MATEUS 20: 20-28

A Ambição É Corrigida
Aqui temos, a princípio, o pedido dos dois discípulos a Cristo, e a retificação do erro sobre o qual estava baseado (vv. 20-23). Os filhos de Zebedeu eram Tiago e João, dois dos três primeiros discípulos de Cristo. Tanto Pedro como eles eram os seus discípulos mais chegados; João era o discípulo que Jesus amava; no entanto, ninguém foi tão frequentemente reprovado quanto eles. Cristo corrige mais àqueles que Ele mais ama (Apocalipse 3.19).
I – Aqui está a palavra ambiciosa que eles falaram a Cristo – que pudessem se sentar, um à sua direita e o outro à sua esquerda, em seu reino (vv. 20,21). Eles demonstraram um grande grau de fé, pois estavam confiantes em seu reino, embora então o Senhor parecesse estar em uma situação de fraqueza. Mas eles também demonstraram um grande grau de ignorância, pois ainda esperavam um reino temporal, com pompa e poder terrenos, quando Cristo lhes havia falado tão frequentemente sobre sofrimentos e renúncia. Com isso, eles esperavam ser pessoas eminentes. Eles não pedem um emprego em seu reino, mas somente a honra; e nenhum lugar lhes serviria nesse reino imaginário, além do mais elevado, ao lado de Cristo, e acima de todos os outros. É provável que a última palavra no discurso anterior de Cristo – de que ao terceiro dia ressuscitaria – tenha lhes dado a oportunidade de fazer esse pedido. Eles concluíram que a ressurreição seria o evento que marcaria a entrada do Senhor nesse reino. Portanto, estavam decididos a reservar logo os melhores lugares; eles não os perderiam por falta de pedi-los com antecedência. Assim, utilizaram mal aquilo que Cristo havia dito para confortá-los, e se encheram de orgulho. Alguns não conseguem lidar com confortos, mas os revertem para propósitos errados – assim como os doces em um estômago ruim produzem a bile. Agora observe:
1. Havia um raciocínio político na elaboração desse pedido. Eles providenciaram para que a mãe deles o apresentasse, para que pudesse ser entendido como se fosse um pedido dela, e não deles. Embora as pessoas orgulhosas pensem bem de si mesmas, elas não querem que as outras pessoas as vejam desse modo, pois pode riam aparentar um pretexto de humildade (Colossenses 2.18). Deste modo, outros devem simular a busca dessa honra para eles, para que não tenham que passar pelo constrangimento de buscá-la para si mesmos. Comparando o capítulo 27.61 com Marcos 15.40, entendemos que a mãe de Tiago e João era Salomé. Alguns acham que ela era filha de Cleofas ou Alfeu, irmã ou prima em primeiro grau da mãe do nosso Senhor. Ela era uma daquelas mulheres que acompanhavam a Cristo, e o serviam; e eles pensavam que Ele tinha tanta consideração por ela, que não lhe negaria nada. Assim, fizeram dela a sua intercessora. Da mesma forma, quando Adonias tinha algum pedido importante a fazer a Salomão, ele recorria a Bate-Seba, para que ela falasse por ele. A mãe de Tiago e João revelou uma fraqueza ao se tornar um instrumento da ambição deles, que ela deveria ter repreendido. Aqueles que são sábios e bons não devem se deixar envolver em uma situação tão repulsiva. Em pedidos corretos e aceitáveis, devemos aprender esta atitue sábia: desejar a oração daqueles que têm interesse no trono da graça; devemos pedir aos nossos amigos de oração que orem por nós, considerando isso uma verdadeira bondade.
Era igualmente uma política pedir primeiro uma concessão geral, que Ele fizesse algo por eles, não em fé, mas em presunção, com base naquela promessa geral: “Pedi, e dar-se-vos-á”, na qual está sugerida a qualificação do nosso pedido; que este esteja de acordo com a vontade revelada de Deus. Caso contrário, pediremos e não receberemos, se pedirmos para gastar em nossos deleites (Tiago 4.3).
2. No fundo, havia orgulho, um conceito orgulhoso de seu próprio mérito, um desprezo orgulhoso aos seus irmãos, e um desejo orgulhoso de honra e preferência. O orgulho é um pecado que mais facilmente nos persegue, do qual é difícil nos livrarmos. Ê uma santa ambição lutar para ultrapassar os outros na graça e na santidade; mas é uma ambição pecadora cobiçar ultrapassar os outros em pompa e grandeza. “Procuras tu grandezas” quando acabas de ouvir teu Mestre dizer que será escarnecido, açoitado e crucificado? Que vergonha! “Não as busques” (Jeremias 45.5).
II – A resposta de Cristo a esse pedido (vv. 22,23), não dirigida à mãe, mas aos filhos, que a usaram para este fim. Embora outros possam ser a nossa boca em oração, a resposta será dada a cada um de nós. A resposta de Cristo é muito suave; eles foram apanhados no erro da ambição, mas Cristo os restaurou com o espírito de mansidão. Observe:
1. Como Ele reprovou a ignorância e o erro do pedido deles: “Não sabeis o que pedis”.
(1). Eles estavam em trevas com relação ao reino que desejavam; eles sonhavam com um reino temporal, ao passo que o reino de Cristo não é deste mundo. Eles não sabiam o que era sentar-se à sua direita, ou à sua esquerda; eles falavam disso como os cegos falam das cores. A nossa compreensão da glória que ainda está para ser revelada é como a compreensão que uma criança tem das preferências dos adultos. Se por fim, através da graça, chegarmos à perfeição, eliminaremos então essas fantasias infantis; quando chegarmos a ver face a face, saberemos o que apreciamos; mas agora, não sabemos o que pedimos; podemos apenas pedir o bem conforme a promessa (Tito 1.2). “O olho não viu, e o ouvido não ouviu”, os detalhes a respeito desse precioso Reino.
(2). Eles estavam em trevas com relação ao caminho para aquele reino. Eles não sabem o que pedem. Pedem algo relacionado ao fim, mas ignoram o meio, e assim separam o que Deus juntou. Os discípulos pensavam – quando haviam deixado tudo o que tinham por Cristo, e percorreram o país enquanto pregavam o Evangelho do reino – que todo o seu serviço e os seus sofrimentos estavam terminados, e então era hora de perguntar: O que receberemos? Como se então nada mais devesse ser procurado além das coroas e florões, enquanto havia aflições e dificuldades muito grandes diante deles; aflições e dificuldades muito maiores do que eles já haviam encontrado. Eles imaginavam que a luta estava terminada, quando ela mal havia começado; haviam apenas corrido com os lacaios. Eles sonham em estar em Canaã no momento presente, e não consideram o que farão nas dilatações do Jordão. Considere:
[1]. Poderemos nos considerar aptos para o Reino de Deus quando a nossa humildade nos levar a um comportamento singelo, mesmo estando revestidos da glória de Cristo que podemos ter neste mundo.
[2]. Não sabemos o que pedimos quando pedimos a glória de usar a coroa, sem pedirmos a graça para levar a cruz em nosso caminho até ela.
2. Como Ele reprovou a vaidade e a ambição do pedido deles. Eles estavam se deleitando com a fantasia de se sentarem à sua direita, e à sua esquerda, numa grande posição; então, para repreender isso, Ele os leva aos pensamentos de seus sofrimentos, e não lhes revela detalhes sobre a glória que terão no futuro.
(1). Ele os leva a pensamentos relacionados aos seus sofrimentos, dos quais eles não estavam tão cientes quanto deveriam estar. Eles ansiavam tanto a coroa, o prêmio, que estavam prontos a mergulhar de cabeça, porém ainda estavam despreparados para enfrentar o caminho de sofrimento que levava a ela. Portanto, o Senhor considera necessário conscientizá-los das dificuldades que estavam diante deles, para que não se surpreendessem nem se aterrorizassem.
Observe:
[1]. Com que clareza Jesus lhes coloca a questão das dificuldades (v. 22): “Vocês gostariam de se candidatar a ocupar o primeiro posto de honra no reino. Será que vocês podem beber o cálice que eu hei de beber? Vocês falam das coisas grandes que poderão receber quando tiverem feito o seu trabalho. Mas vocês podem suportar até o fim?” Pensem nisso seriamente. Esses mesmos discípulos, Tiago e João, certa vez não sabiam de que espírito eram, quando ficaram perturbados e irados (Lucas 9.55). E então não estavam cientes do que lhes faltava, espiritualmente, quando foram tomados de ambição. Cristo vê em nós esse orgulho que nós mesmos não somos capazes de discernir.
Note, em primeiro lugar, que sofrer por Cristo é beber um cálice, e ser batizado com um batismo. Nessa descrição dos sofrimentos:
1. É verdade que a aflição existe em abundância. Ela é considerada como um cálice amargo, que é bebido, absinto e bile, as águas do cálice cheio, que são extraídas para o povo de Deus (Salmos 43.10). Certamente um cálice de tremor; mas não de fogo e enxofre, a porção do copo de homens ímpios (Salmos 11.6). Supõe-se que este seja um batismo, uma lavagem com as águas da aflição; alguns estão mergulhados nelas; as águas os cercam até à alma (Jonas 2.5). Outros estão apenas salpicados; ambos são batismos, alguns estão sufocados neles, como em um dilúvio, enquanto outros estão ensopados, como em uma forte chuva. Mas:
2. Mesmo nisso, a consolação existe com mais abundância. É apenas um cálice, e não um oceano; é apenas uma seca, amarga talvez, mas devemos ver o fundo dela; é um cálice na mão de um Pai (João 18.11); e está cheio de mistura (Salmos 75.8). É apenas um batismo; o mergulho é o pior que pode ocorrer, pois não é um afogamento; podemos estar perplexos, mas não em desespero. O batismo é uma ordenança na qual nos unimos ao Senhor em aliança e comunhão; e assim é o sofrimento por Cristo (Ezequiel 20.37; Isaias 48.10). O batismo é “um sinal externo e visível de uma graça interna e espiritual”; e assim é o sofrimento por Cristo, por que essa graça nos foi concedida (Filipenses 1.29).
Em segundo lugar, é beber do mesmo cálice de que Cristo bebeu, e ser batizado com o mesmo batismo com que Ele foi batizado. Cristo nos precedeu no sofrimento, e nisso, como em outras coisas, nos deixou um exemplo.
3. Isto anuncia a condescendência de um Cristo sofredor; Ele beberia desse cálice (João 18.11), e desse ribeiro (Salmos 110.7). Ele beberia profundamente, mas muito alegremente; Ele seria batizado com esse batismo, e estava muito ansioso por isso (Lucas 12.50). Já seria muito ser batizado com água, como um pecador comum, quanto mais com sangue, como um criminoso incomum. Mas em tudo isso Ele foi feito em semelhança da carne do pecado, e foi feito pecado por nós.Isto anuncia a consolação dos cristãos sofredores, que se unem a Cristo no cálice amargo: eles são participantes dos seus sofrimentos, e assim têm comunhão com Ele. Devemos, portanto, nos armar com o mesmo pensamento, indo ao seu encontro fora do arraial.
4. Em terceiro lugar, é bom estarmos frequentemente aplicando esta palavra a nós mesmos: Será que somos capazes de beber este cálice, e ser batizados com este batismo? Devemos esperar algum tipo de sofrimento, sem considerá-lo uma coisa difícil de suportar. Também não devemos questionar por que às vezes sofremos. Podemos sofrer alegremente, e no pior dos momentos ainda mantermos firme a nossa integridade? O que podemos fazer por Cristo? Quanto crédito somos capazes de lhe dar? Será que eu poderia encontrar forças em meu coração para beber de um cálice amargo, e ser batizado com um batismo de sangue, sem abandonar o meu relacionamento com Cristo? A verdade é que se a religião for vivida da maneira correta, ela valerá muito. Mas se não valer a pena sofrer por ela, é sinal de que ela não está sendo vivida da maneira correta, e que ela vale pouco. Então, sentemo-nos e calculemos o custo de morrer por Cristo em vez de negá-lo, e perguntemos a nós mesmos: Podemos aceitá-lo nesses termos?
[2]. Veja como eles se responsabilizam ousadamente.
Eles disseram: “Podemos”, na esperança de se assentarem à sua direita e à sua esquerda. Mas, ao mesmo tempo, eles esperavam jamais ser testados. Assim como anteriormente não sabiam o que pediam, também agora não sabiam o que respondiam. “Podemos”; eles teriam feito bem em dizer: “Senhor, por tua força, e em tua graça, podemos; caso contrário, não podemos”. Mas a mesma tentação de Pedro – estar confiante em sua própria suficiência, e presumir a sua própria força – foi aqui a tentação de Tiago e João; e esse é um pecado a que todos nós estamos sujeitos. Eles não sabiam o que era o cálice de Cristo, nem qual era o seu batismo; mesmo assim foram ousados e se comprometeram. Geralmente, aqueles que se mostram mais confiantes em relação a si mesmos são os que estão menos familiarizados com a cruz.
[3]. Veja como os seus sofrimentos são aqui clara e positivam ente preditos (v. 23): “Na verdade bebereis o meu cálice”. Os sofrimentos previstos serão os mais facilmente suportados, especialmente se considerados sob uma noção certa, como beber o seu cálice, e ser batizado com o seu batismo. Cristo sofreu por nós, e espera que nós estejamos dispostos a sofrer por Ele. Cristo nos fará saber o pior, para que possamos fazer o melhor para alcançarmos o céu. “Bebereis”, isto é, sofrereis. Tiago bebeu o cálice de sangue antes de todos os outros apóstolos (Atos 12.2). João, embora no final tenha morrido em sua cama – assumindo que podemos crer nos historiadores eclesiásticos -, bebeu frequentemente esse cálice amargo, como, por exemplo, quando foi exilado na ilha de Patmos (Apocalipse 1.9), e quando (como dizem), em Éfeso, foi colocado em um caldeirão de óleo fervente, mas foi miraculosamente preservado. Ele esteve frequentemente, como os demais apóstolos, – em perigo de morte. Ele tomou o cálice, ofereceu-se a si mesmo ao batismo, e foi aceito.
(2). Ele não lhes revela os níveis de glória que terão. Para conduzi-los alegremente através de seus sofrimentos, bastava estarem certos de que teriam um lugar em se u reino. O assento mais baixo no céu é uma recompensa abundante pelos maiores sofrimentos na terra. Mas quanto aos privilégios que há ali, não era adequado que houvesse qualquer intimação sobre quem eles seriam; porque a fraqueza de seu estado presente não poderia suportar tal descoberta. “Mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence dá-lo”, e, portanto, não deveis perguntar ou saber, “mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado.” Considere:
[1]. É muito provável que haja níveis de glória no céu; porque a nossa salvação parece permitir que haja alguns que sentarão à sua direita e à sua esquerda, nos lugares mais elevados.
[2]. Como a própria glória futura, esses níveis estão propostos e preparados pelo conselho eterno de Deus. Assim como a salvação comum, as honras mais peculiares são concedidas mediante a eleição por parte de Deus. Essa questão, como um todo, já está estabelecida há muito tempo; e já há uma certa medida da estatura de cada um de nós, tanto em graça como em glória (Efésios 4.13).
[3]. Cristo, ao distribuir os frutos de sua própria conquista, orienta-se exatamente pelas medidas do propósito de seu Pai: “Não me pertence dá-lo”, salvo (assim pode ser lido) para quem está preparado. Só Cristo tem o poder de dar a vida eterna, mas “a todos” quantos o Pai lhe deu (João 17.2). “Não me pertence dá-lo”, isto é, não posso prometê-lo agora; esta questão já está estabelecida e ajustada, e o Pai e o Filho se entendem perfeitamente bem nessa questão. “Não me pertence atender aqueles que buscam isso e têm essa ambição, mas essa bênção está reservada para aqueles que, por grande humildade e renúncia, estão preparados para ela.”
III – Aqui estão a repreensão e a instrução que Cristo deu aos outros dez discípulos, diante do desprazer que demonstraram pelo pedido de Tiago e João. O Senhor teve de suportar muitas fraquezas por parte de todos eles, que eram muito fracos no conheci mento e na graça; no entanto, Ele os suportou com amor.
1. A irritação causada aos dez discípulos (v. 24): “Indignaram-se contra os dois irmãos”; não porque desejassem ser preferidos antes deles – que foi o pecado de Tiago e João, pelo qual Cristo se entristeceu-, mas porque queriam ter a honra para si mesmos, o que revelava descrédito em relação aos dois irmãos. Muitos parecem ter uma indignação pelo pecado; porém, não a sentem pelo pecado em si, mas porque tal pecado os toca. Eles se indignarão contra um homem que amaldiçoa; mas somente o farão se ele lhes amaldiçoar, e lhes afrontar, não porque tal homem esteja desonrando a Deus. Esses discípulos estavam com raiva da ambição de seus irmãos, embora eles mesmos fossem igualmente ambiciosos. É comum que as pessoas se enfureçam com os pecados dos outros, os quais elas permitem e toleram em si mesmas. Aqueles que são orgulhosos e cobiçosos não gostam de ver outros assim. Nada causa mais dano entre irmãos, ou é a causa de mais indignação e contenda, do que a ambição e o desejo de grandeza. Nós nunca encontramos os discípulos de Cristo discutindo; mas eles enfrentaram uma situação de contenda nessa ocasião.
2. A correção que Cristo lhes fez foi muito suave, por meio da instrução sobre o que eles deveriam ser, e não por meio da repreensão pelo que eles eram. Ele havia reprovado esse mesmo pecado antes (cap. 18.3), e lhes dissera que deveriam ser humildes como crianças pequenas; no entanto, eles reincidiram nesse pecado, mas Cristo os repreendeu de forma moderada.
“Então, Jesus, chamou-os para junto de si”, o que sugere um grande carinho e familiaridade. Ele não lhes ordenou, com raiva, que saíssem de sua presença, mas os chamou, com amor, para virem à sua presença. Ele está sempre pronto a ensinar, e nós somos convidados a aprender dele, porque ele é “manso e humilde de coração”. O que Ele tinha a ensinar dizia respeito tanto aos dois discípulos como aos outros dez; portanto, ele reúne todos. E lhes diz que enquanto estavam perguntando qual deles deveria ter o domínio em um reino temporal, não havia realmente tal domínio reservado para nenhum deles. Porque:
(1). Eles não deveriam ser como os “príncipes dos gentios”. Os discípulos de Cristo não deveriam ser como os gentios, nem como os príncipes dos gentios. O principado não torna ninguém ministro, da mesma forma que o “gentilismo” não torna ninguém cristão.
Observe:
[1]. Qual é a maneira dos príncipes dos gentios (v. 25): exercer domínio e autoridade sobre aqueles que lhes são sujeitos (mesmo que só possam alcançar o domínio com mão forte), e uns sobre os outros também. O que os sustenta nessa posição é que eles são grandes, e os homens grandes acham que podem fazer qualquer coisa. Domínio e autoridade são as grandes coisas que os príncipes dos gentios procuram, e de que se orgulham; eles deteriam o poder, venceriam todas as dificuldades, teriam todos sujeitos a si, e todo feixe inclinado ao deles. Eles queriam ter a seguinte proclamação diante de si: “Inclinai-vos”; como Nabucodonosor, que matava, e deixava vivei ao seu bel-prazer.
[2]. Qual é a vontade de Cristo com relação aos seus apóstolos e ministros, nesta questão.
Em primeiro lugar: “‘Não será assim entre vós’. A constituição do reino espiritual é bem diferente dessa. Deveis ensinar os súditos desse reino, instruí-los e exortá-los, aconselhá-los e consolá-los, esforçarem-se com eles, e sofrer com eles, não exercer domínio e autoridade sobre eles; não ter ‘domínio sobre a herança de Deus’ (1 Pedro 5.3), mas trabalhar em benefício dela”. Isto proíbe não só a tirania e o abuso de poder, mas a reivindicação ou o uso de qualquer autoridade secular, como os príncipes dos gentios legitimamente exercem. É tão difícil para os homens vaidosos, mesmo para os homens bons, terem tal autoridade, e não ficarem envaidecidos com ela, e fazerem mais mal do que bem com ela, que nosso Senhor Jesus considerou necessário bani-la totalmente da igreja. Até mesmo o apóstolo Paulo rejeita o domínio sobre a fé de qualquer pessoa (2 Coríntios 1.24). A pompa e a grandeza dos príncipes dos gentios não convêm aos discípulos de Cristo. Então, se o poder e a honra não foram planejados para estar na igreja, era uma insensatez deles estarem disputando quem deveria tê-los. Eles não sabiam o que pediam.
Em segundo lugar, então qual será o relacionamento entre os discípulos de Cristo? O próprio Cristo havia sugerido uma grandeza entre eles, e aqui Ele explica: “Todo aquele que quiser, entre vós, fazer-se grande, que seja vosso serviçal; e qualquer que, entre vós, quiser ser o primeiro, que seja vosso servo” (vv. 26,27). Observe aqui:
1. Que é dever dos discípulos de Cristo servirem uns aos outros, para a edificação mútua. Isto inclui tanto a humildade como a utilidade. Os seguidores de Cristo devem estar prontos a se submeter aos ofícios de amor mais inferiores para o bem mútuo; devem ser sujeitos uns aos outros (1 Pedro 5.5; Efésios 5.21), para a edificação de uns para com os outros (Romanos 14.19), agradar ao seu próximo para o bem (Romanos 15.2). O grande apóstolo se comportou como servo de todos (veja 1 Coríntios 9.19).
2. A dignidade dos servos de Cristo está relacionada ao fiel cumprimento dessa obrigação. O modo de ser grande, e o primeiro, é ser humilde e servil. Esses serão mais considerados e mais respeitados na igreja, e será assim para todos aqueles que entenderem as coisas de forma correta. Os mais honrados não são aqueles que são dignificados com nomes elevados e poderosos, como os nomes dos grandes na terra, que aparecem em pompa, e assumem para si mesmos um poder proporcional; os mais honrados serão aqueles que forem mais humildes e que mais renunciarem a si mesmos, aqueles que mais planejarem fazer o bem, embora diminuam a si mesmos. Esses honram mais a Deus, e a esses Ele honrará. Assim como o que quer ser sábio deve se fazer de tolo, quem quiser ser o primeiro deverá se comportar como servo. O apóstolo Paulo foi um grande exemplo disso; ele trabalhou mais abundantemente do que todos, tornou-se (como diriam alguns) um escravo do seu trabalho. E ele não é o primeiro? Não o chamamos por unanimidade de “o grande apóstolo”, embora ele se auto denomine o menor entre os menores? E talvez o nosso Senhor Jesus estivesse pensando em Paulo quando disse: “Haverá derradeiros que serão primeiros”; porque Paulo nasceu fora do tempo devido, como um abortivo (1 Coríntios 15.8); ele não foi apenas o filho mais novo da família dos apóstolos, mas, póstumo, tornou-se o maior dentre eles. E talvez fosse para ele que o primeiro posto de honra no reino de Cristo estivesse reservado e preparado por Deus Pai, e não para Tiago e João, que o buscaram. Portanto, antes de Paulo começar a ser famoso como um apóstolo, a Providência o ordenou, de forma que Tiago foi excluído (Atos 12.2), para que, no colegiado dos doze, Paulo pudesse ser o seu substituto.
(2). Eles devem ser como o próprio Mestre; e é muito apropriado que eles o fossem, pois, enquanto estivessem no mundo, deveriam ser como Ele foi quando estava no mundo. Porque para ambos o estado atual é um estado de humilhação; a coroa e a glória estavam reservadas para ambos no estado futuro. Eles precisavam considerar que “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos” (v. 28). O nosso Senhor Jesus aqui se coloca diante dos seus discípulos como um padrão de duas qualidades anteriormente recomendadas: a humildade e a utilidade.
[1]. Nunca houve um exemplo de humildade e condescendência como houve na vida de Cristo, que não veio para “ser servido, mas para servir”. Quando o Filho de Deus entrou no mundo – o Embaixador de Deus para os filhos dos homens -, alguém poderia pensar que Ele deveria ser servido, que deveria ter se apresentado em um aparato que estivesse de acordo com a sua pessoa e caráter; mas Ele não fez isso; Ele não agiu como uma celebridade, Ele não teve nenhum séquito pomposo de servos de Estado para servi-lo, nem se vestiu em túnicas de honra, porque tomou sobre si a “forma de servo”. Ele, na verdade, viveu como um homem pobre, e isto fez parte da sua humilhação. Houve pessoas que o serviram com as “suas fazendas” (Lucas 8.2,3); mas Ele nunca foi servido como um grande homem. Ele nunca tomou a pompa sobre si, não foi servido em mesas, como um dos grandes deste mundo. Jesus, certa vez, lavou os pés dos seus discípulos, mas nunca lemos que eles tenham lavado os pés dele. Ele veio para ajudar a todos quantos estivessem em aflição. Ele se fez servo para os doentes e debilitados; estava pronto para atender aos seus pedidos como qualquer servo estaria pronto para atender à ordem do seu senhor, e se esforçou muito para servi-los. O Senhor Jesus serviu continuamente visando este fim, negando a si até mesmo o alimento e o descanso para cumprir essa tarefa.
[2]. Nunca houve um exemplo de beneficência e utilidade como houve na morte de Cristo, que “deu a sua vida em resgate de muitos”. Ele viveu como um servo, e fez o bem; mas morreu como um sacrifício, e com isso Ele fez o maior bem de todos. Ele entrou no mundo com o propósito de dar a sua vida em resgate; isto estava primeiro em sua intenção. Os aspirantes a príncipes dos gentios fizeram da vida de muitos um resgate para a sua própria honra, e talvez um sacrifício para a sua própria diversão. Cristo não age assim; o sangue daqueles que lhe são sujeitos é precioso para Ele, e Ele não é pródigo nisso (Salmos 72.14); mas, ao contrário, Ele dá a sua honra e a sua vida como resgate pelos seus súditos. Note, em primeiro lugar, que Jesus Cristo sacrificou a sua vida como um resgate. A nossa vida perdeu o direito nas mãos da justiça divina por causa do pecado. Cristo, entregando a sua vida, fez a expiação pelo pecado, e assim nos resgatou. Ele foi feito “pecado” e uma “maldição” por nós, e morreu, não só para o nosso bem, mas “em nosso lugar” (Atos 20.28; 1 Pedro 1.18,19). Em segundo lugar, foi um resgate por muitos. Ele foi suficiente para todos, mas eficaz para muitos; e se foi eficaz para muitos, então diz a pobre alma duvidosa: “Por que não por mim?” Foi por muitos, para que por ele muitos pudessem ser feitos justos. Esses muitos eram a sua semente, pela qual a sua alma sofreu (Isaias 53.10,11). “De muitos”, assim eles serão quando forem reunidos, embora parecessem então um pequeno rebanho.
Então esse é um bom motivo para não disputarmos a precedência, porque a cruz é a nossa bandeira, e a morte do nosso Senhor é a nossa vida. Esse é um bom motivo para pensarmos em fazer o bem, e, em consideração ao amor de Cristo ao morrer por nós, não hesitarmos em “sacrificar as nossas vidas pelos irmãos” (1 João 3.16). Os ministros devem estar mais ansiosos do que os outros para servir e sofrer pelo bem das almas, como o bendito apóstolo Paulo estava (Atos 20.24; Filipenses 2.17). Quanto mais interessados, favorecidos e próximos estivermos da humildade e da humilhação de Cristo, mais prontos e cuidadosos estaremos para imitá-las.
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