EM BUSCA DO LÍDER PERFEITO
Desenvolver a próxima geração de executivos é a prioridade para dois terços dos presidentes de empresa. Conheça o que faz um bom chefe hoje em dia e saiba como formá-lo.
Nem a crise econômica nem o aumento da concorrência, muito menos a incerteza política global. A maior preocupação dos presidentes de empresa em 2018 é desenvolver a próxima geração de líderes executivos. Esse item ocupa o topo de uma lista com 28 desafios apresentados a 1.000 CEOs de todo o mundo pelos consultores da DDI, especializada em negócios, ao realizar a pesquisa Global Leadership Forecast. Nada novo, já que preparar a liderança tem se mantido como um tema prioritário para os empresários nas últimas décadas – e deverá continuar pelos próximos dez anos. O que muda é o tipo de chefe desejado.
Até alguns anos atrás, a capacidade de exercer influência no comportamento ou no modo de pensar de alguém era tida como inata e não necessariamente estava associada a um cargo de gestão. Mais tarde, descobriu-se que essa habilidade poderia ser ensinada. De lá para cá, brotaram as receitas “definitivas” para se tornar um bom líder – desde a exigência de um MBA até ser inspirador. A cada semana publicam-se livros adicionando novas palavras à já extensa lista de características necessárias para quem está no comando. “Agora, por exemplo, não basta inspirar. É preciso influenciar”, diz Emerson Dias, professor de liderança na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e autor do livro O Inédito Viável (Editora D’Livros). Tem gente até usando palavras como “antifrágil”.
Verdade é que nunca foi tão complexo dirigir uma equipe e um negócio. Antigamente, a estrutura corporativa era hierárquica, as avaliações de desempenho ocorriam esporadicamente e a carreira era linear. Atualmente, a organização é matricial, levando funcionários a interagir com pessoas de áreas, funções, negócios e localidades diferentes; a avaliação de desempenho acontece no modo “quanto mais, melhor”; e a carreira é fluida, podendo o profissional ser movido vertical ou lateralmente, de forma linear ou saltando etapas. “Além de todas as mudanças que já ocorreram, o líder deve se preparar para o que vai acontecer, pois os ciclos são cada vez mais curtos”, diz Daniel Motta, presidente da consultoria de gestão BMI.
Nesse ambiente em que a instabilidade é o novo normal, exige-se cada vez mais dos dirigentes de negócios. “Os executivos estão se perguntando como liderar num mundo como esse”, diz Dominique Turpin, professor na escola de liderança IMD, na Suíça. Em contraponto ao acrónimo Vuca (sigla para as palavras volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, em inglês), que traduz tão bem o momento atual, surge outro, cunhado por professores do IMD, para resumir as características necessárias a um bom capitão: Rock, que quer dizer “respeito, abertura, coerência e conhecimento”.
Outras pesquisas apontam que o gestor deve ser cuidadoso, estar próximo às pessoas e pensar (e agir) como um esportista de alto desempenho. Um dos treinamentos mais encomendados por profissionais de recursos humanos no ano passado na Affero Lab, especializada em desenvolvimento profissional, foi o de coragem. “Nele, é ensinado uma mistura de tomada de decisão com entendimento de vulnerabilidade e mudanças”, diz Daniela Leonardi Libâneo, gerente de solução de aprendizado.
Um estudo da consultoria americana Gartner (antiga CEB) indica que um líder integrador – aquele que dá feedback preciso, que conecta o funcionário a outras áreas e cria um ambiente propício para o desenvolvimento – aumenta a produtividade da equipe em 26%.
VIVÊNCIAS PERSONALIZADAS
Fora a dificuldade de estabelecer as características ideais para um líder, está a de ensinar tais habilidades. O estudo da Gartner revela que, apesar da queda ele 3% na verba para treinamento e desenvolvimento nos últimos anos, o investimento na formação de gestores aumentou 11%. Engana-se quem acha que ele segue o modelo tradicional de ensino. “O desenvolvimento está deixando de ser padronizado para se tornar personalizado, focando o indivíduo e seu autoconhecimento”, diz a especialista em imagem pessoal Ilana Berenholc, dona da consultoria que leva seu nome.
Na farmacêutica Roche, a forma de ensinar a liderança passa longe da sala de aula. Criado no ano passado, o Roche Experience inclui trilhas customizadas e vivências especialmente pensadas para quem está à frente da equipe. O programa já levou os gestores a uma visita guiada à Sala São Paulo para conversar com os músicos sobre disciplina e trabalho em equipe e também os convidou a assistir a uma banda de jazz a fim de falar sobre liderança compartilhada e improviso. As excursões eram opcionais, mas tiveram 81% de participação. Depois, os executivos voltavam à companhia para discutir sobre o que tinham aprendido com outros funcionários e estudar qual seria a aplicação daquilo. “Falamos em coragem para tomar decisões, compartilhamento de poder e confiança na equipe”, diz Denise Horato, diretora de RH da Roche Farma. Inspirada em uma dessas vivências, uma líder lançou urna plataforma para que os empregados divulguem seus talentos e possam se conectar de outra forma à corporação e aos colegas. “Esse é um exemplo de como a mentalidade colaborativa está sendo aplicada em todas as instâncias”, afirma Denise.
A indústria química Dow foi outra que buscou um jeito diferente para formar o corpo diretivo: criou o Food for Talk, um almoço para os gestores compartilharem experiências e dúvidas. “Procuramos conectar os gestores entre si, para que todos trabalhem de forma conjunta”, diz Cesar Abramides, gerente de recursos humanos na companhia. Embora faltem resultados quantitativos, o programa aponta melhorias internas. “Perceber que há outras pessoas na mesma situação deixa os executivos mais abertos, empáticos e humildes, o que faz deles líderes melhores.” Espírito de colaboração e empatia, segundo a consultora Ilana Berenholc, são habilidades essenciais para inspirar os mais jovens. “Uma das coisas mais importantes para a geração millennial é ter a sensação de pertencimento e ser ouvido”, afirma Ilana.
SOBRE-HUMANOS
Com esses novos papéis, talvez a capacidade mais importante de um gestor seja “aprender a desaprender”, como diz Anderson Silva, diretor de gente e da corretora de seguros da Rodobens, empresa que vende de serviços financeiros a carros e caminhões. “Mostramos à liderança que o que nos trouxe até aqui não serve para nos levar adiante.” Para ajudar os profissionais nesse caminho, a empresa fechou em 2016 uma parceria com a Startse para se aproximar de startups de diversos setores. Uma vez por mês, os líderes trabalham nelas como mentores. “Ninguém entende melhor de adaptação cio que os empreendedores”, afirma Silva. Mais de 30 executivos já participaram e um dos produtos da ação foi a criação do Inova, um canal para funcionários sugerirem melhorias. Mas o melhor resultado, para o gestor de RH, tem sido a mudança de mentalidade. “Começamos a falar de tolerância ao erro e aceleração de projetos. Então, criam os um piloto para trabalho de equipes multifuncionais”, afirma.
Com um mantra de que o gestor é coach, mentor e o maior responsável pela própria carreira, os treinamentos para a liderança também falam da necessidade de formar sucessores. A tática tem funcionado: nos últimos três anos, o número de posições de chefia ocupadas internamente subiu de 60% para 84%.
O fato é que a natureza da liderança está evoluindo. Passou da autoridade para a confiança, da hierarquia para o networking, da tomada de decisão para a inspiração e do poder para a autoconsciência. “Para liderar em um cenário como o nosso, estar no topo não significa mais ter mão de ferro”, afirma Dominique Turpin, do IMD. O líder, afinal, precisa ser quase um super-herói: ter visão além do alcance, estar preparado para tudo e ter paciência e empatia acima dos níveis humanos tradicionais. Não vai ser nada fácil para o gestor de recursos humanos formar esse pessoal.
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