INTELIGÊNCIA RELACIONAL
A habilidade de mobilizar pessoas e recursos em prol de um objetivo comum potencializa a criatividade, a inovação e a geração de resultados acima da média. Conheça a competência mais revolucionária desde a descoberta da inteligência emocional.
Um segundo parece pouco tempo, mas na internet, nesse intervalo, quase 67.000 pesquisas são feitas no Google, mais de 7.000 twitters são postados, 69.000 vídeos são vistos no You Tube e 2,5 milhões de e-mails são enviados, segundo informações da Internet Live Stats, empresa que monitora o uso da web em todo o mundo. Os números são impressionantes e exemplificam um marco histórico do mundo contemporâneo: pela primeira vez, bilhões de pessoas, de todos os países e classes sociais, estão conectadas. Mas esses dados grandiosos podem deixar uma falsa impressão – a de que a maior parte da população mundial domina, com maestria, a arte de construir relacionamentos consistentes, de mobilizar parceiros e recursos e, consequentemente, realizar grandes projetos. Não é bem assim. Na vida real, as pessoas ainda sofrem para criar laços que realmente valham a pena – a chamada “inteligência relacional”. O termo foi cunhado pelas pesquisadoras Erica Dhawan e Saj-Nicole Joni, especialistas em liderança e carreira, que escreveram juntas o livro Get Big Things Done: the Power of Connectional Inteligence (“Faça grandes coisas: o poder da inteligência relacional”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil) e acreditam que, nos próximos anos, a habilidade será tão importante e revolucionária quanto foi a inteligência emocional no passado. Essa nova inteligência é uma espécie de “networking objetivo”, que se vale dos relacionamentos para gerar inovação, aprender e alcançar resultados com mais rapidez e qualidade. “É uma das habilidades mais importantes do século 21, pois une sabedoria, informação e dados para resolver problemas em todas as áreas”, diz Homero Reis, coach e autor de Gente Inteligente Se Olha no Espelho (Editora Tagore), de Brasília.
Um bom exemplo vem dos desportistas de alto nível, como os medalhistas olímpicos Michael Phelps, da natação, ou Usain Bolt, do atletismo, que se cercam de uma cadeia de profissionais, como técnicos, consultores e médicos, que os ajudam a desenvolver ao máximo suas competências. Ter um staff desse tipo foi crucial para que eles alcançassem seus recordes. “O sucesso requer trabalho em equipe, influência e o compartilhamento de uma visão em comum”, afirma Homero. O importante é cultivar bem sua rede e entender que quantidade não é qualidade. ”Vale mais ter, na sua rede, uma pessoa influente da área em que você trabalha a centenas de pessoas de outros setores que não têm esse Poder”, diz Erica Dhawan.
NA CONVERSA
A inteligência relacional pode ser usada das formas mais diversas – e mais simples. Em uma multinacional de auditoria, por exemplo, a consultoria de Erica Dhawan propôs mudança fácil de ser implantada e muito eficaz para melhorar os processos: uma plataforma em que os funcionários pudessem classificar os colegas indicando em que eles eram muito bons – mesmo que aquilo não fizesse parte de seu escopo de trabalho. Um analista de marketing, por exemplo, poderia ter em suas tags o domínio da língua espanhola. Assim, um funcionário que tivesse dificuldade de se comunicar com profissionais do escritório na Espanha saberia exatamente a quem recorrer sem precisar mandar uma dúzia de e-mails. “Transformamos uma plataforma que já existia numa versão mais inteligente para conectar pessoas”, diz Erica.
A comunicação é o primeiro ponto a que você deve se dedicar para desenvolver a competência. “Tudo o que você faz em sua vida é conversa. Primeiro você conversa e contratos são firmados, decisões são tomadas. Portanto, saber procurar e estabelecer padrões de relacionamento com base em nossas conversas é essencial”, diz Homero. Mas, como transformar as conversas em laços verdadeiros e duradouros? Uma das maneiras mais eficientes para tratar essa habilidade básica da inteligência racional é compreender a realidade das outras pessoas, algo essencial para que Karina Tiso Girardi, de 35 anos, crescesse na Viva Real, site de aluguel de imóveis, de São Paulo, e se tornasse gerente da área que ela mesma criou, a de “suporte ao cliente”, na qual lidera 100 profissionais. “Eu me coloco no lugar do outro. “Não é que não pense em mim, mas procuro pensar no coletivo”, diz Karina. “Sempre gostei de estudar o comportamento das pessoas. Com os mais sensíveis, converso de uma forma. Com os mais pragmáticos, de outra”, diz. O segredo para ter esse olhar, segundo ela, é escutar mais. A estratégia criou um ambiente onde os funcionários se sentem tão seguros que não têm medo de falar. “Eles não escondem os problemas porque sabem que vou ajuda-los a resolver, e não dar bronca.” Outra vantagem dessa postura é tornar o ambiente mais propício à inovação, por exemplo. “Participamos de reuniões inúteis o tempo todo, mas gastar alguns minutos para falar das relações e dar sugestões, mesmo as que pareçam bobas, é muito importante, pois gera um grande impacto no resultado final dos times”, afirma Erica.
NOVOS HORIZONTES
A inteligência relacional é tão versátil que pode (e deve) ser usada também fora dos muros das companhias. Afinal, muitas vezes é preciso se distanciar das mesas do escritório para encontrar respostas para os dilemas dos negócios. Foi o que aconteceu na Colgate-Palmolive quando nenhum de seus mais de 200 cientistas conseguiu responder como fazer com que uma nova fórmula de creme dental, fabricada com moléculas maiores, coubesse nos tradicionais tubinhos de plástico. Um executivo, então, convenceu a empresa a compartilhar o problema na InnoCentive, plataforma global de solução de problemas, com 380.000 profissionais free lancers de 200 países, em sua base. Qualquer um poderia se candidatara resolver a questão e, quem conseguisse, ganharia um prêmio. Foi um engenheiro desempregado do Canadá que executou a façanha ao perceber que a questão era física, e não química, como a Colgate-Palmolive acreditava. Ele embolsou o prêmio de 25.000 dólares – uma pechincha em comparação ao que a empresa gasta em seu laboratório de pesquisa e desenvolvimento. A rede de cafeterias Starbucks também usou as conexões externas para inovar e pediu aos clientes que dessem sugestões de novos produtos e serviços. Em cinco dias, a empresa recebeu 150.000 ideias, que foram analisadas e, em alguns casos, implantadas – como uma pecinha de plástico para evitar que o café vaze pela abertura da tampa quando se está caminhando, um frapuccino de coco ou ainda as versões light de bebidas, feitas sem adição de gordura nem açúcar.
PROPÓSITO COMUM
O que esses exemplos mostram é o potencial de inovação e a agilidade do processo criativo gerados pela conectividade. Quando usamos a inteligência relacional com competência, uma rede enorme de pessoas pode ser mobilizada para ajudar a resolver questões. Mas, para isso, elas precisam enxergar um propósito naquilo e entender que, de seu esforço, surgirá algo que beneficiará a coletividade.
Foi o que percebeu Devani Martins Junior, de 29 anos, analista de meio ambiente da siderúrgica Gerdau. Funcionário das fábricas de Pindamonhangaba e Mogi das Cruzes (SP), ele se incomodava com a emissão (e o descarte) de centenas de carteirinhas técnicas, que controlavam quais eram os treinamentos que os funcionários tinham feito ao longo de sua carreira – a cada um deles, era produzido um cartão de PVC. “Alguns operadores emitiam cinco novos documentos todo mês”, diz Devani. Depois de pesquisar o assunto, o analista descobriu uma empresa que poderia desenvolver um sistema com base na tecnologia de código QR por 40.000 reais para substituir as carteirinhas. A partir daí, o assunto foi apresentado à liderança. “Conversei com meus chefes e eles enxergaram o propósito por trás da ideia, perceberam que a inovação traria sustentabilidade. Por isso, deram aval ao projeto”, diz Devani. Agora, cada funcionário tem um código QR fixado no crachá e a leitura dos treinamentos de cada um é feita com o celular. “O sistema ainda dispara um alerta para os gestores quando um treinamento está para vencer”, afirma o analista. Ao deixar de emitir os documentos. a empresa ainda passou a economizar 8.000 reais mensais. Como compartilhar o conhecimento também faz parte da inteligência relacional, Devani escreveu sobre a experiência no Yammer, rede social corporativa da Gerdau, e recebeu o contato de nove usinas, inclusive a da Argentina, interessadas em implementar a mesma tecnologia.
IDEIAS COMPARTILHADAS
“Compartilhar” é o verbo da vez. Compartilham até o carro para ir ao trabalho e a casa nas férias, mas dividir as ideias ainda enfrenta resistência – embora essa seja a base da inovação que nasce dos relacionamentos. ”Existe um conceito errado no Brasil de que a ideia por si só tem um valor alto e não pode ser dividida. Mas o que vale não é a ideia, mas a execução”, diz Flavio Pripas, diretor do Cubo, hub de empreendedorismo, de São Paulo.
E, para tirar sua ideia do PowerPoint, nada melhor do que dividiras aspirações com pessoas que tenham experiência naquele assunto. Bárbara Diniz Almeida, de 31 anos, sabia quanto isso era decisivo para ingressar no mundo do empreendedorismo e fundar, ao lado de sua sócia e colega de faculdade, Mariana Penazzo, a Dress & Go, companhia que aluga pela internet vestidos de marcas famosas a preços mais acessíveis. Por isso, acionou bastante sua rede de relacionamentos, formada durante seis anos de trabalho no mercado financeiro. ”Os contatos que eu fiz lá me ajudaram muito na abordagem dos investidores. As portas se abriam mais facilmente porque eu conhecia as pessoas certas”, diz Bárbara, que compartilhou a ideia de sua startup com alguns contatos-chave para saber se estava no caminho certo. E estava. Em 2015, a companhia recebeu um aporte 3,5 milhões de reais e saltou de 15 funcionários para os 76 atuais. Nada disso teria sido possível sem a troca franca de ideias com outros empresários, investidores e especialistas no mercado – algo tão relevante para o empreendedorismo (e crucial na inteligência relacional) que inspirou um dos fundos que colocaram dinheiro na Dress & Go a criar uma rede interna de troca de ideias e experiências entre microempresários. “Essa rede virou um ativo do investidor, porque é algo a mais que ele oferece. O compartilhamento de informações é importante porque aquele é um grupo que passa pelas mesmas situações”, afirma Bárbara.
LAZER E NEGÓCIOS
A base da inteligência relacional é o networking, palavra que incomoda muita gente, principalmente os mais introvertidos. Mas construir uma rede sólida de relacionamentos não precisa ser algo forçado – você pode criar laços produtivos nos negócios por meio de afinidades pessoais. Identificar as oportunidades futuras é o pulo do gato de quem tem inteligência relacional. Esse foi o caso do britânico Greg Kelly, de 31 anos, no Brasil desde 2014, e do americano Brian Begnoche, de 33 anos, que se mudou para o Rio de Janeiro em 2008. A dupla se conheceu há três anos. O contexto não tinha nada a ver com negócios: os dois jogavam rúgbi e acabaram praticando o esporte juntos em uma praia no Rio. ”Entre jogadas e conversas, tivemos a ideia de fundar a EqSeed, uma plataforma de financiamento colaborativo que conecta startups a investidores, porque nós dois queríamos contribuir para o ecossistema de startups do país”, diz Brian. No esporte, a dupla encontrou o valor da companhia: a é tica. “Já analisamos mais de 900 empresas e selecionamos cinco. A régua é alta porque queremos pessoas que tenham a cultura daquilo que o esporte tem de melhor: o trabalho em equipe, a ética e o respeito”, diz Greg.
Quando há pontos em comum, como foi o caso de Greg e Brian, o relacionamento pode fluir mais facilmente. pois já existe um alinhamento natural. O segredo é compreender que as possibilidades de negócios estão em todos os lugares. Sua chance de ter sucesso com um novo contato é maior se você procurar os assuntos em comum”, diz Patrícia Epperlein, da Stato, consultoria de recrutamento executivo, de São Paulo.
Então, não desperdice as oportunidades de se relacionar. Para Erica Dhawan, quem quer ter uma inteligência para se conectar precisa estar sempre pronto a estabelecer novas amizades e ter uma atitude mais receptiva ao mundo. “Tenho três conselhos para melhorar essa competência: manter-se sempre aberto a novas ideias e pessoas, de diferentes históricos usar o que você gosta para fazer conexões importantes e ter coragem para mobilizar os outros em torno da sua ideia”, afirma Erica.
Isso significa que as relações já estão aí, em suas mãos. O que você precisa fazer não é ampliar constantemente sua rede, mas usar os recursos que você já tem com mais inteligência. Quem fizer isso vai se destacar e crescer – corno indivíduo e como profissional.
PODER DE CONEXÃO
Segundo a pesquisadora Erica Dhawan, a inteligência relacional é composta de 5 atitudes básicas. A seguir, como descobrir se você já tem essa competência.
ATITUDE 1: CURIOSIDADE
Eu procuro explorar diversos ângulos de um problema em busca de novas perspectivas?
ATITUDE 2: COMBINAÇÃO
Eu costumo reunir diferentes ideias, recursos e produtos e combina-los para criar novos conceitos?
ATITUDE 3: COMUNIDADE
Como é minha relação com minha comunidade? Eu poderia me conectar com mais e diferentes pessoas para desenvolver novas ideias?
ATITUDE 4: CORAGEM
Eu fujo de conversas difíceis ou procuro encorajar esse comportamento em minha equipe?
ATITUDE 5 – COMBUSTÃO
Eu tenho mobilizado e encorajado minhas redes a pensar diferente também?
AÇÃO E RELAÇÃO
Três passos para desenvolver a inteligência relacional.
1 – CONQUISTE A CONFIANÇA DOS COLEGAS
Nós nos relacionamos melhor com as pessoas em que confiamos. E tornar-se confiável no trabalho passa, primeiro, pelo comprometimento com as metas – tanto para cumprir as tarefas diárias quanto para dizer “não” quando não é possível fazer alguma entrega.
2 – PRATIQUE A INOVAÇÃO SEM CONTRARIAR A CULTURA DA COMPANIHA
Você deve trabalhar dentro dos limites da empresa no que diz respeito à tomada de riscos. Uma das maneiras de fazer isso é desenvolver grupos de afinidades para identificar as questões em que cada área pode ajudar. Assim, os riscos de um projeto dar errado são reduzidos.
3 – EXPLORE VÁRIOS TIPOS DE FERRAMENTA DE CONEXÃO
Crie ou busque comunidades fora do trabalho para entrar em contato com pessoas com interesses em comum. Vale entrar em grupos de discussão no Facebook, LinkedIn e WhatsApp, acompanhar Hashtags no twitter e fazer parte de fóruns especializados.
LIDERES INSPIRADORES
Aqueles que estão em cargos de gestão podem – e devem – usar a inteligência relacional para melhorar o desempenho de suas equipes.
MUDE (SE POSSÍVEL) AS REGRAS DO JOGO
Processos que atrasam o progresso devem ser revistos constantemente. Não importa se “sempre foi feito assim”.
PEÇA AJUDA A NOVAS PESSOAS E COMUNIDADES
Dê voz a todos nas reuniões e encoraje a colaboração. Questões mais complicadas – que não sejam estratégicas – podem ser resolvidas mais rapidamente com o envolvimento de fóruns e redes de colaboração.
ERRE RÁPIDO E CORRIJA
Testar – e deixar que sua equipe teste – é importante para crescer e melhorar. Criar um ambiente seguro, para que seu time sinta que pode errar e contar com você aumenta a chance de aprender com as falhas e gerar inovações.
Fonte: Livro – “Get Big Things Done: The Power of Connectional Intelligence”.
NÃO EXAGERE NA DOSE
Os cuidados que você deve tomar para ter relacionamentos mais inteligentes.
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