JOÃO 5: 31-47 – PARTE III
Cristo Prova sua Missão Divina. A Infidelidade dos Judeus é Reprovada
(3) A este testemunho, o Senhor acrescenta uma reprovação da infidelidade e da maldade deles em quatro exemplos. Particularmente:
[1] Seu desprezo por Ele e por sua doutrina: “‘E não quereis vir a mim para terdes vida’, v. 40. Vós examinais Escrituras, credes nos profetas que encontrais sempre testificando de mim, e ainda assim não vireis a mim, a quem eles vos guiam”. Sua alienação em relação a Cristo era culpa não tanto de sua compreensão, mas de sua força de vontade. Isto é expresso como uma queixa. Cristo ofereceu vida, e esta não foi aceita. Note que, em primeiro lugar, existe uma vida a ser recebida de Jesus Cristo, e está reservada às pobres almas. Nós podemos ter vida, a vida de perdão, graça, conforto e glória. A vida é o aperfeiçoamento de nossa existência, e abrange toda a felicidade. E Cristo é nossa vida. Em segundo lugar; aqueles que desejam ter essa vida devem ir a Jesus Cristo para recebê-la. Nós podemos recebê-la através de nossa busca. Isso presume uma aceitação pelo entendimento da doutrina de Cristo e do testemunho a respeito dele. Isso reside na submissão da vontade à sua autoridade e graça, e produz uma obediência responsável nos sentimentos e nos atos. Em terceiro lugar, a única razão por que os pecadores morrem é devido ao fato de que eles não virão a Cristo em busca de vida e felicidade. E não é porque eles não possam, mas porque não querem. Eles não aceitarão a vida oferecida, por ser espiritual e divina, nem concordarão com os termos sob os quais ela é oferecida. Tampouco se dedicarão ao uso dos meios determinados: eles não serão curados, porque não observarão os métodos da cura. Em quarto lugar; a determinação e a obstinação dos pecadores em rejeitar as ofertas de graça são uma grande tristeza para o Senhor Jesus, e Ele se queixa disto. Aquelas palavras (v. 41): “Eu não recebo glória dos homens”, vêm entre parênteses em algumas versões, para evitar uma objeção contra o Senhor, como se Ele buscasse sua própria glória, e se fizesse líder de um grupo, obrigando todos a virem a Ele, e a aclamarem-no. Note que:
1. Ele não desejava nem solicitava a aclamação dos homens, nem de longe se influenciou por aquela pompa e esplendor mundanos com os quais os judeus esperavam que seu Messias aparecesse. Ele encarregou aqueles a quem curou de não torná-lo conhecido, e afastou-se daqueles que o teriam feito rei.
2. O Senhor não teve a aclamação dos homens. Ao invés de receber reverência dos homens, Ele recebeu muita desonra e descrédito, pois aniquilou-se a si mesmo.
3. Ele não precisava da aclamação dos homens. Isso nada acrescentava à glória daquele a quem todos os anjos de Deus adoram. E Ele também não se satisfaria com o contrário, na medida que isto não estivesse de acordo com a vontade de seu Pai, e não contribuísse para a felicidade daqueles que, ao glorificá-lo, receberam dele uma glória ainda maior.
(2) Sua carência do amor de Deus (v. 42): “‘Bem vos conheço, que não tendes em vós o amor de Deus’. Por que deveria me admirar por não virdes a mim, quando vos falta até mesmo o primeiro princípio da religião natural, que é o amor de Deus?” Note que a razão por que as pessoas não dão importância a Cristo se deve ao fato de não amarem a Deus, pois, se verdadeiramente amássemos a Deus, deveríamos amar aquele que é sua imagem expressa, e correr para Ele, o único através de quem podemos ser restituídos à benevolência de Deus. Ele os acusara (v.37) de ignorância a respeito de Deus, e aqui os acusa da falta de amor a Ele. Consequentemente, os homens não têm o amor de Deus porque não desejam o conhecimento dele. Observe, em primeiro lugar, o pecado que lhes foi imputado: “Não tendes em vós o amor de Deus”. Eles fingiam que tinham um grande amor a Deus, e pensavam que o demonstravam através de seu zelo pela lei, pelo Templo, e pelo sábado, e mesmo assim estavam sem o amor a Deus. Note que existem muitos que fazem uma grande manifestação da religião, e ainda assim demonstram que carecem do amor de Deus através do menosprezo por Cristo e do desprezo por seus mandamentos. Eles odeiam sua santidade, e subestimam sua generosidade. Observe que o que Deus aceitará é o amor a Ele, aquele amor entranhado no coração, um princípio vivo e ativo ali, o amor derramado ali, Romanos 5.5.
Em segundo lugar, a prova dessa acusação é demonstrada pelo conhecimento pessoal de Cristo, que sonda o coração (Apocalipse 2.23) e s abe o que está dentro do homem: “Eu vos conheço”. Cristo vê através de nossos disfarces, e pode dizer a cada um de nós: “Eu te conheço”.
1. Cristo conhece os homens melhor do que seus vizinhos os conhecem. As pessoas pensavam que os escribas e fariseus fossem homens muito devotados e bons, mas Cristo sabia que eles não tinham o amor de Deus dentro de si.
2. Cristo conhece os homens melhor do que eles próprios se conhecem. Esses judeus tinham uma opinião muito boa sobre si mesmos, mas Cristo sabia como o interior deles era corrompido, não obstante sua enganosa aparência exterior. Podemos enganar a nós mesmos, mas ninguém pode enganar a Ele.
3. Cristo conhece os homens que não o conhecem e não o conhecerão. Ele olha para aqueles que persistentemente desviam o olhar para longe dele, e chama por seus próprios nomes, seus nomes verdadeiros, aqueles que não o conheceram.
(3) Outro pecado imputado a eles é sua disposição para acolher falsos Cristas e falsos profetas, enquanto obstinadamente não aceitavam aquele que era o verdadeiro Messias (v. 43): “Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais. se outro vier em seu próprio nome, a esse aceitareis”. “Espantai-vos disto, ó céus” (Jeremias 2.12,13). “Porque o meu povo fez duas maldades”, realmente, grandes maldades.
Em primeiro lugar, eles deixaram o manancial de águas vivas, pois não iriam aceitar a Cristo, que veio em nome de seu Pai, recebera sua autoridade de seu Pai, e fez tudo por sua glória. Em segundo lugar, eles cavaram cisternas rotas. Eles ouvem atentamente a qualquer um que se levante em seu próprio nome. Eles abandonaram sua própria misericórdia e compaixão, o que é ruim o suficiente, e o fizeram por causa de vaidades mentirosas, o que é pior. Observe, neste ponto:
1. Esses são falsos profetas que vêm em seu próprio nome, que correm sem ser enviados, e que só se interessam por si próprios.
2. É justo que Deus permita que esses, que não recebem o amor da verdade, sejam enganados por falsos profetas, 2 Tessalonicenses 2.10,11. Os enganos do anticristo são um castigo justo para aqueles que não obedecem a doutrina de Cristo. Aqueles que fecharam seus olhos quando tiveram a oportunidade de estar em contato com a verdadeira luz, estão, pelo julgamento de Deus, fadados a vagar eternamente seguindo falsas luzes, e a serem desviados do caminho por cada vento de doutrina.
3. A completa estupidez de muitos fica patente. Enquanto repudiam antigas verdades, estão apaixonados por erros arrogantes. Eles odeiam o maná, e, ao mesmo tempo, alimentam-se de cinzas. Depois que os judeus haviam rejeitado a Cristo e seu maravilhoso Evangelho, eles foram frequentemente assombrados por espectros, por falsos Cristas e falsos profetas (Mateus 24.24), e sua predisposição a segui-los ocasionou os transtornos e revolta s que apressaram a ruína que sofreram.
[4] Eles são aqui acusados de orgulho, altivez, e descrença, e de estarem sofrendo os efeitos de tudo isto, v. 44. Tendo reprovado severamente a descrença deles, como um sábio médico, o Senhor busca a causa, e coloca o machado à raiz. Eles, portanto, desprezaram e subestimaram a Cristo, porque admiraram e supervalorizaram a si próprios. Eis aqui:
Em primeiro lugar, a ambição que tinham pela glória terrena. Cristo a desprezava, v. 41. Eles concentraram seus corações nela: “Vós recebeis honra uns dos outros”. Isto é: “Procurais um messias em esplendor externo, para que assegureis, a vós mesmos, uma honra terrena através dele”. “Vós recebeis honra”:
1. “Desejais recebê-la, e a buscais em tudo o que fazeis.”
2. “Vós concedeis honra a outros, e os aclamais, apenas para que eles possam devolvê-la, e possam vos aclamar”. Nós pedimos e nós concedemos. O artifício do homem orgulhoso é prestar honra aos outros apenas para que ela possa repercutir sobre si mesmo.
3. “Sois muito diligentes em guardar todas as honras para vós mesmos, e restringi-las a vosso próprio grupo, como se tivésseis o monopólio daquilo que é honroso”.
4. “O respeito que vos é mostrado, acolheis como vosso, e não o transmitis a Deus, como Herodes”. Idolatrar os homens e seus sentimentos, e fingir ser idolatrado por eles e suas aclamações, são obras de idolatria tão diretamente contrárias à cristandade como qualquer outra.
Em segundo lugar, sua negligência da honra espiritual, chamada aqui de honra que vem apenas de Deus. Essa eles não buscavam, não se importavam. Note que:
1. A honra verdadeira é apenas aquela que vem de Deus, que é uma honra real e duradoura. São verdadeiramente honoráveis aqueles a quem o Senhor recebe em uma aliança e comunhão consigo.
2. Todos os santos têm essa honra. Todos os que creem em Cristo, através dele recebem a honra que vem de Deus. Ele não é parcial, mas concederá glória onde quer que conceda graça.
3. Essa honra que vem de Deus, nós devemos procurar, devemos tê-la em vista, e agir nesse sentido, não nos envolvendo com nada, exceto com ela (Romanos 2.29). Nós devemos considerá-la como sendo nossa recompensa, assim como os fariseus consideravam o louvor dos homens.
4. Aqueles que não quer em vir a Cristo, e aqueles que ambicionam as glórias terrenas, fazem parecer que não buscam a honra que vem de Deus, e isso é sua estupidez e ruína.
Em terceiro lugar, a influência que isso tinha sobre sua infidelidade. “Como podeis vós crer” naqueles que são influenciados desta maneira? Observe, neste ponto, que:
1. A dificuldade para acreditar surge de nós mesmos e de nossa própria perversão. Nós tornamos nosso trabalho difícil para nós mesmos, e então nos queixamos de que ele é impraticável.
2. A ambição e a artificialidade da glória mundana são um grande obstáculo para a fé em Cristo. Como podem crer aqueles que fazem do elogio e do aplauso dos homens seus ídolos? Quando a confissão e a prática da religiosidade séria estão em desuso, são criticadas em toda parte. Quando Cristo e seus seguidores são homens que causam espanto, e ser um cristão é como ser como uma ave de várias cores (e esta é uma circunstância comum), como poderão crer aqueles cujo ponto mais alto da ambição é mostrar uma boa aparência na carne?
3. A última testemunha aqui convocada é Moisés, v. 45ss. Os judeus nutriam uma grande veneração por Moisés, valorizavam se por serem os discípulos de Moisés, e fingiam seguir a Moisés, mesmo na sua oposição a Cristo. Mas Cristo, neste ponto, lhes mostra:
(1) Que Moisés era uma testemunha contra os judeus descrentes, e os denunciava ao Pai: “Há um que vos acusa, Moisés”. Isto pode ser entendido, ou:
[1] Como mostrando a diferença entre a lei e o Evangelho. Moisés, isto é, a lei, vos acusa, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. Ela vos condena, ela é, para aqueles que nela confiam, um ministério de morte e condenação. Mas nos acusar não é o propósito do Evangelho de Cristo: “Não cuideis que eu vos hei de acusar”. Cristo não veio ao mundo como alguém que tem a intenção de descobrir erros e promover discussões com todo mundo, ou como um espião das ações dos homens, ou um promotor em busca de crimes. Não, Ele veio para ser um advogado, não um acusador; para reconciliar Deus e o homem, e não para provocar mais divergências entre eles. Que tolos foram, então, aqueles que se apoiaram em Moisés contra Cristo, e queriam estar sob a lei! Gálatas 4.21. Ou:
[2) Como mostrando a manifesta irracionalidade de sua infidelidade: “Não cuideis que eu vos hei de acusar perante Deus e desafiar-vos a responder pelo que fazeis contra mim, como a inocência ferida normalmente o faz. Não, Eu não preciso disto. Vós já sois acusados, e julgados, no tribunal do céu. O próprio Moisés diz o suficiente para acusar-vos de incredulidade, e condenar-vos por ela”. Que eles não se enganem a respeito de Cristo. Embora Ele fosse um profeta, não se aproveitava de seu poder no céu contra aqueles que o perseguiam. Ele não intercedeu, como Elias, contra Israel (Romanos 6.2), nem como Jeremias, que desejava ver a vingança de Deus. O Senhor também não deixou que se enganassem no tocante a Moisés, como se o patriarca fosse ficar ao lado deles na rejeição a Cristo. “Não, há um que vos acusa, Moisés, em quem vós esperais”. Note que, em primeiro lugar, os privilégios e vantagens materiais são, geralmente, a vã segurança daqueles que rejeitam Cristo e sua graça. Os judeus confiavam em Moisés, e acreditavam que a aceitação de suas leis e rituais os salvaria. Em segundo lugar, aqueles que confiam em seus privilégios, e não se aperfeiçoam, descobrirão não só que sua confiança será frustrada, mas que esses mesmos privilégios testemunharão contra si mesmos.
(2) Que Moisés era uma testemunha de Cristo e de sua doutrina (vv. 46,47): “De mim escreveu ele”. Moisés expressou detalhadas profecias a respeito de Cristo, como a Semente da mulher, a Semente de Abraão, o Siló, o grande Profeta. As cerimônias da lei de Moisés eram símbolos daquele que estava para vir. Os judeus fizeram de Moisés o patrono de sua oposição a Cristo, mas Cristo aqui lhes mostra o erro grosseiro que estavam cometendo, pois Moisés estava muito longe de escrever contra Cristo. De fato, Moisés escreveu a respeito do Senhor Jesus Cristo, e a favor dele. Mas:
[1] Cristo, neste ponto, acusa os judeus de não acreditarem em Moisés. Ele tinha dito (v. 45) que eles confiavam em Moisés, e, ainda assim, aqui Ele se encarrega de comprovar que eles não acreditavam em Moisés. Eles confiavam em seu nome, mas não aceitavam sua doutrina em seu verdadeiro sentido e significado; eles não entendiam corretamente, nem davam crédito ao que estava registrado nas Escrituras de Moisés relativas ao Messias.
[2] O Senhor prova essa acusação através da incredulidade deles em relação a Moisés: “Se crêsseis em Moisés, creríeis em mim”. Note que, em primeiro lugar, o julgamento mais seguro da fé é feito através dos efeitos que ela produz. Diz-se que muitos acreditam naqueles cujas ações desmentem suas palavras, pois, se tivessem crido nas Escrituras, teriam feito o contrário do que fizeram.
Em segundo lugar, aqueles que creem corretamente em uma parte das Escrituras aceitarão todas as partes dela. As profecias do Antigo Testamento foram tão completamente cumpridas em Cristo, que aqueles que o rejeitaram negaram, efetivamente, suas profecias, e deixaram-nas de lado.
[3] A partir da descrença deles em relação a Moisés, o Senhor conclui que não era estranho que eles o rejeitassem: “Se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” Como se pode pensar que deveríeis? Em primeiro lugar: “Se não credes nas sagradas Escrituras, naquelas profecias que estão escritas de forma clara, que são o meio mais preciso de comunicação, como crereis nas minhas palavras, palavras que estão sendo menos consideradas?”
Em segundo lugar: “Se não credes em Moisés, por quem tendes tão profunda veneração, como é possível que creiais em mim, a quem olhais com tanto desprezo?” Veja Êxodo 6.12.
Em terceiro lugar: “Se não credes no que Moisés disse e escreveu a meu respeito, que é um testemunho forte e convincente a meu favor, como crereis em mim e em minha missão?” Se não admitirmos as premissas, como admiti remos a conclusão? A verdade sobre a religião cristã, sendo ela uma questão genuinamente de revelação divina, depende da autoridade divina das Escrituras. Se, portanto, não crermos na divina inspiração destes escritos, como poderemos aceitar a doutrina de Cristo?
Então, chega ao fim o argumento de Cristo quanto a si mesmo, em resposta ao testemunho exibido contra Ele. Que efeito ele produziu não sabemos; a impressão é que suas bocas foram emudecidas por um momento, e não poderiam prosseguir pela vergonha de terem perdido a causa. Ainda assim, seus corações continuaram endurecidos.
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