AQUELES QUE A SUA EMPRESA REPRESENTA
Encontre espaço apoiando públicos específicos e carentes de representatividade.
O Brasil é o país que mata LGBT+ – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros – no mundo. Segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGBA) os assassinatos aumentaram em 30% entre 2016 e 2017. Aumentou também, entre 2012 e 2016, a população que se declara preta do país. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número subiu 14,9%. Mesmo assim, o Atlas da Violência 2018 mostrou que os assassinatos de negros cresceram 23% enquanto os de brancos caíram 6,8%. Os dados mostram algo importante nas entrelinhas: essas pessoas precisam de representatividade – desde a luta organizada por direitos até a inclusão de mercado.
É importante considerar ainda que, mesmo a população brasileira com ensino superior sendo formada majoritariamente por mulheres, elas ainda possuem menores salários em relação aos homens. Além disso, faltam serviços e produtos focados nelas que transcendam estereótipos. Por fim, uma pesquisa do IBGE divulgada este ano mostra que o número de idosos já ultrapassa 30 milhões. As pessoas acima dos 60 anos também têm mudado seu padrão de comportamento e, consequentemente, de consumo.
O Estudo Oldiversity 2018, da Croma Solutions, aponta que 47% dos entrevistados “não têm lembrança de fatos ou conteúdos relevantes capazes de conectar marcas a causas ou questões humanas”. E tem mais: o público LGBT+ mostra-se protagonista em suas causas, além de atuar de forma mais contundente em causas de raça, longevidade e PcDs (Pessoas com Deficiência). Apresenta ainda maior expressividade em todos os indicadores, apontando que sua fidelidade a marcas Oldiverstiy© (72%) é mais significativa que a média (43%) de toda a amostra afirmam, ter uma mudança de comportamento de compra e consumo. Pessoas com deficiência são o segundo público com maior expressividade, seguidos por negros e, por fim, héteros sem deficiência”, detalha o CEO do Cromo e responsável pelo estudo, Edmar Bulia.
ONDE ESTÃO AS OPORTUNIDADES?
Há empresas de previdência como a Ciclic, fundada no final de 2017, que encontra uma boa demanda dentro desse mercado – já estruturado e com definições claras de como atuar. Além disso, com o já projetado aumento do número de idosos e diminuição de nascidos, não falta público consumidor. A empresa mostra que diferenciais como trazer um plano complementar para a realização de sonhos a curto prazo – viagens ou festas de casamento, por exemplo-, podem ajudar a se destacar no segmento.
Bulia ressalta que há demandas claras e com grande potencial, com oportunidades não apenas de novos canais nos quais essas populações possam se expressar, mas com produtos e serviços que permitam o diálogo e supram necessidades específicas, incluindo no plano de negócios uma estratégia de comunicação aderente à realidade. E para entender o que seu público precisa, nada melhor do que sentir o que ele sente. Nesse contexto, vale lembrar que os empreendimentos ainda são restritos quanto à contratação dos colaboradores, sem julgar gênero ou cor.
Uma pesquisa de 2016 do Instituto Ethos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mostrou que, entre as 500 maiores empresas do País, mulheres ocupavam somente 13,6% dos altos cargos, enquanto apenas 6,3% dos gerentes e 4,7% dos executivos eram negros. Quando o comportamento humano é tomado como protagonista de um negócio, todos os benefícios florescem. A recomendação e a recompra talvez sejam os melhores indicadores de um novo negócio focado 100% em necessidades”, completa Edmar Bulla, destacando que 72% dos participantes de sua pesquisa não acreditam na autenticidade das marcas quando falam sobre o tema.
COMO EU ME PREPARO?
Em 2017, a campanha “Viajar Quebra Preconceitos”, de uma marca de carros, tentava romper com estereótipos, mas acabou reforçando preconceitos como “baianos são lentos. Outra ação, que utilizava o papel higiênico na cor preta enrolado ao corpo de uma atriz branca, usou a expressão “Black is Beautiful” – frase do movimento cultural afro-americano da década de 1960, o que fez parecer uma apropriação indevida. “Lugar de discurso é aquele em que você tem experiência, vivenciou contextualizações que fazem com que tenha propriedade no discurso. Sou psicólogo de pessoas em situação de rua. Não sou viciado em drogas, mas tenho contato aprofundado com as pessoas que vivem essa realidade, então sei quais são os efeitos e prejuízos. O maior desafio é se apropriar de um discurso que, além de não ser o seu, você não teve contato. “Texto sem contexto, é pretexto”, explica o psicólogo e músico Lucas Adon.
Ele completa que uma marca precisa estar atenta ao tomar para si coisas destoantes do público a que ela atende ou à própria história da empresa, seja na hora de escolher uma causa para abraçar ou na maneira de comunicar o produto.
O Lady Driver é um exemplo de quem fez certo. O aplicativo que serve como um Uber apenas com motoristas e passageiras mulheres, completou um ano com 18 mil motoristas cadastradas e 210 mil downloads em São Paulo, Guarulhos e Rio de Janeiro. “Sofri assédio e foi muito mim. Então, iniciei o projeto em 2016. Fiquei quase um ano entre desenvolver o aplicativo e conseguir a legalização da empresa na prefeitura. Começamos com 1.800 motoristas. Hoje, o número de corridas aumentou, cerca de 100%, de um mês para o outro conta a empresária Gabryella Correa.
Sabendo ainda que as mulheres que dirigem Uber ganham 7% a menos que os homens, segundo pesquisa da Universidade de Stanford, ela faz questão de promover incentivos que paguem melhor a elas. “Não adianta as empresas passarem uma imagem (com discursos, propagandas) e serem totalmente diferentes na prática”, acrescenta.
Já o Afrobusiness, criado em 2015, é voltado à inserção da população preta no mercado de trabalho, especialmente no comércio eletrônico, logística, contabilidade, finanças, gestão do tempo e outros. Hoje, já são mais de mil pessoas capacitadas. “O mercado está propício para atender a demandas represadas. e o público negro tem muita. Se pensarmos que há dez anos não existia a variedade de produtos para cabelos afro e cacheados, já dá para ver o potencial deste mercado. Os empreendedores negros têm todos os desafios de quem empreende; mais os ocasionados pelo racismo. Existem pesquisas, por exemplo, que mostram que eles têm o crédito negado três vezes mais do que um empreendedor branco, destaca a cofundadora, Fernanda Leôncio.
Nesse cenário, a Feira Preta é case desde 2002.”Queria trabalhar com dois segmentos: atuar em todas as linguagens artísticas, produção, valorização e disseminação da cultura; e reunir empreendedores voltados para uma segmentação com uma estética negra, como roupas, acessórios, maquiagens, objetos de decoração, livros, peças de artes, conta a empreendedora social Adriana Barbosa.
O próximo passo foi mapear informações, coletar expositores, e colocar a mão na massa. Pouco tempo depois, já havia patrocínio da Unilever, Kaiser, Red Bull e da Prefeitura de São Paulo. “Ela é gerida pelo Instituto Feira Preta, uma plataforma que há 16 anos fortalece a cultura negra no Brasil. A feira Preta reuniu mais de 150 mil pessoas em 16 edições, promovendo a circulação de mais de R$4,5 milhões, destaca.
SIMPATIZAR X REPRESENTAR
O simpatizante apoia a causa. O representante está contextualizado no meio – seja por vivenciar, sentir ou por produzir sentido. Nesse contexto, a Absolut criou uma campanha focada no público LGBT+ incluindo, entre outras ações, um clipe com Lino da Quebrada e As Bahias e a Cozinha Mineira. “A ligação de Absolut com esse público não vem de hoje. Globalmente, apoiamos públicos minoritários para dar visibilidade a temáticas sociais. A partir disso, “criamos a Absolut Art Resistance”, apoiando artistas que usam a arte como uma ferramenta de resistência cultural para estimular o debate do tema na sociedade”, conta a Brand Manager Absolut & Absolut Elyx, Patrícia Graicar.
A profissional destaca que um dos desafios previstos eram os haters, que foram poucos. “Recebemos o apoio dos consumidores, que abraçaram a causa. A campanha nos trouxe uma combinação perfeita entre visão social e negócios”, completa Patrícia, reforçando a necessidade de consistência no discurso ao longo do tempo.
Laís Carneiro trabalha com audiovisual e aproveitou uma brecha para apoiar um discurso parecido. “O cantor João Bernardo me convidou para dirigir o clipe de “Hoje Só Volto Amanhã. É uma música de amor, e percebi que o eu lírico não tinha gênero. Resolvi sair do lugar-comum e trouxe duas atrizes trans que compõem respectivamente um casal heterossexual e um casal lésbico, junto a uma atriz e um ator cis. O mais interessante é que a música em si não traz um discurso, mas a gente trouxe por essa escolha, explica.
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