MATEUS 17: 1-13

A Transfiguração de Cristo – Parte 1
Aqui temos a história da transfiguração de Cristo. Ele havia dito que o “Filho do Homem” viria, dentro de pouco tempo, no seu reino, e os três evangelistas habilmente conectam aquela história com esta promessa; como se a transfiguração de Cristo fosse destinada a algumas pessoas especiais, como uma garantia do reino de Cristo, daquela luz, e do seu amor, que aqui aparece para os seus escolhidos e santificados. Pedro fala disso como “a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus” (2 Pedro 1.16). Tais prefácios apresentaram adequadamente uma emanação do seu poder, e um aviso prévio da sua vinda.
Quando Cristo estava aqui na terra, embora a sua condição, em geral, fosse uma condição de humilhações e sofrimentos, houve alguns lampejos da sua glória entremeados, para que Ele mesmo pudesse se sentir mais encorajado nos seus sofrimentos, e os outros, menos magoados. O seu nascimento, o seu batismo, a sua tentação e a sua morte foram os exemplos mais notáveis da sua humilhação; e cada um deles esteve presente com alguns sinais de glória, e os sorrisos do céu. Mas sendo a sequência do seu ministério público uma humilhação contínua, aqui, justamente no meio dele, surge essa descoberta da sua glória. Assim como agora, que está no céu, Ele tem suas deferências, quando esteve na terra o Senhor também teve os seus triunfos.
A respeito da transfiguração de Cristo, considere:
I – As circunstâncias em que ela ocorreu, e que estão registradas aqui (v. 1).
1.A época: “seis dias” depois que Ele havia feito o discurso solene aos seus discípulos (cap. 16.21). Lucas diz: “quase oito dias depois dessas palavras”, seis dias inteiros tinham se passado entre o discurso e esse dia, que era o oitavo dia. Nada está registrado como tendo sido feito ou dito pelo nosso Senhor Jesus durante os seis dias anteriores à sua transfiguração; assim, antes de grandes aparições “fez-se silêncio no céu quase por meia hora” (Apocalipse 8.1). Assim, quando Cristo parecer não estar fazendo nada pela sua igreja, espere, dentro de pouco tempo, alguma coisa extraordinária.
2.O local: aconteceu no topo de um “alto monte”. Cristo escolheu um monte:
(1). Por ser um lugar secreto. Ele se afastou; pois embora uma cidade sobre uma colina dificilmente possa ficar escondida, duas ou três pessoas sobre um monte dificilmente poderão ser encontradas. Por isso as suas orações particulares eram, em geral, nas montanhas. Cristo escolheu um lugar afastado onde se transfiguraria, porque a sua aparição pública na sua glória não seria coerente com a sua condição atual; e dessa maneira Ele mostra a sua humildade e nos ensina que a privacidade é grande amiga da nossa comunhão com Deus. Aqueles que desejam ter um relacionamento com o Céu devem, frequentemente, se afastar das coisas e dos negócios deste mundo; e jamais se sentirão sozinhos, pois o Pai está com eles.
(2). Porque sendo um lugar sublime, estava bastante elevado, acima das outras coisas. Aqueles que desejam ter um relacionamento transformador com Deus, não devem apenas afastar-se, mas subir; erguer os seus corações e “buscar as coisas que são de cima”. A ordem é: “Sobe aqui” (Apocalipse 4.1).
3.As testemunhas do acontecimento. Jesus levou consigo Pedro, Tiago e João.
(1). Ele levou três pessoas, um número adequado para dar testemunho do que vissem; pois “pela boca de duas ou três testemunhas, será confirmada toda palavra”. Cristo faz aparições suficientemente exatas, mas não comuns; “não a todo o povo, mas às testemunhas” (Atos 10.41), para que aqueles que não tinham visto, mas que haviam crido, pudessem ser bem-aventurados.
(2). Ele levou esses três homens porque eram os principais discípulos, os três mais dignos do Filho de Davi. Provavelmente fossem excelentes em dons e graças; eles eram os favoritos de Cristo, destacados para serem testemunhas das ocasiões em que Ele se afastava. Eles estavam presentes quando Ele ressuscitou a menina (Marcos 5.37). Eles deveriam, posteriormente, ser testemunhas da sua agonia, e esse episódio deveria prepará-los para isso. Uma visão da glória de Cristo, enquanto ainda estamos neste mundo, é um bom preparativo para os nossos sofrimentos com Ele, que são os preparativos para a visão da sua glória no outro mundo. Paulo, que tinha problemas em abundância, tinha, por outro lado, abundantes revelações.
II – A maneira como aconteceu (v. 2); Ele “transfigurou-se diante deles”. A substância do seu corpo continuou a mesma, mas a sua aparência foi grandemente alterada. Ele não se transformou em um espírito, mas o seu corpo, que tinha aparecido fraco e desonrado, agora aparecia em virtude e glória. Ele “transfigurou-se” – Ele passou por uma metamorfose. Os poetas profanos divertiam e ofendiam o mundo com histórias extravagantes e ociosas de metamorfoses, especialmente as metamorfoses dos seus deuses, que os menosprezavam e diminuíam, e eram igualmente falsas e ridículas; alguns pensam que Pedro se refere a eles quando, prestes a mencionar essa transfiguração de Cristo, disse: “Não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas” (2 Pedro 1.16). Cristo era, ao mesmo tempo, Deus e homem; mas, nos dias da sua carne, Ele assumiu a forma de servo (Filipenses 2.7). Ele cobriu a glória de sua divindade com um véu; mas agora, na sua transfiguração, Ele afastou aquele véu, apareceu em forma de Deus (Filipenses 2.6) e deu aos seus discípulos um vislumbre da sua glória, que não podia deixar de modificar a sua forma.
A grande verdade que declaramos é que “Deus é luz” (1 João 1.5), “habita na luz” (1 Timóteo 6.16), e “cobre-se de luz” (Salmos 104.2). E, portanto, quando Cristo apareceu “em forma de Deus”, Ele apareceu “na luz”, a mais gloriosa de todas as coisas visíveis, a primogênita de toda a criação, e a que mais se assemelha ao Pai eterno. Cristo é a Luz; enquanto estava no mundo, Ele “resplandeceu nas trevas”, e por isso “o mundo não o conheceu” (João 1.5,10); mas naquele momento, na sua transfiguração, aquela Luz brilhou nas trevas.
A sua transfiguração apareceu em dois aspectos:
1.”O seu rosto resplandeceu como o sol”. O rosto é a principal parte do corpo, pela qual somos conhecidos; portanto, todo esse brilho foi colocado no rosto de Cristo, aquele rosto que, depois disso, Ele não mais escondeu “daqueles que o afrontavam e cuspiam”. Ele “resplandeceu como o sol” quando está na plenitude da sua força, tão claro e tão brilhante; pois Ele é o Sol da justiça, a Luz do mundo. O rosto de Moisés brilhou, mas como a luz, com uma luz refletida e emprestada, mas o de Cristo brilhou corno o sol, com uma luz inerente, que era ainda mais sensivelmente gloriosa, porque subitamente irrompeu, pode-se dizer, por trás de uma nuvem negra.
2.”As suas vestes se tornaram brancas como a luz”. Todo o seu corpo se modificou, assim como o seu rosto; de modo que raios de luz, arremessando-se de todas as partes através das suas vestes, as tornaram brancas e cintilantes. O brilho no rosto de Moisés era tão fraco, que podia facilmente ser oculto por um fino véu; mas tal era a glória no corpo de Cristo, que as suas vestes se iluminavam por ela.
III – As pessoas que apareceram por ocasião da transfiguração. Ele virá “com dez milhares de santos”; e, como uma amostra deles, “eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele” (v. 3). Considere que:
1.Havia santos glorificados com Ele; se havia três para dar testemunho na terra, Pedro, Tiago e João, também havia alguns para dar testemunho da parte do céu. Assim, havia uma semelhança viva com o Reino de Deus, que é composto por santos no céu e santos na terra, e ao qual pertencem os “espíritos dos justos aperfeiçoados”. Vemos, aqui, que aqueles que “dormiram em Cristo” não estão mortos, mas existem em um estado separado, e estarão para sempre com o Senhor.
2. Esses dois eram “Moisés e Elias”, homens muito eminentes na sua época. Os dois tinham jejuado quarenta dias e quarenta noites, como Cristo, e tinham realizado outros milagres, e ambos foram admiráveis tanto ao deixar este mundo como ao viver nele. Elias foi levado ao céu em um carro de fogo, e não morreu. O corpo de Moisés nunca foi encontrado. Possivelmente estava preservado da degradação, e reservado para essa aparição. Os judeus tinham grande respeito pela memória de Moisés e Elias, e por isso os dois vieram para dar testemunho dele. Alguns entendem que é possível que eles tenham vindo para levar notícias dele ao mundo superior. Na pessoa deles, a lei e os profetas honraram a Cristo e lhe deram testemunho. Moisés e Elias apareceram aos discípulos, que os viram, e os ouviram falar. E, seja pelas suas palavras, ou por informações de Cristo, souberam que eram Moisés e Elias. Os santos glorificados se reconhecerão mutuamente no céu. Eles conversaram com Cristo. Observe que Cristo tem comunhão com os bem-aventurados, e não será estranho a nenhum dos membros dessa corporação glorificada. Cristo agora seria selado no seu trabalho profético. Por isso, esses dois grandes profetas eram os mais adequados para estar presentes com Ele, como se estivessem transferindo toda a sua honra e todo o seu interesse a Ele; pois Deus “a nós falou-nos, nestes últimos dias, pelo Filho” (Hebreus 1.1).
IV – O grande prazer e a grande satisfação que os discípulos tiveram com a visão da glória de Cristo. Pedro, como era usual, falou pelos demais: “Senhor, bom é estarmos aqui”. Aqui, Pedro expressa:
1.O prazer que eles tiveram com essa conversa: “Senhor, bom é estarmos aqui”. Embora sobre um alto monte, que podemos supor que fosse áspero e desagradável, frio e exposto, ainda assim Pedro diz: “É bom estarmos aqui”. Ele expressa o sentimento dos seus companheiros discípulos: “É bom, não apenas para mim, mas para nós”. Ele não procurou monopolizar esse prazer, mas alegremente os incluiu. Ele disse isso a Cristo. Os afetos piedosos e devotos se comprazem em se derramar diante do Senhor Jesus. A alma que ama a Cristo, e ama estar com Ele, ama ir até Ele e dizer-lhe: “Senhor, bom é estarmos aqui”. Isto dá a entender um reconhecimento agradecido da bondade de Jesus, por fazer com que participassem desse momento tão importante e prazeroso. Observe que a comunhão com Cristo é a alegria dos cristãos. Todos os discípulos do Senhor Jesus reconhecem que é bom estar com Ele no monte sagrado. É bom estarmos aqui, onde Cristo está, e para onde Ele nos traz consigo, por seu convite; é bom estarmos aqui, afastados e sozinhos, com Cristo; estarmos aqui, onde podemos “contemplar a formosura do Senhor” (Salmos 27.4). É agradável ouvir Cristo comparar trechos das Escrituras registradas por Moisés e os profetas, ver como todas as instituições da lei e todas as predições dos profetas apontavam para Cristo, e se cumpriam nele.
2.O desejo que tinham da continuação daquela situação: “Façamos aqui três tabernáculos”. Nestas palavras, assim como em muitas outras proferidas por Pedro, existe uma mistura de fraqueza e boa vontade, mais entusiasmo do que prudência.
(1). Aqui vemos um entusiasmo por essa conversa com seres celestiais, uma complacência louvável com a visão que eles tinham da glória de Cristo. Aqueles que, pela fé, contemplam “a formosura do Senhor” na sua casa, não podem evitar desejar habitar ali todos os dias das suas vidas. É bom ter “uma estabilidade no seu santo lugar” (Esdras 9.8), uma residência permanente; permanecer nas práticas sagradas como um homem que está em casa, não como um viajante. Pedro pensava que esse monte era um bom lugar onde edificar, e ele desejava construir tabernáculos ali; assim como Moisés, no deserto, construiu um tabernáculo para a Shekiná, ou glória divina.
O fato de Pedro querer fazer ali tabernáculos para Cristo, e Moisés, e Elias, mas nenhum para si mesmo, evidenciava um grande respeito pelo seu Mestre e os convidados celestiais, com o esquecimento elogiável de si mesmo e dos seus companheiros discípulos. Ele fica ria contente em ficar ao ar livre, no chão frio, em tão boa companhia. Se o seu Mestre não tinha onde reclinar a cabeça, não importava se ele, Pedro, tinha onde ou não.
(2). Mas no seu entusiasmo, ele deixou transparecer uma grande dose de fraqueza e ignorância. Que necessidade tinham Moisés e Elias de tabernáculos? Eles pertenciam àquele mundo abençoado, onde já não mais sentiam fome, nem sede, “nem sol nem calma alguma caia sobre eles”. Cristo recentemente tinha predito os seus sofrimentos, e ordenado que os seus discípulos esperassem a mesma coisa. Pedro esqueceu disso, ou, para evitar isso, precisaria construir os tabernáculos no monte de glória, afastados dos problemas. Mesmo utilizando outras palavras, Pedro ainda insiste na antiga ideia – “Senhor, tem compaixão de ti”-, embora tivesse sido tão recentemente repreendido por dizer isso. Observe que existe uma tendência nos homens bons em esperar a coroa, sem a cruz. Pedro estava tomando posse desse privilégio como um prêmio, embora ainda não tivesse lutado a sua batalha, nem terminado a sua carreira, assim como os outros discípulos (cap. 20.21). Nós estaremos fora do nosso objetivo se procurarmos um céu aqui na terra. A estranhos e peregrinos (que é o que somos, na melhor das circunstâncias, neste mundo), não cabe falar em construir ou esperar uma “cidade permanente” na terra.
Mas há uma desculpa para a incoerência da proposta de Pedro, não somente porque ele “não sabia o que dizia” (Lucas 9.33), mas também porque submeteu a proposta à sabedoria de Cristo: “Se queres, façamos aqui três tabernáculos”. Observe que quaisquer que sejam os tabernáculos que nos propusermos a construir para nós mesmos, neste mundo, precisamos sempre nos lembrar de pedir a permissão de Cristo.
Ao que Pedro disse, não houve resposta. O desaparecimento da glória, em breve, seria a resposta. Aqueles que prometem a si mesmos grandes coisas na terra, serão logo iludidos pela sua própria experiência.