MATEUS 27: 33-49 – PARTE II
A Crucificação
III – Temos aqui o olhar de censura e reprovação do céu, sob o qual estava o nosso Senhor Jesus em meio a todos esses insultos e indignidades dos homens. Com relação a esse, observe:
1. Como isso foi expresso por um extraordinário eclipse do sol, que se estendeu por três horas (v. 45). Houve trevas sobre toda a terra; assim entende a maioria dos intérpretes, embora haja uma tradução que o limite àquela terra. Alguns povos da Antiguidade recorrem aos anais nacionais relativos a esse eclipse extraordinário na hora da morte de Cristo, como algo bem conhecido e que serviu de aviso àquelas partes do mundo sobre algo extraordinário que estava ocorrendo; como aconteceu com o sol ao retroceder na época de Ezequias. Dizem que Dionísio, em Heliópolis, no Egito, observou essa escuridão e disse – Ou o Deus da natureza está sofrendo, ou a máquina do mundo está se despedaçando. Uma luz extraordinária deu a conhecer o nascimento de Cristo (cap. 2.2), e por isso era adequado que uma escuridão extraordinária avisasse sobre a sua morte, pois Ele é a Luz do mundo. As afrontas cometidas contra o nosso Senhor Jesus deixaram os céus atônitos e terrivelmente abalados, e alguns pensam que houve ali alguma confusão; o sol nunca tinha visto tamanha maldade como essa, e se retirou para não vê-la. Essa escuridão surpreendente e assombrosa foi planejada para fechar a boca daqueles blasfemos que estavam insultando a Cristo enquanto Ele estava pendurado na cruz; e devia parecer que, naquele momento, lançou sobre eles tamanho medo que, embora seus corações não fossem mudados, ainda assim eles se calaram e ficaram em dúvida sobre o que aquilo poderia significar, até que três horas depois as trevas se dissiparam e então (como entendemos pelo v. 47), como o Faraó quando a praga se extinguiu, novamente endureceram os seus corações. Mas o que era realmente pretendido nessa escuridão:
(1) O presente conflito de Cristo com as potestades das trevas. Então, o príncipe deste mundo e suas forças, os senhores das trevas deste mundo, seriam expulsos, destruídos e derrotados; e para tornar a vitória de Cristo ainda mais gloriosa, Ele os combate no próprio território deles. O Senhor lhes dá todas as vantagens que poderiam ter contra Ele através dessa escuridão, permite que tomem o vento e o sol, e mesmo assim os confunde e se torna mais que vencedor.
(2) Sua presente necessidade de consolos celestiais. Essa escuridão representava aquela nuvem escura sob a qual estava agora a alma humana de nosso Senhor Jesus. Deus faz o seu sol brilhar sobre o justo e o injusto; mas até mesmo a luz do sol foi negada ao nosso Salvador quando Ele se fez pecado por nós. É agradável para os olhos contemplar o sol; mas, como agora a sua alma estava extremamente triste, e o cálice do divino desagrado fora enchido para Ele sem qualquer mistura, até a luz do sol fora afastada. Quando a terra lhe negou um gole de água fresca, o céu lhe negou um raio de luz; tendo que nos libertar das trevas absolutas, Ele próprio, na profundidade de seus sofrimentos, caminha nas trevas e não tem luz (Isaias 50.10). Durante as três horas pelas quais essa escuridão se estendeu, não se diz que Ele tenha pronunciado qualquer palavra; mas passado esse período, em um silencioso isolamento em sua própria alma, que estava agora em agonia, Jesus lutou com as potestades das trevas e absorveu as sensações da desaprovação de seu Pai, não contra Ele próprio, mas contra o pecado do homem, pelo qual Ele fazia, agora, de sua alma, uma oferta. Nunca houve um período de três horas assim, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Nunca houve um cenário tão sombrio e terrível; a crise da importante questão da redenção e da salvação do homem.
2. Como ele se queixou disso (v. 46). Por volta da hora nona, quando começou a clarear, após um longo e silencioso conflito, Jesus gritou: “Eli, Eli, lemá sabactâni”? As palavras estão relatadas na língua aramaica, na qual foram pronunciadas, porque são dignas de atenção redobrada e visam o significado perverso que os seus inimigos colocaram sobre elas, ao substituírem Eli por Elias. Nesse momento, observe aqui:
(1) De onde o Senhor Jesus tomou as suas palavras de dor: do Salmo 22.1. Não é provável (como pensaram alguns) que Ele tenha repetido o salmo inteiro; mesmo assim, o Senhor Jesus aqui insinuou que o Salmo inteiro se aplicava a Ele, e que Davi, em espírito, falava ali da sua humilhação e exaltação. Parece que o Senhor também buscou, nos Salmos, a frase: “Em tuas mãos entrego o meu espírito”, embora Ele pudesse ter se expressado em suas próprias palavras. Assim, Ele nos ensina como a Palavra de Deus é útil para nos direcionar em oração, e para nos recomendar o uso de expressões das Escrituras em nossas orações, o que nos ajudará em nossas fraquezas.
(2) Como o Senhor exprimiu isso em voz alta; o que evidencia a sua dor e angústia extremas, a força da natureza remanescente nele e a grande dedicação de seu espírito nessa prova. Agora as Escrituras estavam cumpridas (Joel 3.15,16). “O sol e a lua se escurecerão. E o Senhor bramará de Sião, e dará a sua voz de Jerusalém”. Davi frequentemente fala de clamar em voz alta em oração (Salmos 55.17).
(3) Qual foi a queixa. “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Uma estranha queixa, vinda dos lábios de nosso Senhor Jesus, que, temos certeza, era o Eleito de Deus, em quem a sua alma se comprazia (Isaias 42.1), e aquele de quem Ele sempre se agradava. O Pai, como sempre, o amava. E, além disso, Jesus sabia que havia uma razão pela qual o Pai o amava, porque Ele sacrificou a sua vida pelas ovelhas. E o que dizer desse momento em que Jesus se sentia abandonado por Deus Pai em meio aos seus sofrimentos! Certamente, a tristeza nunca foi como essa, que arrancou uma queixa desse tipo daquele que, sendo perfeitamente livre do pecado, nunca poderia ser um terror para si mesmo; mas o coração conhece a sua própria amargura. Não é de admirar que uma queixa como essa fizesse a terra tremer e as pedras se fenderem; pois ela bastaria para fazer com que as duas orelhas de todos aqueles que a ouvissem estremecessem, e deve-se falar dela com grande reverência. Considere:
[1] Que o nosso Senhor Jesus foi, em seus sofrimentos, por algum tempo, abandonado por Deus Pai. Ele mesmo disse isso, e temos a certeza de que falava de sua própria condição. Não que a união entre as naturezas divina e humana estivesse enfraquecida ou abalada, o mínimo que fosse. Não, mas Ele estava, agora, pelo Espírito eterno, oferecendo a si mesmo: não como se houvesse qualquer redução do amor de seu Pai por Ele, ou do seu amor por seu Pai. Temos a certeza de que não havia em sua mente qualquer repugnância a Deus Pai ou qualquer falta de esperança de seu auxílio, nem qualquer tormento do inferno. Mas seu Pai o abandonou; ou seja, em primeiro lugar, Ele o entregou nas mãos de seus inimigos e não veio livrá-lo das mãos deles. O Pai permitiu que as forças das trevas lutassem contra o Senhor Jesus, e que fizessem o pior que podiam, algo pior do que aquilo que fizeram contra Jó. Aqui foi cumprida essa Escritura (Jó 16.11): “Deus me entregou nas mãos dos perversos”. Nenhum anjo é enviado do céu para libertá-lo, e nenhum amigo se levanta por Ele. Em segundo lugar, Deus Pai retirou de Jesus o sentimento confortador da alegria que sentia em relação a Ele. Quando a sua alma ficou perturbada pela primeira vez, Ele teve uma voz do céu para consolá-lo (João 12.27,28); quando estava em agonia no jardim, ali apareceu um anjo do céu fortalecendo-o; mas agora o Senhor Jesus não tinha nem um nem outro. Deus Pai escondeu a sua face dele, e por um momento retirou a sua vara e o seu cajado em meio ao vale da sombra da morte. Deus o abandonou, não como abandonou a Saul, deixando-o em um desespero interminável, mas da mesma maneira como às vezes abandonou a Davi, entregando-o a um desânimo ocasional. Em terceiro lugar, Deus Pai permitiu que a alma do Senhor Jesus sentisse a aflição de sua ira contra o homem por causa do pecado. Cristo foi feito pecado por nós, uma Maldição por nós; e, por essa razão, embora Deus o amasse como Filho, Ele o olhou com um semblante sério, como um Fiador. O Senhor Jesus aceitou esses sentimentos de bom grado, e abriu mão de resistir a eles – algo que Ele poderia ter feito. Mas Ele suportou essa parte de sua tarefa, assim como havia feito com todas as outras, mesmo tendo o poder de evitá-la.
[2] Que o abandono de Cristo por seu Pai era o mais doloroso de seus sofrimentos, do qual Ele mais se queixou. Aqui Ele colocou as mais lúgubres entonações de voz. Ele não disse: “Por que estou sendo torturado? E por que sou tratado com desprezo? E por que fui pregado na cruz?” Nem disse a seus discípulos, quando viraram suas costas para Ele: “Por que me abandonastes?” Mas, quando o seu Pai se distanciou, Ele clamou dessa maneira; pois isto acrescentava amargura à sua aflição e à sua angústia. Isto levou as águas até à alma (Salmos 69.1-3).
[3] Que o nosso Senhor Jesus, mesmo quando abandonado dessa maneira pelo seu Pai, o manteve como o seu Deus, apesar disso: “Deus meu, Deus meu; mesmo me desamparando, tu ainda és o meu Pai”. Cristo era o Servo de Deus que estava levando adiante a obra da redenção. Ele deveria satisfazer a justiça do Pai, e através dessa obra Ele seria glorificado e coroado. Por essa razão, Ele chama a Deus Pai de seu Deus; pois estava agora fazendo a vontade dele. Veja Isaias 49.5-9. Isso o sustentava e o mantinha, de forma que, mesmo na profundidade de seus sofrimentos, Deus era o seu Deus, e assim Ele decide se apegar a essa poderosa verdade.
(4) Veja como os seus inimigos impiedosamente caçoaram e ridicularizaram essa queixa (v. 47). Eles disseram: “Este homem chama por Elias”. Alguns acham que isso foi um engano decorrente do desconhecimento dos soldados romanos, que tinham ouvido falar de Elias e da expectativa dos judeus pela vinda dele, mas desconheciam o significado da expressão “Eli, Eli,” e por isso fizeram esse comentário impensado a respeito dessas palavras de Cristo, talvez não ouvindo a última parte do que Ele dissera devido ao barulho que o povo estava fazendo. Note que muitas das reprovações lançadas sobre a Palavra de Deus e o povo de Deus se originam de enga nos grosseiros. As verdades divinas são muitas vezes corrompidas pela ignorância das pessoas em relação à linguagem e ao estilo das Escrituras. Aqueles que ou vem pela metade distorcem aquilo que ouvem. Mas outros pensam que esse era um engano deliberado de alguns dos judeus, que sabiam muito bem o que Ele dissera, mas estavam dispostos a maltratá-lo e divertirem tanto a si mesmos como aos seus companheiros, e apresentá-lo de forma inapropriada como alguém que, sendo abandonado por Deus, é levado a confiar em seres humanos. Talvez estivessem insinuando, desse modo, que aquele que tinha fingido ser o Messias estaria agora satisfeito por estar subordinado a Elias, que se considerava apenas como um anunciador e precursor do Messias. Note que não é novidade que as devoções mais pias dos melhores homens sejam ridicularizadas e distorcidas por escarnecedores profanos; também não devemos considerar estranho que, por várias vezes, aquilo que é bem colocado na oração e na pregação seja mal interpretado e utilizado contra nós. Essa mesma distorção aconteceu com as palavras de Cristo, embora jamais alguém tenha fala do como Ele.
IV – O frio consolo que os seus inimigos lhe forneceram em sua agonia, uma atitude semelhante à de todos os demais.
1. Alguns lhe deram vinagre para beber (v. 48); em vez de água refrescante, para restaurá-lo e renová-lo sob esse pesa do ônus, eles o atormentavam com o que não somente aumentava a acusação com que eles o oprimiam, mas representava, também de maneira perceptível, aquele cálice de estremecimento que o seu Pai havia colocado em suas mãos. Um deles correu para buscá-lo, parecendo obsequioso para com Ele, mas, na verdade, estava feliz por ter uma oportunidade de maltratá-lo e afrontá-lo, sentindo-se temeroso de que talvez alguém quisesse arrancá-lo de suas mãos.
2. Outros, com o mesmo propósito de maltratá-lo e abusar dele, comentaram que Ele recorria a Elias (v. 49): “‘Deixa, vejamos se Elias vem livrá-lo’. Vem, deixemo-lo a sós, pois a sua situação é desesperadora. Nem o céu nem a terra podem ajudá-lo; não façamos nada, não apressemos nem retardemos a sua morte; Ele apelou a Elias, deixemos que seja socorrido por ele”.
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