ESTÁ ENTEDIADO? O COMPUTADOR SABE!
Muitas vezes, a sensação combinada de desânimo e desinteresse está associada à dificuldade de se conectar com os estímulos externos e perceber as próprias necessidades; esse estado mental provoca estresse, dificulta a aprendizagem e, às vezes, nos leva a comer por compulsão. A novidade é que a tecnologia pode ser uma aliada para combater esse estado.
Não importa quantas coisas você tenha para fazer nem mesmo a diversidade de opções para se divertir. De repente, é como se tudo fosse muito sem graça. É um misto de preguiça e desânimo, como se o mundo todo se tornasse extremamente desinteressante. Segundo pesquisa desenvolvida por cientistas da Universidade de York e publicada no periódico científico Perspectives on Psychological Science, o tédio está associado à dificuldade de perceber os próprios estados mentais e se conectar com o que está ao nosso redor. A incapacidade de concentração provoca a sensação de desconforto e estresse. Um estudo publicado no periódico científico International Journal of Epidemiology relacionou o aumento do tédio ao risco de morte precoce. Para a psicologia, essa conclusão encontra respaldo na ideia de que uma vida entediante tem poucos apelos para que se mantenha um “investimento libidinal” e, caso esse sentimento persista, aos poucos a pessoa vai se desligando psiquicamente da própria vida, tornando-se mais vulnerável a doenças.
E quem já sentiu sabe: uma das manifestações do tédio de fato aparece no corpo. Os entediados dobram o pescoço para o lado, mostrando que não querem ouvir ou lidar com o que a outra pessoa está dizendo; colocam a mão no queixo, apoiando o cotovelo na mesa e durante uma conversa não olham diretamente para o interlocutor, mas parecem focalizar algo bem longe, fora do contexto. Gestos “não instrumentais”, como contrair os músculos, se coçar e mudar de posição, também costumam revelar esse estado mental. A novidade agora é que máquinas podem detectar sinais de inquietação. Um novo estudo mostra que, quando usuários de computadores se concentram em material na tela, sua agitação diminui. Algoritmos podem usar essa informação para discernir atenção em tempo real.
Para medir o envolvimento, o psicobiólogo Harry Witchel, da Faculdade de Medicina Brighton e Sussex, no Reino Unido, pediu a 27 voluntários que usassem marcadores equipados com rastreadores de movimentos para que a câmera de um computador pudesse acompanhá-los. Os participantes do experimento leram trechos digitais de um romance e também dos regulamentos da Autoridade Bancária Europeia. Com base em movimentos da cabeça, do tronco e das pernas, o computador detectou quando uma pessoa tinha se desligado mentalmente. A análise dos movimentos cumulativos revelou que, quando pessoas leram trechos do romance, elas se mexiam quase 50% menos do que quando liam as diretrizes bancárias.
O sistema, descrito em Frontiers in Psychology, se soma às pesquisas sobre “tecnologia afetivo-consciente”, diz Nadia Berthouze, cientista da computação da Universidade College de Londres. Witchel crê que uma futura versão do programa possa criar aulas digitais que percebam quando a atenção do aluno diminui e respondam com estratégias para “redespertar” seu interesse. O sistema ajudaria também a construir robôs emocionalmente mais sensíveis para humanos.
“Em nossa sociedade, o oposto do tédio é o espetáculo, e cada vez mais, se não houver alguém ou alguma coisa para nos distrair, nos entediamos”, afirma o antropólogo Peter Stromberg, autor de Caught in play: how entertainment works on you (Stanford, 2009, não publicado no Brasil). “Todos os que pretendem vender algo ‘estimulante’ têm grande interesse em que fiquemos aborrecidos e empregam recursos enormes para se assegurar de que isso ocorra no instante em que nos afastamos do mundo do entretenimento.”
O pensador francês de origem russa Vladimir Jankélévitch acredita que podemos definir o tédio como uma patologia do bem-estar, uma espécie de “desventura de ser feliz demais”. Tecnicamente falando, porém, o tédio nunca foi identificado como uma patologia, ainda que – associado a outros sinais – esteja entre sintoma de distúrbios mentais como depressão e esquizofrenia. “Nesses casos, o tédio assume características específicas, aparece junto com sensação prolongada de vazio e inutilidade, é contínuo e parece invencível até transformar-se em medo de imaginar o futuro e, em muitos casos, se acentua nas primeiras horas do dia”, afirma o psiquiatra francês Patrick Lemoine.
Embora pouco usados, existem testes como o Boredom Propensity Scale, desenvolvido pelos psicólogos Norman D. Sundberg, professor da Universidade de Oregon, e Richard F. Farmer, do Instituto Oregon Research, composto de 28 perguntas para avaliar a propensão para se entediar. Os psicólogos James Danckert e Ava-Ann Allman, da Universidade de Waterloo, em Ontário, utilizaram a ferramenta para demonstrar como a percepção do tempo tem papel decisivo na experiência subjetiva. Um grupo de 176 estudantes foi submetido ao teste e em seguida subdividido de acordo com os resultados. Depois foi solicitado que observassem um movimento ilusório – um ponto que aparecia e se movia em círculos – e avaliassem em quantos segundos o movimento se concluía.
Os participantes com altos níveis de inclinação ao tédio tendiam a superestimar a duração, enquanto aqueles com pontuação baixa a subestimavam. Ou seja: os entediados crônicos perceberiam a passagem do tempo de forma mais lenta e por isso teriam dificuldade de manter a atenção em algum objeto específico, já que essa atividade seria mais “longa” para eles. Outro estudo desenvolvido na Universidade de Michigan mostrou que o tédio causa alterações no funcionamento do cérebro. Cientistas pediram a voluntários entediados que identificassem letras numa tela durante uma hora inteira, enquanto permaneciam conectados a um equipamento de ressonância magnética que media suas reações neurológicas. Os exames mostraram que, nos momentos em que a sensação de tédio se acentuava, as áreas neurais associadas à visão, à linguagem e ao autocontrole se desconectavam umas das outras, e desempenhar qualquer atividade se tornava bastante penoso. Esse funcionamento explica, por exemplo, por que quando estamos entediados temos dificuldade de assimilar informações (pense em como é difícil aprender qualquer coisa numa aula chata) e comemos mesmo sem fome, como se nos “desligássemos” da sensação prazerosa de comer ou mesmo da necessidade de nos nutrir. Não por acaso, quando estamos entediados em casa, abrimos várias vezes a geladeira e nos contentamos em comer coisas nem sempre muito saborosas ou que nos fazem bem.
UM ABORRECIMENTO ANTIGO
Para a filosofia, o conceito de tédio surgiu no início da Idade Moderna. O primeiro a mencioná-lo foi o francês Blaise Pascal, que atribuiu à ideia uma acepção religiosa, relacionada ao sentimento de desespero do homem ligado ao pecado original. “A referência era uma angústia que somente a busca de Deus poderia combater”, explica o professor de filosofia Roberto Garaventa, da Universidade de Chieti, estudioso do tema. A palavra “tédio” deriva do latim taedium (desgosto, aborrecimento, enfado), desdobramento da expressão in odio habere – ter ódio, detestar. Outros pensadores também dedicaram atenção ao tédio, como o italiano Giacomo Leopardi (1798-1837), que o via “como o desejo de felicidade deixado em estado puro, sem ter em vista um projeto”; o dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855) e Schopenhauer, para os quais a vida oscilava entre a dor e o tédio, sendo este a demonstração da inutilidade da existência humana: se nossa existência tivesse valor efetivo, seria suficiente para nos satisfazer – e o aborrecimento profundo sem causa clara não existiria. Mas o filósofo que mais se dedicou ao tédio foi Martin Heidegger (1889-1976). Ele escreveu mais de 100 páginas sobre o tema, embora fale, mais especificamente, sobre angústia (Angst), um estado caracterizado pelo medo que prenuncia a visão trágica do existencialismo. “Em suas aulas, ele descrevia o tédio que coloca o homem diante da perda do sentido da existência. Há, no entanto, outros tipos de tédio: o da espera de algo que deve ocorrer e se resolve com o evento esperado e o que nasce da repetição da existência, definido como bovarismo, em alusão à protagonista do romance de Gustave Flaubert Madame Bovary”, lembra Garaventa.
QUANDO A VIDA PARECE SEM GRAÇA
*Escala de Propensão do Tédio (BPS), desenvolvida pelos psicólogos Norman D. Sundberg e Richard F. Farmer, mede a tendência de uma pessoa a se tornar entediada, o que – dependendo de outras características de personalidade – pode revelar inclinação à depressão ou busca de comportamentos que provoquem emoção. As afirmações são pontuadas de 1 a 7, com 1 para “discordo totalmente” e 7 para “concordo completamente”. Quanto mais alta a contagem final, maior a suscetibilidade ao tédio
- Tenho facilidade para me concentrar no que estou fazendo.
- Quando trabalho, me pego sempre pensando em outros problemas.
- Parece-me que o tempo passa sempre muito devagar.
- Muitas vezes me sinto perdido, sem saber o que fazer.
- Muitas vezes me vejo enredado em situações nas quais devo fazer coisas sem sentido.
- Assistir a filmes na casa de amigos é um tédio mortal.
- Nunca me faltam projetos, coisas para fazer.
- Não tenho problemas em me divertir sozinho.
- Muitas das coisas que devo fazer são monótonas e repetitivas.
- Em comparação com a maioria das pessoas, preciso de mais estímulos para “funcionar” adequadamente.
- Acho a maioria das coisas que faço excitante.
- Meu trabalho raramente é fonte de entusiasmo.
- Em qualquer situação, consigo encontrar algo interessante para ver ou para fazer.
- Penso muitas vezes em ficar sentado sem fazer nada.
- Sou capaz de esperar pacientemente.
- Tenho, em geral, tempo disponível e nada para fazer.
- Fico impaciente quando sou obrigado a esperar, por exemplo, numa fila.
- Muitas vezes acordo com uma nova ideia na cabeça.
- Para mim seria muito difícil encontrar um trabalho suficientemente estimulante.
- Gostaria de enfrentar mais desafios em minha vida.
- Na maior parte do tempo, tenho a sensação de trabalhar abaixo de minhas capacidades.
- Muitas pessoas me definiriam como uma pessoa criativa e dotada de imaginação.
- Tenho tantos interesses e falta tempo de ir atrás de todos.
- Entre os meus amigos, sou o mais persistente.
- Se não estou empenhado em uma atividade excitante ou perigosa, parece que vou morrer de tédio.
- Novidades e mudanças são indispensáveis para me deixar realmente feliz.
- Tenho a impressão de que na televisão e no cinema vejo sempre as mesmas coisas, assuntos velhos.
- Quando era mais jovem, me via muitas vezes em situações monótonas.
* O resultado não tem caráter diagnóstico.
Você precisa fazer login para comentar.