CRIANÇAS APARTADAS DOS PAIS
A política de tolerância zero do governo Trump separa milhares de famílias de imigrantes ilegais, levando crianças a gritos de desespero.
Suas vozes frágeis e seus corpos miúdos sugerem que elas não têm mais de 7anos, mas já conhecem a brutal realidade dos desventurados cuja sina é cruzar fronteiras para sobreviver. O drama das crianças tiradas dos braços de seus pais e mães pela “política de tolerância zero” do governo americano tem comovido o mundo e dividido o país do presidente Donald Trump. Os relatos são de solidão e desespero para essas famílias divididas, que, não raro, mal podem se comunicar com o mundo exterior nem conseguem informações sobre o paradeiro de seus parentes após terem cruzado fronteira do México para os EUA em busca de uma vida menos difícil. Em vez de encontrarem a realização de seu “sonho americano”, elas vêm sendo recebidas por uma prática de hostilidade reforçada na zona fronteiriça, que já separou mais de 2.200 crianças de seus pais desde abril.
As famílias mais afetadas pela nova prática da Casa Branca, que agora processa criminalmente pais e os leva a presídio enquanto filhos são mantidos em abrigos temporários, têm sido as hondurenhas, as guatemaltecas e as mexicanas. Mas há também brasileiros experimentando esse sofrimento, e alguns nem mesmo entraram ilegalmente nos EUA, mas sim pediram asilo político. É o caso da avó Maria Bastos e seu neto autista, Matheus, que há dez meses não se encontram, separados por mais de 2.000 quilômetros em um país estranho. Enquanto isso, um menino brasileiro de 9 anos esperou em vão por 22 dias por telefonemas no abrigo. Seu pai não consegue falar com ele enquanto está detido no estado do Novo México e já perdeu 13 quilos durante esse tempo no cárcere, onde estão presos também condenados por diversos outros crimes
Um áudio divulgado pela Pro Publica organização jornalística sem fins lucrativos, registrou o momento em que dez crianças centro-americanas foram separadas dos pais. Elas choram, soluçam e soltam gritos agudos. Mas, de um agente migratório, o que essas crianças ouvem é: “Bem, temos uma orquestra aqui. Só falta o maestro”.
Enquanto os pais nos presídios se preocupam com as condições dos filhos, crianças e adolescentes detidos se sentem abandonados. Antar Davidson, americano de origem brasileira que trabalhou num centro de acolhimento para menores em Tucson, no Arizona, afirmou que os apreendidos dão sinais diários de instabilidade emocional, depressão e rebeldia. Durante vários meses 300 menores entre 4 e 17 anos não receberam educação nem ajuda psicológica apropriadas. Ele contou que três irmãos brasileiros foram proibidos de se abraçar.
“Isso é inacreditável. Autoridades do governo Trump estão enviando bebês e crianças pequenas… desculpem… há pelo menos três…” Foi o que conseguiu dizer Rachel Maddow, âncora da MSNBC, antes de se render às lágrimas ao tentar noticiar o drama infantil latino-americano, num vídeo que já viralizou. Os relatos cruéis sobre as separações familiares vêm dominando a imprensa americana nos últimos dias e, assim, pressionando o governo a se explicar sobre as consequências de sua nova política.
Crianças têm sido colocadas em enormes estruturas parcialmente improvisadas, algumas das quais já são chamadas de “cidades-tenda”. No Texas, por exemplo, edifícios que serviam como lojas de departamentos se converteram em um abrigo para quase 1.500 meninos entre 10 e 17 anos. Lá, durante duas horas do dia, os menores podem sair ao ar livre. Relatos na imprensa falam também de abrigos rodeados por cercas, provocando comparações com verdadeiras prisões.
Antes de chegarem a esses abrigos, os pequenos migrantes devem passar por centros de processamento, em que são colocados em celas que mais parecem jaulas feitas de metal. Em imagens divulgadas pelo próprio governo, crianças – algumas aparentando ter 4 ou 5 anos – aparecem deitadas em colchões bem finos com cobertores de alumínio, do tipo usado por corredores após maratonas.
O maior de todos os medos, pata filhos e pais, é nunca mais verem uns aos outros, o que em alguns casos não é impossível. A deportação dos guardiões legais torna altamente desafiadora: a reunificação familiar para quem, de volta ao seu país de origem, tem poucos meios legais disponíveis. Alguns pais, inclusive, recebem ofertas da Justiça para serem soltos e reverem seus filhos se desistirem do pedido de refúgio. A ONG Anistia internacional chamou essa prática de tortura, explicando que se trata da “imposição deliberada de sofrimento extremo para evitar comportamentos indesejados pelo governo.
“A vasta maioria das famílias se apresentou legalmente. Não há justificativa para isso. Precisa parar agora, e as famílias devem ser reunificadas”, disse Brian Griffey, pesquisador da organização que se encontrou com duas famílias brasileiras detidas nessas circunstâncias.
Na quarta-feira, Trump, criticado dentro e fora de seu país, inclusive em seu Partido Republicano, anunciou um decreto para que as famílias sem documentos fossem mantidas juntas, evitando a separação de pais e filhos. Mas, com apenas três centros de detenção familiar em todo o país, não está claro como isso pode acontecer. O republicano vem seu reforço na vigilância migratória como moeda de troca para negociar com democratas sua desejada reforma bipartidária sobre o assunto, em que a construção de um muro na fronteira com o México é o carro-chefe.
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