MATEUS 25: 14-30 – PARTE II

A Parábola dos Talentos
III – A prestação de contas (v. 19).
1. A prestação de contas tarda para acontecer. Eles não foram chamados ao ajuste de contas senão “muito tempo depois”; não que o senhor negligenciasse os seus negócios, ou que Deus retarde a sua promessa (2 Pedro 3.9). Não, Ele “está preparado para julgar” (1 Pedro 4.5), mas tudo deve ser feito no seu tempo e na sua ordem.
2. Mas o dia da prestação de contas chega, por fim: “Veio o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles”. Observe que os despenseiros da multiforme graça de Deus devem, em breve, prestar contas da sua administração. Todos nós prestaremos contas do bem que fizemos às nossas próprias almas, e do bem que fizemos aos outros, com os dons que recebemos. Veja Romanos 14.10,11. Considere:
(1) O bom resultado dos servos fiéis; e observe aqui:
[1] Os servos prestando contas (vv. 20,22): “Senhor; entregaste-me cinco talentos”; e outro servo disse: “Entregaste-me dois”. “Eis aqui outros cinco talentos que ganhei com eles;” e o outro disse: “Ganhei outros dois”.
Em primeiro lugar, os servos leais de Cristo reconhecem, com gratidão, sua concessão a eles. Senhor; o entregaste-me tais e tais coisas. Considere:
1. É bom fazer uma estimativa particular do que recebemos de Deus, para nos lembrarmos do que recebemos, para que possamos saber o que se espera de nós, e possamos produzir resultados correspondentes aos benefícios recebidos. 2. Nós nunca devemos considerar o que aprimoramos, a não ser com uma menção geral do favor de Deus a nós, da honra que Ele depositou em nós, ao nos confiar os seus bens, e àquela graça que é a origem e a fonte de tudo que há de bom em nós, ou que é realizado por nós. Pois a verdade é que, quanto mais fazemos para Deus, mais estamos em débito para com Ele, por fazer uso de nós, e nos capacitar para o seu serviço.
Em segundo lugar, eles apresentam, como prova da sua lealdade, o que obtiveram. Note que os bons despenseiros de Deus têm alguma coisa a apresentar para provar a sua diligência. “Mostra-me a tua fé pelas tuas obras”. Quem for um bom homem, que o mostre (Tiago 3.13). Se formos cuidadosos na administração dos nossos dons espirituais, isto logo ficará visível, e as nossas obras nos seguirão (Apocalipse 14.13). Não que os santos, no grande dia, venham a fazer menção às suas grandes obras. Não, Cristo o fará por eles (v. 35). Mas isto sugere que aqueles que aprimorar em fielmente os seus talentos terão confiança no dia de Cristo (1 João 2.28-4.17). E é notável que aquele que tinha apenas dois talentos prestou contas com a mesma disposição que aquele que tinha cinco; pois o nosso consolo, no dia da prestação de contas, será de acordo com a nossa lealdade, e não de acordo com a nossa utilidade; de acordo com a nossa sinceridade, e não com o nosso sucesso; com a retidão dos nossos corações, e não de acordo com o grau das nossas opo1tunidades.
[2] A aceitação do mestre, e a aprovação da prestação de contas (vv. 21,23).
Em primeiro lugar, o mestre os elogiou: “Bem está, servo bom e fiel”. Observe que a diligência e a integridade daqueles que se mostram os bons e fiéis servos de Jesus Cristo certamente se acharão “em louvor; e honra, e glória” na sua revelação (1 Pedro 1.7). Àqueles que reconhecem e honram a Deus agora, Ele irá reconhecer e honrar em breve.
1. Eles serão aceitos: “Servo bom e fiel”. Aquele que conhece agora a integridade dos seus servos, será testemunha dela no grande dia, e aqueles que forem considerados fiéis, assim serão chamados. Talvez eles fossem censurados pelos homens, por serem demasiadamente justos; mas Cristo lhes declarar á o seu devido caráter, como servos bons e fiéis.
2. O que eles fizeram será aceito: “Bem está”. Cristo assim ir à chamar àqueles bons servos, que trabalharam bem, e somente àqueles; pois é através da “perseverança em fazer bem” que procuramos esta “glória e honra” (Romanos 2.7); e se procurarmos, iremos encontrar; se fizermos o que é bom, e o fizermos bem, nós teremos o louvor devido. Alguns mestres são tão mal-humorados que não elogiamos seus servos, ainda que eles realizem muito bem o seu trabalho. Acreditam que não desaprovar já seja uma atitude suficiente. Mas Cristo irá elogiar os seus servos que trabalharem bem; quer os elogios a eles venham dos homens ou não, serão sempre dele. E se tivermos uma boa palavra do nosso Mestre, não importará tanto o que os nossos conservos digam a nosso respeito. Se ele disser: “Bem está”, nós ficaremos felizes, e o julgamento dos homens representará muito pouco para nós; mas, pen sando na situação contrária, só será aprovado aquele que o Senhor elogiar, e não aquele que elogiar a si mesmo, ou que for elogiado por seus vizinhos e amigos.
Em segundo lugar, o Senhor os recompensa. Os servos fiéis de Cristo não serão dispensados com elogios limitados. Não, todo o seu trabalho e toda a sua obra de amor serão recompensados.
Essa recompensa está aqui expressa de duas maneiras:
(1) Com uma expressão de acordo com a parábola: “Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei”. É usual, nas cortes dos príncipes e nas famílias de homens poderosos, promover para cargos mais elevados aqueles que foram leais nos cargos mais baixos. Observe que Cristo é um Mestre que irá preferir aqueles seus servos que se portarem bem. Cristo tem uma honra guardada para aqueles que o honram, uma coroa (2 Timóteo 4.8), um trono (Apocalipse 3.21), um Reino (cap. 25.34). Aqui, eles são pobres; no céu, serão governantes. Os justos terão o domínio. Todos os servos de Cristo são príncipes.
Observe a desproporção entre o trabalho e a recompensa. Existem poucas coisas nas quais os santos são úteis para a glória de Deus, mas existem muitas coisas nas quais eles serão glorificados com Deus. Qualquer missão que recebemos de Deus, qualquer obra que realizamos para Deus neste mundo, é muito pouco, em comparação com o gozo que nos está proposto. Considere todo o nosso serviço, todos os nossos sofrimentos, todos os nossos aperfeiçoamentos, todo o bem que fazemos aos outros, tudo o que fazemos de bom a nós mesmos, e serão apenas umas poucas coisas, quase nada. Estas coisas não são dignas de serem comparadas, nem é adequado que sejam mencionadas, tendo em vista a glória que há de ser revelada.
(2) Em outra expressão, que sobressai da parábola para aquilo que ela representa: “Entra no gozo do teu Senhor”. Observe:
(1) A condição do bem-aventurado é uma situação de alegria, não somente porque todas as suas lágrimas serão, então, enxugadas, mas porque todas as fontes de consolo lhe serão abertas, e as fontes de alegria arrebentarão e jorrarão. Onde estiverem a visão e a concretização das esperanças que temos em Deus, uma perfeição de santidade, e a sociedade dos bem-aventurados, não pode deixar de haver abundância de alegria.
(2) Este gozo é o gozo do seu Senhor; o gozo que Ele mesmo lhes propiciou; o gozo dos redimidos, comprado com o sofrimento do Redentor. É o gozo que Ele mesmo possui, e que era o seu objetivo quando Ele “suportou a cruz, desprezando a afronta” (Hebreus 12.2). É o gozo de que Ele mesmo é a fonte e o centro. É o gozo do nosso Senhor, pois é o gozo no Senhor, que é o nosso gozo supremo. Abraão não estava disposto a permitir que o mordomo da sua casa, embora fiel, fosse o seu herdeiro (Genesis 15.3), mas Cristo admite os seus servos fiéis no seu gozo, para serem co-herdeiros com Ele.
(3) Os santos glorificados entrarão nesse gozo, tomarão a posse completa dele, como faz o herdeiro quando atinge a maioridade, tomando posse das suas propriedades, ou como aqueles que estão preparados e entram na festa das bodas. Aqui o gozo do nosso Senhor entra no coração dos seus santos, no fervor do Espírito. Em breve, eles entrarão nele, e estarão nele por toda a eternidade, como em seu próprio lugar.
(2) A má prestação de contas do servo negligente. Observe:
[1] As suas desculpas (vv. 24,25). Embora tivesse recebido apenas um talento, ele deve prestar contas por aquele talento. O fato de nós recebermos pouco não nos isenta de prestar contas. Ninguém será chamado a prestar contas de mais do que recebeu; porém todos nós de veremos prestar contas daquilo que tivermos.
Em primeiro lugar, veja em que ele confia. Ele vem prestar contas com uma dose de segurança, confiando na explicação que tinha para apresentar, e foi capaz de dizer: “‘Aqui tens o que é teu’. Se eu não aumentei o que me foi entregue, como os outros fizeram, pelo menos isto eu posso dizer: Também não diminuí”. O servo pensa que isso poderá servir para isentá-lo, se não com elogio, pelo menos com segurança.
Observe que muitos vão ao julgamento com muita segurança, supondo a validade da defesa, que será rejeitada por ser vã e frívola. Os crentes negligentes, que têm receio de fazer demais por Deus, ainda assim esperam sair-se tão bem como aqueles que se empenharam muito na obra de Deus. “Mais sábio é o preguiçoso a seus olhos do que sete homens que bem respondem” (Provérbios 26.16). Este servo pensou que a sua prestação de contas seria bem aceita, porque ele pôde dizer: ”Aqui tens o que é teu”. “Senhor eu não desperdicei os bens, não perdi o meu tempo, não me opus aos bons ministros e à boa pregação. Senhor, eu nunca ridicularizei a minha Bíblia, nunca coloquei a minha inteligência para desafiar o Evangelho, nunca abusei do meu poder para perseguir algum homem bom; eu nunca sufoquei as pessoas à minha volta, nem incentivei as criaturas de Deus à perdição na embriaguez ou na glutonaria, e nunca, no meu entender, feri qualquer corpo”. Muitos que são chamados de cristãos nutrem grandes esperanças em relação ao céu, com base na sua capacidade de produzir uma prestação de contas assim; mas tudo isso não representará nada além de ”Aqui tens o que é teu”; como se nada mais fosse exigido, ou pudesse ser esperado.
Em segundo lugar, o que esse servo negligente confessa. Ele reconhece que enterrou o seu talento:
“Escondi na terra o teu talento”. Ele fala como se isso não fosse uma falta grave; ou melhor, como se ele merecesse um elogio, pela sua prudência em guardar o talento em um lugar seguro, e não correr nenhum risco que envolvesse os recursos de seu senhor. Observe que é comum que as pessoas deem pouca importância àquilo que será a sua condenação no grande dia. Ou ainda, se ele estava consciente de que esta era uma falha sua, isto sugere com que facilidade os servos negligentes serão condenados no juízo; eles não precisarão que se procure por provas, pois as suas próprias línguas os acusarão.
Em terceiro lugar, qual é a desculpa que ele apresenta: “Eu conhecia-te, que és um homem duro, e atemorizado. Bons pensamentos sobre Deus produziriam amor, e este amor nos tornaria diligentes e fiéis; mas maus pensamentos sobre Deus produzem medo, e este medo nos torna negligentes e desleais. A sua desculpa evidencia:
1. Os sentimentos de um inimigo: “Eu conhecia-te, que és um homem duro”. Isto foi como aquelas más palavras ditas pela casa de Israel: “O caminho do Senhor não é direito” (Ezequiel 18.25). Assim, a sua defesa resulta no seu crime. ”A estultícia do homem perverterá o seu caminho” (Provérbios 19.3), e então, como se isto pudesse consertar a situação, o seu coração se ira contra o Senhor. Isto é disfarçar o pecado, como Adão, que implicitamente atribuiu a culpa ao próprio Deus: ”A mulher que me deste por companheira”. Note que os corações carnais são capazes de conceber opiniões falsas e maldosas a respeito de Deus, e com elas, persistir com os seus maus costumes. Observe com que confiança ele diz: “Eu conhecia-te”. Como ele poderia conhecê-lo tanto? Que injustiça nós ou os nossos pais encontraram nele? (Jeremias 2.5). Quando Ele nos cansou com o seu trabalho, ou nos enganou com os seus salários? (Miqueias 6.3). Por acaso Ele foi para nós um deserto ou um lugar de trevas? Por tanto tempo Deus governou o mundo, e muitos podem perguntar, com mais razão do que o próprio Samuel: ”A quem defraudei?” ou: ”A quem tenho oprimido?” Será que o mundo todo não sabe do contrário, que Ele está tão longe de ser um Mestre duro, que a terra está cheia da sua bondade; tão longe de colher o que Ele não se meou, que Ele semeia muito onde não colhe nada? Pois Ele faz com “que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos”, e enche “de mantimento e de alegria” o coração daqueles que dizem ao Todo-Poderoso: “Retira-te de nós”. Esta sugestão evidencia a reprovação comum que as pessoas pecadoras lançam a Deus, como se toda a culpa pelos seus pecados e pela sua desgraça estivesse à porta do Senhor, como se o Deus precioso lhes negasse a sua graça. Mas o certo é que ninguém que tenha aprimorado fielmente a graça que possuía, tenha perecido por lhe faltar uma graça especial. Ninguém pode demonstrar que algo mais poderia ter sido feito por uma vinha improdutiva, além do que Deus fez por ela. Deus não age como o Faraó, que exigia a produção de tijolos sem fornecer a palha necessária. Não, qualquer coisa que seja exigida na aliança é prometida na própria aliança, de modo que, se nós perecermos, pereceremos devido às nossas próprias atitudes.
2. O estado de espírito de um servo: ”Atemorizado”. Este mau sentimento em relação a Deus nasceu das suas falsas noções sobre Ele, e nada é mais indigno de Deus, nada é maior obstáculo ao nosso dever para com Ele, do que o medo deste servo. Aqui há escravidão e tormento, e se opõe diretamente àquele amor integral que o grande comandante exige. Note que os maus pensamentos a respeito de Deus nos afastam do seu serviço, e nos limitam em relação a Ele. Aqueles que pensarem que é impossível agradar a Deus, e que é inútil servi-lo, não farão nada com o objetivo de promover o Evangelho.
[2] A resposta do seu Senhor a esta desculpa. Isto não lhe terá nenhuma utilidade. Esta desculpa será rejeita da, ou melhor, se voltará contra ele, e ele emudecerá; pois aqui nós temos a sua acusação e a sua condenação.
Em primeiro lugar, a sua acusação (vv. 26,27). Ele é acusado de duas falhas:
1. Negligência: “Mau e negligente servo”. Observe que os servos negligentes são maus servos, e assim serão reconhecidos pelo seu Mestre, pois aquele que é “o negligente na sua obra”, e negligencia o bem que Deus lhe ordenou, é “irmão do desperdiçador”, fazendo o mal que Deus proibiu (Provérbios 18.9). Aquele que é descuidado na obra de Deus, é parente próximo daquele que se ocupa da obra do diabo. Não fazer o bem é trazer sobre si mesmo uma culpa muito grave. As omissões são pecados, e devem ser julgadas; a negligência abre caminho para a maldade; todos se tornaram imundos, pois “não há quem faça o bem” (Salmos 14.3). Quando a casa está desocupada, o espírito imundo se apossa dela, levando consigo outros sete espíritos piores do que ele. Aqueles que são ociosos nos assuntos da sua alma, não são apenas ociosos, mas algo pior (1 Timóteo 5.13). Quando os homens dormem, o inimigo semeia ervas daninhas.
2. Autocontradição (vv.26,27): “Sabes que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei; devias, então, ter dado o meu dinheiro aos banqueiros”. Observe que os maus pensamentos que os pecadores têm a respeito de Deus, embora falsos e injustos, estão tão longe de justificar a sua maldade e negligência, que somente irão agravar e aumentar a culpa deles. Isto pode ser interpretado de três maneiras:
(1) “Se você supunha que eu fosse um mestre tão severo, você não deveria, por isso, ter sido mais diligente e cuidadoso para me agradar? Se não fosse por amor que fosse por medo. E por essa razão, você não deveria ter se preocupado com o seu trabalho?” Se “o nosso Deus é um fogo consumidor”, devemos nos empenhar para servi-lo. Ou deste modo:
(2) “Se você me julgava um mestre severo, e por isso não negociou você mesmo com o dinheiro, por medo de perdê-lo, e ter de arcar com a perda, ainda assim você poderia tê-lo colocado nas mãos dos cambistas, ou dos ourives, poderia tê-lo levado ao banco, e então, na minha chegada, se eu não pudesse ter o melhor lucro através do comércio (como com os demais talentos), pelo menos poderia ter algum lucro, com menor vantagem, e poderia ter recebi do o que é meu, com juros” – o que, aparentemente, era um costume comum naquele tempo, e não reprovado pelo nosso Salvador. Note que se não pudermos, ou não quisermos, fazer o que devemos, ainda assim esta desculpa não nos servirá quando se demonstrar que não fizemos o que podíamos e devíamos fazer. Se nós não pudermos encontrar, em nossos corações, a coragem para nos aventurarmos em serviços mais difíceis e arriscados, isto nos justificará por evitarmos aqueles que são mais seguros e fáceis? Alguma coisa é melhor que nada. Se deixarmos de demonstrar a nossa coragem nas iniciativas ousadas, ainda assim precisaremos dar testemunho da nossa boa vontade através de esforços honestos; e o nosso Mestre não desprezará o dia das coisas menores. Ou deste modo:
(3) “Se você supunha que eu colho onde não semeei, ainda assim isto não significaria nada para você, pois eu semeei em você, e o talento foi o meu dinheiro que lhe foi confiado, não somente para guardar, mas para negociar”. Observe que no dia da prestação de contas, os servos maus e negligentes serão deixados sem desculpas; as defesas frívolas serão rejeitadas, e toda boca será fechada. E aqueles que agora confiam tanto nas suas próprias justificativas, não terão nenhuma palavra para dizer em sua própria defesa.
Em segundo lugar, a sua condenação. O servo negligente é condenado a:
1. Ser privado do seu talento (vv. 28,29): “Tirai-lhe, pois, o talento”. Primeiramente, o senhor dispôs dos talentos como o proprietário absoluto, mas então Ele dispunha deles como um juiz. Ele tira o talento do servo desleal, para puni-lo, e o entrega àquele que foi eminentemente fiel, para recompensá-lo. E nós temos o significado dessa parte da parábola, em razão da sentença (v. 29): ”A qualquer que tiver será dado”. Isto pode ser aplicado:
(1) Às bênçãos da riqueza e das possessões terrenas desta vida. Elas nos são confiadas para serem usadas para a glória de Deus, e para o bem dos que nos rodeiam. Aquele que tem essas coisas, e as usa com essa finalidade, terá abundância; talvez abundância dessas próprias coisas, ou, pelo menos, abundância de consolo nelas, e de coisas melhores. Mas daquele que não as tem, isto é, que tem essas coisas como se não as tivesse, como se não tivesse a capacidade de se alimentar delas, ou de fazer o bem com elas, elas lhe serão tiradas. Salomão explica isso (Provérbios 11.24): ”Alguns há que espalham, e ainda se lhes acrescenta mais; e outros, que retêm mais do que é justo, mas é para a sua perda”. Dar aos pobres é negociar com o que temos, e o retorno será grande. O Senhor irá multiplicar a farinha da panela e o azeite da botija. Mas aqueles que são sórdidos, e avarentos, e pouco generosos, irão descobrir que as 1·iquezas que assim foram obtidas “se perdem por qualquer má aventura” (Eclesiastes5.13,14). Às vezes, a Providência, estranhamente, transfere propriedades daqueles que não fazem nenhum bem com elas para aqueles que fazem; aqueles que assim agem “ajunta-as para o que se compadece do pobre” (Provérbios 28.8). Veja Provérbios 13.22; Jó 27.16,17; Eclesiastes 2.26.
(2) Aos meios da graça. Àqueles que são diligentes ao aproveitar as oportunidades que têm, Deus irá aumentá-las, irá colocar diante deles uma porta aberta (Apocalipse 3.8). Mas aqueles que não conhecem o dia da sua visitação, terão as coisas que pertencem à sua paz ocultas dos seus olhos. Como prova disso, veja o que Deus fez a Siló (Jeremias 7.12). (3) Aos dons comuns do Espírito. Aquele que os tem, e faz o bem com eles, terá abundância. Esses dons aumentam quando usados, e resplandecem quando são exercitados; quanto mais nós fizermos, mais poderemos fazer pelo Evangelho. Mas aqueles que não despertam o dom que há neles, que não se exercitam de acordo com a sua capacidade, terão os seus dons oxidados, decadentes, e extintos, como um fogo negligenciado. Daquele que não tem um princípio vivo de graça na sua alma lhe serão removidos os dons comuns que possui, da mesma maneira como as virgens loucas saíram, com falta de azeite (v. 8). Assim, o braço do pastor inútil, que ele negligentemente dobrou no seu colo, se secará completamente, e o seu olho direito, que ele descuidada ou voluntariamente fechou, se escurecerá inteiramente, conforme a ameaça descrita em Zacarias 11.17.
2. Ele é condenado a ser lançado “nas trevas exteriores” (v. 30). Nesse trecho:
(1) O seu caráter é o de um “servo inútil”. Note que os servos negligentes serão considerados como servos improdutivos, pois não fazem nada com o propósito da sua vinda ao mundo, nada que corresponda à finalidade do seu nascimento ou batismo; não são, de nenhuma maneira, úteis para a glória de Deus, para o bem dos outros, ou para a salvação das suas próprias almas. Um servo negligente é um membro definhado no corpo, uma árvore infrutífera na vinha, um zangão ocioso na colmeia, ou seja, ele não serve para nada. De certa maneira, todos nós somos “servos inúteis” (Lucas 17.10); não somos de nenhum proveito a Deus (Jó 22.2). Mas para os outros, e para nós mesmos, é necessário que sejamos de algum proveito, pois se não o formos, Cristo não nos reconhecerá como seus servos. Não é suficiente não fazer o mal; nós devemos fazer o bem, devemos produzir frutos, e ainda que Deus não tenha tido proveito nisto, pelo menos Ele será glorificado (João 15.8).
(2) A sua condenação é ser lançado ” nas trevas exteriores”. Nesse ponto, como também naquilo que foi dito aos servos fiéis, o nosso Salvador, imperceptivelmente, se afasta da parábola para entrar no que ela pretendia ensinar, e isto serve como uma chave para o conjunto todo; pois as trevas exteriores, onde há pranto e ranger de dentes, é, nos sermões de Cristo, a perífrase comum para a desgraça dos condenados no inferno. A sua condição é:
[1] Muito funesta. São as trevas exteriores. As trevas são desconfortáveis e aterradoras; elas foram uma das pragas do Egito. No inferno, há cadeias de escuridão (2 Pedro 2.4). Nas trevas, nenhum homem consegue trabalhar, uma punição adequada para um servo negligente. São as trevas exteriores, que estão fora da luz do céu, fora do gozo do seu Senhor, no qual os servos fiéis são aceitos; fora do banquete. Compare com Mateus 8.12 e 22.13. [
2] Muito triste. Ali há “pranto”, o que evidencia grande tristeza, e “ranger de dentes”, que evidencia grande irritação e indignação. Esta será a parte que caberá ao servo negligente.
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