O INFERNO RECORRENTE DO TOC
Para o transtorno obsessivo-compulsivo, que leva o portador a cumprir tarefas repetitivas, medicamentos e psicoterapia cognitivo-comportamental são suficientes.
Pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) em geral percebem que há algo errado consigo próprias. O diagnóstico preciso, porém, muitas vezes demora. E, depois de identificada a patologia, o caminho ainda é atribulado, o paciente esconde a doença ou não ousa falar dela, e os colegas não entendem seu sofrimento.
Existem diferentes tipos de TOC e modalidades diversas de tratamento. No quadro da terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, o médico avalia, antes de mais nada, o tempo perdido nas tarefas repetitivas e prescreve algo para aliviar os sintomas. Tenta identificar as obsessões mais frequentes, anotando-as em uma escala de intensidade que vai de O a 100. Então, ensina o paciente a gerir as situações ansiogênicas, geradoras de obsessão, começando pelas mais “fáceis”.
Cerca de 10% da população sofre de TOC, e a incidência em homens e mulheres é semelhante. Para a maioria os primeiros sinais aparecem no final da adolescência ou no início da idade adulta, embora possa se manifestar em crianças. Segundo a gravidade dos sintomas, o transtorno terá repercussões importantes na vida cotidiana do indivíduo. Nos casos extremos, o dia todo é ocupado por obsessões e com pulsões reincidentes. Atividade profissional, estudos e relacionamento social ficam prejudicados. O transtorno se manifesta de maneiras bastante variadas. Laura teme matar o seu bebê desde o dia em que imaginou deixa-lo cair da sacada de seu apartamento. Ela não fica mais sozinha com a criança com medo de lhe fazer mal e verifica inúmeras vezes se as janelas estão bem fechadas. Gerson está obcecado com a ideia de ter sido amaldiçoado depois de desejar uma moça que viu na rua. Ele reza sempre que tem pensamentos obscenos. Beatriz toma um banho de uma hora ao voltar do restaurante onde trabalha como atendente, pois tem medo de contaminação. Daniel parou de dirigir porque quando guiava, ao menor barulho diferente pensava ter atropelado alguém. Em todos esses casos, o temor maior é ser responsável por alguma catástrofe.
O paciente de TOC é capaz de reconhecer que as obsessões são produto psíquico, e isso agrava seu tormento. Ideias, pensamentos, impulsos ou representações persistentes causam grande ansiedade e sofrimento. As obsessões mais frequentes são medo de contaminação (infectar-se ao apertar a mão de alguém), dúvida impertinente (perguntar-se repetidas vezes se apagou a luz antes de sair), necessidade extrema de organização (sofrer se os livros estão desalinhados na estante ou fora de ordem alfabética), medo de sentir impulsos agressivos ou escandaloso ( fazer mal a um filho ou gritar obscenidades na igreja), recorrência de fantasias sexuais.
Todos temos obsessões, mas habitualmente, as afastamos e as esquecemos. No quadro de TOC, o paciente não consegue, Ele tenta neutralizar as obsessões com rituais compulsivos: o indivíduo atormentado pela dúvida de ter desligado corretamente o forno tenta dirimir a incerteza verificando repetidamente se o desligou mesmo.
As compulsões são comportamentos repetitivos (por exemplo, lavar as mãos 30 vezes por dia) ou atos mentais (contar ou repetir palavras várias vezes ao dia) que visam prevenir ou reduzir a ansiedade e o sofrimento, e não obter prazer ou satisfação. Na maior pane dos casos, a pessoa se sente impelida a realizar um ato compulsivo para reduzir o sofrimento que acompanha sua obsessão ou para prevenir o acontecimento temido, indivíduos maníacos por contaminação, podem aliviar sua angústia lavando as mãos até que fiquem em carne viva.
Mania de limpeza, contagem, obsessiva, necessidade de se reassegurar de algo, repetição de atos e organização de objetos em determinada ordem estão entre as mais frequentes compulsões.
CAUSAS FISIOLÓGICAS
A causa precisa desse distúrbio é ignorada. Fatores genéticos podem desempenhar papel importante, mas não parecem determinantes. Diversos estudos apontam para a participação de anomalias em certos circuitos cerebrais, outros sugerem predisposições ligadas a elementos de personalidade. É bem provável que não exista uma única causa. A hipótese mais aceita para a motivação dos transtornos é a combinação de fatores fisiológicos, psicológicos e sociais.
Do ponto de vista fisiológico, ocorre diminuição da quantidade de neurotransmissores, notadamente a serotonina. Certa predisposição psicológica ou personalidade vulnerável podem contribuir para que os sintomas apareçam. Problemas de relacionamento social (isolamento e dificuldade de fazer amigos) completam o quadro de motivações. O cruzamento desses três tipos de fatores expõe o indivíduo ao risco de desenvolver TOC. No âmbito dos distúrbios psíquicos é raro que o quadro da doença esteja ligado a uma única causa. Guilherme, por exemplo, tem antecedentes familiares de depressão, consome álcool com frequência e perdeu o emprego recentemente. O ambiente age sobre o indivíduo e influi em comportamentos e reações.
A abordagem escolhida pelo psiquiatra, psicoterapeuta ou psicólogo precisa considerar o paciente de maneira global. Devem ser levados em conta fatores fisiológicos, relações sociais e interações entre emoção, comportamento e história pessoal. Cada um dos três componentes (fisiológico, psicológico e social) demanda atenção particular. Estudos mostram que tratamentos apenas psicoterapêuticos ou exclusivamente medicamentosos não dão resultado satisfatório.
A melhor maneira de tratar o TOC é a prescrição de medicamentos, que agem sobre o componente fisiológico do distúrbio associada a terapia individual ou em grupo. Diagnóstico precoce e tratamento adaptado ao caso aliviam o sofrimento e ajudam o paciente a gerir ele próprio o transtorno. Abordagem adequada evita depressão (comum devido ao caráter limitador dos sintomas) e favorece a manutenção da vida social do indivíduo.
Infelizmente, o TOC com frequência é mal diagnosticado. Isto se deve em parte ao fato de que muitas pessoas atingidas têm vergonha de sua condição e a dissimulam, ou nem mesmo acreditam estar doentes. Clínicos gerais nem sempre conhecem o problema. Medicamentos e terapia cognitivo-comportamental, conjuntamente costumam surtir efeito. Antidepressivos permitem aumentar a concentração de serotonina em algumas regiões do cérebro, e a terapia cognitiva visa trabalhar comportamentos recorrentes e pensamentos obsessivos.
A terapia procura expor progressivamente o indivíduo às situações que causam ansiedade. No início, pede-se ao paciente que imagine situações que poderiam desencadear a compulsão. Ele começa com cenas que causam angústia moderada e passa a situações que tenha cada vez mais dificuldades de suportar. A cada etapa, com a ajuda do terapeuta a pessoa ganha capacidade de lidar com a ansiedade. Em seguida, é exposta a situações reais, segundo o mesmo princípio progressivo. Aos poucos, aprende a resistir às compulsões e a controlar a angústia.
O trabalho cognitivo permite modificar crenças e imagens psíquicas. Crenças podem ser conscientes ou inconscientes, e são frequentemente ligadas a quadros de culpa e responsabilidade. O terapeuta chama a atenção do paciente para certos pensamentos e o ajuda a modificá-los. O caráter irracional das convicções do indivíduo é sublinhado. Finalmente, o sujeito enfrenta a realidade, a fim de se dar conta de que seus medos eram injustificados (“apesar de não lavar as mãos 30 vezes seguidas, não fui contaminado”).
O TOC pode ter consequências muito negativas na vida social e moral do indivíduo, sobretudo quando ignoramos que se trata de doença frequente na população, mas que pode ser tratada. O TOC não é sinal de fraqueza ou defeito. Diagnóstico preciso é o primeiro passo para a abordagem adequada do problema e o retorno à vida normal.
JERÓME PALAZZOLO – é psiquiatra do centro hospitalar Sainte-Marie, em Nice, França, e professor de antropologia social da saúde da Universidade Senghor, em Alexandria, Egito.
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