A ARMADILHA MASCULINA
De um lado, a imagem tradicional do homem-provedor persiste no ambiente de trabalho. De outro, espera-se cada vez mais deles na divisão das tarefas domésticas. Falar sobre o tema, porém, traz dois temores: ser tachado de machista pelas mulheres e de frouxo por outros homens.

Nathan é um advogado bem-sucedido, que vive e trabalha em Manhattan. Ele não parece um sujeito digno de pena: tem um emprego num respeitado escritório do bairro de Midtown, usa ternos de caimento impecável e ganha um bom salário. Nathan negocia contratos e direitos de propriedade intelectual para a dinâmica indústria de entretimento de Nova York. Divorciado, beirando os 50 anos, ele fala com carinho dos filhos adolescentes, não esconde o amor pela noiva (com quem vai se casar em breve) e garante que tem uma vida confortável e uma carreira em ascensão. Por isso, Nathan hesita antes de confessar algo que não costuma dizer em público – nem mesmo aos amigos mais próximos. “Na sociedade em que vivo, e considerando que sou um profissional em Nova York, acredito que hoje é mais fácil ser mulher do que homem.”
Imediatamente ele ressalta que ser mulher não é fácil – de maneira alguma. Nathan entende por que muitas se frustram diante da expectativa de que “façam tudo, de que trabalhem e sejam mães, um pacote muito contraditório de coisas”. Mas poucas mulheres parecem notar que os homens também estão penando para enfrentar o próprio pacote, que nem sempre é simples. “Sinto que esperam que eu, o homem, seja o provedor, mate as baratas, conserte tudo o que quebrar na casa. Ao mesmo tempo, tenho de ser sensível, ajudar na cozinha, cuidar das crianças.” Nathan teve dois relacionamentos longos, e suas parceiras puderam equilibrar carreiras sólidas com uma flexibilidade que lhes permitiu estar à disposição das crianças. Mas ele sentiu-se obrigado a ter uma profissão com um contracheque polpudo o suficiente para sustentar a família. “Passei os últimos 20 anos acorrentado a uma mesa no escritório”, desabafa. “Adoro ser advogado. Mas se eu tivesse 20 e poucos anos e me dissessem que eu poderia fazer o que quisesse da vida, talvez eu tomasse um rumo diferente.” Nathan fala com inveja de amigas que decidiram abrir mão da carreira para ser mães. “Elas não são vistas como fracassadas. No máximo, alguém diz: ‘que legal, você optou por ficar com seus filhos, eles são a coisa mais importante do mundo’. Para os homens, essa opção não existe.”
Nathan não é o único a enfrentar esses dilemas. Entre 1977 e 2008, a porcentagem de pais americanos que sofrem com a equação família + trabalho aumentou de 35% para 60%, enquanto a porcentagem de mães com o mesmo conflito subiu apenas de 41% para 47% (a pesquisa foi feita com casais em que ambos os cônjuges trabalham). Os homens jovens encarregados de sustentar a família relatam altos níveis de estresse e tristeza, por não poderem passar mais tempo com os filhos.
Uma vez que os homens – sobretudo os brancos – ocupam uma posição de inigualável privilégio na sociedade, Nathan reluta em falar abertamente sobre o assunto. “Eu nunca disse isso para as mulheres com quem convivi, e acho melhor não fazê-lo.” A desconfiança tem fundamento. Boa parte das conversas sobre desigualdade de gênero acaba situando pessoas na situação de Nathan do lado do problema. Em todo o mundo, as mulheres estão obtendo mais diplomas universitários do que os homens, e mesmo assim elas ainda não desfrutam do mesmo sucesso profissional que eles. A culpa parece estar na divisão desequilibrada das tarefas domésticas. Nos países desenvolvidos, os homens de hoje passam mais tempo do que nunca lavando, cozinhando e cuidando dos filhos; o grosso do trabalho doméstico, porém, ainda cabe às mulheres. Nos Estados Unidos, por exemplo, elas dedicam quase duas vezes mais tempo ao cuidado com a casa e as crianças do que os companheiros. Mesmo casais que fazem um esforço consciente para estabelecer uma parceria igualitária acabam caindo na divisão tradicional de papéis quando os filhos entram em cena. Um estudo recente pediu a casais americanos de alta escolaridade, nos quais ambos trabalham, que registrassem diários com os horários de suas tarefas. O resultado mostrou que pais de primeira viagem desfrutam de até três horas e meia a mais de lazer do que as mães, já que elas têm empregos em tempo integral e ainda por cima ficam com a maior fatia da chamada “segunda jornada”.
Há tempos as feministas argumentam que os homens não veem tanta necessidade de ajudar em casa, já que desfrutam de todos os benefícios do casamento e da paternidade sem ter de oferecer uma contribuição adicional. “Embora a situação esteja mudando, o casamento ainda é bom negócio para os homens no que diz respeito à mão de obra prestada pelas mulheres”, afirma Scott Coltrane, sociólogo da Universidade do Oregon. Ele realizou uma pesquisa que considerava variáveis como idade e grau de instrução, e descobriu que os homens americanos casados têm renda consideravelmente superior à dos solteiros ou divorciados. Essa renda, vale acrescentar, aumenta a cada novo filho. Isso indica que o casamento deixa o homem mais produtivo no escritório, uma vez que boa parte das tarefas domésticas acaba sendo transferida para a esposa. As mulheres, por sua vez, não desfrutam desse “bônus”: a renda delas tende a diminuir a cada novo filho. Os mesmos efeitos podem ser observados em diversos países ocidentais, e são ainda mais visíveis em nações conservadoras como Áustria e Alemanha (e menos em países progressistas, como a Suécia). O desequilíbrio no ambiente doméstico parece explicar por que a taxa de emprego entre as mulheres segue em ritmo lento desde a década de 90, e está estável desde o início dos anos 2000, depois de passar por um aumento acentuado entre os anos 60 e 80. Ou seja: para que mais mães possam avançar no terreno do trabalho remunerado, mais pais precisam assumir o trabalho em casa. O problema é que as coisas não são tão simples assim, conforme demonstra o desabafo de Nathan.
Embora as mulheres não estejam entrando em universos predominantemente masculinos tão rápido quanto as feministas gostariam, esse movimento é mais acelerado do que a entrada dos homens em universos predominantemente femininos. Para entender a discrepância, é preciso observar de perto o valor relativo que atribuímos aos conceitos de masculinidade e feminilidade. Muita gente supõe que o gênero se resume a um sistema de classificação de diferenças, ou a um modelo que orienta o comportamento das crianças. A realidade é bem mais perniciosa do que isso. Temos o costume de atribuir maior valor a atributos associados aos homens – competência, força, virilidade e estoicismo. Por outro lado, as características associadas às mulheres – vistas como calorosas, gentis e subservientes – são subestimadas. Nós nos sujeitamos às opiniões e vontades dos homens, e somos lenientes com as mulheres. Ou seja: gênero é muito mais do que um amontoado de características corporificadas por pessoas. É um sistema com estratificações sutis, que oferece vantagens aos homens e desvantagens às mulheres.
Isso significa que as mulheres têm mais incentivos para agir de forma masculina do que vice-versa. Uma profissional que se comporta como os colegas do sexo masculino pode até ser vista como “agressiva” ou chamada de “trator”. Mas essas penas são compensadas por um aumento na probabilidade de obter mais poder e maior remuneração financeira. Quando um homem adota comportamentos tidos como femininos, ou tem um emprego tradicionalmente associado às mulheres, a tendência é perder status, ter menos benefícios e sofrer sanções sociais – sobretudo por parte de outros homens. “Se um homem decide se afastar do trabalho, abre-se uma crise inesperada”, afirma Barbara Risman, diretora do departamento de sociologia da Universidade de Illinois, em Chicago. “O problema não é ser visto como um homem parecido com uma mulher, e sim ser visto como um homem ‘menor’. Justamente porque as mulheres são vistas como menores.”
Uma vez que enxergamos a masculinidade como uma irmandade que que confere privilégios especiais, fica explicada a implacável patrulha cultural aplicada aos integrantes do grupo. Nem todos os homens são aceitos no clube, e os rituais de iniciação começam na infância. Os pais dizem às filhas que elas podem ser e fazer o que quiserem, e ao mesmo tempo compreendem suas lágrimas quando elas sofrem. Aos meninos, porém, ensinamos a importância de ser “durão”, de não amolecer, de encarar a vida “como um homem”. Ao ver uma menina deixar a boneca de lado e jogar futebol, muitos pais e mães sorriem encantados – como se as garotas estivessem aprendendo a “se impor” no microcosmo do parquinho. Mas um menino que decide trocar as chuteiras por um par de sapatilhas será alvo de preocupação. À medida que as crianças crescem, os meninos não medem esforços (e com frequência sofrem) para provar aos outros que são machos; enquanto isso, as meninas têm à disposição uma gama bem mais ampla de comportamentos aceitáveis. “Se esse jogo está virando uma competição para ver quem leva a pior, a verdade é que as garotas saem em vantagem quando o assunto é a definição da feminilidade”, diz Lisa Damour, psicóloga especializada em adolescentes. “A menina que tem jeito de moleque é bem-vista pelos colegas. A que gosta de maquiagem também. Mas os meninos têm uma margem de manobra extremamente estreita.” Aqueles que ultrapassam as fronteiras tradicionais costumam ser alvo de bullying e violência. Seu status como homens é a um só tempo valioso e precário – e tem de ser constantemente reconquistado.
A definição de masculinidade continua igualmente rigorosa depois que os meninos crescem. Para muitos homens, o ambiente de trabalho é apenas mais uma versão do pátio da escola, um território onde eles terão de defender seu posto de macho alfa. “Há empresas que vivem num clima constante de negociação entre os homens, de modo a estabelecer uma hierarquia entre eles”, diz Joan Williams, jurista feminista que fundou o Center for WorkLife Law, na Universidade da Califórnia. “Ficar mais tempo no escritório pode ser uma forma de provar que ‘o meu é maior que o seu’ – e aqui me refiro ao horário de trabalho. Os homens se sentem pressionados a fazer esse tipo de coisa.”
Entre os profissionais, a frustração dos pais com a carga de trabalho é a mesma que a das mães – e quase sempre eles ficam igualmente tristes por não estarem com os filhos tanto quanto gostariam. O problema é que os homens temem ser malvistos por seus pares. Por isso, a probabilidade de um homem desfrutar de políticas de auxílio à paternidade é menor. Eles relutam diante da ideia de se tornarem donos de casa. Sarah Thébaud, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, e David S. Pedulla, da Universidade do Texas em Austin, realizaram uma enquete com homens da chamada geração millennial – aqueles nascidos depois de 1980, os primeiros a se tornarem adultos no atual milênio. Os entrevistados sentem-se mais inclinados a aproveitar os benefícios do trabalho flexível quando acreditam que outros colegas fariam o mesmo. Outros estudos sobre a licença paternidade mostram que os homens só optam por ficar em casa com os filhos quando o benefício é claramente dirigido a eles, e quando outros pais também tiram a licença. Na Noruega, os pesquisadores perceberam que a probabilidade de sair em licença paternidade aumenta quando um irmão ou outro colega do sexo masculino já o fez.
Fora isso, a maioria dos homens supõe que as políticas de trabalho flexível, mesmo quando criadas para homens e mulheres, são coisa de mulher. Eles acreditam que serão menosprezados pelos colegas se utilizarem esses benefícios. Muitos temem ser vítimas da postura de profissionais como Chase – um pai de 40 e tantos anos, sócio de um grande escritório de advocacia em Chicago. “Às vezes vejo uma mulher que tem filhos e trabalha fora, e sei que o marido dela também tem um emprego. Entendo que os dois estão se matando de trabalhar, e penso que isso não é bom para as crianças”, diz. “Mas quando vejo um pai que decide parar de trabalhar para cuidar dos filhos, confesso que não formo uma imagem muito boa dele. Pode me chamar de machista, do que quiser. Mas acho meio covarde. É pular fora do jogo, desistir de batalhar pelo sucesso, afastar-se de coisas que, para mim, têm valor.”
A renda da mulher pode até cair quando ela decide se afastar do trabalho para cuidar dos filhos, mas mesmo assim ela será vista como uma boa mulher. Já um pai que fizer o mesmo poderá ser visto como “menos homem”. “Os mitos que envolvem a masculinidade continuam mais fortes que os da feminilidade”, observa Stephanie Coontz, do Evergreen State College, historiadora que estuda família e casamento. “O homem ainda enfrenta uma imensa pressão para agir como homem.” E, no ambiente de trabalho, a pressão está cada vez maior.
Eric é um advogado de direito societário, e trabalha num grande escritório da Filadélfia. Para se tornar sócio da empresa, ele precisa passar cerca de 50 horas por semana na empresa. “A altura do sarrafo muda o tempo todo”, suspira ele. As contas do mês incluem o financiamento da casa e as mensalidades da escola particular de dois filhos. Sua mulher optou por ficar em casa com as crianças (ela também é advoga- da, mas seu salário mal cobria os custos da babá). Eric confessa que se sente “empacado”. “Ninguém nunca me explicou que a vida real seria assim. De repente a gente se vê no meio da engrenagem, e aí o negócio é tocar para a frente do jeito que for possível.” Ele diz que o ideal seria dividir de forma equilibrada as tarefas domésticas, mas seu emprego não permite que seja as- sim. Recentemente, Eric perdeu a reunião de pais dos filhos porque tinha de atender um cliente. “Eu nem me dei ao trabalho de tentar mudar o horário com o cliente. Sabia que levaria um sermão ou receberia um olhar torto, como se eu fosse difícil de lidar.”
Alguns empregos estão se tornando mais exigentes. Profissionais com salários baixos têm de encarar horários e agendas que mudam constantemente, sempre em cima da hora. Dos profissionais bem pagos, esperam-se mais horas de trabalho e jornadas que com frequência avançam madrugada adentro. Em 1979, 16% dos americanos assalariados trabalhavam no mínimo 50 horas por semana. Em 2014, essa proporção havia aumentado para 21%.
As pesquisadoras Youngjoo Cha, da Universidade de Indiana, e Kim Weeden, de Cornell, descobriram que funcionários que trabalham mais horas tendem a ganhar mais e receber mais promoções. Essa tendência surgiu nos anos 90; antes disso, o cenário era inverso: quem trabalhava mais eram os profissionais de salários baixos. Em 2014, um profissional que trabalhasse no período integral regular ganhava, em média, US$ 26 por hora; já o que trabalhasse mais de 50 horas por semana recebia quase US$ 33 por hora.
Essa elevação das expectativas no ambiente profissional acaba reforçando o desequilíbrio no trabalho doméstico entre homens e mulheres. As mulheres são empurradas para empregos de meio período, e os homens acabam por delegar o cuidado com os filhos para as parceiras. Muitos empregadores partem do pressuposto que as mães vão – e devem – colocar a família em primeiro lugar, e de que as crianças fatalmente impedem que a mulher avance na carreira. Não à toa, economistas americanos afirmam que ter um filho reduz a renda da mulher em 6%, e ter dois diminui o salário da profissional em 15%. Por outro lado, a chegada de filhos leva os homens a aumentar a carga de trabalho em cerca de 80 horas por ano, em média. Isso eleva a renda masculina em 6%. Além disso, entre 1965 e 2000 o tempo gasto pelos homens trocando fraldas e cuidando da casa dobrou. As mães costumam trabalhar fora de casa menos do que gostariam; já os pais costumam ficar no escritório mais do que desejam.
Essas expectativas, é claro, estão mudando rapidamente. Uma pesquisa realizada em 2013 pelo Pew Research mostrou que apenas 28% dos americanos concordam com a seguinte frase: “de maneira geral, o casamento é melhor quando o marido ganha mais do que a mulher”. Em 1997, 40% dos entrevistados concordavam com a mesma afirmação. De todo modo, é difícil encontrar alguém que esteja totalmente imune a séculos de convenções sociais. O roteirista Steve confessa que “sem dúvida foi bem esquisito” ganhar 50% a menos que sua mulher durante o primeiro ano de casamento. Ele tem 40 e poucos anos, vive no Brooklyn e diz: “Somos todos muito modernos e avançados, e queremos que o casamento seja uma divisão equilibrada de tarefas. Mas, quando a coisa apertava, ela às vezes me dizia: ‘você é que deveria estar sustentando a gente’”. Steve esclarece que o fio de tensão era tênue, pois eles nunca enfrentaram problemas financeiros de verdade. “Mas de vez em quando o assunto surgia, e ela vinha com essa cartada: o problema nem deveria ser dela, afinal de contas ela é a esposa. Um homem não pode usar esse argumento.”
Alguns homens também acreditam que o sucesso profissional é parte do que os torna atraentes para as mulheres. Robert tem 32 anos e trabalha com mídias digitais em São Francisco. Ele confessa invejar os amigos que vivem num regime financeiro mais frugal. “Se a gente tivesse uma vida modesta, talvez eu não tivesse de trabalhar tanto”, afirma. “Mas é difícil sugerir isso. Minha noiva me enxerga como um cara bem-sucedido, capaz de sustentar o casal.”
As mulheres reclamam, com razão, que costumam ser relegadas apenas ao papel de mães – com direito a salários mais baixos, menos promoções e menor prestígio (quer elas façam essa escolha ou não). Os homens, no entanto, também parecem insatisfeitos com o papel que lhes cabe como pais. Beirando os 40 anos, o apresentador de televisão Brian conta que decidiu tirar a licença paternidade após o nascimento do segundo filho. “Foi um pesadelo. Eu não conseguira nem saber quais eram meus direitos. A decisão de dar um tempo no trabalho é tão rara que ninguém entende como funciona.” Depois de muita confusão, ele descobriu que poderia usar seus dias de licença médica para ficar com as crianças. Brian acredita que poucos homens aproveitam o benefício por “medo de serem olhados com cara feia”.
O receio tem fundamento. Pesquisas mostram que pais que desfrutam da licença ou solicitam horários de trabalho flexíveis costumam, sim, ser punidos – com longos intervalos sem aumento, menos promoções e pior avaliação de desempenho pelos superiores. É claro que o mesmo ocorre com as mulheres. Para os pais, porém, o golpe parece ter mais força, já que eles estão desafiando expectativas culturais e sociais. Alguns estudos descobriram que tanto os homens quanto as mulheres associam características como fraqueza ou inadequação a pais que tiram a licença para ficar com os filhos. Na Austrália, uma enquete realizada com profissionais mostrou que a probabilidade de ter a licença concedida pelo chefe é duas vezes menor para o homem do que para a mulher. Um dos entrevistados relatou ter ouvido a seguinte justificativa de seu superior: “A gente costuma oferecer trabalho em meio período para mulheres, mas não para homens.” Além disso, outras pesquisas revelam que pais com uma postura mais progressista em relação ao cuidado com os filhos costumam ser alvo de chacota dos amigos. Um estudo da Deloitte com mil homens americanos mostrou que um terço deles acredita que a licença paternidade “coloca em risco” o cargo ocupado pelo profissional. Diante desse estigma, não surpreende que 75% dos trabalhadores que aproveitam a lei estadual de licença paga, adotada pela Califórnia, sejam mulheres.
Patrick, um jornalista de televisão que vive em Atlanta e tem 40 e poucos anos, descobriu logo no início da vida profissional que não deveria nutrir nenhuma expectativa em relação à possibilidade de ter mais tempo para ficar em casa. Casado com uma médica obstetra, coube a ele boa parte do cuidado com os três filhos, já que a esposa cumpria dois turnos de trabalho num hospital. Certo dia, ele tentou explicar ao chefe que não poderia mais fazer plantão nos fins de semana. A resposta foi seca: “Patrick, todo mundo aqui tem família. Ninguém está nem aí para a sua”. Difícil imaginar um homem dizer o mesmo para uma mulher.
Muitos pais confessam que as longas jornadas de trabalho trazem insegurança em relação ao papel exercido em casa. “Às vezes viajo a negócios, ou então trabalho das 7 da manhã até a meia-noite porque estou me preparando para um julgamento”, conta o advogado Eric. “Quando volto para casa, minha mulher diz que as coisas pioram, porque ela já estabeleceu uma rotina da qual não faço parte. É como se eu fosse uma visita dentro da minha própria casa.”
A maioria das mulheres acredita que os homens se agarram aos papéis tradicionais porque é mais confortável para eles. Sem dúvida, progredir na carreira traz maiores salários, mais poder e status do que o caminho seguido pelas mães. Mas essas vantagens têm um custo. Christin Munsch, da Universidade de Connecticut, realizou uma pesquisa durante 15 anos com homens e mulheres americanos de idade entre 18 e 32 anos. Ela descobriu que a saúde dos homens é melhor enquanto eles dividem o sustento da casa com as mulheres. À pro- porção que a responsabilidade de pagar as contas aumenta, a saúde e o bem-estar dos homens diminui. Com frequência, as piores condições de saúde e os mais altos níveis de estresse são registrados nos períodos em que as esposas param de trabalhar por completo.
Tudo indica que os casamentos mais igualitários funcionam melhor. Um estudo, por exemplo, compilou dados de 2006 e descobriu que casais com uma divisão equilibrada das atividades domésticas são mais felizes, e têm mais (e melhores) relações sexuais do que pares que seguem o script tradicional. Pais que dedicam mais tempo ao cuidado com os filhos e a casa não apenas tendem a viver mais felizes e mais próximos das crianças e da companheira: eles também vivem mais. Na Suécia, um trabalho feito com 72 mil homens que tiveram filhos entre 1988 e 1989 mostrou que aqueles que tiraram entre 30 e 60 dias de licença paternidade reduziram em 24% o risco de morrer até o ano de 2008, em comparação com os que não desfrutaram do benefício. Para os autores da pesquisa, pais que abraçam as tarefas domésticas têm menos probabilidade de adotar comportamentos arriscados para comprovar a própria masculinidade.
Isso sugere que os homens (à semelhança das mulheres) também vivem mais felizes em relacionamentos equilibrados. No entanto, de maneira geral, não é assim que as coisas funcionam. Ideias ultrapassadas sobre o comportamento esperado de cada sexo, aliadas à pressão por “mostrar serviço” no trabalho, impedem que se avance mais rápido. Essa conclusão não é novidade para tantas mães que há tempos reclamam da impossibilidade de “ter tudo”. Os problemas enfrentados por homens que se tornam pais, porém, são menos debatidos. Na verdade, muitos preferem nem falar sobre o assunto em público – em parte porque sabem que as queixas das mulheres costumam ser mais sólidas do que as deles. No entanto, o silêncio masculino deve-se também ao medo de que o lamento sobre as dificuldades de ser homem e pai possa romper com um código tácito estabelecido entre os machos. “É um tabu tão grande quanto a polêmica das cotas raciais”, diz Jesse, um escritor de quase 50 anos, pai de dois filhos. “Vivo numa região cosmopolita de Minneapolis, e nessa minha bolha o foco das atenções é o desenvolvimento das mulheres. Ninguém discute os problemas dos homens.”
Essa discussão terá de acontecer se os casais realmente quiserem mudar convenções culturais e econômicas, e atingir parcerias mais igualitárias. “As mulheres pedem que os homens sejam solidários e compreensivos, e elas têm razão”, diz Patrick, o jornalista de Atlanta. “Mas eu gostaria que também houvesse mais solidariedade e compreensão com os homens.”
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