POR QUE (UM POUCO DE) INSEGURANÇA FAZ BEM
Uma pequena dose de incerteza sobre os bons resultados em alguma situação específica, e, até mesmo, sobre nossa capacidade de forma geral favorece as interações sociais e funciona como um estímulo fundamental para nos mantermos atentos a nós mesmos.
Por mais que estejamos convictos de nossa capacidade, vez ou outra a maioria das pessoas se pergunta: Sou mesmo capaz? Que esboce o primeiro sorriso irônico quem nunca teve receio de parecer tolo ao fazer uma pergunta ou comentário durante uma aula ou reunião de trabalho. Ou quem jamais passou silenciosamente pela pessoa por quem se sentia atraído, tentando não chamar atenção. Ou, ainda, evitou assumir alguma responsabilidade pessoal ou profissional com medo do fracasso. Na busca de encontrar palavras e atitudes certas, muitas vezes prevalecem o silêncio e a inércia. Podemos chamar esse comportamento de ansiedade social, insegurança ou inibição. Qualquer que seja a denominação, estamos falando de insegurança, um aspecto da condição humana.
O desejo de nos esconder, que por vezes experimentamos, começa com a percepção de que algo está errado conosco, de que somos desajeitados, irritantes, chatos, estúpidos, incompetentes, ou qualquer outro milhão de traços que nos desabonam. E pensamos que, a menos que escondamos a falha que percebemos ter, ela se tornará óbvia e todos nos julgarão e nos rejeitarão. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 15% das pessoas apresentam sintomas de ansiedade social em alguma fase da vida. Isso pode se revelar numa equação complexa: traduzir (ou imaginar) o que os outros desejam de nós e tentar se adequar a essa expectativa. O problema, na prática, é que pessoas que pensam assim deixaram de aproveitar oportunidades com receio de se expor e, em alguns casos, até suspeitam que recebem convites ou são incluídas em variadas situações porque inspiram pena alheia.
É bastante frequente que as pessoas se reconheçam como tímidas, o que talvez seja apenas uma maneira de dizer que a insegurança emerge em situações sociais em que tememos que nossas falhas percebidas sejam reveladas. E então nos chutamos: “Isso é estúpido!”, “Por que não posso fazer isso?”; “O que há de errado comigo?”. A resposta: nada. A ansiedade social é um distúrbio precisamente porque a nossa falha fatal é apenas isto: uma percepção.
Se isso causa toda essa miséria e preocupação, por que a insegurança persistiu por milênios de evolução? Que uso tem? Por que não caiu com nossa cauda ou foi negociado por polegares opositores? Acontece que a insegurança não é um deslize da evolução. Ela tem sua função: uma dose saudável de insegurança nos estimula a monitorar a nós mesmos e nossas interações. Promove a introspecção e nos ajuda a identificar como nos relacionar melhor com nossos semelhantes. Em suma, duvidamos de nós mesmos para nos controlar. E essas duvidas nos compram pelo menos três benefícios rastreáveis.
Primeiro, o mais importante: propagação. Em 1984, a psicóloga desenvolvimentista Cynthia Garcia Coll chamou a tendência inata de se afastar de situações não familiares de inibição comportamental. Trata-se do nosso grau de cautela quando nos confrontamos com novas pessoas, lugares ou eventos. E não é encontrado apenas em crianças que se agarram a perna da mãe ou a gatos escondidos embaixo da cama quando a campainha toca. Em qualquer organismo – passando por bactérias e peixes e chegando aos humanos -, a inibição comportamental nos leva a “olhar antes de pularmos”. Ou seja: esse comportamento foi projetado para nos manter seguros e, em última instância, vivos – o que ajuda a garantir que nossos genes cheguem à próxima geração.
Ainda assim, podemos pensar que, embora tenha tido função ao longo do desenvolvimento de nossa espécie, hoje parece sem sentido manter esse comportamento. Para ilustrar melhor a importância da inibição comportamental, vamos fazer um pequeno exercício intelectual. Qual é o oposto da insegurança? Confiança total? Completo destemor? No começo, isso parece incrível. Mas tenha cuidado com o que você deseja. Apenas 1% da população atingiu esse objetivo duvidoso: psicopatas. Acontece que a total falta de insegurança é, na verdade, um sinal de que as coisas deram errado.
Um estudo realizado por Niels Birbaumer e sua equipe na Universidade de Tübingen avaliou o cérebro de indivíduos com transtorno de ansiedade social e psicopatas criminosos através de um escâner de ressonância magnética. Naqueles com ansiedade social, os pesquisadores encontraram a assinatura neural de uma espécie de “alarme social”: um circuito fronto límbico hiperativo. Em psicopatas, eles encontraram exatamente o oposto: um circuito fronto límbico subativo. Estudos adicionais reforçaram a ideia de que a psicopatia e a ansiedade social estão em lados opostos do espectro.
Um toque de insegurança parece favorecer a harmonia do grupo. Já que um pouco de receio de desagradar ou não ser aceito pelas pessoas com quem convivemos ajuda a manter a coesão social. em vez de permitir que psicopatas desenfreados abatam todo o grupo. Falando sério: um grupo que mantém a harmonia evita despender seu tempo e energia finitos no conflito interno. Com o tempo, aqueles que mantêm a harmonia tendem a obter mais sucesso que aqueles constantemente envolvidos em lutas internas e tomadas de poder. De fato, jogar bem com os outros é uma estratégia evolucionária mais inteligente para o grupo, para não mencionar todos os indivíduos dentro dele
A terceira coisa que a insegurança pode nos ajudar a conquistar é a segurança real. Mesmo que a entrega de compras online tenha suplantado nossa dependência do grupo para caçar e coletar alimentos, ainda precisamos de uma comunidade da qual possamos fazer parte. Em outras palavras, pertencimento e afeto. E é justamente uma dose saudável de insegurança que nos permite conviver e desfrutar da sensação de segurança emocional.
Há mais: inibição comportamental e ansiedade social são um pacote. Elas geralmente vêm com habilidades psicológicas e cognitivas valiosas, como capacidade de cuidar de si mesmo e dos outros, senso de ética, capacidade de lembrar rostos individuais, empatia e tendência a trabalhar duro para se relacionar com outros seres humanos – uma habilidade que nunca foi tão importante quanto nos dias de hoje.
Portanto, do ponto de vista da natureza, é melhor ter um detector de fumaça social hiperativo, por mais que isso provoque frio na barriga e outros desconfortos. É mais seguro deixar tocar um alarme falso quando não há ameaça do que se expor a uma ameaça real. Alarmes falsos são irritantes, claro, mas pior seria que a casa queimasse ao nosso redor. Podemos pensar que a insegurança persiste porque nos compra mais do que nos custa: autoconsciência, segurança, harmonia grupal pertencimento.
A VIAGEM DO TÍMIDO AO PRÓPRIO UMBIGO
Definida como sentimento de embaraço ou de inibição em situações sociais, a timidez faz a pessoa se concentrar quase exclusivamente em si mesma e ficar preocupada com o que o interlocutor poder pensar sobre aquilo que diz ou sobre o que está sentindo (por exemplo, ansiedade e embaraço revelados pelo rubor). No fundo, o tímido acredita que está no centro das atenções dos outros, o que o deixa bastante sobrecarregado emocionalmente. Em geral, a timidez e a introversão são consideradas sinônimas, mas não é exatamente assam: o introvertido procura a solidão, já o tímido não teme o contato social. Este último deseja a companhia de outro, porém considera-se incapaz de manter uma relação, o que leva a associação dessa característica à insegurança. Três componentes preponderantes podem ser reconhecidos na timidez. O afetivo refere-se a emoções típicas experimentadas em situações sociais novas ou levemente desconfortáveis: ansiedade, confusão, embaraço e vergonha. Elas vêm, em geral, acompanhadas por sensações, psicofisiológicas como tensão muscular, batimento cardíaco acelerado e um aperto no estômago. O aspecto cognitivo está associado à excessiva atenção dada aos julgamentos alheios (“Todos estão me olhando e me avaliando”), à avaliação negativa de si mesmo (“Só digo bobagens”) e a um sistema irracional de convicções (“Esta noite, na festa, ninguém me notará ou me achará interessante”): esses são os modos típicos de raciocinar das pessoas tímidas.
O resultado dessa combinação é uma acentuada ambição do comportamento, que consiste em evitar ativamente os contextos sociais e se manifesta no olhar que se desvia, na sistemática recusa a encontros sociais e no isolamento em geral. Evidentemente, tudo isso pode prejudicar a formação de relacionamentos e a obtenção de objetivos acadêmicos e profissionais.
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