A ARTE DOS NOMES
As escolhas auspiciosas dos pais chineses para seus rebentos.
Para alguns, a exemplo da Julieta de Shakespeare, se a rosa tivesse qualquer outro nome, ainda exalaria o mesmo doce aroma. Para outros, como Chihiro, da anin1ação A viagem de Chiriro, dirigida por Hayao Miyazaki, o nome define a vida de uma pessoa. A maioria dos chineses que pretendem ter filhos concorda com a segunda perspectiva – que nomes devem ser elegantes, auspiciosos e, se possível, únicos.
A polícia de Guangdong, província que fica no sul da China, tem oferecido ajuda àqueles que querem dar a seus filhos nomes fora do ordinário. O escritório de Segurança Pública da cidade lançou uma nova plataforma no Wechat (aplicativo chinês de mensagens instantâneas) que, entre os serviços disponíveis, oferece uma função que permite checar quantos residentes da província têm o mesmo nome.
Diferentemente de muitas culturas, a maioria dos chineses não costuma reciclar nomes já usados em suas famílias. Ainda assim, encontrar um nome único em uma população de 1,3 bilhão de pessoas pode ser uma tarefa difícil. Apenas em 2014, por volta de 290 mil recém-nascidos – o equivalente à população da Islândia – foram registrados com o nome Zhang Wei, o mais usado naquele ano.
Não raro, nomes populares refletem os valores do momento em que foram escolhidos. Atualmente, além de nomear tradições transmitidas por intermédio de diferentes gerações, jovens pais buscam diversificar as fontes de inspiração, que podem ir da literatura antiga à cultura popular.
Sixth Tone, uma publicação on-line focada na China contemporânea, analisou a arte de criar nomes ao longo dos anos.
1. PARENTESCO E LINHAGEM
Na tradição agrária chinesa, o clã que compartilha um sobrenome transmitido de pai para filho tem nomes pré-designados para cada geração. Um ancião respeitado escreve um verso com desejos para o futuro daquele clã, e cada nova geração usará em seu nome o próximo caractere da frase. Por exemplo, caso o caractere Zhi seja atribuído a uma geração da família Li, haverá nomes que incluirão esse símbolo, como Li Zhiqiang e Li Zhiming.
Em alguns casos, a prática só se aplica a meninos; em outras famílias, a regra é aplicada a todas as crianças.
O costume não permite que membros de uma família identifiquem a que geração eles pertencem – mesmo quando um tio é mais novo que seu sobrinho. No entanto, atualmente, a tradição foi rompida em diversas famílias, já que muitos a enxergam como antiquada.
2 – UM SINAL DOS TEMPOS
Muitos chineses dão a seus filhos nomes inspirados em eventos históricos. Meninos nascidos depois que a República Popular da China foi estabelecida, em 1949, geralmente têm nomes como Jianguo, que significa “a fundação de uma nação”. Durante a Guerra da Coreia, muitos rapazes foram nomeados Yuanchao, algo como “ajudando a Coreia do Norte”. Já aqueles nascidos em 1º de outubro, Dia Nacional da China, com frequência recebem o nome Guoqing, palavra chinesa que significa celebração.
Um exemplo muito conhecido é o do vocalista da banda T F Boys, :Yi Yangqianxi. Yi nasceu no ano 2000 e recebeu um pré nome com três caracteres – que significa milênio -, enquanto a maioria dos nomes chineses tem um ou dois símbolos.
3 – FÉ E SUPERSTIÇÃO
Alguns pais procuram cartomantes para nomear os filhos. O taoismo acredita que, dependendo de quando uma pessoa nasceu, o corpo dela pode ser carente em um dos cinco elementos – metal, madeira, água, fogo ou terra -, o que pode ter efeitos sobre a saúde do indivíduo. Uma cartomante pode orientar os pais sobre como escolher um nome que corrija essa deficiência, usando um caractere que incorpore um dos cinco elementos. Alguns inclusive oferecem conselhos sobre quantos traços o nome da criança deverá ter.
4 – LITERATURA CLÁSSICA E CULTURA POPULAR CONTEMPORÂNEA
“Se você tiver um menininho, leia Chuci. Caso tenha uma menininha, leia Shijing.” Essa é uma crença comum entre novas gerações, cujo amor por literatura antiga é parte de uma ampla retomada do interesse pela antiguidade chinesa. Celebrada como fonte de imponentes e corajosos nomes masculinos, Chuci é uma antologia de poesia patriota, escrita há mais de 2.200 anos, durante o período dos Reinos Combatentes. Shijing é ainda mais antiga. Essa coleção de poesia chinesa do século XI ao VII a.C. inclui poemas sobre amor que muitos consideram boas fontes de nomes românticos para meninas. Já alguns procuram por uma musa nos programas de televisão. Depois que a série Scarlet heart tornou-se um sucesso, em 2011, muitos nomearam suas filhas de Ruoxi, inspirados pela heroína do programa.
5. O PAPEL DO GÊNERO
Nomes revelam as expectativas que pais nutrem sobre o futuro de seus filhos, e muitos desses desejos incluem o gênero da criança. Além de inspirados em canções de guerra para os nomes dos rapazes e em poemas para os das moças, muitos meninos têm o nome Song, que significa pinheiro, uma árvore que simboliza coragem e perseverança. Já o nome das meninas em geral inclui Feng, que significa fênix, representando uma rainha. Famílias que esperam ter filhos homens por vezes nomeiam suas filhas Zhaodi, algo como “acenando para um irmãozinho”.
Embora valores tradicionais ainda afetem a escolha de nomes, binarismos de gênero começam a perder força. Em vez de usar caracteres que incorporam conceitos de masculinidade e feminilidade, alguns pais escolhem nomes unissex, como Chenxi, “sol da manhã”, em referência ao desejo de ter um filho brilhante. Com a política dos dois filhos também é possível ver um número maior de crianças que recebem o sobrenome da mãe.
6. QUE O COMPUTADOR DECIDA
A tecnologia também interfere. Em vez de bateram cabeça atrás do nome perfeito, pais recorrem à internet. Em alguns sites, usuários podem colocar seus sobrenomes, a data prevista para o parto e outros poucos requisitos para ter uma sugestão de nome em minutos. Existem programas supostamente capazes de avaliar como o nome pode ajudar a criança no futuro – uma versão moderna e algorítmica das cartomantes taoistas.
Culturas estrangeiras também moldam características chinesas, com pais escolhendo nomes femininos como Anqi, algo perto da palavra “anjo”.
Mas a criatividade tem limite: para ter uma identidade nacional, todos os cidadãos devem registrar um nome em caracteres chineses (ou caracteres Han. Aqueles cuja língua materna é outra devem traduzir seus nomes. Em 2012, uma estudante do centro de Hunan, uma província chinesa, foi forçada a mudar de nome porque a polícia se recusava a aceitá-lo. Inspirado por Ah Q, um caractere do escritor modernista Lu Xun, o pai da jovem a nomeou de “A”.
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