RESILIÊNCIA: ENTRE A EXPECTATIVA E A REALIDADE
Momentos difíceis, por piores que sejam, podem ser encarados por meio de inúmeras reações e maneiras de enfrentamento, com o objetivo de retomar o autodesenvolvimento a partir de novos aprendizados.
Ao longo da vida, muitas pessoas passam por situações que são consideradas adversas, como perda de entes queridos, adoecimentos, conflitos com pessoas que amamos, desemprego ou até a violência, seja ela psicológica ou física. Quando observamos os indivíduos nos momentos difíceis de suas vidas, é possível perceber que as reações e formas de enfrentamento são diversas, pois há os que conseguem retomar o autodesenvolvimento, a partir de novos aprendizados, e aqueles que não conseguem seguir adiante sem arrastar as correntes que os mantêm presos aos fantasmas de um passado que só traz dor e pesar. Esse mecanismo de enfrentamento das adversidades é o que se chama de resiliência.
A resiliência é um termo originado da Física e da Engenharia, que se refere à capacidade que um corpo apresenta de retornar à sua forma original após ter sido submetido a uma deformação elástica. Quando a Psicologia passou a empregar esse termo, ela o adaptou dizendo que a resiliência é a capacidade de uma pessoa desenvolver-se a partir da ressignificação de uma adversidade, ou seja, ela não voltaria ao estado original, mas minimizaria os danos causados pelo fato traumático.
Esse termo, ao ser interpretado e julgado pelo senso comum, passa a significar que se a pessoa não esquecer completamente os fatos ruins que aconteceram em sua vida, e passar a viver como se tudo fosse apenas aprendizado e a extrair somente as coisas positivas daquela experiência, ela não é resiliente e, provavelmente, está sofrendo porque não está se esforçando o suficiente para melhorar sua vida. Quem nunca ouviu esse tipo de cobrança? Todos, obviamente.
EXPERIÊNCIA PESSOAL
Aos 19 anos eu fui vítima de violência urbana, fui baleada durante um assalto, e esse fato me trouxe sequelas físicas, emocionais e psicológicas que viraram meu mundo de cabeça para baixo. Eu não sabia lidar com nenhuma daquelas emoções e sentimentos intensos que experimentava, tampouco conseguia organizar minhas ideias. Então, no auge do desespero, busquei o apoio das pessoas do meu convívio, tentando conversar com elas para dividir um pouco aquele peso que eu carregava, na esperança de que alguém me dissesse o que fazer com aquilo tudo. Sabia que ninguém resolveria os meus conflitos internos, queria apenas perceber empatia em quem me ouvia, saber que me entendiam, mas isso não aconteceu. Todas as vezes em que tentava contar o que ia dentro de mim, eu escutava que deveria esquecer tudo aquilo, que tinha que ser forte e não deveria me deixar abater, afinal tudo já havia passado e que agora era “bola pra frente”. Disseram-me também que ficar falando naquele assunto ou lembrando não ia me ajudar, pois o importante era que eu estava viva e que eu deveria agradecer a Deus e parar de me lamentar, já que muitas pessoas não tinham a mesma sorte que eu.
Aqueles conselhos, vindos de tantas pessoas, me fizeram questionar se eu não estava dando importância demais para um fato tão banal, pois, como parecia que só eu estava sofrendo com aquilo, realmente poderia ser besteira. Afinal, não tinha acontecido nada demais, eu só tinha levado um tiro em um assalto e ficado com sequelas. Isso acontece com milhares de pessoas por aí e o tempo todo, então, deve ser normal.
Eu me esforcei para pensar assim e seguir os conselhos que me eram dados, mas percebi que pensar dessa maneira era muito fácil na teoria, mas, na prática, superar e agir como se tudo fosse muito normal e estivesse tudo bem não eram nada fácil.
Mesmo concluindo isso, a exigência de estar sempre bem ainda me perseguia. Eu me esforçava para mostrar ao mundo que havia superado tudo e sempre que tocavam no assunto eu até fazia piadas. Isso era o que esperavam de mim, já que além de forte eu era estudante de Psicologia e, por isso, não tinha o direito de me deprimir ou de sentir raiva, pois que tipo de psicóloga eu seria se não superasse tudo com maestria?
SIGNIFICADO DE SUPERAÇÃO
Na frente das pessoas, eu tentava corresponder a todas as expectativas, mas quando eu estava só comigo mesma percebia que a realidade não era igual. Mesmo assim, mentia para mim e escondia toda a minha dor, toda a minha confusão emocional, já que era menos difícil quando não tinha que olhar para elas. Afinal, como me diziam, eu era forte e isso significava que não podia lembrar ou me lamentar. Passei longos anos da minha vida agindo como queriam que eu fizesse, mas isso não funcionou, e a cada dia que passava eu estava mais mergulhada no inferno que habitava dentro de mim. E sem perceber passei apenas a existir, pois eu não vivia mais.
Até que um dia, no auge da solidão e do desespero de um caminhar sem rumo, eu olhei para mim, apática como um robô, e me perguntei o que eu estava fazendo comigo. Por que eu criticava tanto as pessoas que não me ajudavam se estava agindo como elas? Perguntei me o que eu estava fazendo para me ajudar e estarrecida percebi que não estava fazendo nada.
Aquele diálogo comigo mesma, de alguma forma, me ajudou a despertar. Então, a partir dali, eu prometi que não me abandonaria mais e que de algum jeito tudo ficaria bem novamente.
O primeiro e mais importante passo foi admitir que eu não estava bem, que precisava de ajuda profissional e que a minha dor não era banal como os otimistas de plantão sempre me fizeram acreditar. Então, comecei a fazer terapia e a me consultar com um psiquiatra. Claro que ouvi de muitas pessoas que eu não devia tomar o remédio que me foi prescrito, pois era para gente louca e eu não era assim. No início eu não contei para ninguém que estava fazendo o tratamento, pois sabia que as pessoas diriam que eu não era resiliente, e eu não queria perder essa imagem perante todos. Mas, com o passar do tempo, passei a não me importar com a opinião alheia. O processo de terapia foi muito importante, mas foi durante as formações de coaching que eu pude ressignificar o impacto que aquelas adversidades tiveram sobre mim, talvez porque naquele momento eu realmente estivesse disposta a olhar para dentro e encarar tudo o que eu estava escondendo. Além disso, durante a formação havia diversas pessoas passando por processos de autodescoberta e ressignificação, e ali tudo o que eu sentia não era banal. Talvez isso tenha me encorajado a me abrir. Durante aquele curso, quando a opinião dos outros sobre a minha saúde emocional e psicológica passou a não ter tanta importância, comecei a pensar em como havia me negligenciado para me sentir “normal” e, consequentemente, a me perguntar: Quem determinou que eu não posso ter raiva depois de ser baleada em um assalto? Quem disse que eu não posso ter medo ao sair na rua? Por que chorar é sinal de fraqueza? Por que as pessoas sempre dizem frases prontas de um otimismo que talvez nem elas sintam, como “veja o lado positivo”, “não fica assim” ou “pare de chorar e esqueça isso”? Por que não posso chorar até não ter mais vontade? Ou, ainda, quem determinou que só é resiliente aquele que não se deixa abater? Afinal, nunca li uma definição de resiliência que dissesse tratar -se de um rótulo para pessoas com capacidade de esquecimento e de embotamento afetivo.
Então, tomei uma decisão importante. Decidi aceitar que eu não estava bem, que as feridas causadas naquele episódio da minha vida ainda sangravam e que, por isso, eu poderia chorar o quanto quisesse, poderia sentir raiva, querer ficar sozinha por alguns instantes e me poupar de pessoas que, mesmo sem saber ou ter a intenção, banalizavam o meu sofrimento com o seu discurso. Tal como um mochileiro, que após uma longa caminhada precisa tirar a mochila das costas e descansar um pouco para depois ter energia para prosseguir, eu passei a fazer igual, e funcionou para mim.
Quando eu finalmente aceitei minhas limitações e tive a coragem de sentar lado a lado com meus fantasmas, olhar para eles para conhecê-los melhor e entender que fazem parte de mim e da minha história, uma vez que somos seres completos formados por luzes e sombras, eu me permiti aprender com todas as adversidades e me desenvolvi a partir delas. Depois do lançamento do meu livro, O Grito que Ninguém Ouviu, onde conto sobre a minha história com riqueza de detalhes, muitas pessoas me perguntam se eu superei tudo o que aconteceu comigo, e a minha resposta é que depende do que ela entende por superação. Se superação significar ter esquecido completamente, não sentir mais nada sobre esse episódio e viver como se nada tivesse acontecido, eu afirmo que não superei. Mas, se para você superação tiver o mesmo significado que tem para mim, que é se permitir sentir raiva ou tristeza e lembrar os fatos que causaram dor quando achar necessário, mas continuar aprendendo e vivendo sem deixar que os fantasmas a impeçam de crescer e seguir em frente, sim, eu superei.
COACHING
O termo coaching indica uma atividade de formação pessoal em que um instrutor (coach) ajuda o seu cliente (coachee) a evoluir em alguma área da sua vida. Pode ser definido com uma soma de recursos que usa técnicas, ferramentas e conhecimentos de inúmeras áreas, como administração, gestão de pessoas, Psicologia, Neurociência, recursos humanos, planejamento estratégico, objetivando a conquista de resultados efetivos dentro de qualquer contexto profissional ou pessoal.
PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA PSICÓLOGA
Algumas pessoas iniciam o curso de Psicologia acreditando que com isso estarão imunes a problemas psicológicos e que conseguirão passar ilesos pelas peças que a vida nos prega de vez em quando. Embora eu nunca tivesse essa expectativa, tudo o que vivi me faz acreditar que essa crença é uma ilusão.
Ser estudante de Psicologia e estudar muito não me livraram de um transtorno de estresse pós-traumático, e ser psicóloga não anulou meu sofrimento psíquico, pois o ser humano não é lógico, tão pouco previsível. Somos tão complexos que em muitos momentos somos incapazes de nos erguer sozinhos, e reconhecer que nossa condição humana implica na não existência da autossuficiência nos permite buscar ajuda.
Ser psicóloga não acelerou meu processo de ressignificação. No entanto, toda a minha história, principalmente os momentos que mais me fragilizaram, com certeza contribuiu com o meu constante desenvolvimento e crescimento profissional, pois acredito que a experiência de vida nos capacita muito mais do que a teoria.
AMANDA OLIVEIRA – é psicóloga, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas pelo Mackenzie e extensão em Práticas Psicoeducativas em Instituições e Comunidades pela PUC COGEAE. Master coach formada pelo Instituto Brasileiro de Coaching, possui certificações Internacionais ECA (European Coaching Association). GCC (Global Coaching Community) e 10 (International Association of Coaching lnstitute. Autora do livro O Grito que Ninguém Ouviu (Editora Novo Século), e coautora dos livros Coaching nas Empresas – Estratégias de Coaching para o Ambiente Corporativo e Porque Sou Coach? (ambos da Editora IBC).
Você precisa fazer login para comentar.