pão de Deus (Levíticos 21.21,22), e Cristo é o grande sacrifício. Cristo, na sua palavra e nas suas ordenanças, é o banquete do sacrifício.
[3) Que Ele é o pão da vida (v. 35, e outra vez, v. 48), aquele pão da vida, uma alusão à árvore da vida no meio do jardim do Éden, que foi para Adão o selo daquela parte do concerto: “Faze isso e viverás”, da qual ele podia comer e viver. Cristo é o pão da vida, pois Ele é o fruto da árvore da vida. Em primeiro lugar, Ele é “o pão vivo” (assim é que Ele se explica, v. 51): “Eu sou o pão vivo”. O pão é, em si mesmo, uma coisa morta, e não alimenta, exceto pela ajuda das faculdades de um organismo vivo, mas Cristo é, Ele mesmo, o pão vivo, e alimenta pelo seu próprio poder. O maná era uma coisa morta. Se guardado apenas uma noite, ele apodrecia e criava bichos. Mas Cristo é o pão sempre vivo, eterno, que nunca embolora nem envelhece. A doutrina de Cristo crucificado agora é tão fortalecedora e consoladora a um crente como sempre foi, e sua mediação ainda tem tanto valor e eficiência quanto sempre teve. Em segundo lugar, Ele dá “vida ao mundo” (v. 33), vida espiritual e eterna. A vida da alma em união e comunhão com Deus aqui, e na visão dele e na comunhão com Ele no futuro. Uma vida que inclui em si toda a felicidade. O maná somente sus tentava a vida, não a preservava e perpetuava, muito menos a restaurava, mas Cristo dá a vida àqueles que estão mortos no pecado. O maná era ordenado somente para a vida dos israelitas, mas Cristo é dado para a vida do mundo. Ninguém está excluído do benefício deste pão, exceto os que se excluem voluntariamente. Cristo veio para dar vida às mentes dos homens, como também os princípios produtivos para que tenham desempenhos aceitáveis.
[4) Que Ele é o pão que desceu do céu. Isto é repetido muitas vezes aqui, vv. 33,50,51,58. Isto indica, em primeiro lugar, a divindade da pessoa de Cristo. Sendo Deus, Ele tinha uma existência no céu, de onde Ele veio para assumir nossa natureza: “Eu desci do céu”, com o que podemos deduzir sua antiguidade, Ele estava no início com Deus; sua capacidade, pois o céu é o “firmamento do… poder”; e sua autoridade, Ele veio com uma comissão divina. Em segundo lugar, a origem divina de todo o bem que flui para nós, por meio dele. Ele desce, não somente que desceu (v.51), mas que desce. Ele está descendo, o que indica uma constante comunicação de luz, vida e amor, de Deus aos crentes, por intermédio de Cristo, assim como o maná vinha todos os dias. Veja Efésios 1.3. Todas as coisas do céu.
[5) Que Ele é aquele pão do qual o maná era um tipo e um exemplo (v. 58), este pão, o pão verdadeiro, v. 32. Assim como a pedra da qual eles beberam era Cristo, o maná que eles comeram também era um manjar espiritual, 1 Coríntios 10.3,4. Assim como o maná foi dado a Israel, Cristo é dado ao Israel espiritual. Havia maná suficiente para todos. Desse modo, em Cristo, há uma plenitude de graça a todos os crentes. Aquele que colher uma grande porção deste maná não terá sobras quando vier a usá-lo, e aquele que colher pouco descobrirá que não lhe falta, quando sua graça vier a ser aperfeiçoada em glória. O maná devia ser colhido pela manhã, e aqueles que desejam encontrar Cristo devem procurá-lo cedo. O maná era doce e, como nos diz o autor do livro apócrifo Sabedoria de Salomão (Sabedoria 16.20), “satisfazia o gosto de todos”. Isto enfatiza como Cristo é precioso. Israel viveu de maná até que chegasse a Canaã. E Cristo é nossa vida. Havia uma lembrança do maná preservada na arca. A lembrança de Cristo está na Ceia do Senhor, como alimento da nossa alma.
(2) Aqui Cristo mostra qual era sua missão, e qual era sua tarefa no mundo. Deixando de lado as metáforas, Ele fala claramente, e não fala em parábolas, dando-nos uma explicação das suas atividades entre os homens, vv. 38-40.
[1] Ele nos assegura, de modo geral, que veio do céu para cuidar dos negócios do seu Pai (v. 38), não para fazer sua própria vontade, mas a vontade daquele que o enviou. Ele desceu do céu, o que evidencia que Ele é um ser inteligente e ativo, que voluntariamente desceu a este mundo inferior, uma longa viagem, e um grande passo descendente, considerando as glórias do mundo do qual Ele vinha e as calamidades do mundo ao qual Ele vinha. Nós podemos perguntar, com admiração: “O que o levou a fazer tal expedição?” Aqui Ele nos conta que veio não para fazer sua própria vontade, mas a vontade do seu Pai. Não que Ele tivesse qualquer vontade que estivesse em competição com a vontade do seu Pai, mas aqueles com quem Ele estava falando suspeitavam que Ele pudesse ter. “Não”, diz Ele, “minha própria vontade não é o que me impulsiona, nem o que Eu obedeço, mas Eu venho para fazer a vontade daquele que me enviou”. Isto é, em primeiro lugar, Cristo não veio ao mundo como uma pessoa que age somente por si mesmo, mas sob uma característica pública, para agir pelos outros, como um embaixador, ou plenipotenciário, autorizado por uma comissão pública. Ele veio ao mundo como o grande representante de Deus, e o grande médico do mundo. Não era nenhum interesse privado o que o trazia até aqui, mas Ele veio para acertar as questões entre duas partes consideráveis: o grande Criador e toda a criação. Em segundo lugar, Cristo, quando esteve no mundo, não realizou nenhum desígnio particular, nem teve nenhum interesse separado, distinto dos interesses daqueles pelos quais Ele agia. O escopo de toda a sua vida foi o de glorificar a Deus e fazer o bem aos homens. Portanto, Ele nunca procurou sua própria comodidade, segurança ou tranquilidade, mas, quando estava para entregar sua vida, embora tivesse uma natureza humana que se atemorizava com isto, Ele deixou de lado estas considerações e compatibilizou sua vontade como homem à vontade de Deus, o Pai: “Não seja como eu quero, mas como tu queres”.
[2] Ele nos dá a conhecer, em particular, a vontade do Pai que Ele veio realizar. Aqui Ele declara o decreto, as instruções que Ele devia seguir.
Em primeiro lugar, as instruções particulares dadas a Cristo, de que Ele deveria certificar-se de salvar todos os escolhidos restantes, e este é o concerto da redenção, entre o Pai e o Filho (v.39): “Esta é ‘a vontade do Pai, que me enviou’. Esta é a incumbência que me foi confiada, e consiste em que Eu não perca nenhum de todos aqueles que Ele me deu”. Observe:
1. Existe um determinado número de filhos dos homens dados pelo Pai a Jesus Cristo, para estarem sob seus cuidados, e pertencerem a Ele, por um nome e um louvor, dados a Ele como herança, para posse. O Pai fará por eles tudo o que as situações exigirem. Ele os ensinará, curará, pagará suas dívidas, defenderá suas causas, os preparará e preservará para a vida eterna, e então permitirá que Cristo faça o melhor por eles. O Pai pode dispor deles como desejar: como criaturas, suas vidas e existências derivavam dele; como pecadores, suas vidas e existências estavam afastadas dele e perdidas. Ele poderia tê-los vendido para a satisfação da sua justiça, e tê-los entregado aos torturadores, mas Ele os indicou para serem os monumentos da sua misericórdia, e os entregou ao Salvador. Aqueles a quem Deus escolheu para serem objetos do seu amor especial, Ele colocou, em confiança, nas mãos de Cristo.
2. Jesus Cristo comprometeu-se a não perder nenhum daqueles que foram, assim, dados a Ele pelo Pai. Os muitos filhos que Ele devia levar à glória estarão todos disponíveis, e nenhum deles se perderá, Mateus 18.14. Nenhum deles se perderá, por falta de graça suficiente para santificá-los. “Se eu não to trouxer e não o puser perante a tua face, serei réu de crime para contigo para sempre”, Gênesis 43.9. 3. O comprometimento de Cristo com aqueles que lhe são dados se estende à ressurreição dos seus corpos. “Eu o ressuscitarei no último Dia”, o que pressupõe que tudo o que veio antes deve coroar e completar a missão. O corpo é parte do homem, e, portanto, uma parte da compra e da incumbência de Cristo. Ele pertence às promessas, e, por essa razão, não deverá ser perdido. A missão não é somente não perder ninguém, nenhuma pessoa, mas também não perder nada, nenhuma parte da pessoa, e, portanto, nem o corpo. A missão de Cristo nunca será completa até a ressurreição, quando as almas e os corpos dos santos serão reunidos e congregados a Cristo, para que Ele possa apresentá-los ao Pai: “Eis-me aqui a mim e aos filhos que Deus me deu”, Hebreus 2.13; 2 Timóteo 1.12. 4. A fonte e a origem de tudo isto é a vontade soberana de Deus, os conselhos da sua vontade, segundo a qual Ele opera tudo isto. Este foi o mandamento que Ele deu ao seu Filho, quando o enviou ao mundo, e que o Filho sempre teve em mente.
Em segundo lugar, as instruções públicas que deviam ser dadas aos filhos dos homens, de que maneira e em quais termos eles poderiam obter a salvação por Cristo, e este é o concerto da graça, entre Deus e o homem. Quem eram as pessoas, em particular, que eram dadas a Cristo, é segredo: “O Senhor conhece aqueles que são seus”, nós não, e nem é adequado que conheçamos. Mas, embora seus nomes estejam ocultos, suas características são divulgadas. É feita uma oferta de vida e felicidade nos termos do Evangelho, para que, por ela, aqueles que foram dados a Cristo possam ser trazidos a Ele, e outros, deixados inescusáveis (v. 40): “Esta é ‘a vontade’, a vontade revelada, ‘daquele que me enviou’, o método definido, pelo qual tratar com os filhos dos homens, ‘que todo aquele’, judeu ou gentio, ‘que vê o Filho e crê nele tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia”‘. Isto é verdadeiramente Evangelho, boas novas. Não é revigorador ouvir isto?
1. Que a vida eterna pode ser obtida, se não houver falta nossa. Que, embora pelo pecado do primeiro Adão, o caminho da árvore da vida tenha sido bloqueado, pela graça do segundo Adão, ele está aberto outra vez. A coroa da glória está apresentada diante de nós como o prêmio da nossa soberana vocação, à qual podemos nos candidatar e obter.
2. Todos podem tê-la. Este Evangelho deve ser pregado, esta oferta deve ser feita a todos, e ninguém poderá dizer: “Ela não pertence a mim”, Apocalipse 22.17.
3. Esta vida eterna é certa a todos aqueles que creem em Cristo, e somente a eles. Aquele que vê o Filho, e crê nele, será salvo. Alguns entendem este “ver” como uma limitação desta condição de salvação somente àqueles que recebem a revelação de Cristo e da sua graça. Todo aquele que tem a oportunidade de conhecer Cristo, e aproveitar esta oportunidade tão bem a ponto de crer nele, terá a vida eterna, de modo que ninguém será condenado por descrença (por mais que possa estar condenado por outros pecados), exceto aqueles que tiveram o Evangelho pregado a eles, que, como estes judeus (v. 36), viram, e ainda assim não creram, conheceram a Cristo, e não creram nele. Mas eu prefiro interpretar “ver” como significando a mesma coisa que “crer”, pois é theoron, o que não significa tanto a visão do olho (como no v. 36, heorakate me – vós me vistes) quanto a contemplação da mente. Todo aquele que vê o Filho, isto é, aquele que crê nele, aquele que o vê com os olhos da fé, pelos quais che gamos a ser devidamente familiarizados e influenciados pela doutrina do Evangelho a respeito dele. É olhar para Ele como os israelitas feridos olharam para a serpente de metal. A fé que Cristo exige não é uma fé cega, como se estivéssemos dispostos a arrancar nossos olhos e então segui-lo. Nós devemos vê-lo, enxergando em que terrenos andamos na nossa fé. Tudo então estará certo, quando não for aceito com base em rumores (devemos crer como a igreja crê), mas quando for o resultado de uma devida consideração dos motivos da credibilidade: ”Agora te veem os meus olhos”. “Nós mesmos o temos ouvido”.
1. Aqueles que creem em Jesus Cristo, para que tenham a vida eterna, serão ressuscitados pelo seu poder, no último dia. Ele recebeu esta incumbência como vontade do seu Pai (v. 39), e aqui Ele solenemente faz disto sua própria missão: “Eu o ressuscitarei”, o que significa não somente o retorno do corpo à vida, mas a colo cação de todo o homem na posse plena da vida eterna que está prometida.
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