PSICOPATIA, CONDUTOPATIA E OUTROS SINÔNIMOS
Independentemente da nomenclatura que se dê, são indivíduos, muitas vezes, bastante perigosos à sociedade, principalmente quando investidos de poder.
Recordemos a lei pétrea: natura non facit saltus (a natureza não dá saltos). A noite se transforma em dia por meio da aurora, o fruto amadurece aos poucos, assim como entre a doença mental e a normalidade mental há a zona habitada por indivíduos que não são loucos nem normais.
Desde a mais remota Antiguidade esses seres despertaram a curiosidade das pessoas. Alguns eram tidos como bruxos, homens ruins, que faziam pacto com o diabo- lembrando que loucura era possessão demoníaca (mentecapto: mente captada pelo diabo; epiléptico: epi, acima, lepsis, abater; epilepsia, o diabo abate por cima).
Depois que se descobriu que loucura não era possessão demoníaca, esses semiloucos passaram a ser estudados em pormenor e receberam diferentes nomes. O primeiro que os descreveu foi Philippe Pinel, em 1801, cunhando a expressão mania sem delírio. Depois veio Henry Pritchard, em 1835, com a sua moral insanity (loucura moral). A seguir, surgiram outros nomes para caracterizar esses fronteiriços, com destaque para Júlio de Mattos, loucura lúcida, em 1888. E também registrem-se estoutros: anestesiados do senso moral (Gilbert Ballet), semiloucos (Trelat), desequilíbrios insaciáveis (Bonhomme), ainda no século XIX. Na virada para o século XX, aparece pela primeira vez na história a palavra personalidade psicopática, cunhada por Emil Kraepelin, em seu Tratado de Psiquiatria, 5ª edição. Mas o vocábulo somente tomaria grande impulso e divulgação a partir de 1923, com Kurt Schneider, no livro Personalidades Psicopáticas (os famosos psicopatas), perdurando praticamente até hoje. Porém, vieram vários outros sinônimos: sociopatas, antissociais, portadores de transtorno de personalidade, personalidades dissociais etc.
Para nós, em vez desses termos históricos e atuais, o mais adequado é condutopatia (1985), pois a patheia (moléstia, deformidade, infortúnio) está no comportamento, na conduta que se revela anormal.
Em outras palavras, como concebemos, condutopatas são indivíduos que não têm deficiência de inteligência, não alucinam, não deliram (como na loucura), mas apresentam conduta alterada por comprometimento da afetividade (que está voltada para si mesmos, lhes conferindo caráter egoísta), da intenção-volição (que faz com que seus atos sejam desequilibrados) e da crítica (a qual, inexistente, não lhes confere os freios morais e éticos necessários para coibir a ação). Condutopatas, psicopatas, sociopatas, portadores de transtorno de personalidade, fronteiriços, dê-se o nome que se queira dar, muitas vezes são bastante perigosos à sociedade, principalmente quando investidos de poder. Conhecem-se chefes de quadrilha, políticos, líderes que muito bem se encaixam nessa zona entre o normal e o patológico e são de extrema periculosidade.
E mesmo aqueles solitários, que agem sozinhos. apresentam grande temibilidade social. São como os morcegos: têm asas, voam e não são pássaros; têm pelos e não são animais pilíferos. Assustam os humanos e surpreendem quando dão rasante perto de suas cabeças.
GUIDO ARTURO PALOMBA – é psiquiatra forense e membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo.
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