PSICOLOGIA ANALÍTICA

O QUE VOCÊ SABE SEM SABER QUE SABE

Memória implícita, aquela que usamos “inconscientemente”, ao dirigir, ler este texto ou andar de bicicleta, por exemplo, pode ser mais confiável que as lembranças “conscientes”.

O que você sabe sem saber que sabe

Costumamos valorizar mais nossas escolhas conscientes, embasadas em memórias explícitas. Da mesma forma, nos fiamos naquilo em lembranças, enquanto nossos sonhos ou divagações frequentemente parecem pouco confiáveis. Porém, um estudo publicado na revista Nature Neuroscience mostra oferece indícios de que a memória implícita, aquela que usamos “inconscientemente”, sem nos darmos conta (para dirigir um carro ou amarrar os sapatos, por exemplo) pode ser mais confiável.

Pesquisadores da Universidade Northwestern em Evanston, Illinois, submeteram voluntários a dois testes visuais e de evocação de memória. No primeiro, elas viam algumas imagens caleidoscópicas e eram instruí­ das a memorizá-las, para depois apontá-las numa segunda apresentação, em meio a outras imagens. No segundo experimento, a tarefa era basicamente a mesma, exceto pelo fato de que, durante a exibição de cada imagem, os voluntários ouviam um número e eram orientados a prestar atenção nele, pois essa informação seria importante no teste subsequente (o que, na verdade, não era). O objetivo era desviar a atenção para os números enquanto as imagens eram apresentadas.

Os resultados mostraram que, na segunda apresentação, o número de acertos no reconhecimento das imagens foi maior quando, na tarefa anterior, os participantes tiveram de fixar a atenção nos números. Além disso, os acertos foram ainda mais frequentes nas pessoas que afirmaram que suas respostas eram simplesmente um “chute”. “Nosso estudo mostra que mesmo quando não prestamos atenção, nosso sistema visual está codificando informações, que depois podem ser evocadas, ainda que não percebamos isso”, diz o cientista Paller, um dos autores do estudo.

A pesquisa também avaliou a atividade cerebral dos voluntários durante as tarefas, por meio de uma técnica semelhante ao eletroencefalograma. E observaram que, dependendo do tipo de decisão – consciente ou inconsciente -, o padrão registrado era diferente. Quando a escolha dependia da memória explícita, um pico de atividade aparecia cerca de 400 milissegundos depois de apresentado o estímulo.

Nas escolhas intuitivas, isto é, baseadas na memória implícita, o mesmo pico aparecia antes, cerca de 200 milissegundos após a exibição da imagem. Neste caso, a atividade também pareceu mais concentrada em áreas como os lobos occipitais e o córtex pré-frontal esquerdo. Segundo os autores, esses dados são apenas preliminares e outras técnicas, como o neuroimageamento cerebral, detalharão melhor os mecanismos subjacentes a estes fenômenos.

OUTROS OLHARES

BRINCAR É UMA ENCENAÇÃO DA VIDA

Brincadeiras são muito mais que simples atividades para passar o tempo e entreter a criançada. Elas alicerçam as aprendizagens dos elementos mais complexos de nossa psique, contribuindo de forma inequívoca para o desenvolvimento infantil.

Brincar é uma encenação da vida

“Isso é brincadeira de criança.” Geralmente dizemos essa frase para referir a algo simples de ser feito, coisa fácil e desimportante. De modo geral, brincar significa o que a criança faz quando tem tempo sobrando, quando não tem nada para fazer. É bastante comum perceber que nas escolas o lúdico passou a ser sinônimo de divertido, de legal, como se o seu único propósito fosse entreter. Contudo, traremos outro olhar sobre o brincar. A ideia é desconstruir a forma como a ludicidade habita o cotidiano dos professores. No mundo dos textos acadêmicos, termos como ‘lúdico’; “brincar’ e ‘brincadeiras’ já foram longamente discutidos, mas esse universo não é o mesmo das salas de aula e das crianças de verdade. Lá, a academia raramente vai e, quando vai, carrega uma visão simplória da brincadeira, consagrando seu lugar de acessório divertido no imaginário do sistema escolar. Neste texto, mostraremos o quanto o brincar é fundamental, imprescindível e determinante para o desenvolvimento infantil.

Todos nós já experimentamos o prazer do brincar na infância, quando a imaginação é limitada somente pelo desejo de até onde sonhar. A boneca de pano que transita do choro ao sorriso e emite sons como um recém­ nascido; o carrinho de plástico que faz o barulho característico de um automóvel em movimento e emite o som agudo trepidante ao fazer uma curva com grande velocidade estão presentes na imaginação das crianças, que as materializam verbalmente em suas brincadeiras de faz de conta. Da mesma forma, as crianças jogam futebol em um campo de várzea ouvindo os aplausos e gritos de incentivo” de uma torcida imaginária, sussurrando exclamações diante da execução de uma grande jogada. Nesse contexto, elas verbalizam as falas de um narrador, também imaginário, que descreve com grande exatidão o evento esportivo. Assim, a criança transita entre o jogador, a torcida e o narrador, alterando a intensidade e o timbre da sua voz. Muitas vezes, a criança incorpora também o adversário imaginário por ela driblado com maestria.

O desejo da criança de fazer coisas que os adultos realizam no cotidiano a faz inventar situações para brincar daquilo que gostaria de fazer na vida real. No campo da psicologia, muitas teorias dedicaram-se à consideração do papel da brincadeira para o processo de desenvolvimento das crianças. Desde a psicanálise até as abordagens interacionistas, o chamado lúdico caracterizou o faz de conta como a possibilidade de que esses pequenos seres pudessem expressar a inconsciência e o egocentrismo que os distinguiam dos adultos.

Nos caminhos e descaminhos entre a psicologia e a história, o historiador da família e da infância Philippe Aries demonstrou que a consideração das crianças como pequenos adultos relegava a compreensão dos processos de desenvolvimento humano aos seus atributos externos. E assim, enquanto não alcançava o comportamento que a caracterizava como adulto, a criança ocupava-se de jogos e brincadeiras que, aos poucos, definiram o sentimento de infância. Com isso, as teorias psicológicas produzidas principalmente na Áustria e na Suíça constituíram a gê­ nesse das concepções que associaram a brincadeira a uma espécie de “passagem de tempo” que conduziria o egocentrismo infantil aos moldes do funcionamento psíquico adulto.

Contudo, em uma abordagem diametralmente oposta, Anton Tchekhov, um eminente escritor russo e um dos maiores contistas do mundo, escreveu um belíssimo texto intitulado A brincadeira. Há muito tempo, em algum lugar da Rússia, Nadja Petrovna e seu amigo brincavam de deslizar sobre morros gelados, por cima da neve espelhada e escorregadia. O convite feito por ele para descer de trenó do topo à planície é grandioso, mas desperta medo. “Só uma vez Nadja, eu te suplico, garanto que vamos ficar sãos e salvos. Nadja acaba cedendo, como se cedesse à própria vida, e o ‘trenó’ voa como uma bala, o ar chicoteia o rosto, silva nos ouvidos, belisca com raiva, até doer, os objetos que nos cercam fundem-se num só longo risco que corre vertiginoso e eu digo a meia voz: eu te amo Nadja!”.

No conto russo, dia após dia a brincadeira acontece no trenó, brincar de voar, brincar de ouvir e de dizer. “Aquelas palavras foram pronunciadas ou foi o vento?” Os encontros cotidianos de Nadja e seu amigo misturam a fantasia e a realidade e avançam vida afora até que qualquer reviravolta das circunstâncias os interrompe e separa.

Pois é nesse contexto que Lev Vigotski – psicólogo, dramaturgo, conterrâneo e leitor de Tchekhov -cria as bases daquela que seria uma teoria do desenvolvimento humano oposta às tradicionalmente estabelecidas. Essa teoria considera o brincar como atividade constitutiva do psiquismo e a brincadeira como objeto-unidade que delimita a gênese dessa constituição.

Fundamentada em uma concepção materialista da história, a teoria de Vigotski explicita o papel das relações humanas concretas no desenvolvimento da consciência dos sujeitos. A atividade humana, compreendida como intencional e inserida em circunstâncias sociais específicas, atua, por meio da linguagem, sobre as determinações biológicas que promovem o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Desse modo é que, para ele, a aprendizagem antecede o desenvolvimento. Isso significa compreender o desenvolvimento não como um aspecto espontâneo, orientado por princípios idealistas, mas resgatar sua gênese biológica alavancada por ações essencialmente sociais.

Assim, dessa perspectiva, a brincadeira é atividade essencialmente educativa e o brinquedo é o objeto, chamado por Vigotski de pivô, que organiza a possibilidade de desenvolvimento das funções essencialmente humanas do âmbito das relações concretas para a individualização do psiquismo. O trenó, tomado como brinquedo, deixa de ser apenas um trenó para assumir, no concreto pensado, o desenvolvimento da fala, do pensamento e das emoções – funções psicológicas superiores.

Brincando de amar, aprende-se a amar. Porque, sim, as funções essencialmente humanas, inclusive as emoções, devem ser ensinadas. Todavia, os sentimentos não são um destino, que poderíamos apenas ter de suportar. O amor não se decide, mas se educa.

Nesse sentido, o brincar é que permite viver e aprender a viver. As brincadeiras são, portanto, muito mais que simples atividades para passar o tempo e entreter a criançada. Elas alicerçam as aprendizagens dos elementos mais complexos de nossa psique e podem contribuir deforma inequívoca e inigualável para o desenvolvimento infantil.

A brincadeira pode, então, ser considerada como uma fonte de energia que impulsiona a criança na direção do seu desenvolvimento psicológico e cognitivo. Para Vigotski, “(…) a brincadeira cria uma zona de desenvolvimento iminente na criança. Na brincadeira, a criança está sempre acima da média da sua idade, acima de seu comportamento cotidiano: na brincadeira, é como se a criança estivesse numa altura equivalente a uma cabeça acima da sua própria altura. A brincadeira em forma condensada contém em si, como na mágica de uma lente de aumento, todas as tendências do desenvolvimento; ela parece tentar dar um salto acima do seu comportamento comum’.

Quando se olha a brincadeira pelo olhar da neurociência, seu papel imprescindível no desenvolvimento humano se revela até mesmo na fisiologia cerebral. Diversos estudos com crianças que foram privadas de brincar na infância, como aquelas que cresceram em orfanatos na Ucrânia ou outros países em situações de guerra, mostram que a ausência das brincadeiras está relacionada com a diminuição do volume cerebral, principalmente nas áreas ligadas ao processamento das emoções e empatia. Parece que a atrofia dessas áreas cerebrais e os prejuízos emocionais estão diretamente ligados à impossibilidade de brincar. Essas mesmas crianças, em sua vasta maioria, apresentam comportamentos agressivos e arredios. Com intervenções que simplesmente as fazem brincar, esses comportamentos são abruptamente reduzidos e até mesmo extintos. Pesquisas sobre a teoria da mente (habilidade de entendermos os pensamentos, sentimentos, crenças e intenções de outras pessoas) começam a investigar a relação entre brincar e “se colocar no lugar do outro”. Resultados de estudos com ressonância magnética funcional mostram que áreas cerebrais como a junção temporo- parietal, córtex medial parietal e córtex medial pré-frontal, regiões do cérebro diretamente associadas à teoria da mente e empatia, são mais ativadas durante brincadeiras de faz de conta e que essas brincadeiras estão ligadas ao desenvolvimento de diferentes habilidades sociais e emocionais. De modo geral, ninguém sabe ao certo o que causa a teoria da mente, mas todos constatam a importância do faz de conta nesse processo. Para os neurocientistas que pesquisam o desenvolvimento infantil, não há a menor dúvida que brincar é muito mais que lúdico e infinitamente mais que mero divertimento. A complexidade da estruturação cerebral durante a infância perpassa, necessariamente, pelo brincar.

Com tudo isso, é triste perceber que a função da brincadeira ainda é incompreendida no sistema escolar. Tanto o discurso que institui o brincar como a função única da educação infantil quanto a ideia que rechaça o papel da brincadeira com o argumento “a educação deve ser levada mais a sério” desconhecem seu real significado. Enquanto o divertido estiver associado ao desimportante e à ocupação do tempo, o desenvolvimento infantil estará preso aos extremos da brincadeira sem propósito e do ensino formal.

Assim, quando retomamos a teoria de Vigotski à luz dos estudos produzidos pela neurociência, divisamos a compreensão que pode nos salvar dessa armadilha. Segundo o psicólogo russo, a brincadeira, compreendida como jogo dramático, é a possibilidade de que a criança construa as regras que faz com que ela se relacione com os outros. O radical dran, na língua grega, significa, exatamente, o fazer inconcluso, a ação que constitui o sujeito à medida que se desenvolve. Em linguagem técnica, isso quer dizer que a brincadeira é a atividade que se constitui enquanto exige da criança a utilização de seus recursos de atenção, memória, pensamento e fala. As regras mencionadas por Vigotski não dizem respeito àquelas preestabelecidas por jogos, concedidos à criança pelos adultos como oportunidade de desenvolvimento externo, mas sim àquelas que ela pode construir, por exemplo, ao entender o “sentimento de ser irmã” quando brinca de oferecer um chá da tarde para sua irmã. Nessa brincadeira, o adulto não oferece recursos externos, mas atua intencional e diretamente sobre a escolha de objetos que passam a ser assimilados pelas crianças na constituição interna do seu psiquismo.

Esses objetos variam de cabos de vassoura que atuam como cavalos a músicas e expressões artísticas que se posicionem entre o que a criança já aprendeu e aquilo que ainda pode aprender. As regras, nesse sentido, dizem respeito ao desenvolvimento da própria conduta, à sistematização da própria personalidade. As regras, constituídas por meio da brincadeira, regulam o comportamento das crianças e as ensinam quando e como agir nas mais variadas situações do cotidiano. Esse desenvolvimento, no entanto, só é possível na medida em que os adultos responsáveis pelo seu acompanhamento entendam seu papel essencial e nada acessório na eleição e sistematização dos objetos.

A complexidade que envolve o brincar e o desenvolvimento infantil vai muito além do que, ingenuamente, possamos imaginar. A brincadeira está inserida em um dos ramos mais novos e promissores das pesquisas mais recentes acerca do funcionamento do cérebro. Mais que isso, o brincar está envolvido nas investigações sobre o que nos torna humanos. Nesse sentido, este texto apenas levanta a necessidade de mudar o olhar sobre o lúdico. É preciso desconstruir a ideia tão arraigada de que brincar é meramente se divertir. É imprescindível que se coloque a brincadeira em seu devido lugar no ambiente escolar real, e não apenas nas discussões acadêmicas. Professores e professoras precisam considerar que o brincar é centelha de vida, é transbordar da energia que desenvolve e constitui. Brincadeira está muito, muito longe de ser coisa pouca. Brincar é viver e aprender a viver.

 Brincar é uma encenação da vida.2

Ana Paula Moreira – é psicóloga, doutora em psicologia pela PUC de Campinas, professora do curso de pedagogia da Universidade de Mogi das Cruzes.

Wagner da Cruz Seabra Eiras – é físico, doutorando em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e professor do ensino médio e da licenciatura em física do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais.

Guilherme Brockington – é físico, pós-doutorado em educação, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde conduz pesquisas em neurociência e educação.

GESTÃO E CARREIRA

MAIS FORTE DO QUE NUNCA

Há empreendedores que não sentiram e nem sentirão a crise. São aqueles que investem na blindagem de seus negócios, cuidam do caixa diariamente e conseguem crescer nos momentos mais difíceis, em que a maioria fracassa ou desiste. Aprenda como fortalecer sua empresa e conheça quem está fazendo isso com sucesso!

Mais forte do que nunca

Muito se fala que são nos momentos mais difíceis que surgem as melhores oportunidades e ideias para os empreendedores. Em um momento delicado da economia como o que o Brasil vive desde 2014, o empreendedorismo tem sido visto como a escapatória ideal para aqueles que perderam seus empregos ou aos que perceberam espaços abertos nos setores para atuar.

Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2017, a taxa de empreendedorismo no Brasil foi de 43,5% no ano passado, mostrando que 52 milhões de brasileiros de 18 a 64 anos estão envolvidos na criação ou manutenção de algum negócio. Na comparação com a taxa de 2014 (34,4%), o aumento foi significativo. Esse dado é apenas um exemplo de que, mesmo diante da crise, os brasileiros têm a esperança de dias melhores, e o caminho para muitos é empreender.

No entanto, mais do que aqueles que investem no empreendedorismo há muito tempo ou escolheram empreender na crise, há os donos de negócios que sequer sentiram na pele as instabilidades da economia. Para eles, não houve queda no setor ou nas próprias vendas, mas sim um crescimento a ser celebrado. Não falamos aqui de grandes empresas ou de golpes de mestre – falamos de empresários que confiaram em seu potencial e no de sua empresa, que planejaram a longo prazo investimentos e que, mesmo diante da retração do mercado, comemoram os frutos de tanto trabalho. Todavia, de que forma esses empresários conseguiram blindar seus negócios a ponto de alcançar resultados tão fortes? A pesquisa consultou especialistas e conversou com empreendedores que estão faturando alto para dar dicas sobre ações eficazes para proteger a empresa e crescer. Confira!

 

RÉGUA DOS 5 PASSOS

A primeira medida para proteger o próprio negócio e alavancar seu crescimento é planejar. Como toda empresa que deve fazer seu plano de negócios, planejar o crescimento a longo prazo é determinante para enfrentar dificuldades na macroeconomia. O diretor do programa HSM Performance e professor e palestrante internacional dos temas Planejamento Estratégico e Desenvolvimento Organizacional, Luís Augusto Lobão Mendes, vê esse como o primeiro grande erro cometido pelas empresas. Para ele, o modelo de gestão da maioria dos negócios é governado pela lógica de redução de custos, otimização dos ativos e aumento de produtividade, e isso provoca uma triste estatística – três em cada quatro iniciativas de crescimento dão errado dentro das corporações. Isso significa que, na hora de crescer, o empreendedor não atinge os objetivos propostos. Para isso, Lobão fala sobre a Matriz de Apostas Estratégicas, um planejamento que indica onde o empresário deve apostar o crescimento de seu negócio. “O primeiro passo é fazer uma lista, um brainstorming com diversas formas de crescer, por exemplo, novos mercados com novos produtos, os mesmos clientes com novos produtos, novos canais, combinações não óbvias, pensar em novas parcerias. Contudo, a preocupação principal é a seguinte: se eu cresço me afastando do meu core business, da minha competência central, minha taxa de sucesso começa a cair”, explica.

Para isso, sabendo qual é a verdadeira competência da empresa, o empreendedor deve entender a distância de cada uma das iniciativas para o crescimento do que é realmente capaz de entregar, a chamada régua de cinco passos. “A competência verdadeira não é o produto ou o serviço que a empresa oferece, mas como o negócio se organiza, as relações que estabelece”, emenda. O primeiro passo diz respeito à base de clientes. O empreendedor deve se perguntar se a iniciativa para crescer está ligada aos mesmos clientes ou a novos. Se a base de cliente mudar, pois a proposta de valor mudou e não é para o mesmo perfil de cliente, o empreendedor deve considerar um passo dado.

O segundo passo fala obre canais de venda. “Por exemplo, se eu tinha um modelo de vendas transacional, com call center e representantes, e começo a necessitar de consultores de vendas ou key accounts, é considerado mais um passo dado para longe do core da empresa”, explica o professor da HSM Educação Executiva.

Os ativos da empresa, isto é, equipamentos, tecnologia, know-how, são o terceiro passo e, caso a empresa aborde novos ativos, é mais um passo dado. O quarto passo na régua dos cinco passos fala sobre a concorrência. Se são adotadas novas formas de atuação, proposta, desenho e esforço comercial desconhecido, o empresário assume mais um passo. Por fim, os ativos intangíveis da empresa serão modificados, como poder de marca, reputação, credibilidade ou propriedade intelectual? Se sim, mais um passo dado. “À medida que a empresa se afasta de seu core, aumenta o risco de crescer e o risco de fracassar. As pessoas pensam em inovação e em fazer diferente do core, mas é possível pensar em inovação no que já existe na empresa e fortalecer o crescimento. Achamos que precisamos de elementos novos para crescer, mas esquecemos que há recurso subutilizados dentro da própria organização, como carteiras de clientes que podem aumentar o ticket médio, carteiras de clientes que podem ter vendas cruzadas, dispostas a pagar por serviço, etc.”, alerta Lobão.

Para isso, é necessário avaliar todas as contas, as dívidas, os custos fixos e os recebimentos, pois sempre há ajustes possíveis. Lobão destaca que, ao visitar as empresas, costuma dizer que a oportunidade inexplorada para o crescimento se encontra em produtos e serviços associados e nunca no produto. “Ainda estamos acostumados a fazer nova tabela de preço com mais desconto, essa é uma forma desesperada e que não funciona no longo prazo. O segredo é entender como se cria valor. Se você não trabalha para o sucesso do seu cliente, não terá como explicar para ele como está pagando por esse valor que o empresário cobra. É preciso segmentar sua base de cliente por meio da necessidade de cada um e, então, construir um produto de plataforma básica e fazer o acabamento conforme aquele grupo de cliente que tem a mesma necessidade. Assim, sua capacidade de escalar aumenta consideravelmente”, completa ele.

O administrador, empresário e coach empresarial da Action Coach, Sizenando Alves de Carvalho, concorda com o discurso de Lobão: “Se o empresário deseja ampliar o seu negócio em um momento de crise, deve fazê-lo com algo que seja próximo do que já faz. Se no momento de abundância o risco deve ser calculado, imagine em um momento de escassez de oportunidades”.

 AJUSTES NAS CONTAS

De nada adianta as empresas estarem preparadas para atender a novas demandas e brechas no mercado se nada for feito da porteira para dentro. Crises são adequadas para que o empreendedor volte as atenções para as contas internas, à procura de pequenos desperdícios ou exageros que possam estar sendo feitos.

A atenção deve ser dada até nos menores aspectos, do café a um serviço ultrapassado. “É preciso avaliar quanto se está preparado para explorar tais oportunidades. Aí, uma questão fundamentalmente importante é o equilíbrio financeiro. Empresas com boa liquidez, baixo endividamento e estrutura enxuta geralmente levam vantagem, pois conseguem sobreviver à escassez de crédito e ao custo mais elevado do capital em grandes soluções, enquanto alguns correm o risco de quebrar. Aqueles com boa liquidez e baixo endividamento podem comprar melhor, têm condições de financiar seus clientes e capturar fatias maiores do mercado. Também podem aproveitar o momento recessivo para assumir riscos calculados e fazer bons investimentos, inclusive aquisições”, afirma o especialista em planejamento financeiro e consultor empresarial com expertise em finanças, gestão e governança, Ciro de Oliveira.

Ainda que pareça citar boa liquidez quando o mercado se retrai e o crédito segue escasso, empresas cuidadosas que fazem a lição de casa nos ciclos de expansão geralmente se mostram preparadas para enfrentar ciclos de retração e crescem. Por isso, adaptação e flexibilidade são fundamentais.

Avaliar possíveis cortes nos custos fixos, funcionários executando funções dobradas, equilibrar o caixa minuciosamente. “Custo é igual a grama, pois cresce de qualquer jeito. Enxugar gastos é imprescindível, até mesmo demitir, se for necessário. O empreendedor pode achar que é feio ser conhecido como mão de vaca ou sovina, mas é preciso ser agressivo com essa questão. A verdade é que todo tipo de corte parece drástico no primeiro momento, mas as pessoas se acostumam depois de seis meses. E se o empreendedor fez um corte arbitrário ou cortou fundo demais, é possível voltar atrás”, ressalta Lobão.

Claro que o empresário não deve cortar absolutamente tudo na estrutura, o que pode ser perigoso, impossibilitando entregas. “Defendo uma revisão profunda dos gastos e custos da empresa e aí, sim, determinar o que deve (e pode) ser reduzido. O que não pode ser feito é reduzir a qualidade dos insumos e dos materiais vitais para a satisfação do cliente! Muitos têm feito isso, o que, automaticamente, gera insatisfação e perda de receita”, opina o coordenador dos cursos do gestão e relações internacionais do Centro Universitário Newton Paiva, Leandro Silva.

O professor de economia do Centro Universitário Celso Lisboa, André Luís Brown de Carvalho, lembra que é dever do empresário estar ciente dos índices de inflação interna, os indicadores de variação dos custos de sua empresa. Dessa maneira, ao entender a estrutura dos gastos e a evolução dos custos dos seus insumos, uma análise crítica sobre quais insumos impactam mais fortemente seus custos pode ser feita, o que afeta diretamente a lucratividade.

Uma vez identificados quais itens de seus insumos estão mais caros, ele pode fazer uma pesquisa de mercado e levantar produtos que possam ser substitutos próximos. “Este processo de avaliação dos custos deve ser rotineiro e não apenas em momentos de crise. Outro ponto que merece destaque se refere aos custos de menor monta, chamados de ‘irrisórios’, pois o empresário deve sempre buscar a eficiência produtiva, alocando seus custos da melhor maneira possível para que não ocorra desperdício. Assim, custos fixos ou de menor monta devem sempre ser avaliados”, diz Carvalho. A atenção ao caixa, que deve ser diária por parte do empresário, é citada como uma das principais vantagens dos bem-sucedidos em relação ao restante. “O que mata uma empresa é o seu fluxo de caixa e ele deve ser alimentado diariamente. O pequeno empresário sente os efeitos de um fluxo de caixa baixo ou alto no dia a dia. Se quiser crescer, deve começar a pensar no médio e longo prazo. Mas, primeiro, sobreviver”, decreta o coach empresarial Sizenando Alves de Carvalho. “Nesse momento, o pequeno e médio empresário, que não fazia, deve desenvolver estratégias não só de fixação de marca, mas principalmente com o propósito de vender. Sempre digo aos meus clientes: ‘tem os que plantar algo que nos alimente hoje, algo que nos alimente daqui a um mês e algo que nos alimente em um ano ou mais”‘, emenda ele.

NEGOCIAÇÃO

Outra importante fonte para corte de custos são os fornecedores. Por mais que a maioria negue aumentar o prazo de pagamento ou reduzir os preços, a ideia é tentar utilizar o relacionamento estabelecido com cada um deles, garantir a parceria a longo prazo e usar isso em benefício próprio.

O professor do Centro Universitário Newton Paiva e também sócio e fundador das empresas Griffe SA e da marca Lobo Branco, Leandro Silva, comenta que tem trabalhado junto com os fornecedores em seus negócios. “Tenho defendido evitar comprar a prazo, reduzir a quantidade comprada e aumentar a frequência de compra dando preferência pelo pagamento à vista. Na minha empresa temos feito isso. Alguns fornecedores têm dito não, mas temos conquistado relativo sucesso junco a outros fornecedores que, nesse novo modelo, há uma diminuição do risco da inadimplência”, conta Silva.

A arte da negociação, portanto, é ideal para proteger a empresa e assegurar o crescimento. Saber negociar não é necessariamente sinônimo de pechinchar, segundo André Luís de Carvalho. Negociação significa que ambas as partes alcancem benefícios mútuos. Dessa forma, a ampliação de prazos de pagamentos deve sempre vir acompanhada de garantias ou de alguma outra contrapartida. “Um exemplo: o fornecedor aumenta o prazo para pagamento com a garantia de que o comprador irá aumentar a quantidade comprada ou dará maiores garantias. Assim, o fornecedor não irá comprometer seu fluxo de caixa nem aumentar sua exposição ao risco de calote. Importante frisar que o processo de negociação envolve muitas rodadas e depende muito do ramo de atuação”, explica o professor do Centro Universitário Lisboa.

A alternativa também para sustentar o crescimento é que o empresário encontre formas de suprimento para reduzir a dependência de seus fornecedores. “Essa prática reduz seus riscos de suprimento e eleva seu poder de barganha. Outra questão importante é que, em tempos de recesso, a oferta normalmente tende a superar a demanda. Esse cenário é sempre favorável aos compradores, mesmo os pequenos. Por isso, é importante que o empresário tenha bom conhecimento de suas alternativas de suprimento e negocie proativamente com seus fornecedores, lembrando-se de que muitos deles estão provavelmente sofrendo com a crise e buscam opções para elevar as vendas, aponta Ciro de Oliveira.

ESTOQUE E LOGÍSTICA

A gestão do estoque e da logística também são diferenciais para empresas que não percebem a crise e comemoram resultados positivos. Como explica o consultor empresarial e especialista em planejamento financeiro, Ciro de Oliveira, para um bom dimensionamento dos estoques e do suprimento, é essencial o trabalho de planejamento de vendas e operações. “Esse trabalho começa com uma previsão de demanda e o estabelecimento de níveis de cobertura que cubram variações e evitem comprometer a segurança de suprimento. Por outro lado, são fundamentais o acompanhamento de desvios e o controle rigoroso do giro dos materiais, identificando antecipadamente ações necessárias para evitar estoques excessivos”, alerta.

De acordo com Leandro Silva, do Centro Universitário Newton Paiva, empresas que cortam estoques grandiosos já saem na frente, adequando ao fluxo de vendas. “Em um primeiro momento, isso pode soar trabalhoso, mas o trabalho compensa. Isso se deve ao fato de que esse tipo de gestão requer menos “gordura de capital” e, consequentemente, menor necessidade de financiamento. Com o crédito caro, qualquer possibilidade de evitar a contração de empréstimos é bem-vinda”, afirma.

“Em resumo, o empresário deve perseguir a seguinte sequência: o prazo de recebimento de suas vendas deve ser, na média, menor do que o prazo de pagamento de seus fornecedores. Essa lógica reside na ideia de que primeiro o empresário utiliza a matéria-prima do fornecedor, agrega valor a ela e só depois que vender o produto resultante do processo produtivo que ele pagará ao fornecedor, gerando valor para toda a cadeia produtiva”, explana André Luís de Carvalho.

Para a logística, o controle deve persistir, especialmente na otimização de processos internos e nos processos de distribuição. “A logística de distribuição deve levar em conta não apenas a localização geográfica dos clientes, mas também a frequência de suprimento, o tamanho e a variação da demanda. Com isso, alternativas de consolidação ou fracionamento, possíveis modais, roteirização e frequência de transporte podem ser mais adequadamente definidas. A redução da complexidade logística passa também pelo estabelecimento de lotes mínimos, de processos de corte (horários /datas/ frequência) e das condições de fornecimento, bem como pela redução da quantidade de prestadores de serviço”, completa Oliveira.

EQUIPE AFINADA

A redução de custos, o equilíbrio da logística e do estoque e o poder de negociação são importantes, mas potencializam se há por trás uma equipe de alta performance. Segundo o professor do Centro Universitário Celso Lisboa, André Luís de Carvalho, a baixa produtividade do trabalhador brasileiro é um problema em todos os setores da economia. “Uma forma de manter o profissional engajado é comprometê-lo com as decisões estratégicas da empresa. Quando o funcionário entende sua importância no processo e se sente importante, o comprometimento ocorre”, afirma.

Para isso, apenas pessoa alinhadas à cultura organizacional da empresa devem ficar. Além disso, uma comunicação aberta é essencial para criar um ambiente de confiança, especialmente em momentos de dificuldade. “A comunicação aberta e transparente sobre os números da empresa, sobre o merca do, sobre as dificuldades, por meio de indicadores que todos entendam, são os grandes diferenciais para o crescimento das empresas, mesmo em momentos de crise. A produtividade ou eficiência operacional deve ser um indicador a ser medido. Se dependesse delas, as equipes de alta performance não admitiriam as pessoas com baixa produtividade ou que prejudicassem o resultado todo. Essa é uma prática que deve ser adotada principalmente quando se está ganhando o jogo”, esclarece e reforça o empresário, administrador e coach empresarial Sizenando Alves de Carvalho.

Para criar esse ambiente transparente e aberto, Luís Augusto Lobão Mendes aconselha que os empreendedores acabem com as salas individuai e os aquários nos escritórios.  ”A comunicação fluida na corporação, além de engajadora, também permite que vários problemas que acontecem e que geram custos e retrabalho possam ser solucionados. Ambientes abertos, existência de ritos de divulgação de resultados, de conversa, de busca de solução tão fundamentais nesse processo. A consequência desse ambiente de senso de urgência, de não se acomodar como status quo, da busca da efetividade e da produtividade é a retenção de talento. É preciso que os funcionários se sintam como donos das empresas, tenham esse senso de pertencimento e vejam que a meritocracia existe e dá certo”, aponta o professor da HSM.

HSM PERFORMANCE

Para auxiliar os empreendedores a alavancarem seus negócios, a HSM Educação Executiva possui o programa HSM Performance. Com um ano de duração, o programa é baseado em dois pilares: melhorar o modelo de gestão e o crescimento dos líderes das empresas. “Fazemos a avaliação de competência dos gestores e elaboramos um curso personalizado. A característica básica desse desenvolvimento é a ideia de que cada programa é individual. Em nossa plataforma, temos mais de 20 mil minutos com temas diversos pertinentes à área de negócios”, explica Lobão.

►CASES

JRD LOGÍSTICA DE MARKETING

Com 60 colaboradores, a JRD Logística de Marketing está entre as pequenas e médias empresas que mais cresceram no Brasil, de acordo com a consultoria Deloitte. Aberto em 2004, o negócio oferece os serviços de logística promocional, com armazenagem, manuseio, embalagem, transporte de materiais, mas vai além, integrando serviços de suporte ao trade marketing. Por lá, os resultados são positivos desde 2008, com crescimento superior a 70% ao ano entre 2011 e 2014.

Diante da economia em 2015, a empresa tomou uma série de ações para seguir crescendo. “Elaboramos um plano para a criação de novos serviços, que denominamos de SCT (Soluções Completas para Trade Marketing), para que pudéssemos vender mais aos clientes de nossa carteira, que é muito valiosa, com grandes indústrias de diversos mercados. Também intensificamos a prospecção de novos clientes, pois com a redução natural de volumes que teríamos dos clientes devido à crise, precisaríamos incrementar nossa carteira, aumentando o Market share”, explica o diretor de Negócios da JRD, Renato da Silva Paschoal.

A JRD ainda concentrou seus esforços na manutenção dos clientes que já estavam fidelizados, por meio da busca por ganho de eficiência, seja pela redução de custos, aumento de escala ou integração de serviços. “Afinal, na crise as pressões por redução de custos são sempre muito grandes, então precisávamos estar preparados para renegociar contratos e oferecer algo mais como parceiros dos clientes”, emenda Paschoal.

Essas mudanças têm acontecido desde meados de 2014 e seguirão por 2018. Além do time de gestão, a empresa contou com a consultoria de recursos humanos De Bernt, que está ajudando a estruturar o organograma, identificando potencialidades da equipe e readequando todos em funções onde podem entregar resultados melhores. “O cenário de 2015 nos obrigou a ganhar eficiência, melhorando a qualidade de nossa estrutura de custos, reduzindo desperdícios, aumentando os ganhos de escala em operações e integrando novos serviços. Tivemos de renegociar todos os contratos pressionados por redução de custos, aumentar nosso portfólio de serviços e vendê-los, além de analisar as muitas oportunidades que surgiram e trabalhar para o fechamento de contrato de mais dois importantes clientes”, completa.

Em 2017, a empresa cresceu 10%. Para 2016, a perspectiva foi mantida, com a expectativa de aquisição de novos clientes e ampliação das vendas dos serviços de SCT. “A recessão gera uma enorme preocupação em todos os empreendedores, o que é saudável se o empreendedor souber dosar suas energias entre a prudência e o foco nas oportunidades; a redução de custos e a busca pelo aumento das vendas; entre a redução de mão de obra ineficiente e a contratação de novos valores produtivos. Não estou, com isso, de forma alguma dizendo que o empreendedor precisa ignorar a crise e ser inconsequente, porém acredito que a principal característica necessária ao empreendedor é não entrar em pânico, para assim conseguir manter-se focado nas oportunidades que são abundantes justamente por causa da crise”, afirma Paschoal.

“Aqueles com boa liquidez e baixo endividamento podem comprar melhor, têm condições de financiar seus clientes e capturar fatias maiores do mercado. Também podem aproveitar o momento recessivo para assumir riscos calculados e fazer bons investimentos, inclusive aquisições”

 CASES

BATUQUE PROMO

Planejamento é tudo para uma empresa que pretende crescer de forma sustentável. Esse lema foi o que levou a fundadora da agência de live marketing Batuque Promo, Chris Bradley, a alcançar cifras importantes e clientes ambiciosos em 2017. Ex-sócia do Gruponove, uma das maiores agências de comunicação do Nordeste, Chris foi desafiada a abrir o braço promocional da empresa em São Paulo. Com o tempo e a experiência, optou por abrir a própria empresa em 2008, especializada em mecânicas promocionais, eventos regionais e MPDV.

Com sua sensação apurada sobre o mercado, em 2014, a empreendedora iniciou um planejamento forte para corte de custos na Batuque Premo. “Desde 2014 estávamos focados em otimização de projetos e cortes de custos exagerados. Além disso, investimos na nossa equipe de Criação e Planejamento. E o mais importante: só entramos em concorrências de projetos que tínhamos chance de ganhar e revisitamos os nossos clientes prospects, mas desde que representassem uma boa rentabilidade”, conta ela.

Para acertar contas e gastos, Chris não teve ajuda externa, mas procurou alinhar internamente os objetivos do negócio com todas as lideranças da empresa, conseguindo diminuir custos e gerar ganhos maiores. O esforço valeu a pena. Mesmo com a instabilidade econômica, 2017 foi o melhor ano da Batuque desde sua fundação.

A equipe trabalhou para conquistar as grandes concorrências, mantendo 70% de conversão nos projetos de concorrência. “Crescemos mais de 35% em receita em 2017. Não sentimos a crise, o mercado de Live Marketing cresceu, apesar da dificuldade da situação econômica do País. As empesas acabaram trocando alguns investimentos que antes faziam de mídia tradicional para investir em promoção, ou ativação de pontos de venda, ou mesmo em uma ação digital. Isso favoreceu muito o nosso mercado”, analisa a fundadora.

A dedicação da empreende e de sua equipe continua fazendo bonito. Ainda que alguns clientes tenham cortado levemente investimento, a maior conta da empresa aumentou sua participação, o que gerou a vitória da Batuque Premo e concorrências importantes.

“Fomos homologados na Pepsico, ganhamos a maior concorrência de promoção deles para 2017 para Ruffles, ganhamos também uma concorrência de promoção grande para Wickbold, conquistamos a conta da SIN Implantes e finalizamos o ano com a conquista de Dermacyd, da Sanofi”, conta ela.

Para este ano, a agência já trabalha para colocar no ar cinco grandes promoções nacionais Ruffles, Disney, Rede, Dermacyd e Honda. Mesmo com as projeções pessimistas para 2018, o que pode acarretar a diminuição de investimentos na área de Chris, ela espera crescer entre 10% e 11 %. “O importante é se antecipar e everter qualquer cancelamento de projeto e buscar outras oportunidades em novos clientes”, aconselha.

Além de muito planejamento e redução de custos, Chris Bradley destaca que a Batuque Promo começou a crescer a partir momento que passou a dizer não para projetos que tinha pequenas chances de conversão. “Por isso, revejam a estratégia do negócio e neste caso a máxima é válida: nem sempre quantidade é melhor qualidade”, afirma.

 ►CASES

CLEAN CLEAR

Se muitas empresas do ramo de serviços têm sentido na pele os efeitos da crise, a rede de micro franquias de serviços de limpeza residencial e comercial Clean Clear souberam usar as dificuldades a seu favor. A empresa, criada pelos sócios Clóvis Campos e Douglas Barbosa, aproveitou as instabilidades do mercado para estudar seu nicho de atuação e estruturar formas de crescimento.

Um dos principais impulsionadores do bom desempenho da rede foi a criação da PEC das Domésticas, que acabou por estimular o mercado do setor de limpeza terceirizada, como explica Campos. “A PEC das Domésticas nos deu a oportunidade de apresentar um serviço diferenciado e profissionalizado ao mesmo tempo, trazendo conscientização para os contratantes dos custos versus benefícios de uma diarista se comparado com uma empresa especializada”, conta o sócio­ fundador e gerente-geral da rede.

Apoiado na PEC, a empresa passou a estudar o mercado e perceber que era necessário investir de forma estratégica na comunicação com os franqueados, permitindo que eles mantivessem os clientes e o faturamento das lojas em alta. “Diante do cenário mais desafiador, intensificamos o suporte e treinamento junto aos franqueados, especialmente no âmbito comercial e operacional, ampliando com o desenvolvimento de novos produtos que atendessem também a pequenas necessidades na casa dos clientes “, afirma o sócio- fundador.

A Clean Clear apoiou os consultores do departamento de Operações para acompanharem diariamente os resultados de cada franquia, sugerindo melhorias e novos produtos a serem trabalhados e comunicados de forma coletiva. O resultado? “Mantivemos um crescimento estruturado e considerável. A rede mais que dobrou seu tamanho de 2014 para 2015. Foram 13 novas unidades em 2015. Além desse crescimento, investimos em contratação de novos profissionais para intensificar o suporte aos franqueados”, avalia Campos.

Além de intensificar a comunicação e o suporte aos franqueados, a Clean Clear ampliou as estratégias de marketing para disseminar de forma mais ampla os serviços oferecidos, bem como trabalhar com mais proximidade junto aos nossos clientes, ajustando pontualmente as agendas de solicitações de serviços. Para 2018, a meta é manter o crescimento e abrir 20 novas unidades e também intensificar o trabalho naquelas que estão em fase de implantação e serão inauguradas em breve.

Como conselho para o empreendedor que quer manter o bom desempenho de sua empresa em momentos difíceis, o fundador tem algumas indicações: “tire o foco de discussão sobre o assunto crise, amplie as estratégias comerciais, fique mais próximo de seu cliente, esteja atento de forma sistemática ao seu mercado de atuação e invista em inovação para o negócio”.

Para abrir uma franquia da Clean Clear, o investimento inicial é de R$50 mil, com capital de giro a partir de R$16 mil, taxa de franquia de R$10 mil a R$20 mil e faturamento mensal de R$21 mil, com prazo de retorno de 18 a 24 meses.

 ►CASES

MOTOCAR

Analistas dizem que os verdadeiros empreendedores são aqueles que veem momentos de dificuldade como impulsionadores de grandes ideias, de oportunidades únicas. Os criadores da Motocar são exemplos desse tipo de espirito. Com 130 funcionários, o negócio faz parte de um grupo de empresas instaladas na Zona Franca de Manaus e vende triciclos para clientes, como micro­ empreendedores e pequenos empreendedores, empresas familiares e outros segmentos.

Além de lidar com um produto único e inovador, o que já significa uma certa vantagem em mercados competitivos e instáveis como o do momento, a Motocar se tornou uma solução para a redução de custos de seus clientes. “O triciclo Motocar custa um terço de um veículo utilitário por quilômetro rodado e gera uma economia próxima de 30% se comparado aos utilitários leves, como uma Fiorino, por exemplo. Não há segmento parecido no Brasil como os de triciclo. Eles são uma inovação no transporte no País e acreditamos na força dele no mercado brasileiro, diante das vantagens que a Motocar oferece ao consumidor, com destaque para o melhor custo­ benefício ao cliente”, aponta o diretor comercial da empresa, Carlos Araújo.

Mesmo com um produto inovador debaixo do braço, os donos da empresa iniciaram trabalhos estratégicos para prevenir e proteger o negócio de crises, como a expansão da rede concessionária e o treinamento de pessoas. Foram abertas 15 novas lojas em 2017 e serão abertas outras 15 até o fim de 2018. “Fizemos também o treinamento da rede de concessionários para melhorar qualidade de serviços, tanto em venda quanto em produção, transferimos nosso armazém de peça para São Paulo para facilitar a venda e manutenção, além de investimentos em mídias sociais”, conta Araújo.

Os esforços deram certo. Com uma estratégia agressiva, a Motocar cresceu 90% em 2017 na comparação com o ano anterior. O faturamento foi de R$26 milhões em um ano considerado instável na economia brasileira. “Não sentimos a crise, na verdade ela foi positiva, pois como as outras empresas estão revendo seus gastos, nosso produto de melhor custo-benefício é visto com bons olhos por todos”, emenda o diretor comercial.

As projeções para o futuro são ousadas e seguem sem sentir o momento econômico do País. Até 2018, a empresa pretende dobrar em faturamento e em número de veículos comercializados. Segundo Araújo, a expectativa é vender 2.400 triciclos, dobrando assim a meta alcançada em 2015, somar 45 concessionárias no País e atingir um faturamento próximo de R$30 milhões.

A empresa ainda deve investir em novos pontos na região Sul do Brasil e seguir com o investimento em mídias sociais. “Todo mercado que está em crise tem oportunidades; quando você leva uma proposta para o cliente que tem o objetivo de reduzir despesas, ela será bem-vista pelas empresas e consumidor. A principal dica é para investir em novos produtos que se adaptem ao cenário atual, pois, quando ele retomar, você já tem uma cartela de clientes que consome seu produto e poderá ofertar novas possibilidades “, decreta.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 20: 17-19

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Os Sofrimentos de Cristo São Preditos

Essa é a terceira vez que Cristo dá aos seus discípulos a notícia dos seus sofrimentos que em breve viriam. Ele não iria subir a Jerusalém para celebrar a páscoa, mas para oferecer a grande Páscoa; ambas deviam ser feitas em Jerusalém. Ali “a páscoa deve ser celebrada” (Deuteronômio 12.5), e ali um profeta deve perecer, porque ali se as­ sentava o grande Sinédrio, que eram juízes naquele caso (Lucas 13.33). Observe:

 I – A privacidade dessa predição. Jesus chamou à parte os seus doze discípulos no caminho. Essa foi uma das coisas que lhes foram ditas “em trevas”, mas que eles deveriam depois dizer “em luz” (cap. 10.27). O seu segredo estava com eles, como seus amigos, e isso na sua privacidade. Essa foi uma palavra dura; e se alguém poderia suportá-la, eles poderiam. Eles seriam mais imediatamente expostos ao perigo com Ele. Portanto, era necessário que eles soubessem disso, para que, sendo avisados de antemão, pudessem se preparar. Não era adequado que isso fosse falado publicamente naquele momento:

1. Porque muitos que eram simpatizantes moderados dele iriam, a partir de então, virar-lhe as costas; o escândalo da cruz os teria assustado e eles não o seguiriam mais.

2. Porque muitos que eram simpatizantes ferrenhos dele seriam, a partir de então, impelidos a pegar em armas em sua defesa, e isso poderia ter ocasionado um “alvoroço entre o povo” (cap. 26.5), o que teria sido imputado a Ele como acusação, se lhes tivesse dito publicamente antes. E, além desses métodos estarem totalmente em desacordo com o caráter do seu Reino, que não é deste mundo, o Senhor Jesus nunca apoiou nada que tivesse a tendência de impedir os seus sofrimentos. Esse discurso não foi na sinagoga, ou na casa, mas no caminho, enquanto viajavam. Isto nos ensina que, em nossas andanças ou viagens com os nossos amigos, devemos procurar conversar aquilo que for bom para a nossa edificação. Veja Deuteronômio 16.7.

 II – A predição em si (vv. 18,19). Observe que:

1. Essa é apenas uma repetição daquilo que Ele já havia dito antes (cap. 16.21; 17.22,23). Isto sugere que o Senhor não só via claramente as dificuldades que se colocavam diante de si, mas que o seu coração estava sobre a sua obra sofredora. Isso o encheu, não de temor, de forma a fazê-lo planejar evitá-la – o que poderia ter acontecido -, mas com desejo e expectativa. Ele falava frequentemente de seus sofrimentos, porque era através deles que Ele entraria em sua glória. Bom é para nós pensarmos frequentemente e até falarmos de nossa morte, e dos sofrimentos que, provavelmente, poderemos encontrar até chegarmos à sepultura. E assim, tornando-os mais familiares, eles seriam menos temerosos. Este é um modo de morrermos diariamente, e de tomarmos a nossa cruz diariamente: falarmos diariamente da cruz e da morte. Esta atitude não antecipa nem garante o sofrimento e a morte, pois ambos têm a sua hora certa em nossa vida; porém, os nossos pensamentos e discursos sobre eles se­ riam muito melhores.

2. Ele é mais específico aqui, ao predizer os seus sofrimentos; do que em qualquer outro momento anterior. Ele havia dito (cap. 16.21) que deveria padecer muitas coisas, e ser morto; e (cap. 17.22) que ser ia entregue nas mãos dos homens, e matá-lo-iam; mas aqui ele acrescenta que condená-lo-ão à morte, e o entregarão aos gentios, para que dele escarneçam, e o açoitem, e crucifiquem. Essas coisas são assustadoras, e a previsão certa delas era suficiente para desencorajar uma resolução comum. No entanto (como foi predito a seu respeito, Isaías 42.4), Ele não faltou, nem foi quebrantado; mas quanto mais claramente previa os seus sofrimentos, mais alegremente prosseguiu para encontrá-los. Ele prediz que o fariam sofrer os “príncipes dos sacerdotes e os escribas”; assim Ele havia dito antes, mas aqui acrescenta: “E o entregarão aos gentios”, para que fosse melhor entendido. Porque os príncipes dos sacerdotes e os escribas não tinham poder para matá-lo, nem a crucificação era um método de morte em uso entre os judeus. Cristo sofreu pela maldade tanto dos judeus como dos gentios, porque Ele deveria sofrer pela salvação tanto dos judeus como dos gentios; ambos tiveram uma participação em sua morte, porque Ele deveria reconciliar a ambos através da sua cruz (Efésios 2.16).

3. Aqui, como antes, o Senhor acrescenta a menção de sua ressurreição e de sua glória à menção de seus sofrimentos e morte: “E ao terceiro dia ressuscitará”. Ele ainda apresenta isso:

(1).  Para encorajar a si mesmo em seus sofrimentos, e para prosseguir alegremente através deles. Ele suportou a cruz pela alegria posta diante dele; Ele previu que iria ressuscitar, e ressuscitar rapidamente, ao terceiro dia. Ele logo será glorificado (João 13.32). A recompensa não só é certa, mas está muito próxima.

(2).  Para encorajar os discípulos e confortá-los, pois ficariam chocados e grandemente aterrorizados pelos sofrimentos dele.

(3). Para nos guiar, sob todos os sofrimentos deste tempo presente, mantendo uma perspectiva confiante da glória a ser revelada, olhando para as coisas invisíveis, que são eternas. Isto permitirá que chamemos as aflições atuais de moderadas, e apenas momentâneas.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

O QUE FOI QUE EU DISSE?

A troca de palavras e a inversão de sílabas, os chamados lapsos verbais, revelam como a linguagem se estrutura além das intenções puramente racionais.

O que foi que eu disse

Às vezes cômicos, às vezes constrangedores, os lapsos de linguagem dificilmente passam despercebidos. Se o autor do deslize é alguém famoso, na certa o episódio vai parar na TV, na internet, nos jornais e nas revistas. Foi assim que a secretária de Estado americana Condoleezza Rice fez o mundo inteiro rir quando disse a um jornalista que a questionava sobre projetos dos Estados Unidos no Iraque: “Você deve perguntar ao meu mari…, quer dizer, ao presidente”. Todo mundo sabe que Rice é solteira, e mesmo assim não houve piadinhas maldosas aludindo a um possível romance entre ela e George W. Bush, possivelmente porque seu lapso revelava cumplicidade intelectual e um tipo de vínculo cotidiano muito semelhante ao do casamento, sem significar necessariamente adultério.

O então presidente dos Estados Unidos é recordista em lapsos. Acumulou tantos, e tão particulares, em suas aparições públicas, que deu origem ao neologismo “bushismo”- que naquele país é usado para referir as gafes linguísticas do presidente. Mesmo sendo difícil superar Bush, o presidente Lula não fica muito atrás. Numa entrevista coletiva em 2005, em meio a denúncias de corrupção envolvendo membros de sua equipe, disse: “Eu durmo com minhas cabeças tranquilas”. Mas, além da diversão que proporcionam ao público e do embaraço que causam aos autores, o que são exatamente os lapsos? Por que acontecem? O que podem nos dizer sobre o funcionamento de mente?

Entre os precursores das pesquisas sobre lapsos de linguagem estão o filólogo Rudolf Meringer e o psiquiatra Karl Meyer. Juntos, eles publicaram, em 1895, o livro Erros na fala e na leitura: um estudo psicológico, no qual constam cerca de 8.800 erros verbais de escrita e de leitura. O principal objetivo era elaborar classificações, mas os autores também tentaram determinar a existência de mecanismos psíquicos associa­ dos ao fenômeno, particularmente aos sons proferidos, pois atribuíam valor psicológico aos fonemas.

Quem abordou o lapso com mais profundidade foi Sigmund Freud no texto Psicopatologia da vida cotidiana, de 1901. O pai da psicanálise não poupou críticas à abordagem de Meringer e Mayer e propôs que o lapso seria a confissão involuntária de um conflito interior, de um pensamento escondido em si mesmo e removido da consciência. Para Freud, é a dimensão involuntária que dá valor particular ao lapso. “No procedimento psicoterapêutico que utilizo para resolver e eliminar os sintomas neuróticos apresenta-se com frequência a tarefa de encontrar um conteúdo mental nos discursos e nas ideias aparentemente casuais do paciente. Esse conteúdo tenta ocultar-se, mas não consegue evitar trair-se inadvertidamente de diversas maneiras. É para isso que, em geral, servem os lapsos. Por exemplo, falando da tia, um paciente insiste em chamá-la de ‘minha mãe’ sem perceber seu erro, ou ainda uma senhora que fala do marido como se fosse o ‘irmão’. Para esses pacientes, tia e mãe, marido e irmão são, portanto, ‘identificados’, ligados por uma associação pela qual se evocam mutuamente”, escreveu.

MEDOS E DESEJOS

Não há consenso sobre as interpretações psicológica e psicanalítica dos “escorregões” da fala. Para alguns autores, a explicação freudiana dos lapsos é útil apenas num número limitado de casos. Uma hipótese muito mais simples sugere que esse tipo de erro ocorre devido à complexidade cognitiva da linguagem. Segundo essa abordagem, os lapsos revelariam muito mais sobre sua estrutura e uso que sobre nossas intenções inconscientes. Hoje, algumas áreas da linguística e da psicolinguística consideram os equívocos fenômenos esperados no fluxo do discurso e os analisam como reflexos do mecanismo de produção da linguagem. No entanto, não conseguem explicar por que, quando investigados mais a fundo, os tropeços invariavelmente esbarram em conteúdos psíquicos inconscientes.

Essa constatação, entretanto, não elimina a evidência de que o lapso não é uma forma normal de comunicação, mas seu funcionamento fornece informações preciosas que ajudam a compreender certos aspectos cognitivos da fala. Isso não exclui, naturalmente, a interpretação freudiana, segundo a qual os lapsos expressam medos ou desejos que escondemos até de nós mesmos.  Experiências realizadas nos anos 80 pelo pesquisador Michael T. Motley, da Universidade da Califórnia em Davis, ampliam o enfoque psicanalítico. Seu grupo elaborou uma série de testes que manipulavam os desejos dos sujeitos, induzindo-os a cometer enganos.

CONTRA O TEMPO

Grande parte do crédito à abordagem moderna do estudo dos lapsos cabe a Victoria Fromkin, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que nos anos 60 deu início a um paciente trabalho de coleta de milhares de exemplos. De suas pesquisas conclui-se que os lapsos verbais seguem, em geral, as mesmas regras. A troca de palavras (por exemplo, “sacuda os pratos e lave a toalha”), observada quando se invertem dois vocábulos na mesma frase, ocorre quase sempre com termos que pertencem à mesma categoria gramatical ou sintática (verbos por verbos, substantivos por substantivos). Já os lapsos de substituição, nos quais uma palavra é trocada por outra externa à frase, acontecem entre termos da mesma categoria semântica (“gato” no lugar de “cachorro”). É o caso, extremamente constrangedor, mas não raro, de alguém que vai ao velório e ao se dirigir à família do falecido diz “Parabéns” em vez de “Meus pêsames”.

Existem também erros de deslocamento (de um ponto a outro na frase), de perseverança (reutilização de um elemento depois de sua colocação no lugar correto), de antecipação (utilização de palavra ou sílaba antes de sua colocação correta) ou de amálgama (união de dois elementos para formar um terceiro, quase sempre inexistente). Um exemplo de lapso de perseverança é dizer que Roma foi fundada pelos irmãos “Rômolo e Rêmolo”, quando o correto é “Rômulo e Remo”.

Os enganos mais comuns implicam a troca de palavras e de fonemas, o que sugere que esses dois elementos são particularmente importantes na elaboração do discurso. No entanto, segundo a teoria linguística, existe uma hierarquia entre as várias unidades da linguagem (frase, palavra, morfema, sílaba, fonema), mas diversos tipos de lapsos podem ocorrer em qualquer um desses níveis.

Afinal, falar é uma tarefa cansativa. Uma verdadeira corrida contra o tempo. Escolhemos em média três palavras por segundo de um vocabulário de pelo menos 40 mil, que para serem pronunciadas recrutam aproximadamente 100 músculos. As possibilidades de errar, portanto, são inúmeras.

O que foi que eu disse 2

JOGOS LINGUÍSTICOS

Muitos lapsos terminam em brincadeira. Foi o caso do sacerdote anglicano e professor da Universidade de Oxford William Spooner (1844-1930), cuja inclinação para trocar a primeira letra ou sílaba das palavras tornou-se célebre, dando origem a uma categoria particular de jogos de palavras chamados “spoonerismos”. São atribuídos a ele lapsos como tons of sai/ (toneladas de terra) em vez de sons of toil (filhos do sacrifício) e our queer dean (o nosso excêntrico presidente) no lugar de our dear queen (nossa prezada rainha). O equivalente francês é a contrepeterie, espécie de jogo que parece ter sido introduzido na França pelo renascentista François Rabeiais (1483-1553). Entre os notáveis praticantes dessa “arte da palavra” estão outros franceses, como o escritor Victor Hugo (1802-1885), o pintor e escultor Marcel Duchamp (1887-1968) e o poeta Jacques Prévert (1900-1977), autor do trocadilho Partir c’est mourir un peu/ Martyr c’est pourrir un peu (partir é morrer um pouco/ mártir é apodrecer um pouco).

Na língua portuguesa, quando um fonema (ou um de seus elementos) é deslocado de uma sílaba a outra (por exemplo, tauba, no lugar de tábua) fala-se em hipértese – fenômeno muito comum no modo de falar caipira. Se essa troca se estender à frase (como no divertido “transmimento de pensaçâo”) temos a hipértese intervocabular. O que soaria apenas como uma brincadeira de palavras, uma informalidade jocosa da língua, tomou-se recurso literário nas mãos de escritores como Millôr Fernandes na fábula “A baposa e o rode”, escrita toda com spoonerismos. No poema “Diversonagens suspersas”, Paulo Leminski (1944-1989) juntou as palavras personagens, suspensas, dispersas para falar do fazer poético. Na literatura em geral, os erros linguísticos, longe de constranger, encantam e comovem. Como disse Leminski: “A única razão de ser da poesia é o antidiscurso. Poesia, num certo sentido, é o torto do discurso. O discurso torto”.

OUTROS OLHARES

DE OLHOS BEM ABERTOS

Mais explícita e gratuita do que nunca, está em celulares, tablets, computadores, canais fechados; é compartilhada – até no pátio da escola – por jovens, pré-adolescentes e, comprovadamente, crianças. Pornografia: por que nossas escolas ainda não tratam do tema nas aulas e projetos de educação sexual?

De olhos bem abertos

Arkangel (Arcanjo), dirigido por Jodie Foster, está entre os episódios preferidos de críticos e fãs da série Black Mirror, exibida pelo Netflix. Nele, uma mãe preocupada de forma paranoica com segurança monitora passos, movimentos e atitudes de sua filha Sara, desde a infância, por um sistema que conecta o olhar da menina a um tablet e a um computador. Em um ponto do capítulo, no jardim da escola, um amigo de Sara – que mais tarde viria a namorá-la – mostra à protagonista, pelo celular, vídeos de guerra, execuções de cunho religioso e, por fim, um filme pornô. Um pouco mais à frente, os dois adolescentes se encontram para a primeira experiência sexual (e afetiva) da moça. E aí vem a surpresa: espantado com o empenho da moça em reproduzir (com atos e palavras) o que para ela tinha sido a única referência de sexo, o rapaz revela todo o seu espanto e não o esconde da amada. “Essa não é sua primeira vez, fale a verdade… Não é possível… Pelas coisas que você fez e disse, isso não pode ser possível…·, questiona o rapaz. Diante da confirmação de Sara de que se tratava mesmo de seu début, ele não se constrange em pedir: “então você não fale mais aquelas coisas… não deve dizer aquelas coisas, aquelas baixarias…”.

As duas sequências didáticas de Arkangel colocam em pauta, ao mesmo tempo, uma ironia reveladora e um descompasso no mínimo preocupante. O fato de o rapaz se assustar com a postura “pornográfica” de Sara, mimetizada justamente das cenas do filme apresentado por ele tempos atrás é obra de ironia suprema do destino. E o descompasso se revela numa questão claramente proposta pelas cenas: por que o conteúdo e os temas ligados à pornografia, consumidos em todo lugar e a todo tempo por milhões de adolescentes, meninos e meninas, em seus celulares, tablets, computadores, nas tevês abertas e fechadas, nas letras dos funks proibidões, produzidos, a propósito, de jovens para jovens, ainda não são trabalhados no Brasil, de forma didática e pedagógica, por escolas, educadores e responsáveis pelas políticas educacionais? Por que esses temas não são incluídos nas aulas de educação sexual dos adolescentes?

A questão é procedente diante de uma realidade impossível de ser negada e, mais ainda, evitada: a pornografia, com o que tem de fictícia, caricata, real, negativa e, eventualmente, até positiva, é consumida hoje em grande escala por pré-adolescentes, adolescentes e jovens no Brasil e no mundo. O acesso é livre e gratuito em todas as suas formas, origens e intensidades. Na suprema maioria dos casos, esse cardápio variado de aeróbica sexual de alto impacto é exercitado por duplas ou em coletividade, não raro sem qualquer proteção.

E, como se ainda fosse pouco, esse conteúdo é reiterado por edições sucessivas que sugerem humanos dotados de capacidade de protagonizar jornadas sexuais intermináveis, mirabolantes, no limite do inumano. E quase sempre colocado à disposição dos adolescentes antes mesmo da primeira experiência sexual – ou mesmo de qualquer orientação sobre como isso ocorre no plano das relações afetivas reais. “A área frontal do cérebro, relacionada à recompensa, às satisfações e ao prazer, desenvolve se antes do que as posteriores, ligadas à administração dessas pulsões, explica a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, livre-docente, professora e coordenadora do Programa de Estudos da Sexualidade da USP. “Se essas questões são estimuladas ainda antes de um trabalho de orientação sobre o assunto, as chances de o adolescente enfrentar problemas relacionados à sexualidade são reais”, completa a pesquisadora.

O problema criado por esse descompasso – e que merece ser discutido na educação sexual nas escolas – é a alta chance de geração de prejuízos psicológicos, educacionais e deformação incalculáveis, como ressalta a pesquisadora Carmita. Se um menino de 12, 13 14 ou 15 anos entra em contato com material desse calibre, antes mesmo de submetido a qualquer projeto de educação sexual, há chance de ele achar normal, por exemplo, bater na parceira e humilhá-la durante o ato sexual sem que ela mostre, em momento algum, qualquer desejo de ser agredida. Esse mesmo adolescente poderá ser levado a crer que, por exemplo, aquele é o comportamento padrão, natural ou desejável, cabendo a ele adotar ou aceitar o que, na verdade, é uma representação calculadamente perversa para a maioria das pessoas. Pelos mesmos caminhos, o garoto pode deixar de considerar importante o uso da camisinha após ver cenas de sexo coletivo sem preservativos.

No caso das meninas, diante da situação regular de extrema submissão a que são colocadas as mulheres nessas peças, o problema certamente torna-se ainda mais grave. De onde virá a base para que uma adolescente ou jovem se situe entre o que deseja e aquele simulacro de opressão, roteirizado como se fosse muitas vezes consentido, no clima da imaturidade e da anestesia das primeiras paixões ao companheiro de primeiras viagens sensuais igualmente imaturo?

Situações como essas preocupam Alexandre Saadeh, mestre e doutor em Ciências da Psiquiatria, professor de Psicologia da PUC-SP e coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Instituto de Psiquiatria da USP. ‘Não faz mais sentido as escolas e educadores ignorarem o contato de adolescentes e jovens com a pornografia. E, pior ainda, não terem um discurso preparado e assumido para lidar com isso. É fundamental o adolescente ser informado, no primeiro momento em que puder refletir sobre o tema, de que o conteúdo exibido em filmes pornôs é obra de ficção. Uma ficção distorcida e amplificada, idealizada para consumo –  ou divertimento e lazer, se assim preferem – de adultos, mas sem qualquer compromisso de formar ou educar”, define Saadeh, que foi consultor da série, Quem Sou Eu, do Fantástico, da Rede Globo, sobre crianças e adolescentes transgêneros.

“Os órgãos genitais imensos, as várias relações sexuais entre as mesmas pessoas filmadas e editadas para dar a sensação de vigor interminável dos parceiros, o descompromisso com o uso de preservativo, algo ainda majoritário nas produções. Enfim, um conjunto de elementos que, antes de tudo, gera questionamentos e dificuldades que podem criar problemas sérios a partir do momento em que os jovens passam a comparar, ainda que apenas para si, as dimensões e a suposta performance sexual dos atores com a sua, a da vida real. Por tudo isso, a adoção do tema é necessária’, completa o psiquiatra.

Para além de todos os desejos e expectativas de educadores e pais, o fato é que esses traumas ou “doenças” da inadequação já produzem transtornos, ou no mínimo mudanças, bastante consideráveis entre os adolescentes. Por isso, é importante pretender que a educação sexual nas escolas –  que, quando existente, limita-se quase sempre a orientar apenas para prevenção da gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis – inclua a orientação sobre comportamento sexual, considerando a realidade de exposição e consumo dos adolescentes. Essa realidade passa inevitavelmente pelos temas relacionados à Pornografia.

A polêmica não mobiliza educadores e pais apenas no Brasil. Semanas atrás, a The New York Times Magazine, revista do mais respeitado jornal do mundo, o The New York Times, publicou uma extensa reportagem de capa sobre o assunto com o título What Teenagers are Learning from online porn (O que os adolescentes estão aprendendo com a pornografia on-line), assinada pela jornalista e escritora Maggie Jones. O texto apresenta resultados de uma pesquisa de fôlego sobre o tema, liderada, na universidade americana de Indiana, pelos pesquisadores Bryant Paul, do departamento de mídia, e Debby Herbenick, da escola de saúde pública. E traz de talhes de um projeto pioneiro, o Boston Porn Literacy, idealizado pela pesquisadora Emily Rothman, do departamento de saúde pública da Universidade de Boston. O programa prepara educadores para formar professores e debater temas ligados à pornografia nas aulas de educação sexual em escolas de regiões pobres da periferia de Boston.

Alguns resultados da pesquisa liderada por Paul acendem o sinal de alerta. Antes de citar alguns deles, a autora do texto da NYTM descreve uma situação hipotética, mas com chances plenas de acontecer com milhões de jovens, neste ou a qualquer momento, no Brasil e em vários pontos do mundo. “Imagine um adolescente atual com 14 anos. Um amigo mostra-lhe um clipe de pornografia curto, no celular, durante o trajeto de ônibus para a escola ou após o futebol. Um GIF pornográfico aparece no Snapchat”, escreve Maggie, que também cita outras cenas mais pesadas. E acrescenta: “Como a maioria dos garotos de 14 anos, ele ainda não teve relações sexuais, mas é um menino curioso, então talvez comece a mergulhar em um dos muitos sites pornográficos livres que funcionam bem:  XVideos.com, Xnxx.com, Bongacams.com, todos entre os cem mais frequentados do mundo. Ou cai no Pornhub, o mais popular deles, com 80 milhões de visitantes por dia, tráfego maior do que o de gigantes como Pinterest, Tumblr ou PayPal. Como a maioria desses portais não verifica a idade do internauta – ou simplesmente pergunta sobre ela sem o menor mecanismo de controle -, milhões de celulares, notebooks e máquinas permitem que esses adolescentes acompanhem pornografia, a todo momento, longe dos olhos dos adultos”. Nada muito estranho para quem acompanha a realidade. De acordo com a pesquisa da equipe de Paul e Debby Herbenick, os meninos têm seu primeiro contato com a pornografia aos 13 anos, e as meninas, aos 14. Metade dos pais entrevistados acreditava que seus filhos não tiveram qualquer acesso a conteúdo pornográfico entre os 14 e os 18 anos. E, em casos de ações sexuais mais “radicais”, fora dos supostos padrões, os pais subestimaram ou Ignoraram o que seus filhos estavam assistindo por, no mínimo, dez vezes.

Está longe de ser tudo. Prepare-se, leitor, pois esse parágrafo não tem como fugir de descrições que podem causar desconforto – não é um tema fácil. Um quarto das meninas e 36 % dos meninos ouvidos admitiram ter visto vídeos pornôs de “faciais’, ou seja, com ejaculações no rosto das mulheres. Praticamente um terço deles e delas tinha acompanhado cenas de Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo, o BDSM. Vinte por cento das mulheres e 26% dos homens tinham contato regular com vídeos de dupla penetração, descritos pelos jovens no estudo, conta a NYTM, como um ou mais pênis ou objetos introduzidos no ânus ou na vagina de uma mulher’. Um em cada três meninos e metade dessa quantidade de meninas disseram ter assistido a vídeos de gang- bang (sexo grupal) e de rough oral sex, algo como sexo oral áspero ou rude.

Ainda não há pesquisas e estudos acadêmicos que apontem, com segurança, o quanto disso se transforma ou não, para o bem ou para o mal, em comportamento. Trabalhos menos recentes levaram à conclusão de que o número de adolescentes que consumiam altas taxas de pornografia e adotaram estereótipos de gênero, ou tornaram-se menos carinhosos do que seus pares, não era estatisticamente preocupante. Tudo poderia ser questão de mera correlação, e não de causa e efeito. Em todo caso, os resultados da pesquisa liderada por Bryant Paul e Debby Herbenick, aliados a dados reunidos pela NYTM, sugerem que o formato e o tipo de sexo praticado por adolescentes e jovens estão, no mínimo, em mudança nos últimos anos. Outra pesquisa, uma das maiores sobre sexualidade realizadas nos Estados Unidos, feita também com a colaboração de Debby Herbenick, publicada no The Journal of Sexual Medicine, revela que a porcentagem de mulheres americanas de 18 a 24 anos que fizeram sexo anal mais do que dobrou entre 1992 e 2009, passando de 16% para 40%. Entre as mais novas, uma em cada cinco, entre 18 e19 anos, e seis por cento das entrevistadas de 14 a 17 também admitiram a experiência.

 Um trabalho desenvolvido na Suécia, em 2016, com 400 meninas, exibiu outro detalhe interessante: o número de moças da amostra que haviam entrado em contato com pornografia e feito sexo anal era maior que o dobro das que jamais tinham consumido informação sobre o tema. E outro, realizado também com jovens, pela Universidade de New Hampshire, atesta que 93% dos homens e 62% das mulheres declararam ter assistido a pornografia antes dos 18 anos – 35% dos meninos no mínimo dez vezes durante a adolescência. Os próximos estudos darão subsídios para afirmar se esses dados adicionais recebem influência direta do consumo de conteúdo pornográfico pela juventude ou são frutos de simples curiosidade juvenil. Ou até mesmo uma alternativa segura de sexo escolhida diante do risco de gravidez precoce, uma das alternativas levantadas pela NYFM.

Se a pornografia na vida de adolescentes e jovens é um fato real, e cada vez mais intenso, e se a sua presença precoce nesse cotidiano evidencia o descompasso entre o que os estudantes aprendem sobre sexo dentro e fora da escola, quais os principais desafios a serem enfrentados por escolas e educadores na tarefa de diminuir essa diferença?

Na avaliação da pedagoga Maria Ângela Barbato Carneiro, professora titular e diretora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP, o trabalho deve começar com o envolvimento dos pais. “Num país em que, muitas vezes, os educadores encontram dificuldades até mesmo para abolir símbolos elementares e prosaicos de gênero, como o rosa para meninas e o azul para os meninos, precisamos reconhecer: apontar caminhos para a solução de questões polêmicas como essa é tarefa difícil,” pondera a educadora.

“Mas nenhum passo importante nesse tema será dado sem que os pais entendam que, para além de conceitos, formações, resistências, padrões morais e crenças religiosas de cada um, a realidade radiografada pelos pesquisadores da Universidade de Indiana, e detalhada na reportagem da NYTM, se impõe a cada dia – e isso vem ocorrendo há anos. É fato. E, diante dele, há um início de trabalho: os pais caminharem juntos – e quem achar que não é o caso, que escolha outra escola e não prejudique a trajetória dos outros”, reforça a pedagoga.

A proposta de Maria Ângela remete a um outro foco de resistência, este talvez tão difícil de ser superado quanto a previsível contrariedade de boa parte dos pais e familiares: a dificuldade de convencer os líderes de escolas, sobretudo no campo privado, a cutucar esse vespeiro, diante da necessidade de tocarem pontos capazes de gerar contrariedade em parte considerável de quem financia o seu rebanho. “Não haverá interesse em aprimorar a questão em boa parte das escolas privadas brasileiras, sobretudo as que privilegiam claramente, antes da boa educação, a disputa com outras para conquistar vagas nas universidades -, e claro, os rendimentos financeiros e de marketing que isso gera”, avalia a psicóloga e psicanalista Ana Olmos, uma das mais influentes analistas do comportamento adolescente do país. “Afinal de contas, pais são também clientes nessa história, esse negócio não envolve pouco dinheiro e, em grande parte dos casos, contrariar, ou mesmo gerar um pequeno constrangimento em quem paga, ainda que em função de uma boa causa, pode ter como consequência a perda de aluno – e, obviamente, de receita.

“Mas escolas privadas com direcionamento consciente e formuladores de políticas para escolas públicas precisam assumir e iniciar esse trabalho com urgência, resume Ana. O que se cogita não é, evidentemente, transformar aulas e projetos de educação sexual nas escolas em programas de ensino de pornografia. É, antes de tudo, assumir a existência de um dado real, que cerca os adolescentes com intensidade e força cada vez maior, e, a partir desse estágio, criar os recursos para combater seus pontos negativos.

E essa discussão está apenas começando.

GESTÃO E CARREIRA

O QUE A BRIGA ENTRE UBER E TAXISTAS ENSINA ÀS EMPRESAS?

O que a briga entre uber e taxistas ensina às empresas

Quem vive hoje na cidade de São Paulo e em outras capitais brasileiras sabe que existe uma batalha entre taxistas e o aplicativo Uber. É uma disputa que, por vezes, se apresenta violenta. Mas o que isso ensina para aqueles que são responsáveis pela gestão de empresas? Essa situação não é nova. Situações semelhantes ocorrem desde a revolução industrial. Uma nova tecnologia pode prejudicar interesses dos que se beneficiam da situação atual.

No caso especifico do Uber, a inovação não está tanto na tecnologia aplicada. ou seja, softwares e celulares. A grande inovação é o modelo de negócio do Uber. O Uber estimula um aumento da oferta de serviços de táxi sem as dificuldades impostas pelo setor público.

Isso prejudica os interesses dos donos de frotas de táxi, que pagam caro para ter as licenças concedidas pelas Prefeituras Municipais. Não é muito difícil perceber que a oferta de táxis nas cidades brasileiras é determinada pelo poder público e não pela atratividade que esse negócio tem. Conclusão: cria-se uma condição de escassez artificial que faz com que os donos de táxis tenham um lucro acima do normal e, ao mesmo tempo, torna a licença concedida pela Prefeitura um ativo de altíssimo valor.

Isso permite, por exemplo, a criação de empresas que alugam seus carros para taxistas que não têm condição de comprar as licenças. Por outro lado, o Uber é um excelente modelo de negócio para o taxista que não tem condição de adquirir a licença da Prefeitura. Esse mesmo tipo de batalha é velha conhecida da história: já ocorreu na revolução industrial na Inglaterra, ocorreu também no Brasil com os donos de bancas de jornal, quando os maiores jornais decidiram alavancar vendas por meio de assinaturas, e ocorreu também, mais recentemente, com a indústria fonográfica que sofreu com a chegada dos gravadores de MP3.

O ponto chave é que no embate entre novas tecnologias e estruturas estabelecidas, as novas tecnologias costumam ser mais bem-sucedidas. Fica o alerta para aqueles que querem perenizar seus negócios: lutar contra novas tecnologias cujo tempo chegou é guerra ladeira acima. O melhor é tentar se adaptar quanto antes para não se tornar irrelevante.

 

ÁLVARO CAMARGO – é consultor e professor docente dos cursos de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 20: 1-16 PARTE 2

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A Parábola dos Trabalhadores na Vinha

(2). Aqui está a prestação de contas com os trabalhadores. Observe:

[1]. Quando a conta foi feita; aproximando-se a noite, então, como sempre, os trabalhadores do dia foram chamados e pagos. O período da noite é a hora da prestação de contas; a prestação de contas específica deve ser terminada na noite da nossa vida; porque depois da morte vem o juízo. Os trabalhadores fiéis deverão receber o seu galardão quando morrerem; ele é adiado até então, de forma que eles podem esperar com paciência por ele, porém não mais que isso, porque Deus observará a sua própria regra: “No seu dia, lhe darás o seu salário, e o sol se não porá sobre isso”. Veja Deuteronômio 24.15. Quando Paulo, aquele obreiro fiel, partisse, ele sabia que estaria com Cristo imediatamente. O pagamento não será totalmente adiado até à manhã da ressurreição; mas então, na noite do mundo, será a prestação geral das contas, onde cada um receberá de acordo com as coisas feitas por meio do corpo. Quando o tempo acabar, e com ele o mundo do trabalho e da oportunidade, então começará o estado da retribuição; então o Senhor chamará os trabalhadores e lhes dará a sua paga. Os ministros os chamam para a vinha, para fazerem o seu trabalho; a morte os chama para fora da vinha, para receberem o seu pagamento; e para aqueles que atenderem o chamado para a vinha, o chamado para fora dela será feliz. Eles não vieram para a sua paga até que foram chamados; devemos, com paciência, esperar o tempo de Deus para o nosso descanso e recompensa; devemos andar conforme o relógio do Senhor. A última trombeta, no grande dia, convocará os trabalhadores (1 Tessalonicenses 4.16). Então tu chamarás, disse o servo bom e fiel, e eu responderei. Ao chamar os trabalhadores, eles devem começar pelo último, e assim até o primeiro. Que aqueles que entrarem na hora undécima, não sejam colocados atrás dos demais, mas, para que não sejam desencorajados, sejam chamados primeiro. No grande dia, os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro, depois, nós, os que ficarmos vivos (na hora undécima do seu dia), seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.

[2]. Qual foi o pagamento; e nisso observe:

Em primeiro lugar, o pagamento geral (vv. 9,10). Cada homem recebeu um dinheiro. Receberão, sem dúvida nenhuma, a vida eterna os que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, e honra, e incorrupção (Romanos 2.7), não como salários pelo valor de seu trabalho, mas como o dom de Deus. Embora haja graus de glória no céu, ele será para todos uma felicidade completa. Aqueles que vêm do Oriente e do Ocidente, e chegarem depois, que forem apanhados nas estradas e limites, se assentarão com Abraão, Isaque e Jacó, no mesmo banquete (cap. 7.11). No céu, todo vaso estará cheio, transbordante, embora os vasos não sejam iguais em tamanho e capacidade. Na distribuição de alegrias futuras, como ocorreu no recolhimento do maná, aquele que colher muito não terá nada sobrando, e o que colher pouco não terá falta de nada (Êxodo 16.18). Todos aqueles que Cristo alimentou miraculosamente, embora tivessem diferentes tamanhos, homens, mulheres e crianças, comeram e ficaram satisfeitos.

O pagamento de salários de um dia inteiro para aqueles que não haviam feito a décima parte do trabalho de um dia tem a finalidade de mostrar que Deus distribui o seu galardão por sua graça e soberania, e não por uma dívida. Os melhores trabalhadores, e aqueles que começam mais cedo, tendo tanto espaço vago em seu tempo, e não tendo os seus trabalhos esgotados diante de Deus, podem verdadeiramente ser considerados como aqueles que trabalham na vinha apenas uma hora dentre as suas doze; mas devido ao fato de estarmos de­ baixo da graça, e não debaixo da lei, até mesmo serviços tão imperfeitos, feitos com sinceridade, não só serão aceitos, mas pela graça gratuita serão ricamente recompensados. Compare Lucas 17.7,8 com Lucas 12.37.

Em segundo lugar, o protesto daqueles que se ofenderam com esta distribuição e partilha. As circunstâncias disso servem para adornar a parábola; mas o objetivo geral é claro, que os derradeiros serão primeiros. Temos aqui:

1. Os ofendidos (vv. 11,12). Murmuravam contra o pai de família; não que haja, ou que possa haver, qualquer insatisfação ou murmuração no céu, porque isso tanto é culpa como tristeza, e no céu não há nenhuma delas; mas pode haver, e frequentemente há, insatisfação e murmuração com relação ao céu e às coisas celestiais, enquanto eles estão em perspectiva e promessa no mundo. Isso significa o ciúme para o qual foram os judeus provocados pela admissão dos gentios no Reino dos céus. Como o irmão mais velho, que na parábola do filho pródigo se queixou da recepção de seu irmão mais novo, e reclamou da generosidade de seu pai para com ele, assim esses trabalhadores reclamaram com o seu senhor, e o acharam injusto, não porque não tivessem o suficiente, mas porque os outros foram igualados a eles. Eles se vangloriaram, como fez o irmão mais velho do filho pródigo, dos seus bons serviços: “Suportamos a fadiga e a calma do dia”; isto era o máximo que eles poderiam fazer. É dito que os pecadores trabalham para o fogo (Hebreus 2.13), ao passo que os servos de Deus, na pior situação, fazem apenas o trabalho sob o sol; não no calor da fornalha de ferro, mas apenas no calor do dia. Agora esses derradeiros trabalharam só uma hora, e também no fresem· do dia; contudo, “tu os igualaste conosco”. Os gentios, que foram chamados por último, possuem os mesmos privilégios dos judeus no reino do Messias; os judeus estavam trabalhando por muito tempo na vinha da igreja do Antigo Testamento, sob o jugo da lei cerimonial, na expectativa desse reino. Há em nós uma maior propensão a pensarmos que temos muito pouco, e que os outros têm demais, quando se trata dos sinais do favor de Deus. Também pensamos que fazemos demais, e os outros, muito pouco, na obra de Deus. Todos nós somos muito aptos a desvalorizar os desertos dos outros, e supervalorizar os nossos próprios. Talvez Cristo aqui tenha dado uma intimação a Pedro, para não se vangloriar demais, como ele parecia fazei por ter deixado tudo para seguir a Cristo; como se tanto ele como os demais tivessem suportado a fadiga e a calma do dia; portanto, talvez pensassem que deveriam ter um céu particular ou diferenciado. É difícil para aqueles que fazem ou sofrem mais do que o comum por amor a Deus, não serem exaltados demais com esse pensamento, e esperarem merecer bênçãos diferenciadas. O bendito apóstolo Paulo se guardou disso; embora fosse o principal dos apóstolos, ele se considerava como nada, como menos do que o menor dos santos.

2. A ofensa removida. Três exortações do pai de família como resposta a essa presunção impertinente.

(1).  Que o queixoso não tinha razão alguma para dizer que lhe foi feita qualquer injustiça (vv. 13,14). Aqui ele declara a sua própria justiça: ”Amigo, não te faço injustiça”. Ele o chama de amigo, porque ao argumentar com os outros devemos usar palavras brandas e argumentos fortes; mesmo que os nossos inferiores sejam irritantes e provocadores, não devemos nos irar, mas falar-lhes calmamente.

[1].  É incontestavelmente verdadeiro que Deus não pode fazer injustiça. Esta é a prerrogativa do Rei dos reis. Porventura, será Deus injusto? O apóstolo se sobressalta com esse pensamento: “De maneira nenhuma!” (Romanos 3.5,6). A sua palavra deveria calar todas as nossas murmurações. A despeito daquilo que Deus nos faça, ou retenha de nós, Ele não nos faz nenhuma injustiça.

[2].  Se Deus der uma graça aos outros, e a negar a nós, será bondade para eles, mas não será nenhuma injustiça para nós. Quando Deus concede a abundância a alguma outra pessoa, e não a nós, não se trata de uma injustiça contra nós; jamais devemos criticar o Senhor. Como a graça é gratuita, e é assim dada àqueles que a têm, vangloriar-se é uma atitude reprovável para sempre. Semelhantemente, se a graça for retida daqueles que não a têm, murmurar será uma atitude reprovável para sempre. Portanto, toda boca deve se calar, e toda carne deve estar em silêncio diante de Deus.

Para convencer o murmurador de que ele não foi injustiçado, o senhor o lembra da negociação: “‘Não ajustaste tu comigo um dinheiro?’ E se tu recebeste o que concordaste, tu não tens nenhuma razão de reclamar in­ justiça; terás o que combinamos”. Embora Deus não seja devedor a ninguém, Ele, no entanto, se agrada de misericordiosamente se fazer um devedor pela sua própria promessa, por cujo benefício, através de Cristo, os crentes concordam com Ele, e ele manterá a sua parte do acordo. Bom é para nós que frequentemente consideremos aquilo em que concordamos com Deus. Em primeiro lugar, as pessoas mundanas e carnais concordam com Deus quando estão em busca de um pagamento desse mundo; eles escolhem a sua porção na vida (Salmos 17.14); nessas coisas, elas estão dispostas a receber o seu galardão (cap. 6.2,5), a sua consolação (Lucas 6.24), os seus bens (Lucas 16.25); e com essas coisas, elas serão afastadas, serão cortadas das bênçãos espirituais e eternas. E assim Deus não lhes faz injustiça; elas têm o que escolheram, o pagamento com que concordaram; esse será o seu destino, que elas mesmas escolheram; será algo conclusivo contra elas. Em segundo lugar, os crentes obedientes concordam com Deus quanto ao seu pagamento no mundo por vir, e eles devem se lembrar de que concordaram com isso. “Não concordaste em levar a Palavra de Deus por isso? Tu concordaste; e irás tu concordar com o mundo? Não concordaste em aceitar o céu como a tua porção, e não aceitar nada menos do que isso? E buscarás tu a felicidade na criatura, ou pensarás que deverias compensar as deficiências de tua felicidade em Deus?”

Ele. portanto:

1. Vincula-o ao seu acordo (v. 14): “Toma o que é teu e retira-te”. Se entendermos essa palavra como estando relacionada ao que é nosso por dívida ou absoluta propriedade, ela seria uma palavra terrível; todos nós estaríamos aquém das expectativas, com algo por fazer, se fôssemos despedidos apenas com aquilo que poderíamos chamar de nosso. A criatura mais elevada deverá ir embora sem nada, se tiver de se retirar somente com aquilo que é seu; mas se entendermos isso como sendo o que é nosso pelo dom, o dom gratuito de Deus, isto nos ensina a estar satisfeitos com as coisas que temos. Em vez de nos queixarmos de que não temos mais, tomemos o que temos, e sejamos agradecidos. Se Deus for melhor aos outros do que a nós em qualquer aspecto, mesmo assim não temos motivo para reclamar, visto que Ele tem sido melhor para nós do que merecemos ao nos dar o nosso pagamento, pois somos servos inúteis.

2. O senhor diz ao servo que aquele a quem ele invejava deveria receber o mesmo que ele: “‘Eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti’; estou resolvido a dar”. Note que a imutabilidade dos propósitos de Deus ao distribuir os seus dons deve calar as nossas murmurações. Se Ele quiser fazê-lo, não devemos contestar; pois Ele está de comum acordo, e quem o pode mudar? Ele não presta contas daquilo que lhe diz respeito; nem é próprio que o faça.

(2).  Ele não tinha nenhum motivo para discutir com o senhor; porque o que ele lhe deu era absolutamente o que lhe pertencia (v. 15). Assim como havia anterior­ mente declarado a sua justiça, aqui ele declara a sua soberania: “Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?” Considere:

[1].  Deus é o dono de todos os bens; a sua propriedade nisso é absoluta, soberana e ilimitada.

[2].  Ele pode, portanto, dar ou reter as suas bênçãos, como bem quiser. O que temos não nos pertence; portanto, não nos é lícito fazer o que quisermos com isso; mas o que Deus tem, isso lhe pertence; e isto o justificará. Em primeiro lugar, em todo o uso de sua providência; quando Deus toma de nós aquilo que nos é caro, e que pode­ ríamos utilizar de uma maneira incorreta ou má, devemos calar o nosso descontentamento. Ele não pode fazer o que quiser com o que é seu? Criaturas tão dependentes como nós não devem se queixar de nosso Soberano. Em segundo lugar, em todas as dispensações de sua graça, Deus dá ou retém os meios da graça, e o Espírito da graça, como bem quiser. Não somente que há um conselho em toda vontade de Deus, e o que nos parece ser feito arbitrariamente parecerá, por fim, ter sido feito de forma sábia, e para fins santos. Mas há algo suficiente para calar todas as murmurações e objeções: Deus é o Senhor soberano de tudo, e Ele pode fazer o que quiser do que é seu. Nós estamos em suas mãos, como o barro nas mãos de um oleiro; e não devemos tentar dizer ao Senhor o que Ele deve fazer, nem lutar contra Ele.

(3).  Ele não tinha motivo para invejar o seu conservo, guardar rancor dele, ou se irar por ele não ter vindo para a vinha no mesmo instante, por não ter sido chamado antes. Ele não tinha motivo para se irar com o senhor por ter lhe dado o salário pelo dia todo, quando havia ficado ocioso durante a maior parte do dia. Porque: “É mau o teu olho porque eu sou bom?” Veja aqui:

[1]. A natureza da inveja: “é mau o teu olho”. O olho é a entrada e a saída desse pecado. “Saul tinha Davi em suspeita. Vendo, então, Saul, que tão prudentemente se conduzia, tinha receio dele” (1 Samuel 18.9,15). O olho mau não tem prazer no bem dos outros, e deseja o seu mal. O que pode ter mais maldade em si? Ê tristeza para nós mesmos, ira para Deus, e má vontade para com o nosso próximo; e é um pecado que não tem prazer, nem proveito, nem honra em si; é um mal, um único mal.

[2]. O agravo dele:” porque eu sou bom.” A inveja é o oposto de Deus, que é bom, e faz o bem, e tem prazer em fazer o bem. Ela é uma oposição e uma contradição a Deus; é não gostar de seus procedimentos, e um desgosto pelo que Ele faz e por aquilo com que Ele se agrada. Ê uma violação direta dos dois grandes mandamentos de uma só vez; tanto em relação ao amor de Deus, com cuja vontade devemos concordar, como em relação ao nosso próximo, com cujo bem-estar devemos nos alegrar. Assim, a maldade do homem se vale da bondade de Deus para ser ainda mais pecaminosa.

Em último lugar, aqui está a aplicação da parábola (v. 16), e a observação que a ocasionou (cap. 19.30): “Os derradeiros serão primeiros, e os primeiros, derradeiros”. Houve muitos que seguiram a Cristo então, na regeneração, quando o reino do Evangelho foi primeiramente estabelecido, e esses judeus convertidos parecem ter ganho a dianteira dos outros; mas Cristo, para afastar e calar a vanglória deles, aqui lhes diz:

1. Que eles poderiam ser, possivelmente, superados por seus sucessores em termos de profissão de fé, e, embora estivessem mais adiantados do que os outros quanto a essa profissão de fé, poderiam ser achados inferiores a eles em conhecimento, graça e santidade. A igreja gentílica, que ainda não havia nascido, e o mundo gentílico, que por hora estava ocioso na praça, produziriam um grande número de cristãos eminentes e úteis, muito maior do que aquele que foi encontrado entre os judeus. Cada vez mais excelentes serão os filhos da solitária do que os filhos da casada (Isaias 54.1). Quem sabe a igreja, em sua idade avançada, pode ser mais gorda e próspera do que nunca, para mostrar que o Senhor é reto? O cristianismo primitivo tinha mais pureza e poder como uma santa religião, quando comparado com o que vemos na era degenerada em que vivemos. No entanto, os trabalhadores podem ser enviados para a vinha na hora undécima do dia da igreja, no período de Filadélfia. E quem é capaz de imaginar que efusões abundantes do Espírito podem, então, ser derramadas, em um volume superior às bênçãos espirituais recebidas no passado?

2. Que eles tinham motivo para temer, para que não fossem achados hipócritas no final; porque “muitos são chamados, mas poucos escolhidos”. Isso é aplicado aos judeus (cap. 22.14). Foi assim então, e ainda é verdadeiro; muitos são chamados com um chamado comum, mas não são escolhidos com uma escolha salvadora. Todos aqueles que são escolhidos desde a eternidade são efetivamente chamados, “na plenitude dos tempos” (Romanos 8.30), de modo que para confirmarmos o nosso chamado efetivo, “procuremos fazer cada vez mais firme a nossa vocação e eleição” (2 Pedro 1.10). Mas não é assim quanto ao chamado externo; muitos são chamados, e mesmo assim se recusam a vir (Provérbios 1.24). À medida que são chamados por Deus, retiram-se da presença dele (Oseias 11.2,7). Por essa razão, parece que eles não foram escolhidos, porque os “eleitos o alcançaram” (Romanos 11.7). Há apenas poucos cristãos escolhi­ dos, em comparação com os muitos que são apenas cristãos chamados; portanto, isso nos preocupa. Devemos nos dedicar a edificar a nossa esperança pelo céu sobre a rocha de uma escolha eterna, e não sobre a areia de um chamado externo. E devemos temer, para que não sejamos achados apenas como cristãos em nossa aparência, pois assim estaríamos, realmente, em uma condição de insuficiência. Devemos nos esforçar para não sermos achados como cristãos contaminados, pois assim pareceria que “ficamos para trás” (Hebreus 4.1).

PSICOLOGIA ANALÍTICA

SOB O OLHAR DA CIÊNCIA

Um século depois de Freud apresentar a (então) polêmica ideia de que habita em nós uma instância sobre a qual não temos controle –  mas se mostra em nossas ações e pensamentos –  muitos cientistas se rendem a evidências e buscam estudá-las em laboratório.

Sob o olhar da ciência

Há mais de um século, quando o criador da psicanálise lançou a ideia de que temos em nós um aspecto inconsciente, foi inevitável que fosse deflagrada a desconfiança dos cientistas, que se perpetua ao longo das décadas. Não é para menos, a proposta de Sigmund Freud é intrigante. Segundo ele, essa parte da mente abriga pensamentos, desejos e lembranças que, por seu teor excessivo, sexual ou violento, não suportamos manter por perto – e, por isso, são removidos para uma espécie de “porão” psíquico para que não tenhamos de lidar com eles a cada instante. Apesar de nossos esforços para manter esses conteúdos recalcados, eles continuam vívidos e vez por outra retornam mais ou menos disfarçados. Como esse aspecto não é, por definição, facilmente acessível, não é simples estudá-lo – embora se apresente inúmeras vezes por meio de atos falhas e no conteúdo dos sonhos, por exemplo. Depois de muitas abordagens psicológicas buscarem negar ou ignorar essa instância – o que, aliás, é compreensível, visto que parece realmente desconfortável ter um “estranho morando dentro de nós”-, a ciência tem se rendido e procurado compreendê-la melhor.

Atualmente o domínio da inconsciência, descrito mais genericamente no âmbito da neurociência cognitiva como qualquer processo que não permita a ativação da consciência, é rotineiramente estudado em centenas de laboratórios que usam técnicas psicológicas objetivas baseadas em análises estatísticas. Dentre tantos, dois experimentos revelam algumas capacidades da mente inconsciente – embora não exatamente na profundidade proposta por Freud. Ambos, porém, dependem do “mascaramento”, a ocultação de objetos da cena apresentada. Ou seja: as pessoas que participam dos estudos olham, mas simplesmente não veem o que seus olhos captam.

O primeiro estudo resultou de uma colaboração entre os pesquisadores Filip van Opstal, da Universidade Ghent, na Bélgica, Floris P. de Lange, da Universidade Radboud Nijmegen, na Holanda, e Stanislas Dehaene, do College de France, em Paris. Dehaene, diretor da Unidade de Neuroimageologia Cognitiva (lnserm-CEA, na sigla em francês), é mais conhecido por suas investigações sobre mecanismos cerebrais responsáveis por contas e números. Ele explora até que ponto uma simples adição ou uma média podem ser calculadas de forma automática – o que ele acredita que ultrapasse os limites da consciência. Somar 7, 3, 5 e 8 geralmente é considerado um processo cognitivo consciente e sofisticado. Porém, Van Opstal e seus colegas provaram o oposto de forma indireta, mas inteligente e bastante convincente.

Durante o experimento, a imagem de um conjunto de quatro números arábicos com um único dígito (1a 9, excluindo o 5) era projetada rapidamente numa tela. Voluntários tinham de indicar, o mais rápido possível, se a média dos quatro números era maior ou menor que 5. Cada rodada era precedida por uma pista oculta que podia ser válida ou inválida. A pista consistia num flash mostrando outro conjunto de quatro números cuja média era menor ou maior que 5 (veja ilustração abaixo). Estes eram precedidos e seguidos por marcas hastag ou jogo da velha (#) no lugar dos números visualizados de relance durante o flash. As marcas efetivamente escondiam as pistas de modo que, conscientemente, não era possível ver esse conjunto de números. Convidar os participantes a adivinhar se a média dos quatro números escondidos era menor ou maior que 5 também não funcionou: ela era aleatória.

No entanto, a pista ainda influenciava a reação dos participantes. Quando a dica implícita era válida, a resposta final era conscientemente mais rápida que quando a pista era inválida. Na ilustração, a média dos quatro indícios invisíveis (3,75) é menor que 5, enquanto a média dos números-alvo visíveis é maior que 5. Resolver esse conflito requer mais tempo de processamento (cerca de 1/40 de segundo). Isso significa que a pista aciona a atividade neural representada pela declaração “menor que 5” que, por sua vez, interfere no estabelecimento imediato de uma associação de neurônios representando “maior que 5”. Essas pistas invisíveis e indetectáveis influenciam no comportamento e sugerem que “saber sem se dar conta disso “pode, de alguma forma, ajudar a estimar a média dos quatro números de um dígito. É pouco provável que nesses casos as pessoas ajam seguindo as regras algébricas precisas que as crianças aprendem na escola.  Mas o processo pode basear-se na heurística (método para fazer descobertas). Por exemplo, para cada número maior que 5, realmente aumenta a probabilidade de o voluntário apertar o botão “maior que 5”.

Este é apenas o último de uma batelada de experimentos que demonstram a capacidade de “codificação do conjunto”, uma habilidade da mente de estimar, em poucos segundos, a expressão emocional dominante de uma multidão de rostos ou das dimensões aproximadas de pontos agrupados, mesmo que as faces ou os pontos isoladamente não sejam conscientemente identificados.

CAPA DE HARRY POTTER

Creio que a possibilidade que temos de agrupar rapidamente todos os diferentes elementos contidos numa cena e colocá-los no mesmo contexto é uma das principais características da consciência. Intrigados com essa questão, os neurocientistas Liad Mudrik e Dominique Lamy, da Universidade de Tel Aviv, e Assaf Breska e Leon Y. Deouell, da Universidade Hebraica em Jerusalém, dispuseram-se a testar até que ponto é possível integrar inconscientemente todas as informações de um único quadro numa experiência visual unificada e coerente.

Os psicólogos israelenses usaram a “supressão por flashes contínuos”, uma técnica poderosa de ocultação, para tornar as imagens “invisíveis”. Nesse processo, padrões coloridos aleatórios, que mudam rapidamente, são disparados na forma de flashes em um dos olhos enquanto a imagem de uma pessoa realizando qualquer tarefa vai desaparecendo lentamente no outro olho. Em poucos segundos, a figura torna-se completamente invisível e o observador vê apenas formas coloridas. A cena que vai se tornando gradativamente mais intensa acaba finalmente irrompendo e o espectador consegue vê-la. Algo parecido com a capa de invisibilidade de Harry Potter que, com o passar do tempo, vai sumindo e revela o que está por baixo.

O aspecto fascinante do estudo de Liad Mudrik é que o tempo até a cena tornar-se visível depende do conteúdo da imagem. Imagens reais de uma mulher colocando uma pizza no forno, um garoto mirando um alvo com arco e flecha ou um jogador de basquete saltando para fazer um arremesso levam 2,64 segundos para se tornar visíveis, enquanto os quadros não naturais são mascarados por 2,50 segundos. A diferença é pequena, mas significativa: a mente inconsciente detecta coisas incongruentes nessas imagens. Uma mulher coloca um tabuleiro de xadrez no forno, a flecha a ser disparada é substituída por uma raquete de tênis e a bola de basquete se transforma em uma melancia.

Os psicólogos verificam se as duas imagens, a congruente e a incongruente, estão realmente invisíveis e se não podem ser distinguidas uma da outra quando mascaradas. Essa descoberta implica que a inconsciência reconhece que há algo errado nas imagens, que o objeto manuseado está fora do contexto.

A forma como a mente conduz esse processo é muito intrigante. Talvez porque as vastas e intrincadas redes neurais do córtex cerebral que codificam as imagens tenham aprendido que certos objetos combinam, outros não (como os bots – programas que executam automaticamente tarefas repetitivas – que o Google e outros mecanismos de busca usam para vasculhar a internet e listar todas as ocorrências da web para disponibilizá-las prontamente na próxima busca). Considerando o número quase infinito de combinações de objetos e contextos, é possível que essa solução seja realizada pelo cérebro? Ou será que as técnicas de ocultação suprimem a visibilidade da imagem, mas não impedem completamente o acesso consciente a elas? Somente mais pesquisas poderão responder a essas perguntas. Assim, talvez no futuro possamos finalmente conhecer a capacidade da inconsciência cognitiva e ter mais informações sobre o papel fundamental desempenhado pela consciência.       

 Sob o olhar da ciência2

 CHRISTOF KOCH – é professor de biologia cognitiva e comportamental do Instituto de Tecnologia da Califórnia e coordenador científico do Instituto Allen para Ciências do Cérebro, em Seattle.

 

OUTROS OLHARES

INFIDELIDADE 2.0

Nunca foi tão fácil trair. Nunca foi tão difícil esconder

Infidelidade 2.0

A mulher está cismada com a quantidade de mensagens que o marido recebe por dia. Também está intrigada porque ele não desgruda do celular nem quando vai ao banheiro. Somados a isso, outros indicadores fermentam seu desconforto: ele trocou a armação dos óculos, voltou a correr, aumentou o número de viagens a trabalho. Surpreendentemente, está mais carinhoso.

Uma noite – das raras que passam juntos -, ela bola um plano: vão a um restaurante, ela insiste para que tomem a segunda garrafa de vinho (na verdade, ela bica a bebida, quem bebe é ele), voltam altinhos para casa. Cansado, de pileque, ele capota na cama. Ela pega o celular, segura o polegar do marido desacordado e o comprime com cuidado no botão que liga o aparelho. Tcharam! A tela se abre no WhatsApp e ela pode ver a troca extensa de recados dele com outra mulher. É o fim do casamento?

O que no passado dependia de uma marca de batom na blusa, de um flagra, de um dedo-duro, de uma foto roubada, hoje acontece com apenas um delicado toque no celular – o guardião dos segredos mais precisos e mais evidentes (fotos, nudes, mensagens românticas, azaração) da infidelidade. Descobrir uma traição se tornou muito mais fácil. Entrar num relacionamento extraconjugal também. Há sites feitos sob medida para isso (como o extraconjugais.com ou o amantediscreto.com), há aplicativos talhados para esconder o que não pode ser revelado (como o Vaulty Stocks, que parece um aplicativo para checar o mercado financeiro, mas funciona para armazenar fotos e vídeos picantes), sem falar no pior inimigo da união estável: o Telegram – cujas mensagens são encriptadas e onde é possível definir um tempo para que sejam destruídas automaticamente. Casos acontecem, sempre aconteceram, mas, aparentemente, desenvolvem-se e tomam corpo com mais rapidez e facilidade graças à tecnologia e às redes sociais. Uma busca rápida na internet sobre o assunto traz informações que corroboram a ideia de que imaginar uma relação imune ao adultério é quase um devaneio. Um estudo do periódico Archives of Sexual Behavior, de 2017, observou 500 adultos que tiveram dois casamentos. Quem traiu no primeiro tem três vezes mais chances de trair o segundo cônjuge. Em 2011, a mesma publicação demonstrou que a infidelidade é tão comum entre homens quanto em mulheres. Um levantamento da American Sociological Review em 2015 mostrou que dependência financeira não protege, pelo menos as mulheres, de serem traídas: 15% dos homens que são financeiramente dependentes das parceiras as traem. No caso delas, só 5% relataram ser infiéis. Um estudo publicado pelo Journal of Personality and Social Psychology em fevereiro mostrou que as pessoas com alto grau de satisfação sexual eram mais propensas a trair os parceiros. Os pesquisadores acreditam que quem está sexualmente satisfeito é, em geral, mais aberto a ter novas experiências sexuais.

Diante do quase inevitável, vem a pergunta: o que fazer? Se ser pego no flagra ficou muito mais fácil e a humanidade não parece ter mudado o pendor por pular a cerca, é de se pensar que mais relações amorosas vão acabar e isso acontecerá ainda mais cedo? A pesquisadora belga Esther Perel rebate com outra pergunta: e se a infidelidade for algo bom?

Perel, de 59 anos, loira, vestida com roupas bem nova-iorquinas e com um leve e sensual sotaque do francês materno, atende casais em um consultório em Manhattan há 34 anos. Seu livro Sexo no cativeiro, lançado em 2006, foi um fenômeno mundial de vendas e suas duas últimas conferências em vídeo – TEDs – tiveram mais de 20 milhões de visualizações.

No novo livro, Casos e casos Repensando a infidelidade (já disponível em português em e-book e com lançamento em papel previsto para maio, pela editora Objetiva), a guru internacional dos relacionamentos amorosos diz que a infidelidade é mais comum do que se imagina, muito mal compreendida e, sim, perfeitamente defensável. Com a eloquência e a propriedade que lhe são características, ela vai além:

“A infidelidade tem a tenacidade que o casamento apenas inveja”.

Perel defende que, apesar do peso trágico que carrega, a traição pode ser uma grande chance para a reconstrução de um matrimônio mais feliz. “Muitas pessoas tiveram experiências positivas com a infidelidade, passaram por mudanças transformadoras tão grandes quanto passam os doentes terminais. Mas eu não aconselharia ninguém a ter um caso, como não aconselharia ninguém a desenvolver um câncer.”

A empresária Carolina Siequeroli descobriu que era traída da maneira mais clichê que existe. “Logo que me casei, peguei meu marido na cama com outra”, contou. Mas, como a dar razão às ideias de Perel, Siequeroli acredita que o que parecia uma tragédia mudou sua vida para melhor. “Foi um choque, mas ao mesmo tempo senti um grande alívio”, lembrou. O casal tinha uma amiga em comum, de quem a empresária sempre teve ciúmes. “Eu me sentia mal com isso e não sabia se era coisa de minha cabeça ou se de fato acontecia algo. Quando vi os dois juntos, percebi que eu tinha razão. Foi ruim, mas foi bom porque pelo menos a tortura da desconfiança terminou ali.”

Depois de muito choro, dor, discussões e conversas intermináveis, Siequeroli decidiu não se separar. “Perdoei. Sabia que ele me amava muito. Nosso casamento era ótimo em vários campos. Muitos criticaram minha decisão. Houve pressão para que me separasse.”

Perel afirma que os relacionamentos são como “uma colcha de regras” que começa a se esticar desde o primeiro dia para se moldar à realidade. Siequeroli mudou o tecido da colcha. ”Para mim, traição passou a ser estar ao lado de alguém fisicamente por obrigação, mas desejando estar com outra pessoa.” O casal decidiu “revelar desejos e vontades sem falsa moral”. “Passei a ser a única em minha turma de amigas que não controlava o marido, mas que tinha a relação mais transparente de todas.” Carolina teve dois filhos e viveu feliz por 11 anos. A separação veio, segundo ela, porque o amor foi acabando. “Hoje, além de pai de meus filhos, ele é meu melhor amigo. Quem mais me ajuda na vida”, disse.

A gerente comercial Roberta Grillo, um belo dia, quando já tinha nove anos de um bom casamento e pouco depois do nascimento do primogênito, viu mensagens de uma mulher no celular do marido. Ela, que é workaholic e nunca fez o tipo controladora, teve “quase certeza” de que ele estava tendo um caso, mas não rastreou mais nada. Decidiu também não fazer perguntas. “Podia ser algo passageiro e eu não queria me separar. A gente sempre acha que é reversível.” Nesse caso, não foi. O marido tinha se apaixonado por uma terceira pessoa, e os dois se separaram amigavelmente.

Nas palestras que Esther Perel dá ao redor do mundo, ela costuma perguntar se alguém já passou por uma experiência parecida. Ninguém nunca levantava a mão até que, recentemente, na França, alguns o fizeram. Admitir em público ser vítima ou autor de uma traição é raríssimo. Mal compreendida, segundo Perel, a traição segue tabu. Durante a apuração desta reportagem, foi perguntado se alguém teria uma história do tipo para contar em um grupo de adultos, ex-colegas do colégio paulistano Bandeirantes. Havia 150 pessoas presentes, ninguém se manifestou. O silêncio foi o mesmo em outro grupo com cerca de 20 mulheres, todas com nível superior. Na verdade, uma disse, quase em desabafo: “Deve ser horrível passar por isso, não desejo para ninguém”. Numa pesquisa feita pelo Instituto Gallup nos Estados Unidos, 91% dos entrevistados disseram que a infidelidade é moralmente condenável – mais detestável do que a poligamia, o divórcio e o suicídio.

Apesar de detestadas, relações extraconjugais são mais frequentes do que se admite. Uma pesquisa do Hospital das Clínicas de São Paulo, feita há dois anos com 8.200 pessoas, apontou que 50,5% dos homens e 30,2% das mulheres já foram infiéis no relacionamento. As estatísticas nos Estados Unidos variam de 26% a 70% para elas e 33% a 75% para eles. Os estudiosos do assunto, porém, garantem que os números devem ser maiores. No consultório de Perel, a maioria dos pacientes diz que é horrível esconder um caso extraconjugal do parceiro, mas que faria o mesmo se tivesse um amante.

O modelo cearense Lucas Fernandes, de 27 anos, participava de um reality show. Por isso mesmo, não conseguiu esconder dos milhões de telespectadores do Big Brother Brasil deste ano que, no mínimo, tinha se encantado pela personal trainer catarinense Jéssica Mueller, de 26 anos. Foi o que bastou para ele ser expulso. O público sabia que Lucas tinha uma noiva, a modelo Ana Lúcia Vilela – que era uma dos milhões de telespectadores que acompanhavam o programa. Ao ser enviado para o “paredão”, Fernandes foi eliminado por ter jogado mal e pela infidelidade. A noiva não apareceu para recebê-lo na saída da casa. A cantora Roberta Miranda o condenou numa rede social: “Se sou noiva desse moço, meto-lhe chifre com o melhor amigo dele”. Os noivos não são mais noivos.

infidelidade já não tem mais o peso de uma tragédia shakespeariana, mas ainda desestabiliza qualquer um. Em Otelo, o general mouro enlouquece com o ciúme provocado por uma suspeita de que a mulher, Desdêmona, o traía. Otelo mata a mulher e, ao perceber que ela era inocente, suicida-se. “A sociedade moderna continua impregnada de uma enorme culpa cristã”, disse a psicoterapeuta de casais Lídia Aratangy, que há mais de 30 anos lida com dilemas conjugais. “Nas gerações passadas, muitos homens se vangloriavam dos casos extraconjugais. Hoje, não mais, até porque houve uma valorização do vínculo amoroso.

A valorização do amor, porém, não significa que eles estejam traindo menos do que antes. Nem que elas, depois de muitas conquistas sociais, mudaram de comportamento. Ainda há mais preconceito contra as mulheres que traem do que quando se trata dos homens.

Esther Perel cita pesquisas que indicam que a infidelidade por parte das mulheres aumentou 40 % de 1990 para cá. Esse dado, ela explica em seu livro, “não inclui apenas relacionamentos sexuais fora do casamento, mas também outros contatos físicos, envolvimentos platônicos, encontros em salas de bate-papo, grupos do WhatsApp, exibicionismo pela internet, visitas a sites pornográficos, entre tantas outras formas modernas de relacionamentos que existem hoje”.

O mercado está trabalhando duro para garantir a privacidade de quem quer manter uma história escondida no celular. Há inúmeros aplicativos e ferramentas on-line, como o KYMS, que tem cara de calculadora, mas ao digitar uma senha aparece o conteúdo escondido – seja ele mensagens ou nudes. Há o Private SMS & Call – Hide Text, que esconde as chamadas realizadas. Ou o Confide, em que as mensagens desaparecem após serem lidas. É como um Snapchat de texto. Há ainda o Black SMS, que transforma suas mensagens de textos em imagens pretas que só podem ser exibidas com uma senha. E até o PeeperPeerer, que fotografa quem tenta bisbilhotar o celular alheio. O caso relatado na abertura da reportagem não aconteceria se o marido tivesse um iPhone X, que passou a contar com um scanner de reconhecimento facial para desbloquear o telefone. E o dono tem de estar de olho aberto. Não adianta postar o aparelho no rosto do suspeito quando ele estiver dormindo. O Galaxy 8 também escaneia a íris do dono do aparelho.

Edval Domingues, um designer de 42 anos, fez um escândalo quando chegou em casa e viu o então namorado com o computador ligado e o sofá manchado de esperma. Discutiram até o parceiro, aos prantos, confessar que estava em um site de pornografia se divertindo. Os dois fizeram as pazes, mas a sensação de traição não passou. “Ele entendeu quanto isso me magoou e prometeu mudar de conduta”, lembrou ele, já separado, mas ainda hoje chateado.

No consultório da psicoterapeuta Lídia Aratangy, são comuns os desentendimentos gerados por trocas de mensagens com terceiros. “O ciúme é um problema do ciumento, mas acho também que o sofrimento da pessoa amada deve ser levado em conta”, disse ela. Aratangy conta o caso de uma paciente que, apesar dos apelos do marido, não parava de conversar no WhatsApp com um amigo de faculdade que reencontrara havia pouco. A mulher só teve a dimensão do sofrimento que estava causando quando o marido chorou durante a sessão.

Querer controlar o desejo do outro para não sofrer, no entanto, também não funciona. Até os casais mais monogâmicos, segundo Esther Perel, precisam reconhecer que ninguém tem a posse da sexualidade do parceiro. “Na tentativa de impedir traições, o controle excessivo da vida do outro acaba com o mistério, que, é justamente o que mantém o desejo aceso.” Na utopia romântica dos tempos modernos, existe a expectativa de que miraculosamente o desejo por outras pessoas evapore, segundo ela, em nome de uma única atração. “A monogamia é a vaca sagrada do ideal romântico”, escreveu Perel.

Ela discute o fato de que hoje ser feliz no casamento “é mandatório”. Segundo ela, os laços agora se formam muito mais em torno da atração e do amor. Só que laços assim são mais frágeis do que os que se baseiam em bens materiais, que lastreavam muitos dos relacionamentos antigos. Os laços atuais são mais fáceis de se romper também porque a expectativa em torno do casamento é gigante. ”Esperamos que uma pessoa consiga dar coisas que só uma cidade inteira seria capaz de prover”, afirmou. Perel conta que os pacientes chegam ao consultório dela em Manhattan como “consumistas decepcionados com o romantismo”. Eles se casam e depois acham que levaram gato por lebre, comportam-se como consumidores enganados. “Eles percebem que a expectativa do romantismo não se ajusta à crua realidade, que não é nada romântica. A visão utópica do amor ideal transforma-se em uma grande arma que desperta o desencanto.” Aí, levam o produto com defeito para ser consertado no divã. E traem.

Como gosta de lembrar em sua TED sobre infidelidade, o adultério existe desde que o casamento foi inventado – assim como o tabu em tomo dele. Tanto que, ela diz, o adultério é o único pecado que tem dois mandamentos na Bíblia, um para não praticá-lo e outro para nem pensar nele. Em algumas culturas, porém, adultério nem existe. Para o povo Lozi, que vive na Zâmbia, ter um relacionamento sexual com quem quer que seja não é traição. Entre os kofyar, da Nigéria, se a mulher não está satisfeita com o marido e não quer se separar, fica oficialmente liberada para encontrar um amante. Os esquimós têm o costume de emprestar a mulher a um visitante como prova de boa hospitalidade.

O empresário italiano Paolo, de 40 anos (ele pediu para ter o nome trocado na reportagem), conta que, bem antes de se casar há dez anos, combinou com a mulher que cada um poderia fazer o que bem entendesse. Existia apenas uma regra: não deixar que o outro soubesse. Paolo explica assim o trato: “Não sou dono do desejo de minha mulher, como ela não é proprietária do meu. E você não vai passar uma vida inteira querendo apenas uma pessoa”.

O acordo foi rompido quando a moça, tomada pela culpa ou talvez querendo uma mudança forçada no combinado, contou que tinha traído o marido com um colega do escritório. Foi além e contou o que havia feito para toda a família. Paolo ficou tomado de ciúme e vergonha. Sentiu-se humilhado, vasculhou o computador da mulher, leu mensagens, grampeou o telefone dela. Chegou a ameaçar o amante, exigindo que ele não se aproximasse mais da mulher. Fez tudo o que nunca imaginou que faria. Até que: “Depois de sofrer, de me torturar, pensei na vida boa que sempre tivemos, pensei em meu filho e resolvi continuar casado. Eu a amo”. E continuaram a relação.

“É muito difícil superar uma infidelidade. Na experiência de consultório, percebo que os casais demoram mais de dois anos para conseguir isso”, disse Magdalena Ramos, que é psicanalista, autora de vários livros sobre família e casais e professora de psicologia na PUC de São Paulo. Os homens, segundo ela, ainda têm mais dificuldade na superação do que as mulheres. “Eles acham que a traição reflete a incompetência deles como machos. Quando o homem diz que perdoa, depois transforma a vida do casal em um inferno, ataca e desprestigia a mulher”, disse. A outra especialista, Lídia Aratangy, completou: “A mulher que perdoa muitas vezes faz o mesmo”.

O cineasta Domingos Oliveira, diretor e ator do filme Separações, é taxativo: “Infidelidade não se perdoa. Essa é uma mentira milenar”. Casado há 30 anos, ele acha que as pessoas só conseguem aproveitar o amor plenamente se forem fiéis. “A monogamia tem vantagens enormes. O problema é que o homem não é monogâmico, por isso sente culpa, paga o preço com a dependência.”

Mesmo perdoando, ninguém esquece a traição, dizem terapeutas e pesquisadores do assunto. O motivo é simples: a dor é enorme e desperta crises profundas de identidade e de autoestima. “Uma traição necessariamente leva o parceiro a se sentir excluído. Isso remete àquela sensação da primeira infância quando os pais fecham a porta e você fica de fora”, disse Aratangy. Para Magdalena Ramos, quando o caso é traição, as pessoas chegam ao consultório magoadas e com muita raiva. “E chegam sempre com um discurso fechado, de culpado e de vítima”, disse.

Mas, para terminar com uma afirmação da guru Esther Perel: “A moral se acomoda de acordo com os papéis”. Por isso, é bom lembrar que, se em um momento a pessoa está no papel do traído, em outro, inesperadamente, pode estar em outro dos três lugares de um triângulo amoroso que já execrou.

Infidelidade 2.0 -1

Abaixo, à direita, o aplicativo lnvisible Text permite enviar secretamente textos, fotos e vídeos, sem que sejam armazenados no celular.

Infidelidade 2.0 -2

Extraconjugais é um entre muitos sites criados nos últimos anos para facilitar encontros adúlteros.

Infidelidade 2.0 -3

 No Telegram, (abaixo à direita), o usuário pode definir o tempo para que a mensagem, criptografada, seja destruída automaticamente.

 Infidelidade 2.0 -4

Com o Slydial (acima, à esquerda), amantes podem deixar recados diretamente na caixa postal de seus parceiros, sem precisar falar com eles. As desculpas ficaram muito mais fáceis

 O Amante Discreto (abaixo) permite que os casados procurem novos amores a partir de critérios como idade, interesses e região.

Infidelidade 2.0 -5

 

 O Confide apaga automaticamente as mensagens assim que são lidas pelo destinatário, como se fosse um Snapchat de texto, e dificulta a captura de tela.

 Infidelidade 2.0 -6

 

O Black SMS (abaixo, à direita) transforma as mensagens em imagens pretas que só podem ser exibidas com uma senha.

 Infidelidade 2.0 -7

O PeeperPeerer (acima à esquerda) cria atalhos fakes de aplicativos e, quando um enxerido tenta acessá-los, é fotografado.

GESTÃO E CARREIRA

COMO UM LÍDER PODE MOTIVAR SUA EQUIPE?

Como um líder pode motivar sua equipe

O primeiro passo para motivar uma equipe passa pelo processo de descobrir se o que tem em suas mãos ou sob sua orientação é uma equipe. E, se não for, como transformá-la em uma. Em sendo, torna-se o trabalho de motivá-la algo prazeroso e alcançável de uma forma mais simplificada. Em não sendo, cabe todo um processo de preparação para tornar-se equipe e, a partir daí, identificar as semelhanças dos objetivos em motivação para que se atinjam os objetivos e metas estabelecidas. Motivação vem de “motivo”- que o faça sair do lugar, que o faça se mexer, que justifique por que concentrar esforços e tantas outras definições. E como poderíamos identificar algo em comum dentre vários membros de uma equipe, já que essas pessoas possuem origens, histórias e sentidos diferentes para suas vidas, o que realmente poderia fazer para que pensassem com o sentido de equipe e agissem como tal?

Na hora da contratação de colaboradores é fundamental que a entrevista tenha o poder de fazer ingressar na equipe pessoas que tenham a predisposição para entender a importância e o papel de uma equipe para, assim, compreender o funcionamento da empresa. Outro fator importante é buscar identificar em cada um dos membros dessa equipe a sua particularidade positiva, a sua habilidade ou dom que possa ser enaltecido e percebido como parte de um conjunto de habilidade em que cada membro entra com uma competência ou habilidade formando um todo que torna esse grupo uma equipe.

Os que sabem expressar-se, os que sabem articular, os que colocam em prática atividades corriqueiras, os que desbravam, os que não se intimidam diante de obstáculos; somando tudo isso pode-se dizer que se tem uma equipe nas mãos. E, para motivar essa equipe, deve-se saber o que encanta cada um, muitas vezes, uma disputa acirrada ou um desafio a ser vencido perante outra equipe ou um desafio de metas a serem atingidas são motivadores excelentes.

Alguns gostam desse desafio de estar em um crescente nas metas e isso já é o suficiente para sentir-se motivado, outros precisam de premiações ou reconhecimento individual e, às vezes, coletivo. E ainda há aqueles que precisam de crescimento profissional identificado como nomeação para cargos mais elevados dentro da empresa; é bom observar que cada pessoa tem algo que a motiva e essa motivação conjunta tem que atender cada um individualmente, daí a grande dificuldade, mas nada que uma boa conversa individual não resolva.

Em tempos de crise é comum que medidas contra quedas de vendas e outras quedas venham surgir para incentivar a retomada do crescimento da empresa, e essa motivação pode ser a manutenção do emprego como justificativa, como prova de que é hora de ser cada vez mais equipe, pois a empresa como um todo precisa continuar existindo para o bem da coletividade e, com isso, essa motivação é, sem dúvida, muito usada nesses tempos de dificuldade no mercado.

Por isso, seja o exemplo com senso de equipe, aja todo o tempo com o senso de equipe perante os seus colaboradores, deixe claro que a empresa é dividida em setores, que cada área tem seu papel no contexto geral, que cada funcionário é célula de um só corpo e que o esforço de cada um representa um resultado final que, se positivo, beneficia todos.

Agora peça para cada um deles escrever os seus sonhos em um papel e que viabilizem a realização desses sonhos através do seu trabalho na empresa. Veja quanto tempo irá levar, incentive-os a produzir para encurtar a concretização desses sonhos e mostre que há como ganhar mais em benefícios, salários e reconhecimentos se eles fizerem por onde. Faça-os vestir literalmente a camisa dessa equipe/empresa deixando-os saber que o sucesso individual deles passa pelo sucesso da empresa onde trabalham.

 

 Marcos Antônio Menezes de França – é escritor, professor, coach e especialista em Gestão de Pessoas.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 20: 1-16 – PARTE I

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 A Parábola dos Trabalhadores na Vinha

A parábola dos trabalhadores na vinha tem a finalidade de:

 I – Nos dar uma ideia do Reino dos céus (v. 1), isto é, a maneira e o método da dispensação do Evangelho.

As leis desse reino não estão envoltas em parábolas, mas são claramente apresentadas, como no Sermão da Montanha. Mas os mistérios desse reino são entregues em parábolas, em ordenanças, como aqui e no capítulo 13. Mais necessário é que se conheçam os deveres do cristianismo do que as suas noções. No entanto, é necessário que as suas noções sejam mais ilustradas do que os seus deveres; esta é a finalidade das parábolas.

 II – Em particular, nos dar uma ideia a respeito do Reino dos céus, do qual o Senhor havia dito, na conclusão do capítulo anterior, que os derradeiros serão primeiros, e os primeiros, derradeiros. A parábola está ligada a esse ensino; essa verdade, que tem em si uma aparente contradição, precisava de uma explicação adicional.

Nada era mais misterioso na dispensação do Evangelho do que a rejeição dos judeus e o chamado dos gentios; assim, o apóstolo fala a respeito desse assunto (Efésios 3.3-6). Os gentios deveriam ser co-herdeiros; nada era mais provocativo aos judeus do que a sua intimidação. Então este parece ser o principal objetivo dessa parábola: mostrar que os judeus deveriam ser os primeiros a serem chamados na vinha, e muitos deles deveriam atender o chamado. Mas, por fim, o Evangelho deveria ser prega­ do aos gentios, e eles deveriam recebê-lo, e ser admitidos com os mesmos privilégios e vantagens dos judeus; esses deveriam ser co-herdeiros com os santos, e isso era algo com que os judeus, mesmo aqueles que criam, ficariam muito incomodados, mas sem uma razão plausível.

Mas a parábola pode ser aplicada de forma mais geral, e nos mostrar:

1. Que Deus não deve nada ao homem; esta é uma grande verdade que o conteúdo de nossa Bíblia apresenta como o objetivo dessa parábola.

2. Que muitos que começam por último, e pouco prometem na religião, às vezes, pela bênção de Deus, chegam a ter um maior conhecimento, graça, e utilidade do que outros cuja entrada veio muito antes, e que prometiam muito mais. Embora Cusi ganhe a dianteira de Aimaz, no entanto Aimaz, escolhendo o caminho da planície, ultrapassa Cusi. João anda mais rápido, e chega primeiro no sepulcro; mas Pedro tem mais coragem, e entra primeiro. Assim, muitos derradeiros serão primeiros. Alguns fazem disso uma advertência aos discípulos, que haviam se vangloriado de seu abraço oportuno e zeloso a Cristo; eles tinham deixado tudo para segui-lo; mas eles devem considerar isso, continuando a ser zelosos; devem prosseguir vigorosamente e perseverar; senão, o fato de terem tido um bom começo lhes será de pouco proveito; aqueles que pareciam ser os primeiros, seriam os derradeiros. Às vezes, aqueles que são convertidos posteriormente superam aqueles que se converteram anterior­ mente. Paulo foi como alguém que nasceu fora do devido tempo, embora não tenha ficado atrás dos principais apóstolos, e tenha superado aqueles que estavam em Cristo antes dele. Há algo de afinidade entre essa parábola e a do filho pródigo, na qual aquele que retornou de sua peregrinação era tão querido por seu pai quanto aquele que nunca se desviou; o primeiro e o derradeiro desfrutavam de um tratamento semelhante. 3. Que are­ compensa será dada aos santos, não de acordo com o tempo de sua conversão, mas de acordo com a sua preparação pela graça neste mundo; não de acordo com o tempo de experiência (Genesis 43.33), mas de acordo com a medida da estatura da plenitude de Cristo. Cristo havia prometido uma grande glória, na regeneração, aos apóstolos que o haviam seguido no início da dispensação do Evangelho (cap. 19.28); mas então Ele lhes diz que aqueles que forem fiéis a Ele, mesmo nos últimos dias do fim do mundo, terão o mesmo galardão; eles se assentarão com Cristo em seu trono, assim como os apóstolos (Apocalipse 2.26 – 3.21). Aqueles que sofrerem por Cristo nos últimos dias terão o mesmo galardão dos mártires e os crentes confessos dos tempos antigos, embora estes sejam mais celebrados; e os ministros fiéis de hoje terão o mesmo galardão dos primeiros patriarcas.

Temos duas coisas na parábola: o acordo com os trabalhadores, e a prestação de contas com eles.

(1).  Aqui está o acordo feito com os trabalhadores (vv. 1-7); e aqui será perguntado, como sempre:

[1]. Quem os contrata? Um homem, pai de família. Deus é o grande Pai de família de quem somos, e a quem servimos; como um pai de família, Ele tem trabalho a fazer, e servos que o farão; Ele tem uma grande família no céu e na terra, que toma sobre si o nome de Jesus Cristo (Efésios 3.15), da qual Ele é o Proprietário e o Governante. Deus contrata trabalhadores, não porque precise deles ou de seus serviços (Porque, se formos justos, o que estaremos fazendo de bom para Ele?), mas o Senhor age como um pai de família caridoso e generoso que mantém homens pobres trabalhando, demonstrando-lhes bondade, para guardá-los da ociosidade e da pobreza, e pagá-los por trabalharem para si mesmos.

[2]. De onde eles são contratados? Da praça, onde, até serem contratados para o serviço de Deus, estavam ociosos (v. 3), ociosos todo o dia (v. 6). Observe, em primeiro lugar, que a alma do homem permanece pronta para ser contratada para um serviço ou outro; ela foi (como todas as criaturas foram) criada para trabalhar, e é uma serva da iniquidade, ou uma serva da justiça (Romanos 6.19). O diabo, por meio de suas tentações, está assalariando trabalhadores para o seu campo, para alimentar os porcos. Deus, por seu Evangelho, está assalariando trabalhadores para a sua vinha, para prepará-la, e mantê-la, um serviço prestado ao paraíso. Uma escolha nos é dada, pois de todo modo devemos ser contratados (Josué 24.15): “Escolhei hoje a quem servireis”. Em segundo lugar, que até sermos contratados para o serviço de Deus, estamos ociosos o dia todo; um estado pecaminoso, embora trate-se de um estado de trabalho servil a Satanás, pode realmente ser chamado de um estado de ociosidade; os pecadores não estão fazendo nada, nada pertinente, nada do grande trabalho para o qual foram enviados ao mundo, nada que resultará em bem na prestação de contas. Em terceiro lugar, que o chamado do Evangelho é feito àqueles que estão ociosos na praça. A praça é um local de ajuntamento de pessoas, e ali a sabedoria clama (Provérbios 1.20,21); é um lugar de recreação, ali os meninos se assentam e clamam aos seus companheiros (cap. 11.16); e o Evangelho nos chama da vaidade para a seriedade; é um lugar de negócios, de barulho e agitação; e dali somos chamados a nos retirar: “Venham, venham desta praça”.

[3]. Para que eles são contratados? Para trabalhar na vinha. Em primeiro lugar, a igreja é a vinha de Deus. Ela deve ser plantada, regada e protegida; e os frutos dela devem ser para a honra e o louvor do Senhor. Em segundo lugar, todos nós somos chamados par a ser trabalhadores nessa vinha. O trabalho evangelístico é um trabalho da vinha: podar, preparar, cavai; regar, cercar e limpar. Cada um de nós tem a sua própria vinha para manter – a nossa própria alma; e ela é de Deus e deve ser mantida e preparada para Ele. Nesse trabalho, não de­ vemos ser preguiçosos ou ociosos, mas trabalhadores diligentes, trabalhando e desenvolvendo a nossa própria salvação. O trabalho para Deus não aceitará a frivolidade. Um homem pode ir ocioso para o inferno; mas aquele que vai para o céu, deve estar ocupado.

[4]. Quais serão os seus salários? Ele promete, em primeiro lugar, um dinheiro (v. 2). Um dinheiro romano era o salário de um dia de trabalho, e era suficiente para o sustento por um dia. Isso não prova que o galardão da nossa obediência a Deus seja segundo as obras, segundo a dívida (não, esse é segundo a graça, a graça gratuita, Romanos 4.4), ou que haja qualquer relação entre os nossos serviços e as glórias do céu. Não! Quando tivermos feito tudo, ainda devemos nos considerar como ser­ vos inúteis; mas isso deve significar que há um galardão colocado diante de nós, e um galardão suficiente. Em segundo lugar, o que for justo (vv. 4-7). Observe que Deus terá certeza de não ser tardio com ninguém pelo serviço que prestarem a Ele; jamais alguém perdeu por trabalhar para Deus. A coroa colocada diante de nós é uma coroa de justiça que o justo Juiz nos dará.

[5]. Por quanto tempo eles são contratados? Por um dia. Ê o trabalho de um dia que é feito aqui. O tempo de vida é o dia, no qual devemos fazer as obras daquele que nos enviou ao mundo. É um tempo curto; o trabalho dura apenas um dia, mas o galardão durará para sempre. Foi dito que o homem, como jornaleiro, tem contentamento no seu dia (Jó 14.6). Isso deve nos estimular à presteza e à dedicação ao nosso trabalho, pois temos pouco tempo para trabalhai; e a noite tem se apressado, quando nenhum homem pode trabalhar. E se o nosso grande trabalho estiver incompleto no final do nosso dia, ficaremos incompletos para sempre. Isto deve também nos encorajar em relação aos sofrimentos e às dificuldades do nosso trabalho, que é apenas por um dia; a sombra que se aproxima, pela qual o cervo suspira, trará consigo tanto o descanso como a paga pelo nosso trabalho (Jó 7.2). Mantenha-se firme em sua fé e paciência, ainda por um tempo.

[6]. São citadas várias horas do dia, nas quais os trabalhadores foram contratados. Os apóstolos foram enviados na primeira e na terceira hora do dia do Evangelho; eles tiveram uma primeira e uma segunda missão, enquanto Cr isto esteve na terra, e a tarefa deles era convocar os judeus; depois da ascensão de Cristo, por volta da hora sexta e nona , eles saíram novamente na mesma missão: pregar o Evangelho somente aos judeus, primeiro àqueles que estavam na Judéia, e depois disso aos da dispersão; mas, por fim, como era por volta da undécima hora, eles chamaram os gentios para o mesmo trabalho e privilégio com os judeus, e lhes disseram que em Cristo Jesus não deveria haver diferença entre judeus e gregos.

Mas isso pode ser, e geralmente é aplicado aos vários períodos da vida, nos quais as almas são convertidas a Cristo. O chamado comum é simples, para vir e trabalhar na vinha; mas o chamado efetivo é particular, e se completa quando o atendemos.

Em primeiro lugar, alguns são efetivamente chamados, e começam a trabalhar na vinha quando são muito jovens; são enviados de manhã cedo. As tenras idades são temperadas com graça, e com a lembrança de seu Criador. João Batista foi santificado desde o ventre, e, portanto, era grande (Lucas 1.15); Timóteo, desde a meninice (2 Timóteo 3.15); Obadias temia ao Senhor desde a sua mocidade. Aqueles que têm esta jornada para percorrer, precisam começar cedo; quanto mais cedo melhor.

Em segundo lugar, outros são economicamente contratados na meia-idade. “Ide vós trabalhar na vinha, na hora terceira, sexta ou nona.” O poder da graça divina é aumentado na conversão de alguns, quando estão no meio de seus prazeres e buscas mundanas, como ocorreu com Paulo. Deus tem trabalho para todas as idades; não há tempo inoportuno para se converter a Deus. Ninguém pode dizer: “Tudo deve ocorrer no momento certo”, pois, seja qual for a “hora do dia”, o tempo de nossa vida que passamos servindo ao pecado já foi mais do que suficiente – foi desperdiçado. “Ide vós também para a vinha.” Deus não rejeita ninguém que esteja disposto a ser contratado, porque ainda há lugar.

Em terceiro lugar, outros são contratados para a vinha na idade avançada, na hora undécima, quando o dia de vida praticamente já se passou, e resta apenas uma hora das doze. Ninguém é contratado na hora duodécima; quando a vida se acabou, a oportunidade se acabou; mas “enquanto há vida, há esperança”.

1. Há esperança para aqueles que pecam há muito tempo; porque se, em sinceridade, eles se converterem a Deus, sem dúvida nenhuma serão aceitos; o verdadeiro arrependimento nunca ocorre tarde demais – ele é sempre aceito e bem-vindo. E:

2. Há esperança de que velhos pecadores possam ser trazidos ao arrependimento; nada é difícil demais para a graça do Todo-poderoso, pois ela pode mudar a pele do etíope, e as pintas do leopardo; pode fazer com que aqueles que contraíram o hábito da ociosidade trabalhem. Nicodemos pode nascer de novo, mesmo sendo idoso, e o velho homem pode ser despido, pois é corrupto.

No entanto, ninguém, sob esse pretexto, deve protelar o seu arrependimento até ficar velho. Esses foram mandados para a vinha, é verdade, na hora undécima; mas ninguém os havia contratado, ou se oferecido para contratá-los antes. Os gentios entraram na hora undécima, mas isso ocorreu porque o Evangelho não lhes havia sido pregado antes. Aqueles que receberam as ofertas do Evangelho na hora terceira, ou sexta, e resistiram a elas e as recusaram, não poderão dizer na hora undécima: “Ninguém nos assalariou”; nem poderão ter a certeza de que algum homem os contratará na hora nona ou undécima. Portanto, para não desencorajar ninguém, mas para despertar a todos, está sendo lembrado que hoje é o tempo aceitável: se quisermos ouvir sua voz, é necessário fazê-lo hoje.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

DE REPENTE, FEZ-SE A LUZ

Psicólogos definem insight como uma compreensão repentina. Esse conhecimento espontâneo permite, de um momento para o outro, encarar problemas de um ângulo bem diferente do habitual. É como se uma percepção até então adormecida, de repente, emergisse.

De repente, fez-se a luz

“Einstein, como foi que fez isso?”, perguntou Max Wertheimer ao inventor da teoria da relatividade em 1916. O psicólogo gestaltista queria descobrir como pensava alguém cujos lampejos geniais haviam revolucionado a mecânica clássica. Einstein sabia mais que os outros? Pensava de forma mais lógica? Ou tudo não tinha passado de simples acaso?

O físico contou ao psicólogo que, quando refletia sobre espaço, tempo e velocidade, costumava imaginar-se cavalgando um raio de luz ou correndo a seu lado, para então perguntar-se se a luz pararia, caso corrêssemos ao lado dela na velocidade da luz.

Um tanto estranho, talvez – mas possivelmente o verdadeiro segredo do sucesso de Einstein. Nascido na cidade alemã de Ulm, o físico matutou durante anos sem chegar a parte alguma. Sua intuição lhe dizia que havia algo errado no modo como a física concebia o mundo. Mas, o que era? Então, de repente, acertou em cheio com uma espécie de experimento mental: se dois raios atingem uma linha férrea ao mesmo tempo, mas a certa distância um do outro – perguntou-se -, nós percebemos esses dois eventos como simultâneos? A resposta é positiva se nossa localização for a uma mesma distância dos dois pontos atingidos. Mas, caso seja num trem em movimento, viajando entre os dois raios, veremos um deles um átimo antes do outro, mesmo estando exatamente no meio dos dois pontos fulminados.

 

LAMPEJO NOS TRILHOS

A observação, portanto, não depende apenas de nossa posição no espaço, mas também de estarmos ou não em movimento. Portanto, só podemos falar em “simultaneidade” levando em conta nosso movimento em relação ao evento observado. O conceito de simultaneidade perde, assim, seu sentido absoluto. Foi graças a esse lampejo que Einstein revolucionou nossas concepções de tempo e espaço, elaborando a teoria da relatividade. E, de quebra, estimulou a pesquisa da psicologia gestáltica acerca do insight – ou seja, daquela percepção súbita que precede tantas descobertas científicas. Wertheimer sabia que o insight de Einstein estava, sem dúvida, vinculado a seu conhecimento da física e à faculdade do pensamento lógico. Decisiva, porém, havia sido a capacidade de contemplar problemas físicos de modo diverso do habitual, libertando-se de pressupostos tidos até então por irrefutáveis.

Em resumo: Einstein era um mestre na reestruturação de problemas.

Na primeira metade do século 20, Max Wertheimer, Wolfgang Kõhler, Karl Duncker e Kurt Koffka aplicaram o conceito de reestruturação não apenas no estudo das ideias geniais e das invenções revolucionárias. Na verdade, estavam convencidos de que se tratava de um processo fundamental do pensamento capaz de levar todo e qualquer ser humano a ter percepções súbitas e originais. lnsights rearranjam de forma correta e fulminante as peças do quebra-cabeça, de modo a ensejar uma “boa configuração” – ou gestalt.  E eis aí o conceito que deu nome a toda uma escola da psicologia.

Contudo, a partir da década de 50 – quando os psicólogos gestaltistas já estavam cobertos da poeira dos “clássicos”-, os estudiosos do pensamento voltaram sua atenção para outros fenômenos. Estavam fascinados com os processos cognitivos que, como num computador, avançam passo a passo, e não aos saltos e de maneira imprevisível, como ocorre quando se experimenta uma súbita descoberta. Foi somente a partir da década de 80 que a psicologia cognitiva retomou a pesquisa do insight- de resto, produzindo ela própria, de lá para cá, numerosos insights a respeito do tema. Sabemos por experiência própria que, às vezes, a solução de um problema nos vem à mente de forma absolutamente repentina. De súbito, o nó se desfaz, cai a ficha, surge uma luz e a solução parece tão óbvia que nos espantamos de não ter chegado a ela muito antes. Mas, no estudo desse fenômeno, os pesquisadores deparam já de saída com uma dificuldade metodológica: como produzir tais lampejos de maneira sistemática, de modo a investigá-los em experimentos psicológicos?

Observemos o problema já empregado por Wertheimer (veja o problema 1, abaixo). Ele nos apresenta um paralelogramo sobreposto a um quadrado. As medidas dos lados a e b são dadas. O problema consiste em obter a soma das duas áreas. Primeiro, tente resolvê-lo sozinho – pode ser a sua chance de experimentar um súbito lampejo.

E aí? Conseguiu? Se sim, de que forma procedeu? Em primeiro lugar, você provavelmente empregou as fórmulas já conhecidas para calcular as áreas. Ou seja, deve ter chegado com muita rapidez à área do quadrado (a x a). Mais chatinho, porém, é descobrir a do paralelogramo. O que quer que a gente faça, fica sempre faltando um dado. Nada dá certo, e a solução parece impossível.

De repente, fez-se a luz2 

DE OUTRO JEITO

Até aqui, parece um beco sem saída: você está patinando sempre no mesmo lugar. O que falta é a ideia brilhante. E ela é a seguinte: não se trata de calcular as áreas isoladas do quadrado e do paralelogramo, e sim de ver o problema de outro modo, literalmente: ou seja, enxergar nele dois triângulos isósceles que, com um pequeno deslocamento, formam um retângulo. A resposta, portanto, é a x b.

Não é pela via do pensamento lógico que se chega à necessária reestruturação, à nova visão das coisas. Ela aparece, em grande medida, de forma inconsciente. De um momento para outro, a percepção dos elementos que compõem o problema vira de cabeça para baixo: um quadrado e um paralelogramo transformam-se em dois triângulos isósceles que, juntos, formam um retângulo.

É notável a experiência particular e subjetiva que vivemos num momento de percepção súbita. Se a reestruturação é bem-sucedida, nós próprios, ao solucionar o problema, nos surpreendemos com nosso pensamento. Isso com frequência se traduz numa intensa sensação de descoberta. Diz-se que Arquimedes pôs-se a correr nu pelas ruas de Siracusa, gritando “Eureca!”, quando descobriu o conceito de densidade, o que lhe permitiu provar que a nova coroa de seu rei, Hieron II, não era feita de ouro: a imitação barata apresentou densidade menor que uma barra de ouro de mesmo peso. Lampejos dessa natureza nada têm a ver, portanto, com a resolução passo a passo de problemas, à maneira dos computadores. O conhecimento nos chega de forma abrupta, involuntária. É, pois, muito diferente do que ocorre quando fazemos uma operação aritmética, multiplicando, por exemplo, números compostos de vários dígitos. Nesse caso, quase sempre saberemos dizer que passos precisamos dar até o resultado. A cada dígito multiplicado, podemos estimar a que distância estamos da meta final. Mas nos problemas que demandam insight, isso não é possível: eles são de outra natureza.

É o que comprovam também os estudos da pesquisadora canadense Janet Metcalfe, da Universidade Columbia, Nova York. Ela propôs a voluntários que se debruçassem sobre problemas cuja resolução exigia algum tipo de insight e solicitou-lhes que indicassem, por intermédio das palavras “quente” ou “frio”, a que distância se sentiam de encontrar a solução. O resultado foi que, a poucos instantes de experimentar a súbita descoberta, os voluntários se sentiam tão perdidos quanto no começo da empreitada – característica usual nesse tipo de problema.

“No momento em que temos o insight, intenção e ação se dissociam completamente”, escreve com muita propriedade Daniel M. Wegner, psicólogo da Universidade Harvard. A “ação” seria aí o surgimento da ideia, e nosso grito de “Eureca!” indicaria que nosso insight não foi planejado, explica o psicólogo. Não temos a impressão de ter produzido a ideia genial, ainda que decerto a consideremos conhecimento próprio.

Mas por que é que os insights nos parecem involuntários? Se a ideia que conduz à solução do problema não resulta do empenho voluntário do pensamento, o que, afinal, nos conduz a ela? Por que problemas dessa natureza nos parecem, a princípio, insolúveis, se, na verdade, dispomos do saber necessário para resolvê-los?

Stellan Ohlsson, pesquisador do fenômeno do insight na Universidade de Illinois, Chicago, desenvolveu uma teoria que fornece respostas a essas perguntas. De acordo com ela, ao contemplar um problema, a primeira coisa que fazemos é construir uma representação mental –  ou seja, uma espécie de imagem interior –  na qual só entram determinados aspectos. É como um mapa do metrô, que nos dá a sequência das estações e os eventuais pontos de baldeação, mas não reproduz em escala fiel as distâncias entre as paradas: ressalta, pois, apenas aqueles aspectos da realidade importantes para a utilização do serviço. Para nos orientar pelas ruas da cidade, o mapa com certeza é de pouca valia.

Do mesmo modo, a representação inicial de um problema seleciona determinados aspectos dele. Isso acontece de forma automática: não é possível controlar a “coloração” resultante. Na verdade, contemplamos novos problemas sempre pela lente do saber prévio, acumulado ao longo do tempo. Esse saber, no entanto, não ajuda muito na resolução dos problemas que demandam insight. Ao contrário: ele bloqueia a percepção. Impede que vejamos a questão de outra maneira.

Quando, então, caímos no beco sem saída, reagimos com frustração e desânimo. Os pensamentos divagam, dedicamos cada vez menos tempo a tentativas sistemáticas de resolução ou, então, desperdiçamos nossa capacidade de reflexão em abordagens que já se mostraram infrutíferas. Nada mais nos ocorre.

Esse insucesso persistente é, segundo Ohlsson, precisamente a força motriz da reestruturação. Têm início, então, diversos processos inconscientes que modificam nossa representação interior do problema. De repente, novas possibilidades se abrem, e, de forma inteiramente inesperada, a solução nos vem à mente – solução que, depois, muitas vezes nos parecerá da mais absoluta banalidade.

Não será, porém, um tanto “forçada” a suposição de Ohlsson de que o saber prévio impede a solução de problemas? Por certo, essa hipótese não se traduz num conselho para que acumulemos o mínimo possível de conhecimentos. Tal estratégia não teria ajuda­ do Einstein. Claro que o saber é indispensável, sobretudo quando se trata de abordar de forma eficaz e rotineira problemas já conhecidos. influências prejudiciais só se manifestam quando a experiência passada se solidifica de tal forma que acaba bloqueando as novas ideias.

De repente, fez-se a luz3

COMO SURGE A LUZ?

Numa série de estudos bastante engenhosos, o gestaltista Karl Duncker demonstrou, já nos anos 20, que o emprego habitual de um objeto restringe seus possíveis usos alternativos. O psicólogo solicitou a voluntários que instalassem finas velas em posição vertical na parede de seu laboratório. Para tanto, tinham vários objetos à disposição: caixas de fósforos e tachinhas, entre outros.

Aos voluntários cabia ter a ideia de fixar as caixas de fósforos na parede com o auxílio das tachinhas, de modo que servissem de base para as velas. Nesse caso, a necessária reestruturação consistia em empregar as caixas não em sua função habitual de recipiente.

Uma constatação interessante foi, então, a de que a tarefa era solucionada com mais frequência quando caixas de fósforos (vazias) e tachinhas estavam dispostas lado a lado sobre uma mesa; e com menor frequência quando as tachinhas estavam dentro das caixas. Tachinhas dentro das caixas decerto ressaltam o uso habitual das últimas como recipientes, o que dificulta seu emprego de maneira diversa. Esse fenômeno da “vinculação funcional” foi a primeira demonstração de que o saber preexistente pode comprovadamente limitar a flexibilidade do pensamento.

Um discípulo de Wertheimer, Abraham Luchins, mostrou, então, como o emprego repetido dos mesmos passos na resolução de um problema conduz à exclusão de outras estratégias, talvez mais simples. Depois de terem solucionado diversas vezes tarefas semelhantes, seus voluntários atinham-se sempre ao mesmo procedimento, empregando-o seguidamente, mesmo quando dispunham de solução mais simples. Luchins atribuiu o fenômeno a um “problema de predisposição”: a predisposição a determinado método nos faz cegos para procedimentos mais eficazes. Num estudo de 1998, Jennifer Wiley, da Universidade de Pittsburgh, Pensilvânia, examinou em que medida a especialização caminha lado a lado com a incapacidade de enxergar as próprias deficiências. Seus voluntários deveriam encontrar uma palavra que, combinada a cada uma de três outras, resultasse sempre num composto significativo. Por exemplo: que palavra se pode combinar com “estar”, “jantar” e “espera”? A palavra “sala”: sala de estar, sala de jantar, sala de espera.

Metade dos voluntários de Wiley era composta de fãs de beisebol; a outra desconhecia o esporte. Todos eles foram apresentados a dois conjuntos de palavras. O primeiro começava com a palavra “plate”, ensejando fácil combinação no âmbito do beisebol; as duas outras eram “broken” e “rest”. “Home” era a palavra-alvo, a que permitia as três combinações. ” Home plate” é a última base que o jogador precisa tocar para fazer o chamado ” home run” – a jogada máxima de ataque no beisebol. ” Broken home” (lar desfeito) e“rest home” (descansar em casa) são também combinações significativas.

No segundo conjunto, a terceira palavra foi trocada: “plate”,”broken” e “shot” (tiro). A palavra-alvo passou a ser “glass”: “plate glass” (vidro laminado), “broken glass” (vidro quebrado) e “shot glass” (copinho com uma dose de uísque).

O que se verificou foi que a metade dos voluntários especializada em beisebol teve mais problemas com o segundo conjunto que a não especializada.  Os fãs do esporte têm mente direcionada de tal maneira para o âmbito do beisebol pela palavra “plate” que sua dificuldade é muito maior em combiná-la com “glass”. Em suma: o saber prévio inibe a percepção.

Outra questão intimamente ligada a essa é em que medida o saber prévio impede a identificação do ponto crucial para a resolução de um problema –  isto é, em que medida ele nos impede de decidir onde, afinal, esse ponto crucial poderia estar. Identificá-lo é, decerto, tão importante quanto dirigir a atenção para os aspectos críticos do problema a solucionar. Com o intuito de investigar essa questão, desenvolvemos, para nossos próprios estudos, diversos problemas aritméticos com palitos de fósforo, propostos a nossos voluntários. A tarefa consiste em mover- mas não remover- um único palito, a fim de produzir a correta igualdade aritmética. A solução só pode conter algarismos romanos e os sinais de mais, menos e igual. Tente resolver as duas tarefas propostas no problema 2. E veja qual das duas você consegue solucionar com mais facilidade. Nossos voluntários acharam fácil a primeira tarefa: quase todos obtiveram êxito em menos de dois minutos. A segunda tarefa, ao contrário, revelou-se bem mais difícil: só um terço conseguiu resolvê-la em dois minutos. E, passados cinco minutos, um quarto deles ainda se torturava em busca da solução. Como explicar essa diferença?

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IGUAL, NÃO: MENOS

É provável que atue aí inconscientemente o nosso saber prévio. Aprendemos na escola que, na resolução de problemas aritméticos, mexemos sobretudo com valores. Em consonância com esse aprendizado, os voluntários começam a mover, antes de mais nada, apenas os palitos que lhes possibilitem alterar valores. Na primeira tarefa, isso funciona muito bem. Percebe-se rapidamente a possibilidade de transformar IV em VI, e está resolvido: VI = 111 + 111. Na segunda, porém, essa estratégia fracassa. A restrição introduzida pela noção de que os sinais de mais, menos e igual são inalteráveis conduz a um beco sem saída.

É somente quando ampliamos a noção do que seria o ponto crucial que novas possibilidades de solução se apresentam. Mover um palito do sinal de igual, à esquerda, para junto do sinal de menos, à direita, resulta na expressão correta: IV – 111 = 1.

Assim como ocorre na percepção do problema do quadrado e do paralelogramo, a noção do ponto crucial não se deixa ampliar de forma consciente –  na tentativa de resolução do problema, não sabemos que possibilidades estamos deixando de considerar.  Isso nós percebemos só no momento mesmo em que chegamos à solução.

Em nossos experimentos, medimos os movimentos do olhar efetuados pelos voluntários na resolução dos problemas. No caso da aritmética dos palitos de fósforo, notamos que, de início, as pessoas fixam o olhar por muito mais tempo e com maior frequência nos valores da equação tendendo a desconsiderar os operadores (mais, menos e igual).

Se a tarefa não pode ser resolvida mediante a manipulação dos valores, os movimentos do olhar vão se tornando cada vez mais lentos. Por vezes, as pessoas fixam o olhar por cinco ou dez segundos num mesmo ponto – e sabemos que, normalmente, nossos olhos alteram seu ponto de fixação cerca de três vezes por segundo. Nessa situação, o que ocorre é, pois, que nosso olhar se perde na contemplação do beco sem saída.

Pudemos distinguir pessoas bem ou malsucedidas na resolução dos problemas com base no diagrama dos olhares. Quem olhou mais para os valores fracassou. Aqueles, porém, cujos olhares se detiveram por mais tempo nos operadores aritméticos acabaram por resolver o problema. Também eles, no entanto, tiveram de início a sensação de estar diante de um problema insolúvel.  E isso corrobora a tese de que o insight é produzido por processos inconscientes – caso ele se fundamentasse em decisões conscientes, o exame progressivo dos elementos relevantes de um problema teria de caminhar de mãos dadas com a sensação de estar cada vez mais próximo da solução.

Outro estudo dos movimentos do olhar, realizado por Elizabeth Grant e Michael Spivey, da Universidade Cornell, no estado de Nova York, apresentou descobertas surpreendentes. Os pesquisadores confrontaram seus voluntários com o “problema do tumor”, que remonta ao psicólogo gestaltista Karl Duncker.  Eis aqui o seu enunciado:

“Um grupo de médicos procura um procedimento que lhes permita, por meio de radiação, remover um tumor inoperável no estômago de um paciente. Na intensidade necessária, porém, os raios podem danificar o tecido. O que fazer para destruir o nódulo sem lesar o tecido saudável à sua volta?”.

ALGUMA IDEIA?

Os participantes do experimento depararam com uma apresentação do problema semelhante à encontrada no Problema 3. Nesse caso, verificaram-se diferenças notáveis entre os padrões de movimentação do olhar daqueles que tiveram êxito e dos que fracas­ saram. Os olhos dos bem-sucedidos fixaram-se com mais frequência na pele circundante, ao passo que os que não conseguiram solucionar o problema olharam especialmente para o tumor em si.

Se você ainda não encontrou a solução, por favor, concentre sua atenção na pele. Como demonstrou um segundo experimento, acrescentar ao contorno da pele uma leve cintilação na tela do computador aumentou drasticamente a porcentagem de acertos. Isso afastou os olhares dos voluntários do tumor em si. Ao que tudo indica, o maior obstáculo à resolução do problema do tumor está, mais uma vez, em conseguir abandonar uma suposição restritiva: a de que é necessário dirigir um raio de plena intensidade contra o tumor, a fim de destruí-lo. Enquanto o voluntário insistir nessa hipótese restritiva, estará sempre partindo do princípio de que o tecido em volta do tumor terá de ser danificado.

A solução: dirigir para o tumor várias fontes de radiação de intensidade menor, de modo que os raios se sobreponham, se somem e, assim, o destruam. A baixa intensidade dos raios isolados deixará incólume o tecido circundante (ver “Solução 3”). Para resolver esse problema, é necessário que, interiormente, abandonemos o centro aparente dos acontecimentos. Só quem considera diferentes possibilidades de colocar uma fonte de radiação exterior irá perceber que pode também dirigir vários raios de intensidade menor contra o tumor. Desviar a atenção do tumor em si ajuda a estimular tais pensamentos.

 HEMISFÉRIO DIREITO

Mais recentemente, também os cientistas cognitivos buscam no cérebro uma pista para o insight. É uma empreitada difícil, porque os procedimentos usuais das neurociências cognitivas, valendo-se da eletroencefalografia (EEG) e da tomografia por ressonância magnética funcional (fMRI), medem processos neuronais por períodos que vão de alguns milissegundos a uns poucos segundos.

Resolver problemas, porém, é algo que com frequência leva minutos ou mesmo muitas horas. Além disso, toda uma multiplicidade de processos cognitivos toma parte dessa operação. Por isso, o que se busca é descobrir pela via de procedimentos indiretos quais regiões cerebrais respaldam a reestruturação e a percepção súbita. E assim foi que Marc Jung-Beeman e Edward Bowden, da Universidade North-western, Chicago, investigaram se os hemisférios cerebrais dão contribuições diferentes nesse campo. A hipótese dos dois cientistas vincula-se à suposição de que o hemisfério esquerdo seria responsável pelo processamento consciente da linguagem, ao passo que o direito responderia pela atenção inconsciente e espacial. Descobertas mais recentes da pesquisa cerebral mostram que a rígida separação entre “hemisfério esquerdo consciente” e “hemisfério direito inconsciente” é de difícil sustentação. Ainda assim, parece haver certa divisão de tarefas. Jung-Beeman e Bowden partiram do princípio de que a solução passo a passo de problemas conhecidos ocorreria, sobretudo no hemisfério esquerdo e mediante a aplicação consciente de regras lógicas. Ao hemisfério direito, atribuem papel decisivo na solução de problemas que demandam insight. Na sua opinião, os insights surpreendem aqueles que os têm porque a reestruturação ocorre no hemisfério cerebral direito. Somente quando o resultado é transmitido para o lado esquerdo acende-se, subjetivamente, uma luz na nossa mente.

Em seus experimentos, os pesquisadores valeram-se do fato de que o olho esquerdo envia suas imagens para o hemisfério direito, e o olho direito, para o hemisfério esquerdo. Mostraram brevemente a voluntários a solução de problemas envolvendo insight em cuja resolução esses mesmos voluntários haviam fracassado – e o fizeram de modo que as imagens em questão fossem percebidas ora apenas pelo olho esquerdo, ora somente pelo direito. O resultado foi claro: as soluções identificadas com mais frequência foram as provenientes do olho esquerdo para o hemisfério direito. Ao que tudo indica, os processos inconscientes que conduzem à percepção súbita ocorrem predominantemente no hemisfério cerebral direito.

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GÜNTHER KNOBLICH – é professor adjunto da Universidade Rutgers, em Newark, Nova Jersey. MICHAEL ÕLLINGER – é pesquisador do Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e Neurociências, em Munique, e da Fundação Parmênides.

OUTROS OLHARES

AMBIENTE ESCOLAR VERSUS APRENDIZAGEM

Alunos com baixo desempenho no Pisa relatam maior desconforto físico e emocional com a escola.

Ambiente escolar versus aprendizagem

Além de verificar conhecimentos em matemática, leitura e ciências, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) também mede habilidades relacionadas à resolução colaborativa de problemas. Pela primeira vez, em 2015, os estudantes brasileiros foram submetidos a essa parte do teste, que exige dos jovens aptidão para trabalhar em grupo. Saber dividir tarefas, seguir regras e manter o entendimento compartilhado são algumas das qualidades avaliadas.

Nesse quesito, a média geral de proficiência dos brasileiros foi 411,7, o que coloca o país na penúltima posição da lista, como mostra o estudo Um Panorama sobre resolução colaborativa de problemas no Brasil, realizado pelo lede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) a partir dos micro dados do Pisa.

Uma análise detalhada do levantamento revela que há diferenças importantes entre o perfil dos alunos com alto e baixo desempenho em resolução colaborativa de problemas.

Aqueles que apresentaram as notas mais baixas sinalizaram maior desconforto com a escola – em termos físicos e emocionais. O índice de alunos que concordam que há barulho e desordem em todas ou na maioria das aulas é de 53,1% entre os estudantes com baixo desempenho, praticamente o dobro do índice de alunos com alto desempenho que relataram o mesmo problema. Mais da metade dos jovens que tiraram notas baixas no teste também disseram que os alunos não ouvem o que o professor diz em todas ou na maioria das aulas.

Outro destaque é o índice de estudantes que se sentem desconfortáveis e fora de lugar na escola. Entre os que apresentaram baixa performance na resolução de problemas, 1/3 compartilha desse sentimento. Os dados indicam a importância do ambiente escolar para o aprendizado e o desenvolvimento dos alunos e sinalizam que classes lotadas, indisciplina e falta de atenção individualizada são problemas que também precisam ser trabalhados.

Ambiente escolar versus aprendizagem.2

GESTÃO E CARREIRA

O “COMBINADO” NÃO SAI CARO

Contrato de boca, em qualquer tipo de negociação, geralmente representa risco de calote. Só quem já passou por isso sabe como é uma situação complicada. Especialistas orientam: coloque tudo no papel.

O combinado não sai caro.

Negócios são negócios, amizades à parte! Essa frase deveria ser levada à risca no mundo empresarial, especialmente pelas micro e pequenas empresas. Mas o fato é que, na maioria das vezes, são elas mesmas que mais fecham contratos de boca confiando em clientes, fornecedores e prestadores de serviços que chegam na “camaradagem” por já serem amigos ou porque foram indicados por outros clientes.

A falta de um contrato assinado, por exemplo, pegou de surpresa o empresário da Ortolani Comunicação & Marketing, Adriano Ortolani, que já está no mercado há quatro anos. Ele passou por essa experiência de fechar contratos de boca duas vezes. No primeiro contrato arcou com o prejuízo, no segundo, perdeu uma amizade de anos.

Segundo ele, a primeira vez aconteceu no final de 2013, quando o serviço com o principal cliente foi cancelado por alegação de falta de verba. “Era uma parceria muito boa, e acabei sendo dispensado sem multa rescisória. Não questionei, mas levei como lição. Já a segunda aconteceu um mês depois. Era um cliente novo, com quem negociava há três meses, e o sócio era um grande amigo. O serviço foi encerrado por WhatsApp e não existiu nenhuma conversa. Dessa forma, como eu já havia sido prejudicado anteriormente, não hesitei ao alertar que, embora não tivéssemos contrato, tínhamos um vínculo e a saída deveria ser respeitada assim como nos contratos assinados. Ou seja, eu poderia ficar mais 30 dias ou então encerraria os serviços naquele dia, recebendo uma multa rescisória. Recebi o valor, mas perdi o amigo”, conta.

 COSTUME BRASILEIRO

Por alguma razão, culturalmente, o Brasil funciona desta forma: contratos “amigáveis”. Indicações e conhecimento são mais importantes do que aspectos técnicos que podem e deveriam ser previamente verificados. O advogado e cio do escritório Zaroni Advogados, Raphael Zaroni, explica que isso acontece porque sempre entramos em qualquer relacionamento no momento de necessidade ou no momento do encantamento e nunca pensamos nos potenciais conflitos futuro.

O empresário Adriano Ortolani confirma a opinião de Zaroni e ainda completa: “A cultura empresarial de ter contratos formalizados ainda não faz parte dos pequenos. Isso porque a formalidade pode trazer barreiras na hora do fechamento de negócios. Um contrato ainda é visto como algo bem conservador, e muitos têm medo de assinar por não ter um respaldo jurídico. A informalidade na prestação de serviços chega a ponto que muitos ainda nem sabem a importância de receber uma nota fiscal de serviço”, elucida.

Devido a isso, Raphael Zaroni avalia que toda relação começa bem, mas apenas as bem estruturadas contratualmente têm chance de acabar sem conflitos desnecessários. “Pequenas desavenças que poderiam encontrar soluções padronizadas em um contrato tornam-se a razão para o fim da relação, da sociedade e muitas vezes vai parar em disputas judiciais”, lamenta.

 

Mas, juridicamente, os contratos de boca não valem? De acordo com o advogado, valem sim, e a maior vantagem disso é não engessar pequenas operações cotidianas, como a contratação de um pequeno reparo em um pneu de carro furado, ou seja, para não burocratizar questões cotidianas, simples e já abrangidas pela lei (normalmente o próprio Código de Defesa do Consumidor). ”A maior desvantagem, contudo, é quando a compra foge daquelas de prateleira. Quando o serviço é técnico, o produto é feito sob medida, com materiais escolhidos pelo cliente, quando se trata de um bem durável, como uma máquina, ou de serviços de execução complexa e continuada, como a de um contador, por exemplo”, avalia Zaroni.

Por isso, o advogado do escritório especialista em Direito Empresarial Ramunno Alcaide Advogados, Pedro Ramunno, acrescenta e reforça que embora os contratos verbais (salvo aqueles em que a legislação impõe algum tipo de formalidade para a plena produção de efeitos, como no caso do contrato de compra e venda de bem imóvel) sejam válidos, por serem menos burocráticos e mais rápidos, a celebração dessa forma impõe inúmeros riscos ao empresário. “Dentre esses riscos, podem ser citados desde a dificuldade para comprovar que o contrato existe e foi de fato celebrado até questionamentos sobre questões que não costumam ser abordadas pelas pessoas quando celebram um acordo verbalmente, a exemplo do foro eleito para resolver eventuais controvérsias ou os parâmetros a serem utilizados para atualização de valores a serem pagos, na hipótese de descumprimento contratual”, demonstra.

 O CENÁRIO DOS PEQUENOS    

Ortolani conta que ele presta serviço tanto para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas. Pessoas físicas são trabalhos pontuais, mas as jurídicas acabam exigindo um contrato mínimo de seis meses para o bom desenvolvimento do serviço. “Mesmo assim, por mais de dois anos, conforme aparecia as indicações, os contratos eram ignorados para mantermos a transparência e parceria. A vantagem era que um serviço sem contrato podia ser iniciado no dia seguinte e depois de 30 dias, ele recebia. Já o contrato, por muitas vezes demorava semanas para ser assinado, e aí, delongávamos também para iniciar o serviço e, consequentemente, receber”, desabafa.

De acordo com Ramunno, no mundo ideal, seria certamente recomendado que toda e qualquer negociação fosse formalizada por escrito e instrumentalizada por meio da assinatura de um contrato com todas as formalidades e detalhes – tidos, não raro, e erroneamente, pelos empresários como burocracias desnecessárias – possa ser uma espécie de obstáculo à dinamicidade exigida pelo empresariado, que precisa de decisões rápidas e de fácil reprodução.

A recomendação, mesmo assim, não é deixar de formalizar a negociação por meio de um contrato e manter a relação apenas acordada “de boca”, mas promover alternativas para a sua formalização. “Obviamente, a forma ideal dependerá do perfil do empresário, da atividade por ele desenvolvida e do perfil do seu cliente. As possibilidades, como é possível imaginar, são inúmeras, sendo ponto incontroverso que, atualmente, há diversas formas de contratarmos de maneira mais segura do que ‘de boca”‘, pontua Ramunno.

Rafael Zaroni explica essas possibilidades dizendo que nem tudo, necessariamente, precisa fazer parte de um contrato, mas o contrato precisa regular o que vale em caso de discordância entre seus termos e, por exemplo, um ajuste feito através de um e-mail. ” Muitos documentos podem substituir um contrato e nem sempre é necessário engessar a relação com seu cliente que apenas realiza compras esporádicas. Nesses casos, uma proposta bem estruturada, regulando todo o fornecimento, as obrigações e outras coisas que sejam relevantes podem perfeitamente cumprir um papel essencial e substituir o contrato. Em outros casos, a própria lei exige a formalização por meio de um contrato, que deve observar minimamente algumas questões. De qualquer forma, ter alguma formalização evita pequenos maus entendidos e a sensação de estar sendo lesado”, recomenda.

COMO FORMULAR UM CONTRATO

Um contrato bem escrito, bem formulado e que não desrespeite a legislação faz “lei entre as partes”, ou seja, até que se prove o contrário, vale o que está contratado. “Essa é a grande proteção que um bom contrato oferece, seja para compra de produtos de maior valor, para se1viços ou para qualquer outro tipo de relacionamento empresarial de médio a longo prazo ou de maior complexidade “, informa Raphael Zaroni.

Do ponto de vista formal, os contratos costumam apresentar uma estrutura semelhante: qualificação das partes, introdução contendo as motivações para a contratação, cláusulas contendo disposições aplicadas à relação contratual, campo para assinatura das partes e, eventualmente, de testemunhas.

Em cada um desses blocos, o advogado da Ramunno Alcaide Advogados recomenda que se agrupem cláusulas que tratem de assuntos relacionados, sempre procurando resguardar, na medida do possível a maior quantidade de cenários que possam vir a causar dúvida no decorrer da execução do contrato. “Nesse sentido, em um exemplo hipotético, se as partes contratam a compra e venda de determinado produto, é importante já deixar previsto qual das partes será responsável pela entrega ou retirada do produto, qual o prazo para isto, o que acontece se for descumprida essa disposição, a forma como o produto deve ser entregue ou retirado, de quem será a responsabilidade, se importará algum custo para alguma das partes, etc.”, exemplifica.

A recomendação por disposições claras e objetivas que englobem grande parte dos cenários não significa que toda e qualquer questão relacionada à relação entre as partes deve ser incluída no contrato. “A depender do tipo de relação e do perfil das partes, pode ser muito adequado um contrato mais simples, conciso e que regule apenas os pontos essenciais da relação entre partes contratantes”, completa Pedro Ramunno.

Quanto à redação, ele diz que a indicação é única: utilizar linguagem simples, objetiva e clara. O contrato é destinado sobretudo para as próprias partes, devendo-se utilizar uma linguagem que seja facilmente compreendida por elas. O contrato não é, definitivamente, um artigo acadêmico que será submetido à apreciação de juristas.

Além disso tudo, Ramunno diz que existe a importância da presença de um advogado para a elaboração de um bom contrato. “Não raro os empresários decidem, por si, adaptar modelos de contratos na internet (quase sempre tecnicamente péssimos), com o objetivo de economizar o valor que seria gasto com um advogado para esse serviço. Não há dúvida de que fazer o contrato sozinho é menos custoso do que contratar um advogado, porém, o custo com um advogado em razão de um litígio decorrente de um contrato malfeito é certamente muito maior do que o valor para fazer um contrato bem-feito. Trata-se do famoso ‘o barato que sai caro”, argumenta.

Esse, por exemplo, é um risco que o empresário Adriano Ortolani não corre mais no seu negócio. De acordo com ele, depois da lição aprendida com seus dois clientes que “quebraram o contrato”, ele tomou algumas medidas, como contratar um advogado para elaborar um contrato bom para os dois lados, com termos fáceis de entender, sempre que fecha um novo negócio. “Hoje, existe a necessidade, sim, de ter um contrato, seja ele de R$ 1 mil ou de R$ 1 milhão. A vantagem é que agora os dois lados estão mais seguros, e aconteça o que acontecer durante o tempo de serviço, terá o respaldo jurídico do contrato”, demonstra.

Ortolani acrescenta que essa lição foi aprendida tanto nas relações com os clientes quanto com seus fornecedores e colaboradores terceirizados. “Assim como eu sou contratado por algumas empresas, com objetivo de terceirizar serviço, também contrato pessoas que terceirizam serviço para a minha empresa e, agora, da mesma forma, todos possuem contratos, o que também garante a prestação de serviços dessas pessoas pelo tempo de vigência do contrato, sem existir promessas não cumpridas”, afirma.

 NO MEIO DO CAMINHO…

O serviço prestado precisa sofrer modificações, e agora? É possível os contratos que já tiveram o martelo batido serem alterados?

Segundo Ramunno, a alteração dos contratos deve seguir a mesma forma de sua contratação. Se o contrato foi celebrado por escrito e assinado pelas partes, eventual alteração deverá ser feita por escrito e igualmente assinada pelas partes. Trata­ se de uma questão de segurança jurídica, não de burocracia.

Raphael Zaroni sobrepõe que, na verdade, via de regra, modelos de contrato nada mais são do que modelos. Eles sempre precisam ser adaptados à realidade do negócio que será refletido. “Adicionalmente, merece ser esclarecido que, caso já houver um contrato formalizado, as partes podem resolver modificar seus termos por meio de um aditivo, que também dependerá de assinatura de todas as partes. Apena os chamados contratos de adesão (como os de Planos de saúde, Seguros Automotivos entre outros) não podem ser alterados e, portanto, sua interpretação judicial também é diferenciada”, explica.

Sendo assim, o advogado Pedro Ramunno diz que se as partes decidirem, por exemplo, alterar a forma de pagamento do preço presente em um contrato escrito, é altamente recomendado que a alteração também seja instrumentalizada por um aditivo escrito. “Não raro as pessoas ‘modificam’ disposições de um contrato escrito por meio de negociações feitas ‘de boca’. Imagine uma eventual controvérsia envolvendo justamente essa alteração, o que é mais convincente (ressalvados outros meios de prova): um contrato escrito ou a fala de uma das partes?”, conclui.

VOCÊ SABIA?

No commom law (ou Lei Comum) em alguns estados do Estados Unidos, um contrato verbal quando firmado na presença de uma testemunha é válido, pois poderá ser provado na hipótese de ser contestado judicialmente. De acordo com as leis do Estado de New York e do Estado da Flórida, um business handshake (aperto de mão) vincula as partes quando feito na presença de testemunhas. Exemplos são: Um aperto de mãos do presidente dos EUA, Primeiro Ministro da Inglaterra e o Papa valem como um contrato. Normalmente após o aperto de mãos, um staff inteiro de ambas as partes redige os instrumentos refletindo a real vontade das partes. Um caso famoso no Estado de NY foi o processo Texaco vs Penzoil de 1984 em que uma empresa foi vendida com um aperto de mãos pelas partes e posteriormente vendida novamente para uma terceira empresa por um valor maior. A parte lesada buscou reparação judicialmente e ganhou milhões em indenização em juízo.

Mas, embora o contrato verbal seja válido nesses estados, as empresas de advocacia aconselham também que seja feita sempre uma formalização por escrito para evitar fraude, litígios e a incidência da prescrição. “Nem todos os contratos necessitam ser escritos, mas em conformidade com o Statute of Frauds (Estatuto das Fraudes, vigente nos EUA ), alguns contratos devem ser obrigatoriamente por escrito, por exemplo: transações de direito imobiliário (contrato de locação, compra e venda de um imóvel, etc.), promessas de casamento e acordos pré-nupciais, contratos de confissão de dívida e pagamento e, por fim, qualquer contrato que não seja concluído no prazo de um ano da sua assinatura”, revela a diretora-executiva do Jurídico Global  Hayman-Woodward, Alessandra Balbino.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 19: 23-30

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A Recompensa dos Seguidores de Cristo

Temos aqui a conversa de Cristo com os seus discípulos a respeito da ruptura do relacionamento do jovem rico com Cristo.

 I – Cristo aproveitou esse acontecimento para mostrar a dificuldade da salvação dos ricos (vv. 23-26).

1. É muito difícil alguém rico como esse jovem alcançar o céu. Note que da decadência e iniquidade dos outros é bom inferirmos quais lições nos servem como alerta.

Vemos aqui que:

(1). Isso é veementemente declara­ do por nosso Salvador (vv. 23,24). Ele disse as palavras desses versículos para os seus discípulos, que eram pobres e possuíam pouco neste mundo, para reconciliá-los com a sua condição: quanto menos riquezas materiais eles tivessem, menores seriam os obstáculos que enfrentariam no caminho para o céu. Deveria ser motivo de contentamento para aqueles que estão em uma condição inferior o fato de não estarem expostos às tentações de uma condição melhor e mais próspera. Se eles, neste mundo, vivem em piores condições que os ricos, porém irão mais facilmente para um mundo melhor, não têm razões para reclamar. Essa afirmação é ratificada no versículo 23. “Em verdade vos digo”. Aquele que tem motivos sobejos para saber qual é o caminho para o céu, pois Ele o mostra, nos conta que essa é uma das maiores dificuldades no caminho para o céu. Ela é repetida no versículo 24: “E outra vez vos digo”. Assim Ele fala uma vez, ou melhor, duas vezes, que aquele que se nega a perceber, também se nega a acreditar.

[1]. Jesus disse que é difícil para um rico ser um bom cristão e ser salvo; entrar no Reino dos céus, seja aqui ou no mundo vindouro. O caminho para o céu é, para todos, um caminho apertado, e a porta que leva a ele é uma porta estreita; mas é particularmente assim para os ricos. O cumprimento de mais deveres é esperado mais deles que dos outros, porém eles não os conseguem cumprir. Da mesma forma, mais pecados os tentam, os quais eles mal podem evitar. Os ricos têm grandes tentações a enfrentar, e, como tais, elas são muito insinuantes; é difícil não se encantar com um mundo sorridente. É muito difícil, quando estamos cheios desses tesouros ocultos, não nos aproximarmos deles para experimentá-los. Os ricos têm muitas compensações através de seus bens, de seus ganhos, de seu tempo e de suas oportunidades de fazer o bem e de ficarem bem; muito mais do que os outros. É uma grande indicação da graça divina que um homem seja capaz de abrir caminho através dessas dificuldades.

[2]. Jesus disse que a conversão e a salvação de um rico é tão extremamente difícil, “que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha” (v. 24). Essa é uma expressão proverbial, denotando uma dificuldade totalmente instransponível pela arte e força do homem; nada abaixo da onipotente graça de Deus possibilitará a um rico ultrapassar esse obstáculo. A dificuldade da salvação dos apóstatas (Hebreus 6.4) e de pecadores habituais (Jeremias 13.23) é por isso representada como uma impossibilidade. A salvação de qualquer deles é tão difícil (até mesmo os justos são salvos com dificuldade), que, onde houver um obstáculo singular, ele será adequadamente apresentado dessa mesma maneira. Ê muito raro um homem ser rico e não colocar o seu coração em suas riquezas; e é completamente impossível para um homem que coloca o seu coração em suas riquezas entrar no céu; pois “se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (1 João 2.15; Tiago 4.4). Em primeiro lugar, o caminho para o céu é muito corretamente comparado com o fundo de uma agulha, que é difícil de alcançar e difícil de atravessar. Em segundo lugar, um homem rico é adequadamente comparado a um camelo, um animal de carga, pois ele tem riquezas, assim como um camelo tem sua carga – ele a carrega, mas ela pertence a outro, ele a recebe de outros, gasta-a por outros e, em breve, deve deixá-la para outros; é um fardo, pois os homens carregam a si mesmos de dívidas (Habacuque 2.6). O camelo é uma criatura grande, mas de difícil manejo.

(2).  Essa verdade causa muita admiração, e os discípulos têm dificuldade para aceitá-la (v. 25): “Os seus discípulos, ouvindo isso, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá, pois, salvar-se?” Cristo lhes contou muitas verdades surpreendentes antes, com as quais eles ficaram surpresos, não sabendo o que fazer delas; essa era uma delas, mas a fraqueza deles era a causa de sua admiração. Não foi em oposição a Cristo, mas para sua própria conscientização, que eles disseram: “Quem poderá, pois, salvar-se?” Considerando os muitos obstáculos que existem no caminho da salvação, é, de fato, muito notável que alguém seja salvo. Quando pensamos em quão bom Deus é, pode parecer um mistério que tão poucos sejam seus; mas quando pensamos em quão mau o homem é, é um mistério maior que tantos sejam dele, e que Cristo será, eternamente, ad­ mirado neles. “Quem poderá, pois, salvar-se?”. Como há muitos ricos que têm muitas posses, e muitos mais pretendem se tornar ricos e são influenciados pelas grandes for­ tunas, quem pode ser salvo? Se as riquezas são um obstáculo para os ricos, será que as recompensas e o luxo não são grandes dificuldades para aqueles que não são ricos, tornando-se expectativas semelhantemente perigosas para eles? E quem, pois, pode chegar ao céu? Essa é uma boa razão pela qual os ricos devem lutar contra a corrente.

2. Embora seja difícil, ainda assim não é impossível ao rico ser salvo (v. 26). “Jesus, olhando para eles”, dirigiu-se a eles com irritação e os olhou com tristeza, para envergonhá-los por seu tolo pensamento sobre as vantagens que os ricos supostamente possuíam em se tratando de coisas espirituais. Ele os contemplava como homens que haviam ultrapassado esse obstáculo e que estavam em um claro caminho para o céu, e tanto mais por serem pobres neste mundo. Ele lhes disse: ”Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível”. Esta é, em geral, uma grande verdade: Deus é capaz de fazer aquilo que excede em muito todo o poder criado; nada é difícil demais para Ele (Genesis 18.14; Números 11.23). Quando os homens estão perdidos, Deus não está, pois, o seu poder é infinito e irresistível; no entanto, essa verdade é aplicada aqui:

(1).  Para a salvação de quem quer que seja. Quem poderá salvar-se? perguntam os discípulos. Por meio de algum poder humano, ninguém, diz Cristo. Para os homens isso é impossível: a sabedoria do homem logo será confundida em seus planos, e a força do homem ficará desnorteada quando se tratar de realizar a salvação de uma alma. Nenhuma criatura pode realizar em si mesma, ou em qualquer outra, a mudança que se faz necessária para a salvação de uma alma. Para os homens é impossível que uma corrente tão forte seja invertida, um coração tão duro seja abrandado, e uma vontade tão inflexível seja subjugada. Ê uma criação, é uma ressurreição, e para os homens isso é impossível; nunca poderá ser feito pela filosofia, medicina ou política; mas “para Deus todas as coisas são possíveis”. O princípio, o andamento e o aperfeiçoamento da obra da salvação dependem inteiramente do poder do Deus onipotente, para quem todas as coisas são possíveis. A fé é operada por esse poder (Efésios 1.19), e é mantida por ele (1 Pedro 1.5). A experiência de Jó com a convincente e humilhante graça de Deus fez com que ele a conhecesse mais do que a qualquer outra coisa: “Bem sei eu que tudo podes” (Jó 42.2).

[1]. Especialmente para a salvação dos ricos: é impossível para os homens que os ricos sejam salvos, mas, para Deus, até isso é possível; não que os ricos possam ser salvos em seu mundanismo, mas que eles podem ser salvos dele. A santificação e a salvação daqueles que são cercados pelas tentações deste mundo não são sem esperança; isso é possível e pode ser realizado pela autossuficiência da graça divina. E quando esses são levados ao céu, lá são monumentos eternos ao poder de Deus. Eu acredito que nessa palavra de Cristo haja um indício da misericórdia que Ele ainda tinha reservado para esse jovem, que havia agora se retirado com tristeza; não era impossível para Deus, todavia, recuperá-lo e conduzi-lo ao caminho certo.

 

II – Pedro aproveitou a ocasião para perguntar o que receberiam aqueles que aceitassem as condições recusadas pelo jovem que rompera com Cristo, como também aqueles que haviam deixado tudo para segui-lo (v. 27). Temos aqui as expectativas dos discípulos em relação a Cristo, e as suas promessas a eles.

1. Aqui temos as expectativas dos discípulos em relação a Cristo. Pedro, em nome dos demais, comunica que eles confiam nele e dependem dele, e entendem que alguma coisa importante substituirá aquilo que eles ha­ viam deixado por Ele: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos; que receberemos?” Cristo havia prometido ao jovem que, se ele vendesse tudo e viesse, e o seguisse, teria tesouros no céu; agora, Pedro deseja saber:

(1).  Se eles haviam cumprido suficientemente essas condições. Eles não haviam vendido tudo (pois muitos deles tinham esposa e família para cuidar), mas haviam deixado tudo; eles não entregaram tudo aos pobres, mas haviam renunciado a tudo que pudesse, de alguma forma, ser um obstáculo para que servissem a Cristo. Quando ouvimos quais são as características daqueles que serão salvos, compete a nós investigarmos se, pela graça, correspondemos a essas características. Aqui Pedro espera que, no que se refere ao escopo e ao objetivo principal da condição, eles a tivessem cumprido, pois Deus havia colocado neles um santo desprezo pelo mundo e pelas coisas visíveis, em comparação com Cristo e as coisas invisíveis; e não se pode definir nenhuma regra de como isso deve ser evidenciado, mas sim de acordo com a maneira como somos chamados.

Senhor, disse Pedro, “nós deixamos tudo”. Nada de valor, mas era tudo o que eles haviam deixado; um deles, por certo, havia deixado um posto na alfândega, mas Pedro e a maioria deles haviam deixado apenas alguns barcos e redes e os direitos relativos a um pequeno comércio de peixes; e ainda assim, observe como Pedro fala disso, como se fosse algo importante: “Eis que nós deixamos tudo”. Nós temos a tendência de dar grande valor aos nossos serviços e sofrimentos, gastos e perdas por Cristo, e a pensar que o tornamos nosso devedor. Entretanto, Cristo não os critica por isso. Embora fosse pouco o que eles houvessem deixado, ainda assim aquilo era tudo que tinham, como as duas moedas da viúva, e era tão querido para eles como se fosse algo maior. Por essa razão, Cristo apreciou que eles tivessem deixado o que tinham para segui-lo; pois Ele aceita o homem de acordo com o que esse tem.

(2). Se, por essa razão, eles podiam esperar receber aquele tesouro que o jovem terá, se vender tudo. Senhor, diz Pedro, que receberemos, nós que deixamos tudo? Todas as pessoas se interessam pelo que podem obter; e os seguidores de Cristo têm a permissão de considerar seus interesses verdadeiros e perguntar: “O que recebe­ remos?” Cristo olhou para o gozo que lhe estava proposto, e Moisés olhou para a recompensa que seria uma retribuição. Para esse fim, ela é colocada diante de nós, para que através de uma paciente persistência na prática do bem, possamos buscá-la. Cristo nos encoraja a perguntar o que receberemos ao deixar tudo para segui-lo, para que possamos ver que Ele não nos chamou para nos prejudicar, mas para que tenhamos um proveito incrivelmente grande. Como perguntaria a linguagem de uma fé obediente: “O que devemos fazer?”, levando em conta os mandamentos; assim, é próprio de uma fé esperançosa e confiante perguntar: “O que receberemos?”, levando em conta as promessas. Mas observe que os discípulos tinham, havia muito, deixado tudo para se engajarem no serviço a Cristo, e mesmo assim, até esse momento, nunca haviam perguntado: O que receberemos? Embora não houvesse perspectiva visível de vantagem nisso, eles tinham tanta certeza da bondade do Mestre, que sabiam que não sofreriam perdas por causa dele, e por isso lhe perguntaram de que maneira Ele os compensaria por suas perdas – eles vinham cuidando de sua vocação, e não perguntavam quais seriam as suas recompensas. Cristo é honrado quando confiamos nele e o servimos, e não devemos fazer barganhas com Ele. Agora que esse jovem se retirara da presença de Cristo para desfrutar as suas riquezas materiais, era hora de os discípulos pensarem a que deviam se dedicar, e no que deveriam confiar. Quando vemos o que outros conservam devido à sua hipocrisia e apostasia, é adequa­ do que consideremos o que esperamos obter através da graça, pela nossa sinceridade e constância, e não em troca delas, e então veremos mais razões para ter piedade deles do que para invejá-los.

2. Temos aqui as promessas de Cristo aos discípulos e a todos aqueles que trilham nos caminhos da fé e da obediência. Cristo desconsidera, sem dar a perceber, aquilo que havia de vaidade ou de vãs esperanças naquilo que Pedro disse, mas aproveita a ocasião para estabelecer o vínculo de uma promessa:

(1).  Para seus s8guidores imediatos (v. 28). Eles haviam enfatizado o seu respeito para com Ele, como os primeiros que o seguiram, e a eles o Senhor promete não apenas tesouros, mas glória no céu; e aqui eles têm uma concessão ou privilégio sobre isso, daquele que é a fonte da glória naquele reino: “Vós, que me seguistes… na regeneração … vos assentareis sobre doze tronos”. Observe:

[1]. O preâmbulo ao privilégio ou ao exame da concessão, que, como de costume, é um relato dos serviços deles: “Vós, que me seguistes… na regeneração”; por­ tanto, eu farei isso por vós. A época do aparecimento de Cristo no mundo era um tempo de regeneração, de correção (Hebreus 9.10), quando as coisas antigas começavam a se extinguir, e as coisas novas começavam a surgir. Os discípulos haviam seguido a Cristo quando a igreja ainda estava no estágio embrionário, quando o templo do Evangelho não tinha mais do que colunas, quando tinham mais do trabalho e ocupação de apóstolos do que da dignidade e do poder que pertenciam ao seu cargo. Agora eles seguiam a Cristo, com cansaço permanente, quando poucos o faziam; e por isso, sobre eles, Ele colo­ cará sinais especiais de glória. Cristo demonstra um favor especial por aqueles que lhe entregam a sua vida desde cedo, que confiam nele mesmo sem vê-lo, como fizeram aqueles que o seguiram na regeneração. Pedro falou que eles haviam deixado tudo para segui-lo – Cristo fala somente da atitude de seguirem-no, que era o assunto principal.

[2]. O dia de sua honra, que define a hora inicial. Não imediatamente após aqueles dias. Não. Eles devem permanecer por algum tempo na obscuridade, como estavam. Mas quando “o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória”; e a isso alguns se referem como: ” na regeneração”: “Vocês, que agora me seguiram, serão, na regeneração, dignificados dessa maneira”. A segunda vinda de Cristo será uma regeneração, pois haverá no­ vos céus e uma nova terra, bem como a restauração de todas as coisas. Todos aqueles que tiverem parte na regeneração e na graça (João 3.3) terão parte na regeneração que ocorrerá em glória; pois assim como a graça é a primeira ressurreição (Apocalipse 20.6), a glória é a segunda regeneração.

O fato de a glória deles ser adiada até que o Filho do Homem se assente no trono de sua glória implica, em primeiro lugar, que eles devem aguardar pelo seu desenvolvimento. Assim como a glória de nosso Mestre é postergada, é adequado que a nossa também o seja e que devamos esperar por ela com fervorosa expectativa, como a de uma esperança invisível (Romanos 8.19). Devemos viver, trabalhar, e padecer na fé, na esperança, e na paciência, que consequentemente serão testadas por esse período de espera. Em segundo lugar, que eles devem compartilhar os resultados do avanço da obra de Cristo – a glória deles deve ser uma comunhão com Ele em sua glória. Eles, tendo sofrido com um Jesus sofredor, devem reinar com um Jesus vencedor pois agora e no mundo futuro, Cristo será tudo em todos; estaremos onde Ele estiver (João 12 .26), nos manifestaremos com Ele (Colossenses 3.4); e essa será uma recompensa abundante não apenas por nossa perda, mas pelo adiamento; e quando o nosso Senhor vier, receberem os não apenas o que é nosso, mas o que é nosso com juros. As viagens mais longas trazem os maiores retornos.

[3).  A própria glória aqui assegurada: “Vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel”. É difícil determinar o sentido específico dessa promessa, e se ela não deveria ser cumprida muitas vezes (o que não vejo problema em admitir). Em primeiro lugar, quando Cristo for elevado à mão direita do Pai e se sentar no trono de sua glória, então os após tolos receberão o poder do Espírito Santo (Atos 1.8); serão tão aperfeiçoados em relação à sua condição atual, que pensarão estar assentados sobre tronos, na promoção do evangelho. Eles o comunicarão com autoridade, como um juiz a partir da tribuna; eles terão seus poderes aumentados e anunciarão as leis de Cristo, pelas quais a Igreja, o Israel espiritual de Deus (Gálatas 6.16), será governado, e o Israel segundo a carne, que se mantiver na infidelidade, com todos os outros que assim o fizerem, será condenado. A glória e o poder que lhes são conferidos podem ser explicados através de Jeremias 1.10: “Ponho-te neste dia sobre as nações e sobre os reinos”; Ezequiel 20.4: “Julgá-los-ias tu?”; Daniel 7.18: “Os santos receberão o reino”; e Apocalipse 12.1, onde a doutrina de Cristo é chamada de “uma coroa de doze estrelas”. Em segundo lugar, quando Cristo surgir para a destruição de Jerusalém (cap. 24.31), então Ele enviará os apóstolos para julgar a nação dos judeus, pois nessa destruição, as previsões deles, de acordo com a Palavra de Cristo, se cumprirão. Em terceiro lugar, alguns pensam que isso se refere à conversão dos judeus, que ainda está para acontecer, no fim do mundo, após a queda do Anticristo; assim pensa o Dr. Whitby, e que “isso diz respeito à autoridade dos apóstolos ou às doze tribos de Israel, não pela ressurreição de seus corpos, mas por uma revivificação do Espírito que neles residia, e da pureza e do conhecimento que eles comunicaram ao mundo, e, principalmente, pela confissão do seu Evangelho, como a base da sua fé e do rumo de suas vidas”. Em quarto lugar, é certo o seu cumprimento total na segunda vinda de Cristo, quando os santos em geral e os doze apóstolos, especialmente, como assessores de Cristo, julgarão o mundo por ocasião do “juízo daquele grande Dia”, quando o mundo todo receberá a sua sentença final e os apóstolos ratificarão e aplaudirão a sentença. Mas as tribos de Israel são citadas, em parte, porque o número de apóstolos era designado pelo mesmo número de tribos; e em parte porque os apóstolos eram judeus, o que deveria trazer algum grau de amizade. Porém, embora os apóstolos mencionassem então os judeus, eram perseguidos por estes de uma forma implacável. Isso dá a entender que os santos julgarão os seus conhecidos e familiares segundo a carne e, no Grande Dia, julgarão aqueles com quem tinham amizade; eles julgarão os seus perseguido­ res, aqueles que os julgaram neste mundo.

Mas o propósito geral dessa promessa é mostrar a glória e a dignidade que estão reservadas aos santos no céu, o que será uma abundante recompensa pela desonra que sofreram aqui pela causa de Cristo. Há maiores graus de glória para aqueles que mais realizaram e sofreram. Os apóstolos, neste mundo, eram perseguidos e torturados, lá eles se sentarão para descansar e relaxar; aqui obrigações, angústias e mortes habitavam neles, mas lá eles se sentarão em tronos de glória; aqui eles eram arrastados aos tribunais, lá eles serão promovidos a juízes; aqui as doze tribos de Israel os espezinhavam, lá elas estremecerão diante deles. E isso não será uma recompensa suficiente para compensar as suas perdas e gastos por amor a Cristo? (Lucas 22.29).

[4].  A ratificação desse privilégio. Ele é permanente, é inviolável e imutavelmente garantido, pois Cristo disse, em outras palavras: “Em verdade vos digo: Eu sou ‘o Amém, a testemunha fiel e verdadeira’, que tem o poder de dar este privilégio; Eu o disse, e isto não pode ser revogado”.

(2).  Aqui está uma promessa para todos aqueles que queiram, de maneira semelhante, deixar tudo para seguir a Cristo. Não era peculiar aos apóstolos ter essa preferência, mas “essa honra, tê-la-ão todos os santos”. Cristo cuidará para que nenhum deles saia perdendo por causa dele (v. 29): “Todo aquele que tiver deixado” alguma coisa por causa de Cristo, receberá muitas vezes mais.

[1].  Perdas por causa de Cristo são admitidas aqui. Cristo havia dito aos discípulos que o seguiam que eles deviam negar a si mesmos em tudo que lhes fosse feito neste mundo; agora, Ele entra em detalhes, pois é bom estar preparado para o pior. Mesmo que eles não tivessem deixado tudo, como fizeram os apóstolos, ainda assim haviam deixado muitas coisas, incluindo, possivelmente, suas casas e seu trabalho, para peregrinar pelos desertos. Esses discípulos também podem ter deixado os seus entes queridos que não desejavam acompanhá-los, seguindo a Cristo. Estes são especialmente citados como os mais difíceis de deixar de lado, especialmente para as pessoas que têm um espírito sensível e delicado: “irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos”. As posses materiais como as “terras” são acrescentadas na conclusão; os rendimentos da terra eram a fonte do sustento da família.

Em primeiro lugar, aqui se presume que a perda dessas coisas ocorre pelo amor ao nome de Cristo; caso contrário, Ele não se obrigaria a compensá-la. Muitos deixam irmãos, esposa e filhos em busca de glórias e paixões, como a “ave que vagueia longe do seu ninho”; este é um abandono pecaminoso. Mas se os deixamos por amor a Cristo, porque não podemos ficar com eles e manter a consciência limpa, nós devemos deixá-los ou desistir de nossa afeição por Cristo. Não devemos, e nem podemos abandonar a preocupação que sentimos por eles, ou as nossas obrigações para com eles, mas o consolo que temos neles. E faremos isso em vez de negar a Cristo, mantendo em vista a sua pessoa, a sua vontade e a sua glória. Isto é o que será compensado. Não é o sofrimento que faz o mártir ou aquele que confessa a fé cristã, mas a causa pela qual ele sofre.

Em segundo lugar, supõe-se a ocorrência de uma grande perda; e mesmo assim, Cristo se responsabiliza por compensá-la, pois Ele é capaz de fazê-lo, não importa o tamanho dessa perda. Perceba a tamanha barbaridade dos perseguidores que despojavam pessoas inocentes de tudo que tinham, por nenhum outro crime exceto a sua fidelidade a Cristo! Perceba a paciência dos perseguidos, e a força do seu amor por Cristo, que era como um fogo que as muitas águas não poderiam apagar!

[2]. A compensação por essas perdas é aqui assegurada. Milhares de pessoas se relacionaram com Cristo e confiaram nele no mais alto grau. Mas ninguém perdeu por sua causa; ninguém jamais deixou de ganhar de maneira indescritível por sua causa; isto fica claro ao fazermos o balanço final de nossa vida. Cristo, nesse momento, dá a sua palavra sobre esse assunto; Ele não somente indenizará o sofrimento de seus servos e os salvará incólumes, mas os recompensará abundantemente. Que eles façam uma lista de suas perdas por causa de Cristo, e poderão ter a certeza de que receberão:

Em primeiro lugar, “cem vezes tanto” nesta vida; às vezes, em espécie, as mesmas coisas que eles haviam deixado. Deus preparará mais amigos para os seus angustiados servos; estes serão seus amigos por amor a Cristo. O número desses novos amigos será maior do que o número daqueles que eles abandonaram, e que tinham como característica dominante o amor a si mesmos. Os apóstolos, aonde quer que fossem, encontravam pessoas que eram gentis com eles e os recebiam, abrindo-lhes seus corações e suas portas. Todavia, eles receberão cem vezes tanto, em benefícios, em se tratando daquelas coisas que são abundantemente melhores e mais valiosas. Suas graças se multiplicarão, seus consolos serão abundantes, eles terão sinais do amor de Deus, uma comunhão mais íntima com Ele, além de maior comunicação com Ele, previsões mais claras e antecipações mais agradáveis da “glória que há de ser revelada”. E então eles poderão verdadeiramente dizer que receberam cem vezes mais consolo em Deus Pai e em Cristo do que poderiam ter recebido da es­ posa ou dos filhos.

Em segundo lugar, no fim, “a vida eterna”. Os benefícios anteriores já bastariam como recompensa, mesmo que não houvesse mais; cem por cento é um grande lucro. Que tal cem vezes? Não obstante, a vida eterna vem como uma adição, além de tudo o que o Senhor nos concede neste mundo. A vida aqui prometida inclui todos os confortos da vida no mais alto nível, e a sua duração é eterna. Se pudermos combinar a fé com a promessa, e confiarmos em Cristo para levá-las a cabo, com certeza não consideraremos nada como demasiadamente difícil para ser feito, nada será difícil demais para tolerarmos, não nos recusaremos a abrir mão de nada, por mais precioso que seja, por amor a Ele.

No último versículo, o nosso Salvador adverte sobre o engano de alguns que pensam que a superioridade na glória esteja relacionada e seja dirigida pela precedência no tempo, e não pela medida e pelo grau da graça. Não. “Muitos primeiros, serão derradeiros, e muitos derradeiros serão primeiros” (v. 30). Deus cruzará os braços; Ele revelará às criancinhas o que escondeu dos sábios e entendidos. Além disso, o Senhor rejeitará os judeus incrédulos e aceitará os gentios crentes. A herança celestial não é dada como as heranças materiais geralmente o são, pela idade ou pela primogenitura, mas de acordo com a vontade de Deus. Este é o tema de outro sermão, que estudaremos no próximo capítulo.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

MENSAGENS SECRETAS

Propagandas com estímulos subliminares podem influenciar nosso comportamento? Estudos recentes apontam que sim, mas apenas em circunstâncias bastante específicas.

Mensagens secretas

A história de anúncios publicitários com conteúdos ocultos se assemelha a um roteiro de programa de televisão. Na vida real, um dos personagens principais dessa história é James M. Vicary, pesquisador da área de marketing. Em 12 de setembro de 1957, ele convocou a imprensa para anunciar os resultados de uma experiência incomum. Ao longo de seis semanas, durante o verão anterior, ele disparou as frases “Coma pipoca” e “Beba Coca-Cola” por 3 milésimos de segundo, a cada cinco segundos, em uma tela de cinema de Fort Lee, em New Jersey, enquanto telespectadores assistiam ao filme Picnic (exibido no Brasil com o título Férias de amor). As mensagens eram muito rápidas para serem lidas, mas o tempo foi suficiente para serem registradas no subconsciente dos espectadores. Como prova dessa afirmação, ele apresentou dados que indicavam 18% de aumento na venda do refrigerante e 58% da pipoca no cinema.

O público reagiu com fúria. As descobertas de Vicary foram ao encontro de um medo popular da época: de que consumidores pudessem ser manipulados. A ideia de anúncios transmitidos de forma subliminar (abaixo do limiar da consciência) soava como lavagem cerebral. Em 5 de outubro de 1957, três semanas após esse evento, Norman Cousins, editor-chefe do Saturday Review, escreveu o artigo “Subconsciente manchado”, no qual criticou campanhas publicitárias destinadas a “entrar nas partes mais profundas e privadas da mente humana, deixando terríveis marcas e arranhões”. A Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) não demorou para emitir um relatório sobre o potencial operacional da percepção subliminar. O livro The hidden persuaders (Novas técnicas de convencer, Ibrasa, 1959), do jornalista Vance Packard, que descreve as alegações de Vicary em detalhes, rapidamente se tornou um sucesso de vendas. Em resposta à pressão pública, o governo do Reino Unido, o da Austrália e a Associação Nacional de Emissoras, nos Estados Unidos, proibiram propagandas com mensagens escondidas.

Porém, apesar de toda comoção, ficou constatado que o experimento era uma fraude. Diversos pesquisadores tentaram sem sucesso replicar as descobertas anunciadas por Vicary. Cinco anos depois, ele reconheceu que seu experimento era um “artifício”. Sua confissão, no entanto, recebeu muito menos atenção do que seu golpe publicitário inicial. Muitas pessoas, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, onde a divulgação inicial teve grande repercussão, continuaram a acreditar que a publicidade subliminar poderia moldar a escolha do consumidor, apesar de todas as evidências mostrarem o contrário.

Recentemente, porém, psicólogos começaram a apontar que, em algumas situações específicas, mensagens subliminares podem sim redirecionar nossas decisões, embora não da forma como Vicary propôs. Essas informações na verdade não excedem ou comandam nossas intenções e vontades. Pelo contrário, os cientistas acreditam que estamos suscetíveis a sugestões extremamente breves apenas em circunstâncias bastante limitadas. Devido à rapidez com que esses estímulos passam pelos circuitos da memória, praticamente na mesma velo­ cidade com que piscam em uma tela, não provocam efeitos além de reforçar objetivos imediatos ou inclinações naturais.

 DE TRÁS PARA A FRENTE

Nas décadas após a experiência de Vicary, comerciantes, políticos, diretores de cinema e até mesmo serviços oficiais tentaram usufruir os benefícios da persuasão subliminar – mas sem sucesso mensurável. As táticas seguiam o modelo de Vicary: embutir flashes de milissegundos de palavras ou imagens em filmes. Por exemplo, em 1978, a estação de TV Wichita, do Kansas, recebeu permissão da polícia para mostrar de maneira subliminar a frase “Ligue para a polícia agora” durante uma notícia sobre o assassino em série Dennis Rader, conhecido como BTK – a aposta era que o próprio criminoso se sentisse compelido a se entregar. Infelizmente, ele só foi capturado 27 anos depois.

Em 2000, as mensagens subliminares entraram na corrida presidencial dos Estados Unidos. Em uma das campanhas do Partido Republicano a palavra “rats” (ratos) aparece rapidamente em um quadro sobre o candidato democrata AI Gore. Embora o termo seja um fragmento da frase “bureaucrats decide” (burocratas decidem), as quatro últimas letras surgem na tela 30 milissegundos antes do restante. Apesar de o candidato republicano George W. Bush ter alegado se tratar de um incidente, o comercial foi rapidamente tirado do ar.

Outras campanhas polêmicas envolveram a técnica backmasking (conhecida no Brasil como mensagem ao contrário), em que palavras ditas de trás para a frente são gravadas em uma faixa de áudio. Os defensores do método alegam que mensagens invertidas agem de maneira subliminar nos ouvintes. Na década de 80, muitos grupos religiosos americanos temiam que algumas bandas usassem backmasking para transmitir ensinamentos satânicos.

Duas famílias, aliás, chegaram a processar o músico britânico Ozzy Osbourne alegando que frases ao contrário em suas canções incentivaram seus filhos a cometer suicídio. Os tribunais recusaram os casos, assim como ações semelhantes contra a banda de rock Judas Priest, porque não foram encontradas evidências suficientes da ação da backmasking. Diversos estudos comprovam que a técnica não deixa vestígios mensuráveis na memória. Ainda assim, em 1983 a prática foi proibida na Califórnia. Também na década de 80, o mercado de fitas cassete de autoajuda com mensagens subliminares gravadas na direção correta começa a florescer. No entanto, em 1991 o psicólogo Anthony G. Greenwald e seus colegas da Universidade de Washington demonstraram que essas gravações também eram ineficazes. Para chegar a essa conclusão, Greenwald e sua equipe solicitaram a 237 voluntários que escutassem música clássica gravada com dicas subliminares para aumentar autoconfiança ou memória (uma etiqueta identificava a finalidade), diariamente, durante cinco dias. O que eles não sabiam é que a informação estava trocada em metade dos cassetes. Os pesquisadores relataram que ouvir a fita não provocou efeito nem na memória nem na autoconfiança dos participantes do experimento. Os voluntários, porém, disseram sentir melhora na autoestima ou na capacidade de armazenar informações (de acordo com a identificação na fita que receberam) – possivelmente por estarem sugestionados pelo que acreditavam estar desenvolvendo, o que os manteve mais atentos a essas habilidades.

Para muitos cientistas a experiência foi suficiente para encerrar o assunto.  Em 1992, o psicólogo Anthony R. Pratkanis, da Universidade da Califórnia, Santa Cruz, um dos coautores do estudo da fita cassete, escreveu que a crença na eficácia da persuasão subliminar oferece um exemplo do que o físico Richard Feynman chamou de ciência do culto à carga (cargo-cult science), em referência ao fenômeno encontrado em sociedades tribais, que encontram “carga” a partir de uma cultura tecnologicamente avançada e criam rituais em torno disso. Segundo definição de Feynman (extraída de parte de um discurso no Instituto de Tecnologia da Califórnia, em 1974) a ciência do culto à carga se assemelha à ciência real e aparentemente tem objetividade e experimentação cuidadosa. Porém, falta algo fundamental: ceticismo. Ao longo da década de 90, o campo de pesquisa de mensagens subliminares ficou em silêncio, sendo relegado ao reino da reflexologia, percepção extra-sensorial e outras disciplinas não científicas.

Durante a última década, no entanto, psicólogos voltaram a se interessar pelo assunto e a produzir trabalhos com resultados intrigantes. Em 2001, o psicólogo Ap Dijksterhuis e seus colegas da Universidade Radboud Nijmegen, na Holanda, e posteriormente da Universidade de Amsterdã, submeteram um grupo de alunos a um teste computadorizado de atenção: na tela piscavam sílabas sem sentido e palavras como “Coca” e “beba”. Em seguida, os pesquisadores ofereceram Coca-Cola e água mineral aos voluntários. De fato, os participantes foram mais propensos a aceitar uma das duas bebidas; no entanto, não pediram refrigerante com mais frequência. Um ano depois, Joel e Grant Cooper, da Universidade de Princeton, replicaram o experimento adicionando as palavras “sede” e imagens de latas de Coca-Cola em um episódio de Os Simpsons. Mais uma vez ficou constatado que não houve diferença significativa em comparação com um grupo controle, que não recebeu o estímulo.

 CHÁ GELADO

Para entender por que as mensagens subliminares ajudaram a deixar os participantes mais sedentos (mas não necessariamente inclinados a beber Coca-Cola), considere o que acontece quando entramos numa loja de conveniência em busca de algo para matar a sede. Primeiramente, precisamos acessar em nosso cérebro o nome de uma bebida. Se você costuma consumir Coca, é provável que esteja imune a qualquer sugestão subliminar para comprar outra marca. Mas se vez ou outra você opta por um chá gelado, por exemplo, mensagens abaixo do nível da consciência podem deixar o nome da marca (pelo menos temporariamente) mais acessível em sua memória, o que pode influenciar sua escolha.

Decidimos testar a teoria de que a marca Coca-Cola é imune aos efeitos de estímulos subliminares porque está profundamente impressa na memória da maioria das pessoas. Em um estudo de 2006, os psicólogos Jasper Claus, da Universidade de Utrecht, John Karremans, da Universidade Radboud, e eu solicitamos a um grupo de voluntários que executasse uma tarefa de atenção usando um computador. Metade dos participantes foi bombardeada com flashes de 23 milissegundos com as palavras “Lipton ice”. (Com base em um questionário, havíamos determinado o chá gelado como adequado para nossos propósitos: é uma boa escolha para matar a sede, mas não é a primeira opção da maioria das pessoas.) E metade visualizou sílabas sem sentido na mesma velocidade. Em seguida, todos deveriam escolher entre chá gelado e água mineral. Como esperado, o primeiro grupo optou com maior frequência pelo Lipton Ice. Mais uma vez, como no estudo anterior, ficou constatado que apenas voluntários com sede reagem assim, caso contrário a marca do produto registrado na memória não faz diferença.

Em um segundo estudo, metade dos voluntários consumiu algumas gotas de sal (sem que soubesse) antes de assistir a uma propaganda com mensagens subliminares –  o objetivo era deixá-los com vontade de beber algo. Desses, uma parte relatou estar com sede, 80% decidiram tomar Lipton Ice. No grupo controle, cerca de 30% (com sede) e 20% (sem sede) escolheu a bebida. Em um estudo de 2011, os psicólogos Thijs Verwijmeren, Daniel Wigboldus, Karremans e eu refinamos esses resultados e demonstramos que o priming subliminar funcionou só em pessoas que estavam com sede e gostavam da bebida, mas não a tomavam regularmente. Não conseguimos influenciar aqueles que disseram que o chá gelado era sua bebida favorita. Os resultados podem explicar, pelo menos em parte, por que pesquisas anteriores, geralmente envolvendo a marca Coca-Cola, não conseguiram demonstrar efeitos subliminares em relação à escolha da marca. Há décadas esse refrigerante é a bebida preferida de estudantes universitários, público geralmente recrutado por pesquisadores. Além disso, estes estudos geralmente não levam em conta os diferentes níveis de sede. Outros pesquisadores apontam vulnerabilidade semelhante entre pessoas cansadas. Em um estudo de 2009, a psicóloga alemã Christina Bermeitinger, da Universidade de Saarland (atualmente da Universidade de Hildesheim), em parceria com seus colegas da Universidade da Austrália Ocidental recrutou voluntários para participar de um estudo sobre os efeitos causados   na concentração pela droga dextrose. Os pesquisadores criaram duas marcas fictícias de pílulas e projetaram logotipos diferentes que foram apresentados de maneira subliminar a metade dos participantes enquanto jogavam em um computador. Durante alguns intervalos, os cientistas ofereceram aos voluntários pílulas de dextrose etiquetadas com as marcas falsas. Os cientistas constataram que aqueles que relataram se sentir mais cansados demonstraram maior inclinação em relação à marca disparada de maneira subliminar no jogo.

As pesquisas sugerem que a vulnerabilidade depende de diversos fatores, como necessidades físicas e hábitos. A mudança subliminar repentina (subliminal revulsion), um efeito relacionado, também pode ser desencadeada em condições específicas. Demonstramos isso em um estudo recente, em que projetamos de maneira subliminar as palavras “Lipton Ice” em algumas sequências da animação Madagascar e em outras do perturbador filme sobre dependentes de heroína Trainspotting. Em seguida, oferecemos o chá gelado ou água mineral aos participantes. Os voluntários que assistiram ao primeiro (e disseram estar com sede) optaram com maior frequência pelo Lipton Ice. Mas, entre aqueles que viram Trainspotting, a taxa foi menor. Mais uma vez, constatamos que mensagens subliminares influenciam somente voluntários com sede.

LAVAGEM CEREBRAL NO MERCADO

A ideia de que somos influenciados por propagandas subliminares ainda assusta muita gente. Pesquisas na área ainda são tabus e recebem pouquíssimo financiamento. Programming the nation (Programando a nação), um documentário sensacionalista lançado em outubro de 2011, indagava: “Sofremos lavagem cerebral? Perdemos nossa mente?”. Esse terror, porém, não se justifica. Certamente ninguém gosta de se sentir manipulado, mas o fato é que tudo ao nosso redor influencia nossas escolhas o tempo todo e muitas vezes não nos damos conta disso. O aroma do café fresco pode nos induzir a querer um expresso, e a visão de um bolo de chocolate nos fazer salivar. Nossos estudos recentes indicam que mensagens subliminares influenciam o comportamento da mesma maneira que estímulos ambientais. Pessoas com sede são mais receptivas a sugestões subliminares em relação a uma bebida, assim como alguém com fome tem maior probabilidade de exagerar nas compras no supermercado.

Em um estudo de 2005, o psicólogo Rob Holland e seus colegas da Universidade Radboud decidiram testar a força de influências ocultas do dia a da. Os pesquisadores pediram a 56 alunos que listassem cinco atividades que pretendiam realizar durantes os próximos dias. Metade dos participantes realizou a tarefa em uma sala com cheiro cítrico de limpador multiuso, e metade em um ambiente inodoro. O primeiro grupo não relatou perceber qualquer aroma. E, mesmo assim, 36% escreveu que planejava limpar o apartamento. Já no outro grupo, apenas 11% considerou fazer faxina. Os pesquisadores acreditam que o odor aumentou a acessibilidade cognitiva do objetivo de limpeza. No entanto, os cientistas não sabem se de fato os voluntários concluíram a tarefa, que pode ter se perdido na memória em meio a assuntos mais urgentes que vieram à tona, como estudar para as provas.

De fato, esse tipo de sugestão não dura muito tempo na memória. Gatilhos ambientais parecem ser mais potentes em cenários onde podemos atuar imediatamente, o que os torna úteis em certos pontos comerciais. Lojas de departamento disparam músicas natalinas para nos deixar mais suscetíveis ao “espírito” de troca de presentes e aumentar as vendas. Em 1993, os economistas Charles Areni e David Kim, pesquisadores da Universidade Técnica do Texas, apontaram outra maneira em que a música pode alterar o comportamento. Durante algumas semanas, os cientistas acompanharam as vendas em uma loja de vinhos, que alternou o som ambiente com faixas de música clássica, como As quatro estações, de Antônio Vivaldi, e canções de bandas populares, como Fleetwood Mac. O tipo de som não teve nenhuma influência sobre o número total de garrafas vendidas. No entanto, os clientes que ouviram música erudita compraram bebidas mais caras em relação àqueles que escutaram o estilo pop.

Os hábitos de pessoas que comem fora de casa também parecem variar de acordo com estímulos musicais. O psicólogo Adrian-North, na época da Universidade de Leicester, na Inglaterra, e seus colegas da instituição alternaram o som ambiente de um restaurante com música clássica, pop ou silêncio, por três semanas. Durante a execução de música erudita, os clientes gastaram em média US$ 45; US$ 40 enquanto escutavam pop; e US$ 39 quando não havia som.

Em alguns casos, a música de fundo pode de fato influenciar escolhas. Em outro experimento, North e seus colegas expuseram uma seleção de quatro vinhos alemães e quatro franceses, igualmente caros, em um supermercado britânico. Durante alguns dias, os cientistas intercalaram canções alemãs e francesas no ambiente. Depois, entrevistaram os clientes que compraram a bebida e descobriram que poucos haviam se dado conta de ter escutado alguma música. Aqueles expostos a canções francesas, porém, escolheram vinhos da mesma nacionalidade com maior frequência, e o mesmo se deu em relação às bebidas alemãs.

Acreditamos que, assim como a música, a publicidade com mensagens abaixo do nível da consciência pode exercer influência em situações imediatas do cotidiano. No entanto, para causar efeitos reais teriam de ser curtas, aparecer no momento em que decidimos algo e estarem relacionadas às nossas intenções imediatas ou aos nossos hábitos. Os resultados sugerem que é improvável que anúncios publicitários com conteúdos subliminares possam induzir consumidores a comprar determinada marca dias depois.

Nossos estudos revelam que, na prática, mensagens escondidas são menos potentes ou aterrorizantes do que se acreditava no passado. E, em algumas ocasiões, podem até ser benéficas. Pesquisas mostram que a exposição em milissegundos às palavras “furioso” e “relaxado” tende a provocar efeitos na frequência cardíaca e na pressão arterial de uma pessoa. O subconsciente registra diferentes tipos de sugestão e não apenas aquilo que interessa aos anunciantes.

UM PRESENTE DOS DEUSES

O fenômeno do culto à carga aparece em sociedades tribais quando entram em contato com a civilização industrializada. Surge com o fato de os nativos observarem grupos ocidentais, geralmente militares, recebendo suprimentos – alimentos, medicamentos, cobertores etc. –  por barcos e aviões.

Sem compreender a origem dessa carga tão bem-vinda, os nativos acabam atribuindo sua chegada a causas sobrenaturais. Muitas vezes grupos imitam ritualisticamente a forma de andar e se vestir dos grupos industrializados na esperança de também receber o benefício. Há registro de grupos que abriram clareiras na selva imitando aeroportos e construindo rádios, fones de ouvido e inclusive falsos aviões de madeira que serviriam como isca para atrair a atenção das entidades “doadoras”. O primeiro caso que se tem registro foi o movimento nas ilhas Fiji, em 1885, mas ocorreram vários outros, inclusive na Amazônia.

UMA COISA PUXA A OUTRA

O priming é um efeito experimental que se refere à influência que um evento antecedente {prime) tem sobre o desempenho de um evento posterior (alvo). Nesse método, supõe-se que uma palavra possa ser acessada mais rapidamente se precedida por outra com a qual ela partilhe características semânticas (médico/hospital), fonológicas (hora/oca), ou morfológicas (dança/dançarino).

 

 WOLFGANG STROEBE – é professor de psicologia social das universidades de Utrecht e de Groningen, na Holanda.

OUTROS OLHARES

NOS EMBALOS DO K-POP

Estudantes brasileiros se matriculam em universidades da Coreia do Sul depois de se apaixonar pela moderna música popular do país asiático.

Nos embalos do K-pop

Estudante de relações internacionais em uma faculdade particular de Niterói, Rio de Janeiro, lago Leiria mudou seu projeto de vida em razão de uma música. Ao zapear a TV, descobriu o clipe de “Someone like U”, do quarteto feminino sul-coreano Dai Shabet. “Fiquei completamente encantado”, afirmou o jovem de 20 anos ao contar como surgiu sua paixão pelo K-pop, o gênero musical do país asiático que conquistou milhões de fãs pelo mundo. “A partir daí comecei a pesquisar mais sobre os grupos, as músicas e, com o passar do tempo, comecei a querer entender a cultura, o país e a história”, disse.

Em seu quarto, cercado de pôsteres de seus artistas favoritos, disse que começou a estudar coreano no ano passado e que seu objetivo agora é viver em Seul. “Hoje, cada decisão acadêmica e profissional que eu tomo é feita pensando na Coreia do Sul. Quero conquistar a oportunidade de estudar em uma universidade sul-coreana para compreender melhor o país, que vem se expandindo tanto ao longo dos anos.”

Leiria é um K-popper – ou capopeiro, na corruptela tupiniquim -, como são conhecidos os apaixonados pelo pop sul-coreano, fascínio que costuma incluir a moda, a dança, as novelas e os filmes do país asiático. Se o jovem capixaba ainda se esforça para realizar seus novos sonhos, muitos brasileiros amantes do K- pop já frequentam as universidades coreanas. Raíssa Otaviano, estudante de Direito Nuclear na Seoul National University, conta que o fascínio pela cultura local pesou na escolha de seu mestrado. “Apesar de meu campo de estudo ser um pouco específico, eu tinha opções e oportunidades reais em instituições na França e na Noruega antes de vir para cá”, afirmou. “No final, um misto entre a generosidade das bolsas e minha vontade de ver o BTS (nome de uma famosa banda sul-coreana) de perto falou mais alto”, afirmou a carioca de 30 anos.

Aos que não o conhecem, o K-pop (abreviação de korean pop) é uma mistura de gêneros ocidentais – como o hip hop, o rock e o pop – com música eletrônica. O ritmo, sempre dançante, é marcado nos clipes e nos shows por coreografias divertidas, feitas para serem copiadas pelos fãs. As roupas coloridas e os cabelos atrevidos dos integrantes das bandas ajudam a fazer do gênero uma espécie de suprassumo do pop contemporâneo. E o uso de frases em inglês, a maioria das vezes no refrão, contribui para seu sucesso internacional.

O K-pop (também conhecido como “Hallyu,” “onda coreana” em português) não exerce atração apenas sobre os brasileiros. Um levantamento do Ministério da Educação da Coreia do Sul revela que a cultura popular coreana é o terceiro motivo a atrair alunos estrangeiros ao país. O número cresce ano a ano e atingiu 124 mil universitários em meados de 2017. Mais da metade – 68;184 são estudantes do país vizinho, a China. O número de brasileiros já atinge cerca de 200, de acordo com a Embaixada do Brasil.

Segundo o levantamento do governo da Coreia do Sul, o principal fator a atrair estrangeiros são as generosas bolsas de estudo – seguido pela segurança das cidades sul­ coreanas. Matheus Bertol, estudante catarinense de 23 anos, fã de bandas como Girl’s Generation e Wanna One, está há quatro anos no país como estudante de letras na Korea University, com bolsa de estudo do programa mais cobiçado pelos estrangeiros. O Korean Government Scholarship Program (KGSP) oferece vagas anuais em todos os níveis de ensino superior, com cotas exclusivas para brasileiros. Elas incluem despesas de traslado, acomodação, alimentação e mensalidades, além de aulas de coreano.

As condições da bolsa facilitaram sua mudança para o país. “Quando falei que queria vir para cá, minha mãe não queria deixar de jeito nenhum, dizendo que tinha medo de cair uma bomba (da Coreia) do Norte e que aqui as pessoas comiam cachorro. Meu pai, felizmente, foi mais compreensivo e me ajudou a juntar toda a documentação necessária para embarcar nessa jornada”, contou durante uma visita, junto com outros k-poppers, à SM Town, uma das mecas do K-pop, situada no bairro de Gangnam, em Seul, que alcançou fama global pelo hit de 2012 do cantor PSY  – o clipe de “Gangnam Style”  foi o primeiro vídeo a ultrapassar a marca de um bilhão de visualizações no YouTube.

A qualidade do ensino, um dos motivos da prosperidade da Coreia do Sul nas últimas décadas, é outro fator que atrai os brasileiros. “As estruturas das faculdades são incríveis, e o nível das aulas também, apesar de achar que, no caso de meu curso, as disciplinas teóricas são melhores que as práticas”, afirmou Thaís Lima, de 28 anos, vlogger da página “Na terra do Kimchi” e estudante de design de moda na Ewha Womans University.

Não é fundamental falar coreano para estudar nas universidades locais, mas tudo fica mais fácil para quem aprende a língua. “Quando cheguei aqui, estudei coreano por um ano antes de começar meu curso, como parte do treinamento oferecido pelo KGSP e, apesar de quase todas as faculdades oferecerem disciplinas em inglês, escolhi fazer matérias em coreano por achar que um pouco da qualidade do curso se perdia na tradução”, afirmou Lima.

A língua ajuda ainda a ganhar a simpatia da população local. “Apesar de ser totalmente possível viver em Seul ou outras grandes metrópoles coreanas apenas falando o inglês, estudar coreano é fundamental para quem quer de fato aproveitar sua experiência aqui. É difícil ganhar a confiança dos coreanos, mas aprender a língua é o primeiro passo”, disse Matheus Bertol. Mesmo apaixonados pelo K-pop, muitos brasileiros experimentam dificuldades por conta das diferenças culturais. A carioca e capopeira de 30 anos Fernanda Menicucci desembarcou na Coreia em 2012 para aprender a língua e hoje, depois de ter concluído uma pós-graduação em relações internacionais, trabalha para a empresa de jogos virtuais IGS. “Há vantagens e desvantagens em relação ao Brasil. Os coreanos são bastante organizados e práticos, mas também muito literais, apressados e extremamente competitivos, fato que às vezes é uma dor de cabeça para quem quer construir sua vida aqui”, afirmou a carioca, que admitiu já ter comprado mais de 120 cópias do mesmo álbum de sua banda de K-pop favorita para poder participar de uma sessão especial de autógrafos.

A competitividade no país asiático provoca muitas vezes reações hostis de estudantes sul-coreanos em relação aos estrangeiros. “Apesar de nunca ter sido pessoalmente afetado, não são poucas as histórias de pessoas que são testemunhas da hostilidade de coreanos na hora de disputar uma vaga de emprego ou de tirar a maior nota na turma”, afirmou Gustavo Kawashita, de 21 anos, youtuber e estudante de cinema na Hanyang University. Segundo ele, isso acontece, entre outros motivos, por ser “comum as empresas pedirem o histórico escolar em processos seletivos na hora de escolher seus novos funcionários”.

Kawashita, descendente de japoneses, conta que seus pais ficaram surpresos quando optou por realizar seus estudos na Coreia do Sul e não na terra de seus ancestrais. “Eles tinham expressado o desejo de que eu fosse ao Japão, mas sabiam que eu era fascinado por filmes, séries e novelas coreanos. Quando fui aprovado para o processo seletivo da bolsa, não teve outro jeito. Vim e estou muito satisfeito aqui”, contou depois de arriscar alguns passos de uma de suas coreografias favoritas do grupo Twice nas escadarias de sua faculdade.

As conversações de paz entre as Coreias do Norte e do Sul, somadas à reunião prevista entre Donald Trump e Kim Jong-un, reduzem as chances de um conflito na península coreana e melhoram ainda mais as perspectivas para os estudantes brasileiros. “Antigamente minha mãe me ligava preocupada, com medo de uma guerra estourar, de ter um ataque do Kim Jong-Un, querendo saber se eu sabia onde havia abrigo antibomba”, lembrou Fernanda Menicucci. “Hoje sou eu que ligo toda semana para minha família no Rio de Janeiro para ter certeza de que ninguém foi pego por uma bala perdida.”

GESTÃO E CARREIRA

NA BOCA DO POVO

Identificar novas oportunidades, entender o comportamento de compra do consumidor e converter engajamento em vendas são missões necessárias para a sobrevivência e o sucesso de qualquer empresa – e é aqui que entra o marketing do futuro. Conheça as estratégias mais populares realizadas pela área para aumentar a rentabilidade de seu negócio.

Na boca do povo

Para que um negócio dê certo em meio a um cenário de tantas incertezas, ter uma boa ideia não é mais suficiente.

Inovar uma vez e nunca mais também não basta. A verdade é que toda empresa precisa sempre de alguém que assuma um dos papéis mais complexos da organização: o inquieto, o analítico, o observador. Esse é o papel do profissional de marketing em sua essência. Como um campo do conhecimento, o marketing aborda o estudo do público de interesse das empresas e orienta as decisões das organizações para trabalhar exatamente esse público. Mas, mais do que fazer uma coleta de dados ou criar um produto, essa área trabalha fundamentalmente com planejamento, pesquisa e, por que não dizer, até com psicologia. Essa é a parcela de uma empresa que questiona o tempo todo, que aponta erros e acertos identificados por clientes, que busca novas oportunidades de atuações para o negócio – em resumo, é impossível pensar em uma empresa hoje, seja de qual porte for, que não tenha alguém ou uma equipe dedicada a essa função.

Se há pouco mais de 20 anos o marketing tinha como foco principal o aumento das vendas, atualmente sua atuação também visa entender e satisfazer as necessidades do consumidor. Com isso, o marketing tem assumido a missão de promover, muitas vezes ao lado da comunicação, um verdadeiro mergulho dos clientes nas marcas. Com as ferramentas e estratégias disponíveis, em especial as que surgiram por meio da tecnologia, esses profissionais conseguem segmentar clientes, mercados e, de quebra, conquistar novos consumidores dia após dia. Enquanto no passado, em tempos difíceis, empresários iniciavam os cortes de custos nas áreas de Comunicação e Marketing, hoje essa história tem sido escrita de forma diferente.

Para comprovar a ascensão do marketing e de suas ferramentas para o sucesso e a sobrevivência das empresas, a Sales force, uma das líderes mundiais em plataformas de gerenciamento de relacionamento de clientes (CRM), divulgou no último mês de maio um estudo com mais de quatro mil profissionais da área, com o objetivo de entender como é possível conquistar a satisfação e o engajamento dos clientes na contemporaneidade. Segundo a pesquisa, 65% dos profissionais de alto desempenho da área adotaram algum tipo de estratégia de jornada do cliente, e 88% acreditam que esta é fundamental para o sucesso de sua estratégia geral de marketing. Em paralelo, 63% das equipes de marketing de alto desempenho estão implementando transformações digitais em suas organizações.

Dentre os resultados sobre o Brasil, a Sales force apontou que 87% dos entrevistados têm participado de iniciativas de melhoria da experiência do consumidor e 47% colocaram a satisfação dos clientes como principal mensuração do sucesso em marketing. Esses dados são apenas um pequeno exemplo de como as companhias entendem e veem o marketing como determinante para o caminho da lucratividade e, consequentemente, do reconhecimento de sua marca em um mercado tão globalizado. Para ajudar a tornar o marketing uma parte importante do funcionamento da sua empresa, veja a seguir como fazer um planejamento assertivo para seu negócio, conheça as mais populares estratégias existentes e saiba como implementá-las a partir de agora.

0S 4Ps

Estudar o consumidor e seu comportamento é essencial e determinante para que qualquer negócio tenha sucesso no mercado. É também uma das mais importantes etapas da estruturação de um plano de negócio. Compreender a forma com que o público toma suas decisões de compra faz toda a diferença para a atuação do empreendimento. Muitas vezes, para isso, o empresário precisa usar de sua sensibilidade e buscar uma visão quase isenta, de fora, que o permita olhar para a própria empresa como um cliente. Só assim ele poderá encarar com sinceridade qual é a percepção do consumidor sobre seu produto ou serviço e quais são as maneiras mais efetivas de atingi-lo e conquistá-lo.

Para ter uma visão mais objetiva das possibilidades de atuação da empresa, aumentar as vendas e conseguir construir uma marca de sucesso, é fundamental ter bastante claros os chamados 4 Ps do marketing, também conhecidos como marketing mix. Cada um dos ”Ps” citados corresponde a definições que ajudam no atingimento de um determinado público-alvo. Assim como na cozinha, onde esquecer um ingrediente pode acabar com a harmonia de um prato, no marketing também é preciso ter esses quatro itens definidos, isto é, Produto, Praça, Preço e Promoção.

Conforme explica o especialista em marketing digital e cofundador da agência digital de performance Pixel 4, Marcelo Montone, “Produto diz respeito ao que o empresário vende, quais são seus diferenciais e por que as pessoas comprariam seu produto ou serviço. Já Preço avalia se há competitividade, uma vez que o preço é um fator absolutamente determinante na escolha dos consumidores, especialmente em épocas de crise. Você estudou seus concorrentes, consegue ganhar deles no preço? Praça aborda onde ele quer distribuir seu produto, pois isso influencia na verba e nos resultados esperados. Por fim, em Promoção, o empresário define o que ele pode oferecer como benefício extra para quem os escolhe. Pode pensar em sampling, campanhas virais, promoções com prêmios sorteados pela Caixa, etc.”.

O estudo dos 4 Ps é o primeiro passo para a estruturação do Plano de Marketing de qualquer empresa. Dentre as variáveis que devem ser previstas nesse plano estão, por exemplo, o resultado esperado para que sejam estabelecidas as metas de vendas, a verba disponível para alavancar a marca sem prejudicar o balanço e o resultado positivo da empresa e o pipeline de lançamentos e ações da empresa.

Para o coordenador dos cursos de Administração e Relações Internacionais da ESPM Rio, Marcelo Guedes, o plano de marketing deve ser criado e acompanhado pelos gestores da empresa. ”Além       do conhecimento dos hábitos de uso e atitudes do consumidor, deve-se conhecer, em detalhes, o ambiente competitivo no qual o negócio está inserido, como concorrentes, substitutos e fornecedores. O conhecimento de tendências de mercado e casos de sucesso também é muito bem-vindo. Finalmente, não deve ser deixado de lado as tendências relacionadas com os ambientes econômico, sociocultural, político-legal, demográfico e natural”, esclarece Guedes.

Usualmente, vemos marcas de grande porte realizar estudos massivos e de maior complexidade a respeito do mercado onde a empresa está inserida ou sobre seus públicos de interesse. Já para os pequenos e médios empresários, de acordo com o professor de Planejamento de Comunicação, Marketing Estratégico e Comunicação Digital do Centro Universitário Senac, Enrico Rosa Trevisan, três questões básicas devem ser levadas em consideração: “uma avaliação sincera sobre os benefícios e características (positivas e negativas) de seu produto ou serviço, uma boa definição e compreensão do processo decisório de seu público-alvo e, por fim e não menos importante, uma análise de qual posição sua empresa ocupa no cenário competitivo. Olhar para a concorrência é tão importante quanto ser autocrítico”.

CENÁRIO EM EBULIÇÃO

Ainda que tenhamos como exemplo as ações realizadas por grandes empresas no marketing, o cenário tem se modificado nos últimos anos para as pequenas e médias empresas. A tecnologia possibilitou que um novo mundo fosse aberto, acessível a todos os tipos de negócios.

Para Enrico Trevisan, o ambiente digital favorece – e muito – para que as PMEs estabeleçam suas políticas de comunicação. “Isso porque ele apresenta algumas ferramentas de comunicação que, quando comparadas com formatos de anúncios no ambiente off-line, são consideravelmente mais baratas. O critério de eficiência/eficácia é sempre relativo. O planejamento de comunicação digital não é diferente das ferramentas tradicionais. Deve-se planejar com antecedência os critérios de sucesso e avaliação da campanha para que o empresário tenha consciência tanto das possibilidades quanto das limitações de ferramentas digitais”, afuma o professor do Senac-SP.

No ambiente on-line é possível investir baixo e colher bons resultados tanto a respeito do diagnóstico de novos mercados e públicos quanto sobre impacto de campanhas de comunicação. Para a especialista em Internet Marketing e autora do livro “Facebook Marketing – Tudo o que você precisa saber para gerar negócios na maior rede social do mundo”, Camila Porto, é altamente recomendado que as PMEs busquem e apostem em estratégias de marketing baratas, geralmente encontradas por meio da tecnologia.

As mídias sociais e as opções de publicidade on-line, como Adwords, permitem que empresas com qualquer verba de marketing possam utilizar seus recursos. “O importante é investir o que for possível, pois a cada dia o mercado está ficando mais competitivo e difícil de gerar resultados sem investir em publicidade. O grande diferencial de mídias como o Facebook, por exemplo, é poder oferecer uma audiência global, mas com opções de segmentar os anúncios apenas para quem realmente tenha interesse em determinado produto ou serviço. Dessa forma, hoje, independentemente da verba que um negócio tenha, a partir de dez reais por dia, ele consegue promover sua solução para qualquer tipo de público”, projeta Camila.

Embora as perspectivas sejam otimistas, tornar estratégias baratas em rentabilidade para o negócio pode parecer fácil, mas exige esforço e entendimento de matérias que talvez não sejam especialidade do empresário, conforme pondera o especialista em marketing digital, Marcelo Montone. Segundo ele, o primeiro passo é reunir conhecimentos em marketing e nas possibilidades de se promover por meio dele e da internet. Depois, as PMEs devem encontrar quais ações trarão mais sucesso ao seu negócio.

Mas como descobrir qual se encaixa melhor no perfil da empresa e na verba disponível? “O melhor caminho é sempre iniciar por onde se tem uma mensuração de resultados mais apurada com custos de execução e promoção mais baratos, e isso acontece na internet. Trabalhar um site que seja acessível tanto em desktops quanto em tablets e smartphones, gerenciar o relacionamento com seus clientes por meio de conteúdos relevantes nas redes sociais e promover seus produtos e serviços através de mídia de performance no Google e Facebook atingindo em cheio seu público-alvo, além de campanhas de e-mail marketing”, aconselha Montone.

O marketing digital tem despontado como o grande local para que as PMEs possam expandir seus negócios, uma vez que a internet no Brasil possui mais de 110 milhões de usuários. Além disso, o custo de execução e de implementação, como citado brevemente por Camila Porto, é bem menor do que no off-line. O ambiente on-line também possui três características importantes que o diferencia dos tradicionais meios de comunicação de massa: a possibilidade de segmentação, que permite uma atuação mais assertiva; a alta interação, inexistente no passado e que se tornou quase uma regra de vida ou morte para as marcas hoje, uma característica intrínseca da internet, e finalmente a mensuração, pois a internet possibilita a total mensuração dos esforços promocionais. Vários fatores podem comprovar a popularidade do marketing digital. O primeiro é audiência. A cada dia, mais e mais pessoas usam a internet o dia inteiro para tudo. Isso abre um canal importante, pois é preciso estar onde o cliente está e ele está na internet. O segundo são as possibilidades de comunicação com essas pessoas, seja via conteúdo, informações, seja com anúncios, hoje há formas de impactar esse público, envolvê-lo e fazer a venda, tudo on-line ou trazer as pessoas do on-line para negócios físicos. “Por fim, a possibilidade de mensuração de resultados e avaliação do desempenho de uma ação praticamente em tempo real são pontos importantes para as empresas, ainda mais em tempos de economia. Se algo não está funcionando, basta mudar o rumo, rever a estratégia ou simplesmente parar uma campanha”, explana Camila Porto.

AUXILIANDO PMEs

Na última década, uma série de empresas passaram a surgir com o objetivo de auxiliar os pequenos negócios nessa batalha digital diária. Fundada em 2012, a Agência Small é especializada em marketing para pequenas empresas, oferecendo criação e design, projetos web, mídias e redes sociais, estratégias de marketing e marketing de conteúdo. Com 70 clientes ativos, atende no Brasil, na Argentina e em Miami.

Segundo o CEO da empresa, Arthur Cezar Domingues, há planos para empresas micros, pequenas e médias. No caso das microempresas, em um primeiro momento, elas buscam estar na internet, investindo em trabalhos pontuais, como criação de identidade digital, websites e material e apoio a vendas. Entre as pequenas, a agência prepara um planejamento de marketing e mídia. Para as médias, há serviços mais avançados e consultores de marketing disponíveis.

O marketing é essencial para toda e qualquer empresa entender e continuar entendendo onde está inserida (o que faço, para quem faço, como faço, quando faço, quanto cobro e como eu mostro tudo isso). Sem isso, não há possibilidade alguma de um negócio se sustentar por muito tempo. ”No caso das redes sociais, por exemplo, temos muitas possibilidades de expor o negócio para seu público, utilizando estratégias sem custos, como fazer postagens de dicas, sugestões, ofertas, promoções, datas especiais, além de interagir, associar-se a aplicativos free, trocar mensagens, seguir para ser seguido, ou utilizando anúncios patrocinados para potencializar, principalmente no início”, afirma Domingues.

Outro exemplo de sucesso é a GGV Consultoria Empresarial, que promove soluções rentáveis de marketing para auxiliar empreendedores a potencializarem micros, pequenos e médios negócios. Os diferenciais da GGV estão na metodologia de trabalho, na qual são adotados como premissas para a prestação de qualquer serviço a realização de pesquisas de mercado e o foco em viabilizar os projetos com custo­ benefício para o cliente.

O cofundador e diretor executivo da GGV, Geraldo Hisao, explica que as pesquisas da empresa apontam que os empresários chegam à agência com três principais dificuldades, sendo elas o próprio gestor, pois não sabem cobrar resultados ou não trabalham com metas, a gestão financeira e a falta de informações do mercado para realizar uma gestão estratégica do negócio.

Essa combinação de fatores leva a investimentos sem objetividade e clareza, promovendo o insucesso desses empreendimentos. “Muitos gastam em publicidade e investem pouco em marketing, além de poucos empresários saberem a real diferença entre um e outro. Existem muitas ações de marketing baratas e que dão um resultado muito satisfatório, como fechar parceria com empresas na região para impulsionar as vendas em dias de pouco movimento; realizar uma pesquisa de satisfação para gerar relacionamento com o cliente e gerar indicadores; cadastro completo dos clientes para envio de SMS, e-mail marketing e até mesmo WhatsApp; investir em Facebook Ads, que tem um alcance muito bom com pouco investimento; criação de combos para facilitar a escolha do cliente e aumentar o ticket médio e promoções em dias de menor movimento estimulando vendas de produtos específicos”, exemplifica o diretor da GGV.

 MICROMARKETING

Essa expressão passou a ter destaque recentemente, mas trata de um tema bastante corriqueiro na área, a segmentação. Por meio do micromarketing, o profissional delimita seu foco de atenção ao criar um produto ou desenvolver uma campanha. Dessa maneira, ele consegue ser mais assertivo e encontrar até um diferencial competitivo para o que está oferecendo. “A ideia é que se coloque o consumidor sob o microscópio, ou seja, que se faça uma avaliação bem detalhada sobre um determinado público. A segmentação de marketing é uma faceta do estudo mercadológico que pressupõe a delimitação de um grupo de consumidores para serem atendidos pelas empresas e que serão alvo de seus esforços de comunicação, sendo ela digital ou off-line”, detalha Trevisan.

A segmentação para o marketing ocorre da mesma maneira que a segmentação, por exemplo, as revistas impressas, em que publicações são cada vez mais específicas e aprofundadas, de forma a buscar diferenciação do conteúdo vasto da internet. Aqui, uma campanha feita a partir de um público específico, com suas escolhas e gostos bem definidos, seus comportamentos analisados, o sucesso do produto será muito maior. “Pessoas que moram perto tendem a ter comportamentos parecidos, e é esse tipo de segmentação que as empresas fazem em ações específicas de geolocalização, por exemplo”, lembra Marcelo Montone.

INBOUND MARKETING

A mais popular das estratégias de marketing atuais, o inbound marketing pressupõe que a geração atual necessita de informações, de conteúdos relevantes, e não somente de argumentação de vendas. Em resumo, é o chamado marketing de conteúdo, aquele que atrai o cliente para a empresa sem vender produtos, agregando valor ao conhecimento. A tática vai ao encontro do uso das mídias sociais, em que conteúdos interessantes são compartilhados a todo o tempo. Para Arthur Domingues, ele ainda engatinha no Brasil, mas é uma evolução natural do marketing digital. “A prática traz técnicas que, se bem elaboradoras e aplicadas, podem fazer uma empresa aumentar suas conversões e vendas sem necessariamente aumentar o investimento. Uma dica interessante para as PMEs é investir em vídeos inbound marketing. Se uma imagem equivale a mil palavras, um minuto de vídeo equivale a 1,8 milhão de palavras”, aconselha.

O inbound só funciona, no entanto, se houver uma combinação inteligente entre SEO, conteúdo engajador e campanhas em mídias sociais. Como prova do sucesso da prática, Geraldo Hisao afirma: “o inbound é a forma de oferecer conteúdo para os clientes, capturando leads e nutrindo esses leads para o momento de compra. Até o Facebook mudou recentemente suas métricas para que os conteúdos da timeline fossem mais relevantes e agradáveis para os usuários. Isso volta a gerar conteúdos relevantes para os clientes na hora em que ele quer absorvê-los”.

Entretanto, o professor e coordena ­ dor da ESPM Rio e sócio-diretor da Branded, Vítor Lima, alerta para cuidados necessários com esse tipo de estratégia, principalmente da estruturação de processos, geração de conteúdo e trabalho comercial. “Trabalhar a geração e tratamento de leads, por exemplo, pode ser um problema caso toda a organização não esteja orientada para essa prática. Como dica, no caso de se optar pelo inbound, acho importante que sempre seja considerada uma boa segmentação e produção de conteúdo relevante, tendo uma atenção especial ao que se coloca na landing page e formulário de captura de dados”, pondera.

 E-MAIL MARKETING

Estratégia mais antiga, o e-mail marketing passou por muita rejeição no início dos anos 2000, quando eles se tornaram sinônimo de SPAM, mas voltou a ganhar força depois que as empresas souberam como usá-lo. Com uma campanha bem estruturada, texto bem feito e target segmentado, o e-mail marketing promove uma grande conversão. A diferença é que agora os empresários entendem que o e-mail marketing só funciona quando os clientes pedem para receber o conteúdo.

Enviar para quem não solicitou, então, seria um tiro no pé, como reforça a especialista em internet marketing, Camila Porto. “Se for uma lista em que as pessoas pediram para receber conteúdo, certamente, é uma boa estratégia porque elas querem receber essas informações. Se for uma lista comprada ou que o cliente não pediu autorização para mandar, é melhor parar para evitar ser chamado de chato”, alerta.

Hoje ela diz que as pessoas não querem mais simplesmente receber propaganda em suas caixas de e-mail, elas querem valor, informação, algo que agregue em seu dia. “Vejo cada vez mais a importância do e-mail, desde que seja feito com relacionamento, não uma propaganda em massa sem nenhum critério”, reitera.

Atualmente, o e-mail marketing se tornou muito forte entre os que trabalham com e-commerce. Segundo Enrico Trevisan, do Senac­ -SP, para usá-lo bem, deve-se valer do pressuposto que a base de clientes cadastrados está bem atualizada e composta de informações não só cadastrais, mas também com informações de comportamento de compras, como frequência de compras e valores.

REDES SOCIAIS

Acima de tudo, estar nas redes sociais reforça a máxima de que empresas não dialogam com empresas, pessoas dialogam com pessoas. As redes sociais, portanto, devem ser compreendidas como uma força de engajamento e de relacionamento de empresas com clientes que, consequentemente, podem dar resultados no aumento das vendas. Mas o primeiro de tudo e que é determinante é entender a vocação de cada rede social para que a empresa “seja social”.

O Facebook, por exemplo, une informação e relacionamento aprofundado, possibilitando conteúdos e anúncios. O Instagram, por sua vez, é utilizado para quem quer transmitir um “estilo de vida”. “O mais importante é gerar valor para as pessoas. Produzir conteúdo de qualidade é algo que vem sendo falado há pelo menos uns dez anos, mas muitas empresas ainda veem as mídias sociais como um grande panfleto para fazer propaganda. As pessoas entram nas mídias sociais para se relacionar com amigos, consumir informações, entretenimento, mas também compram”, afirma Camila Porto.

Porém, quanto mais as empresas se relacionarem com seus clientes, gerarem valor para eles compartilhando informação de qualidade, mais conseguirão “extrair” valor no momento da venda. Utilizar vídeos é fundamental hoje, pois é o formato de conteúdo que as pessoas mais consomem e que permite maior proximidade com o público.

O professor da ESPM Rio lembra que, antes de tudo, é preciso entender que esses canais são para trabalhar relacionamentos, e não vendas diretas. “Minha recomendação é sempre buscar capacitação e consultoria especializada. A construção de marca leva anos, e a desconstrução, segundos, pois basta uma publicação fora de contexto para que seja iniciada uma crise e, consequentemente, prejudicar a imagem da marca em questão. Tendo claro o objetivo definido, muitas são as possibilidades de projeto, como geração de conteúdo e anúncios no Facebook ou Instagram”, avalia Vítor Lima.

 LINKS PATROCINADOS +ADWORDS

O uso de links patrocinados já é uma prática comum na internet. Eles são os anúncios de texto promovidos pelo Google tanto dentro do site como em outros da rede de relacionamento da plataforma. “Os links patrocinados funcionam através de segmentações demográficas e atitudinais, oferecendo aos consumidores ofertas através da busca por palavras-chave, portanto, um bom planejamento de conteúdo e de palavras-chave é essencial para um bom resultado, além da otimização da verba constantemente”, explica Marcelo Montone.

Já o Adwords é a ferramenta de publicidade do Google que incorpora os links patrocinados, a rede de display e o remarketing. Para Vítor Lima, como o Google possui em sua base aproximadamente 95% de todos os sites brasileiros, investir nessa ferramenta pode apresentar bom resultado. “Dificilmente um consumidor não consulta os resultados da ferramenta durante um processo de compra, o que pode ser explorado de maneira extremamente estratégica. Se mapeada corretamente a jornada desse consumidor, é possível fazer um anúncio de Adwords específico para cada fase/ etapa do processo”, indica.

Como exemplo, o professor da ESPM Rio diz que uma empresa que vende shampoo pode ter um anúncio para pessoas que estejam na fase de avaliação de alternativas de produtos que possuem determinado componente e outro para quem ainda está buscando uma solução para queda, que não necessariamente seja um shampoo.

Camila Porto ressalta que a primeira dica em relação ao Adwords é trabalhar com palavras de cauda longa, ou seja, que têm volume de busca interessante em relação ao custo por clique. “Evitar entrar no mercado de palavras genéricas é uma das coisas mais inteligentes que uma pequena empresa pode fazer, pois pode ter um custo­ benefício melhor. Aproveitar também a rede de display é um caminho interessante, pois pode atingir públicos mais segmentados e qualificados pagando menos”, diz.

SEO

Sigla para Search Engine Optimization, a prática de SEO é extremamente importante para qualquer conteúdo na internet. O professor do Senac-SP, Enrico Trevisan, explica que ela permite que certos códigos presentes no site da empresa possam ajudar para que o conteúdo seja encontrado com mais facilidade pelos motores de busca, de forma orgânica. É um serviço que deve ser feito com o acompanhamento de um profissional da área por ser relativamente específico, mas tão importante quanto a política de Links Patrocinados, afinal estamos falando da possibilidade de a empresa ser encontrada pelo consumidor no ambiente digital.

Com o SEO, a indexação permite que o site da empresa apareça nas buscas mesmo quando o usuário não procure pelas principais palavras da marca, como nome da empresa, produto, etc. “Eu indico SEO para qualquer empresa que tenha um site, pois é muito mais barato que a estratégia de AdWords e o site consegue ter um posicionamento orgânico, onde a maioria das pessoas acabam clicando. Claro que é uma estratégia que demora alguns meses para começar a dar resultado”, indica Geraldo Hisao.

 ENVIOS DE SMS

O uso do SMS como ação de marketing é algo controverso nos tempos atuais, contrapõem os especialistas entrevistados. É unânime que o envio de SMS para clientes deve ser de forma extremamente inteligente, com foco na potencialização do consumo ou do engajamento desses clientes para com a marca. Nesse caso, a segmentação vale mais uma vez como regra maior – somente envie SMS para aqueles clientes que assim o desejaram e com mensagens objetivas.

Para Marcelo Montone, SMS deve ser enviado “somente para os clientes que realmente querem receber publicidade em forma de mensagem, mas particularmente acho muito invasivo e complicado para a marca trabalhar”. Enrico Trevisan, por sua vez, também reforça que esse tipo de comunicação pode ser considerado invasivo e cansativo pelos consumidores. “Porém, essas ‘falhas’ podem ser minimizadas com bases mais qualificadas de clientes e com mensagens mais coerentes com as necessidades do público”, reforça.

 MARKETING DE GUERRILHA

É importante ressaltar que nessa tática não há lugar para o convencional ou para o tradicionalismo. No marketing de guerrilha, o principal é pensar fora da caixa, de forma a causar grande impacto em seus consumidores, a partir de poucos recursos. Geralmente, essas ações velozes e criativas ajudam as marcas a alcançar altos ROIs (Retorno sobre o Investimento). Essa estratégia pode ser compreendida como um conjunto de técnicas inusitadas ou não convencionais que têm o objetivo de fazer uma marca menor ganhar notoriedade em um contexto desfavorável ou dominado por outra mais favorecida. “Resumindo, trata-se de uma ação de comunicação usando formas diferenciadas de tornar a estratégia inesquecível pelo público-alvo. Envelopamentos de ônibus e ações inusitadas em mobiliário urbano têm sido amplamente usadas no Brasil”, prevê o coordenador da ESPM Rio, Marcelo Guedes. Já Eurico Trevisan vê na prática uma forma de “pegar uma onda” de oportunidade deixada pela concorrência e, assim, ganhar espaço em um momento inesperado. “Podemos citar exemplos que ganharam certa notoriedade, como o Burger King ter convidado o McDonald’s para juntar esforços no Dia Mundial da Paz (2015) e criarem, em conjunto, o McWhopper. Esse investimento do Burger King foi claramente intencional para “jogar” com a opinião pública, fazendo com que o McDonald’s fosse visto como uma empresa não interessada em “promover a paz”, quando, na verdade, a divulgação da iniciativa do Burger King aconteceu em menos de 20 dias antes da data comemorativa, o que impossibilitaria a verdadeira junção das empresas nessa empreitada”, exemplifica o professor do Senac-SP.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 19: 16-22

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A Consulta e a Decepção do Jovem Rico

Eis aqui um relato do que ocorreu entre Cristo e um esperançoso jovem nobre que se dirigiu a Ele com uma séria pergunta. Mateus diz ser um jovem (v. 20); e eu o intitulei um nobre, não apenas porque ele tivesse grandes posses, mas porque era um príncipe (Lucas 18.18), um magistrado, um juiz de paz em seu país; é provável que tivesse habilidades acima da sua idade, de outro modo sua juventude o teria privado da magistratura.

Então, no que diz respeito a esse jovem nobre, nos é dito o quanto ele tentou alcançar o céu e falhou.

I – O quanto realmente ele tentou alcançar o céu, e o quão gentil e carinhosamente Cristo o tratou, em prol de um bom início. Aqui está:

1. A maneira educada como o nobre se dirige a Jesus Cristo (v. 16): “Bom Mestre, que bem-farei, para conseguir a vida eterna?” Nenhuma pergunta melhor poderia ser feita, nem mais seriamente.

(1).  Ele confere a Cristo um título honroso, “Bom Mestre”. Isso não anuncia uma condição de regente, mas um mestre que ensina. Chamá-lo de “Mestre” indica a submissão do jovem, e também a sua vontade de ser ensinado; e “bom Mestre”, a sua afeição e um peculiar respeito para com o Mestre, como no caso de Nicodemos: “És mestre, vindo de Deus”. Não sabemos de ninguém que tenha se dirigido a Cristo mais respeitosamente do que aquele mestre em Israel e este príncipe. É bom quando a qualidade e a dignidade dos homens aumentam a sua civilidade e cortesia. Era uma atitude nobre dedicar esse título de respeito a Cristo, apesar da simplicidade de sua aparência. Não era habitual, entre os judeus, abordar seus mestres com o título de “bom”; portanto, isso evidência o respeito incomum que ele nutria por Cristo. Note que Jesus Cristo é um bom Mestre, o melhor dos mestres; ninguém ensina como Ele; Ele é conhecido por sua bondade, pois Ele pode “compadecer-se ternamente dos ignorantes”; Ele é “manso e humilde de coração”.

(2).  Esse nobre se aproxima de Jesus com uma missão importante (nenhuma missão poderia ser mais importante do que esta), e ele veio não para provocá-lo, mas desejando sinceramente ser ensinado por Ele. Sua pergunta é: “Que bem-farei, para conseguir a vida eterna?” Isso causa a impressão:

(1).  De que ele tinha uma forte crença na vida eterna; ele não era saduceu. Ele estava convencido de que no outro mundo existe uma felicidade pronta para aqueles que estão preparados para ela neste mundo.

[2].  De que ele estava interessado em se assegurar de que viveria eternamente, e estava desejoso dessa vida mais do que de qualquer prazer desta vida. Era raro, para alguém da idade e da qualidade desse jovem, parecer tão preocupado com o outro mundo. Os ricos tendem a considerar que está abaixo deles fazer uma pergunta como essa; e os jovens ainda mais – mas aqui estava um jovem, e um homem rico, apreensivo sobre a sua alma e a eternidade.

[3].  De que ele era cônscio de que algo deve ser feito, alguma coisa boa, para a obtenção dessa felicidade. É através de uma paciente perseverança em fazer o bem que procuramos alcançar a imortalidade (Romanos 2.7). Nós devemos prosseguir fazendo, cada vez mais, aquilo que for bom. O sangue de Cristo é o único preço pela vida eterna (Ele a conquistou para nós), mas a obediência a Cristo é o caminho que leva a ela (Hebreus 5.9).

[4].  De que ele era, ou pelo menos acreditava ser, desejoso de fazer o que tinha de ser feito para obter a vida eterna. Aqueles que sabem o que é ter vida eterna, e o que é não alcançá-la, ficarão felizes em aceitá-la sob quaisquer termos. O Reino dos céus sofre, sem problema algum, este tipo de violência santa. Note que embora existam muitos que dizem: “Quem nos mostrará o bem?”, nossa grande pergunta deve ser: “Que bem-farei, para conseguir a vida eterna?” O que devemos fazer para ser felizes para sempre, felizes em outro mundo? Porque este mundo não tem aquilo que nos fará felizes.

2. O encorajamento que Jesus Cristo deu a essa abordagem. Não é de seu feitio mandar embora, sem uma resposta, qualquer pessoa que vem a Ele com tal determinação, pois nada o agrada mais (v. 17). Em sua resposta:

(1).  Ele ternamente ajuda a fé do jovem; pois, sem dúvida, Ele não quis fazer uma reprovação, quando disse: “Por que me chamas bom?” Mas Ele pareceu encontrar essa fé no que o jovem disse quando o chamou de “bom Mestre”, algo de que o nobre talvez não estivesse consciente; ele pretendia somente reconhecê-lo e honrá-lo como a um bom homem, mas Cristo o levaria a reconhecê-lo e honrá-lo como a um bom Deus; porque “não há bom, senão um só que é Deus”. Note como Cristo está graciosamente pronto para fazer o melhor que puder daquilo que é dito ou feito de errado; assim, Ele está pronto para fazer o máximo do que é dito ou feito de bom. Suas interpretações são frequentemente melhores do que as nossas intenções. Isso fica patente na expressão: “Tive fome, e destes-me de comer”, embora não pensastes que fosse eu. Cristo fará esse homem entender que Ele é Deus, mas que não deve chamar de bom alguém que esteja na forma humana; Ele o fez para nos ensinar a transferir para Deus todo o louvor que nos for dado, a qualquer momento. Alguém nos chama de bom? Devemos dizer-lhe que toda bondade é de Deus, e, portanto, dar glória não a nós, mas a Ele. Todas as coroas devem ser lançadas diante do trono do Senhor. Só Deus é bom, e além dele não há ninguém essencialmente, originalmente, e invariavelmente bom. A bondade é dele e vem dele, e toda a bondade na criatura é dele; Ele é a fonte da bondade, e quaisquer que sejam as correntes, todas as fontes estão nele (Tiago 1.17). Ele é o grande padrão e o grande exemplo de bondade; por Ele, será medida toda bondade; aquilo que for como Ele, e que estiver de acordo com a sua vontade, pode ser considerado bom. Em nossa linguagem, o chamamos de “Deus”, porque Ele é bom. Nisso, como em outras coisas, o nosso Senhor Jesus é “o resplendor da sua glória” (e a sua bondade é a sua glória), e “a expressa imagem da sua pessoa”. Portanto, Ele é adequadamente chama­ do de “bom Mestre”.

(2).  Ele direciona claramente o seu discurso, em resposta à pergunta do nobre. Ele começou com a ideia de que Ele era bom, e, consequentemente, Deus, mas não ficou nisso, a fim de que não parecesse que estava se desviando, e assim abandonando a questão principal, como muitos fazem em discussões desnecessárias e disputas verbais. A resposta de Cristo é, em resumo, esta: “Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos”.

[1].  O objetivo proposto é “entrar na vida”. O jovem, em sua pergunta, falou de vida eterna. Cristo, em sua resposta, fala de vida; para nos ensinar que a vida eterna é a única vida verdadeira. As palavras relativas a ela são as palavras “desta vida” (Atos 5.20). A vida atual dificilmente merece o nome de vida, pois é em meio a esta vida que nós entramos na morte; ou, na realidade, entramos na verdadeira vida, naquela vida espiritual que é o começo e o penhor da vida eterna. O príncipe desejava saber como poderia ter a vida eterna; Cristo lhe diz como ele poderia entrar nela; nós a temos através da conquista de Cristo, um mistério que ainda não foi inteiramente revelado, e por isso Cristo o evita. Mas o modo de entrar nela é através da obediência, e Cristo nos instrui nisso. Pela obediência, conquistamos nosso título; através dela, assim como por nosso testemunho, nós a provamos. É acrescentando virtude à fé que nos é “concedida a entrada (a palavra usada aqui) no Reino eterno” (2 Pedro 1.5,11). Cristo, que é a nossa vida, é o caminho para o Pai. É através de Cristo que vemos a Deus Pai e damos frutos. Cristo é o único caminho, mas os deveres e a obediência da fé são os caminhos para Cristo. Na morte e no grande dia, existe uma entrada para a vida futura, uma entrada ampla, e apenas aqueles que cumprem o seu dever entrarão na vida; é o criado fiel e diligente que entrará então no gozo do seu Senhor, e esse gozo será a sua vida eterna. Há uma entrada para a vida agora; “nós, os que temos crido, entramos no repouso” (Hebreus 4.3). Nós temos paz, consolo e gozo na fé e na esperança da glória que há de ser revelada, e para isso a obediência sincera também é indispensavelmente necessária.

[2]. O caminho prescrito consiste em observar os mandamentos. Note que observar os mandamentos de Deus, conforme eles são revelados e tornados conhecidos para nós, é o único caminho para a vida e para a salvação. E a sinceridade aqui é recebida através de Cristo, como o nosso aperfeiçoamento no Evangelho, assegurando o perdão, através do arrependimento, naquilo em que falhamos. Através de Cristo, somos libertados do poder da condenação da lei, mas o poder da autoridade dela reside na mão do Mediador, e sob ela. Nessa mão, ainda estamos “debaixo da lei de Cristo” (1 Coríntios 9.21). Estamos sob esta mão como sob uma regra, embora não como um pacto. A obediência aos mandamentos inclui a fé em Jesus Cristo, pois este é o maior dos mandamentos (1 João 3.23) – e uma das leis de Moisés dizia que quando o grande Profeta se levantasse, os israelitas deveriam ouvi-lo. Observe que para nossa felicidade, agora e para sempre, não basta conhecermos os mandamentos de Deus; devemos observá-los, fazendo deles o nosso modo de agir, obedecê-los como nossa prática comum, guardá-los como nosso tesouro, cuidadosamente como as meninas dos nossos olhos.

[3]. Diante de seu pedido insistente por mais exemplos, o Senhor menciona alguns mandamentos específicos que o jovem deve guardar (vv. 18,19). O jovem perguntou a Jesus: “Quais?” Note que aqueles que querem seguir os mandamentos de Deus devem buscá-los diligentemente, e indagar a respeito deles, no que eles consistem. Esdras preparou o seu coração para buscar a lei e cumpri-la (Esdras 7.10). “Há muitos mandamentos na lei de Moisés; bom Mestre, diga-me quais são aqueles cuja observância é necessária para que eu alcance a salvação”.

Em resposta a isso, Cristo especifica vários, especialmente os mandamentos da segunda tábua. Em primeiro lugar, aquele que se refere à nossa própria vida e a do nosso próximo: “Não matarás”. Em segundo lugar, aquele que se refere à nossa decência e à do nosso próximo, que nos deve ser tão cara como a própria vida: “Não cometerás adultério”. Em terceiro lugar, aquele que se refere à nossa riqueza e bens exteriores, e aos do nosso próximo, conforme protegidos pela lei da propriedade: “Não furtarás”. Em quarto lugar, aquele que se refere à verdade e ao nosso bom nome, e ao do nosso próximo: “Não dirás falso testemunho”, nem contra ti mesmo, nem contra o teu próximo; assim, este mandamento é expresso de forma geral. Em quinto lugar, aquele que se refere aos deveres ligados aos relacionamentos particulares: “Honra teu pai e tua mãe”. Em sexto lugar, aquela abrangente lei do amor, que é a fonte e o resumo de todas essas obrigações, de onde todas elas derivam, sobre a qual todas se apoiam e na qual todas são cumpridas: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5.14; Romanos 13.9), a “lei real” (Tiago 2.8). Alguns pensam que isso surge aqui, não como o resumo da segunda tábua, mas como a importância particular do décimo mandamento: “Não cobiçarás”, que em Marcos é: “Não defraudarás”, implicando que não é lícito obter vantagem ou ganho através da diminuição ou perda de outra pessoa; pois isso é cobiçar e amar a si mesmo mais do que ao próximo, a quem cada um deve amar como a si mesmo, e tratar como trataria a si mesmo.

O nosso Salvador menciona somente obrigações da segunda tábua; não como se a primeira fosse menos importante, mas:

1. Porque aqueles que ocupavam, então, o lugar de Moisés, negligenciaram por completo ou corromperam em grande parte esses preceitos em suas pregações. Enquanto eles pressionavam pelo “dízimo da hortelã, do endro e do cominho”, o “juízo, a misericórdia e a fé”, resumo das obrigações da segunda tábua, eram desprezados (cap. 23.23). As pregações daqueles judeus se esgotavam totalmente nos rituais, sem considerar a ética; por isso Cristo insistia mais naquilo em que eles menos se concentravam. Uma verdade única ou uma única obrigação não deve cancelar outra, mas cada uma deve ter o seu lugar e manter-se nele. Porém, a equidade requer que aquela que estiver em maior risco de ser excluída seja ajudada. Esta é a verdade a que somos chamados a prestar o nosso testemunho, e que não é somente confrontada, mas negligenciada.

2. Porque Ele ensinaria ao jovem, e a nós todos, que a honestidade moral é uma parte necessária da verdadeira cristandade, e que assim deve ser considerada. Embora um homem de moral simples esteja longe de ser um cristão completo, certamente um homem imoral não pode ser um cristão verdadeiro; pois a graça de Deus nos ensina a viver sóbria e moralmente, bem como devotamente. Além disso, embora as obrigações da primeira tábua contenham em si mais aspectos da essência da verdadeira religião, as obrigações da segunda tábua contêm mais evidências dela. A nossa luz arde pelo amor que temos por Deus; mas ela brilha no amor que temos pelo nosso próximo.

II – Observe, nesse ponto, quais eram os defeitos do jovem, embora se apresentasse como justo, e em que ele falhou; ele falhou por duas coisas:

1. Pelo orgulho e um conceito vaidoso de sua própria virtude e força. Esta é a ruína de milhares de pessoas que se tornam infelizes ao se imaginarem felizes. Quando Cristo lhe disse quais mandamentos deveria guardar, ele respondeu com desdém: “Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade” (v. 20).

Considere então que:

(1).  No entendimento que este jovem tinha da lei, de que apenas os aspectos externos do ato pecaminoso eram proibidos, eu acredito que ele disse a verdade, e Cristo sabia disso, pois não o contra­ disse. Além disso, foi dito que Jesus o amou. Até então, tudo era muito bom e agradável a Cristo. O apóstolo Paulo considera isso um privilégio, não desprezível em si mesmo, embora isso nada fosse em comparação com Cristo, pois Ele era, “segundo a justiça que há na lei, irrepreensível” (Filipenses 3.6). Seu cumprimento desses mandamentos era completo: “Todas essas coisas tenho observado”. Ele se esforçava desde cedo, e de uma forma constante: “desde a minha mocidade”. Note que um homem pode estar totalmente livre do pecado e ainda assim não alcançar a graça e a glória. Suas mãos podem estar limpas das corrupções externas e ainda assim ele pode perecer eternamente pela maldade de seu coração. O que devemos pensar, então, daqueles que não atingem esse ponto, cuja trapaça e injustiça, embriaguez e impureza, testemunham contra eles? Aqueles que desde a juventude violaram a todos esses mandamentos, embora tenham chamado a si mesmos pelo nome de Cristo? Bem, é triste estar em um nível inferior ao daqueles que não são dignos de alcançar o céu.

Também era louvável que ele desejasse saber o que mais era esperado dele: “Que me falta ainda?” Ele estava convencido de que lhe faltava algo para completar suas obras diante de Deus, e estava, pois, desejoso de sabê-lo, porque, se ele não estava enganado, desejava realmente fazê-lo. Não tendo ainda alcançado o que buscava, ele parecia avançar ainda mais. E ele recorreu a Cristo, pois esperava-se que a sua doutrina refinasse e aperfeiçoasse a instituição mosaica. Ele desejava saber quais eram os mandamentos especiais de sua religião, para que pudesse cumprir tudo que nela havia, para se aperfeiçoar e completar. Quem poderia fazer uma oferta mais honesta?

Mas:

(2).  Mesmo naquilo que disse, o jovem revelou a sua ignorância e estupidez.

[1].  Tomando a lei em seu sentido espiritual, como Cristo a expunha, sem dúvida, em muitas coisas ele havia pecado contra todos esses mandamentos. Se ele estivesse familiarizado com a extensão e o significado espiritual da lei, ao invés de dizer: “Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda?”, ele teria dito, com vergonha e tristeza: “Tudo isso tenho violado; o que farei para que os meus pecados sejam perdoados?”

[2].  Tome isto como você quiser, que ele o disse com características de orgulho e altivez, contendo excessiva ostentação, que é excluída “pela lei da fé” (Romanos 3.27), e que o excluí da justificação (Lucas 18.11,14). Ele se valorizava demais, como faziam os fariseus, apoiando-se na aparência da sua fé diante dos homens, e tinha orgulho disso, o que prejudicava a aceitabilidade da sua fé. A frase: “Que me falta ainda?”, talvez não fosse tanto um desejo por mais esclarecimentos como uma exigência de enaltecimento de sua suposta perfeição atual, e um desafio ao próprio Cristo a lhe mostrar qualquer ponto em que apresentasse alguma falha.

2. Ele estava longe da salvação devido a um amor exagerado ao mundo e aos seus prazeres. Essa foi a rocha fatal, sobre a qual ele se rompeu. Observe:

(1).  Como ele foi testado nessa questão (v. 21). Jesus lhe disse: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens”. Cristo colocou de lado a questão da ostentação da sua suposta obediência à lei, desconsiderando-a, pois isso seria uma maneira mais eficaz daquele jovem se mostrar, do que uma discussão sobre o alcance da lei. “Vai”, disse Cristo, “se queres ser perfeito, se queres te mostrar sincero em tua obediência” (pois a sinceridade é o nosso aperfeiçoamento no Evangelho), “se queres te aproximar daquilo que acrescentou à lei de Moisés, se queres ser perfeito, se queres entrar na vida, e assim ser perfeitamente feliz”. Aquilo que Cristo prescreve aqui não é um exagero ou um aperfeiçoamento sem o qual não podemos ser salvos; mas, em seu escopo e objetivo principais, é nossa obrigação necessária e indispensável. Aquilo que Cristo disse ao jovem precisa ser bem mais entendido por todos nós, que, se quisermos nos justificar como verdadeiros cristãos, e quisermos ser considerados como pelo menos herdeiros da vida eterna, devemos fazer duas coisas:

[1).  Devemos, na prática, preferir os tesouros celestiais às riquezas e opulência deste mundo. Aquela glória deve ter precedência em nosso julgamento, e apreço diante da glória deste mundo. Não é mérito nosso preferir o céu ao inferno; o pior dos homens neste mundo ficaria feliz em ter Jerusalém como refúgio, quando não pode mais permanecer aqui, e tê-la como substituta; mas torná-la nossa opção, e preferi-la à terra, significa ser um cristão de fato. Nestas circunstâncias, como evidência disso, em primeiro lugar, devemos entregar o que temos neste mundo para a honra e o serviço a Deus: “Vende tudo o que tens, dá-o aos pobres”. Se as oportunidades de caridade forem muito prementes, venda os bens que porventura tenha para dá-los aos necessitados; como faziam os primeiros cristãos, tendo em vista esse mandamento (Atos 4.34). Vende o que não podes entregar para uso piedoso, todas as vossas coisas supérfluas; se não podes fazer o bem com elas, vende-as. Não te prendas a elas, abra mão delas de todo o coração em honra a Deus, e a título de ajuda aos pobres”. Um piedoso desprezo pelo mundo e uma compaixão pelos seus pobres e aflitos são, no todo, uma condição de salvação. E para aqueles que têm recursos, dar esmolas é, da mesma forma, uma evidência necessária desse desprezo pelo mundo e dessa compaixão pelos nossos irmãos; por meio disso, será realizado o julgamento no grande dia (cap. 25.35). Embora muitos daqueles que se dizem cristãos não ajam como se acreditassem nisso; é certo que quando aceitamos Cristo, de­ vemos abandonar o mundo, pois não podemos servir a Deus e ao dinheiro. Cristo sabia que a avareza era o pecado que mais facilmente envolvia este jovem, pois em­ bora tudo o que possuía houvesse sido conquistado honestamente, ele não podia compartilhá-lo alegremente; e, através disso, Ele descobriu a sua falta de sinceridade. Esta ordem foi como o chamado de Abraão: “Sai-te da tua terra… para a terra que eu te mostrarei”. Assim como Deus prova os crentes através de suas graças mais poderosas, Ele também testa os hipócritas através dos piores pecados que cometem. Em segundo lugar, devemos depender daquilo com que contamos no outro mundo, como uma recompensa por tudo aquilo que deixamos para trás, perdemos ou gastamos por amor a Deus neste mundo: “Terás um tesouro no céu”.

E nosso dever confiar em Deus para que tenhamos uma felicidade extraordinária, que nos recompensará por todos os gastos realizados a serviço de Deus. O manda­ mento soou como severo e ríspido: “Vende tudo o que tens, dá-o”; e a objeção contra isso logo se levantava: ”A caridade começa em casa”; por isso Cristo incorpora, imediatamente, a promessa de um tesouro no céu. Note que a promessa de Cristo torna os seus mandamentos indolores e o seu jugo não apenas suportável, mas agradável, doce e muito suave. Ainda assim, esta promessa era um julgamento da fé desse jovem, como também o mandamento o era em relação à sua caridade e ao seu desprezo pelas riquezas do mundo.

[2]. Devemos nos dedicar inteiramente a ser conduzidos e governados por nosso Senhor Jesus: “Vem e segue-me”. Aqui parece que o significado é uma assistência próxima e constante à sua pessoa, como se a venda do que ele possuía neste mundo fosse tão necessária como fora para os discípulos abandonarem suas profissões. Mas de nós, é exigido que sigamos a Cr isto, que devida­ mente nos ocupemos de suas ordens, sigamos rigidamente o seu padrão, e com alegria nos submetamos às suas ordens, e por obediência justa e total observemos seus estatutos, e guardemos suas leis, e isso tudo a partir de um preceito de amor a Ele, e de confiança nele, tendo um santo desprezo por todo o resto, em comparação a Ele, e muito mais por aquilo que compete com Ele. Isto é seguir a Cristo por completo. Vender tudo e dar aos pobres não será suficiente, a menos que nos cheguemos e sigamos a Cristo. Se eu der todos os meus bens para alimentar os pobres e não tiver amor, isto não me beneficiará em nada. Bem, nesses termos, e não abaixo deles, se receberá a salvação; e são termos muito acessíveis e razoáveis, e assim se parecerão para aqueles que se alegram pela salvação, sob quaisquer condições.

(2).  Veja como ele foi exposto. Isso o tocou em um ponto delicado (v. 22): “O jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades”.

[1]. Ele era um homem rico e amava suas riquezas, e, portanto, retirou-se. Ele não apreciava a vida eterna sob essas condições. Note que, em primeiro lugar, aqueles que têm muitas coisas neste mundo são mais sujeitos à tentação de amá-las e colocar nelas o seu coração. Essa é a natureza cativante da riqueza material, de forma que aqueles que menos a necessitam, mais a desejam: “Se as vossas riquezas aumentam, não ponhais nelas o coração” (Salmos 62.10). Se ele tivesse apenas duas moedas e lhe fosse mandado dá-las aos pobres, ou apenas “um punha­ do de farinha numa panela e um pouco de azeite numa botija” e lhe tivesse sido ordenado que fizesse disso um bolo para um pobre profeta, a provação, se pensaria, teria sido muito maior e ainda assim essas provações foram supera­ das (Lucas 21.4; 1 Reis 17.14). Isso mostra que o amor ao mundo tem mais força do que as necessidades mais prementes. Em segundo lugar, o poder do amor a este mundo afasta de Cristo muitos que parecem ter bons senti­ mentos em relação a Ele. Uma grande riqueza é uma grande ajuda para aqueles que se colocam acima dela, assim como é um grande obstáculo para aqueles que se apaixonam por ela durante a sua caminhada para o céu.

Ainda assim havia alguma honestidade nisso, de modo que, não gostando das condições, ele se retirou, e não fingiu aceitá-las, pois não havia lugar em seu coração para o rigor delas; melhor assim do que como fez De­ mas, que, tendo conhecido o caminho da justiça, mais tarde voltou-se para o outro lado, “amando o presente século”, para maior escândalo da sua fé. Como este jovem não podia ser um cristão por completo, ele não seria um hipócrita.

[2]. Apesar disso, ele era um homem de opinião e bem-intencionado, e por isso retirou-se triste. Ele tinha confiança em Cristo e estava relutante em desistir dele. Muitos indivíduos são arruinados pelo pecado que come­ tem com relutância – retiram-se de Cristo com tristeza e mesmo assim nunca estão realmente tristes por deixá-lo, pois, se estivessem, voltariam para Ele. Dessa forma, a riqueza desse homem era motivo de aflição de espírito, ao mesmo tempo em que era a sua tentação. Esse seria, então, o motivo da tristeza, quando seus bens se esgotassem e todas as suas esperanças de vida eterna também fossem perdidas.

OUTROS OLHARES

Modelo que morreu havia se convertido: “Entreguei minha vida e planos nas mãos de Deus”

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A MORTE AO VIVO

Cria da internet, a bela modelo Nara Almeida virou um fenômeno ao compartilhar no Instagram, por nove meses, sua luta — perdida — contra um câncer

MILHÕES DE AMIGOS – Caras e bocas contra a dor: “Nunca me senti sozinha”, dizia ela sobre as mensagens que recebia (redes sociais)

Internada havia dois meses no quarto 318 da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, devido ao agravamento de um câncer no estômago, a modelo e influenciadora digital Nara Almeida acordou com a pele dolorida e avermelhada. A dermatite era efeito colateral do excesso de morfina para amenizar as dores. Nara pegou o celular, fotografou e compartilhou seu momento de dor em sua conta no Instagram. “Eu só peço a Deus misericórdia, porque não tá fácil passar por isso”, escreveu na legenda do post publicado em 13 de abril. A foto recebeu 935 000 curtidas. Uma multidão de seguidores fez companhia a Nara Almeida, uma menina linda e graciosa, até o momento em que a doença a venceu, na semana passada, aos 24 anos.

Nara recebeu o diagnóstico do tumor raro em agosto de 2017, após sucessivas crises de gastrite e idas ao médico. Na época, como divulgadora de moda, já era quase uma celebridade: somava 400 000 seguidores no Instagram. O número foi se multiplicando sem parar desde então, alimentado pelas constantes fotos e notícias sobre o tratamento contra o câncer. Sensibilizadas, as pessoas reagiam com carinho e apoio a cada novo post. Nara, por sua vez, sentia-se acolhida e amada em um momento de extrema fragilidade. “As mensagens me fazem companhia. Nunca me senti sozinha”, disse em dezembro passado.

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Evidentemente, tamanha exposição também foi alvo de críticas e mal-entendidos. Antes de iniciar as sessões de quimioterapia, Nara resolveu ver o mar, já que poderia ser a última vez que pisaria na areia — e foi mesmo. Havia emagrecido muito e usava uma sonda na narina esquerda para receber um complexo de vitaminas. Vendo as fotos e ignorando a doença, muitas seguidoras perguntaram que dieta ela andava fazendo para alcançar aquele corpo — a própria Nara condenou os elogios descabidos. “Os jovens estão acostumados a dividir cada passo que dão”, avalia Fernando Fernandes, psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Eles enxergam como natural expor um momento de dor, sentem-se amparados e integrados com o mundo.”

À medida que a doença avançava, a casa de Nara virava uma espécie de santuário, para onde fãs mandavam imagens de santos, terços, perucas e outros presentes. Famosos como Adriane Galisteu, Tata Werneck e a modelo Lea T enviaram mensagens de apoio. O jogador Alexandre Pato arcou com as despesas da droga imunoglobulina: pagou 36 000 reais por duas doses do remédio, destinado a tentar fortalecer o sistema imunológico da paciente.

A trajetória de Nara Almeida passa longe do mundo de glamour das blogueiras de moda. Ela nasceu em João Lisboa, cidade maranhense de 20 000 habitantes a 637 quilômetros de São Luís. Sua mãe, Eva Maria, então empregada doméstica, deu a filha aos avós, quando ela tinha 1 ano e 2 meses, e foi tentar vida nova em Roraima. Na adolescência, Nara se mudou para Goiânia, onde passou fome e trabalhou como faxineira antes de começar a vender roupas pela internet, usando a si própria como garota-propaganda. Bonita e despachada, viu o negócio crescer, obteve contratos com confecções de São Paulo e decidiu mudar-se para a cidade. A doença apareceu justamente nessa fase, quando Nara estava faturando 30 000 reais por mês.

Em paralelo à comoção nas redes sociais, a modelo vivenciou experiências marcantes no mundo real. Sua mãe soube do câncer da filha pelo Instagram. Largou o emprego de cabeleireira, o marido e dois filhos e viajou de Roraima para São Paulo. “Deus me deu uma chance de me redimir”, diz ela, que dormiu noventa noites no hospital. Revezava-se no posto de acompanhante com o namorado da filha, o engenheiro Pedro Rocha, presente a todo momento. Nara e Pedro se casaram no civil em janeiro, para que ela pudesse usufruir os benefícios do plano de saúde dele. No último dia 16, Nara, que tinha uma tatuagem no pulso com a frase “Don’t forget to smile” (não se esqueça de sorrir), pediu para dormir. Não suportava mais as dores fortes. Foi sedada, e não acordou mais. Morreu na madrugada da segunda 21, dois dias depois de completar um ano de namoro com Pedro. Pesava 33 quilos e somava 4,6 milhões de seguidores.

Publicado em VEJA, edição nº 2584

VOCACIONADOS

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Enfim…seis meses se passaram desde a primeira postagem e, apesar de ainda estar aprendendo a utilizar o blog, me alegro por ter chegado aqui.

Quero agradecer a cada um dos amigos blogueiros  a quem acompanho e que tem me dado o prazer de me acompanhar e compartilharmos juntos no dia a dia nossos assuntos prediletos e, às vezes, desabafos e aspirações…

Quero compartilhar uma postagem especial pois trata-se de um assunto que nos orgulha como brasileiros por termos exemplos de pessoas que se destacam naquilo que fazem.

OUTROS OLHARES

CORAÇÃO: UMA OUSADIA BRASILEIRA

Há cinquenta anos o cirurgião Euryclides Zerbini realizava o primeiro transplante cardíaco do País. Naquela madrugada memorável, o médico e seu time elevaram a cardiologia nacional ao primeiro mundo da medicina.

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“Euclydes, você é um merda…! O palavrão não combinava com o estilo cordato do professor Euryclides de Jesus Zerbini (1912 – 1993). Mas, 50 anos depois, o Dr. Euclydes Marques relembra com bom humor a reprimenda do chefe, ao chegar ao Hospital das Clinicas de São Paulo (HC/SP) naquela manhã do dia 4 de dezembro de 1967. Ainda atônito, ouviu a chocante justificativa para a   bronca: “O africano fez um transplante nesta madrugada”. A notícia surpreendeu e frustrou as equipes dedicadas naquele momento à viabilização do primeiro transplante cardíaco, como o fabuloso time de Zerbini no HC/SP. O africano em questão era Christian Barnard, um cirurgião da Cidade do Cabo, África do Sul, que os medalhões da especialidade conheciam de relance em congressos internacionais e não por qualquer destaque na área. Pela lógica, o pioneiro dos transplantes deveria ter sido o americano Norman Shunway, que primeiro protocolara a técnica.

Mas por que o sul-africano? ”Talvez tenha sido uma soma de circunstâncias. Tínhamos paciente, doador e vontade de fazer. Chegamos à frente dos americanos porque eles tinham medo do litígio ético e esperaram demais”, diria Barnard vinte anos depois. E por que a bronca de Zerbini em Euclydes? Todos sabiam que, se dependesse da ”petulância” do jovem, encarregado de aprimorar a técnica do transplante em cães, ao lado do médico residente Noedir Stolf, o transplante pioneiro teria sido feito no HC/SP. A estreia em humanos foi sendo adiada por dilemas éticos não resolvidos e pela resistência da ala mais conservadora da equipe.

Na verdade, o transplante cardíaco não era, na época, uma terapia idealizada para salvar um doente, como um remédio novo. Era uma meta a ser alcançada, um passo a mais no avanço da cirurgia cardíaca e no arrojo do espírito humano. Em tese, as principais equipes do mundo queriam saltar à frente – mas o coração dos médicos palpitava de dúvidas na hora de fazer o primeiro. O atrevimento de Barnard mudou o cenário. Tal como as demais escuderias de cirurgia cardíaca. Zerbini e seu time decidiram que era preciso correr atrás do tempo perdido. Mas foi só cinco meses e 23 dias depois da operação na África do Sul que o mato-grossense João Ferreira da Cunha, o João Boiadeiro, recebia o órgão do alagoano Luís Barros, atropelado em São Paulo. Na madrugada do dia 26 de maio, o Brasil se tornava o sétimo país a transplantar um coração. Enquanto trocava de roupa, depois da eletrizante insônia noturna, Zerbini parecia descansado. E, segundo os assistentes, teria declarado, com sua característica voz em falsete: “Nunca me diverti tanto…

Cinquenta anos depois da noite mágica, o transplante ainda é uma terapia vital para diversos tipos de insuficiência cardíaca terminal –  na qual o paciente, ligado a tubos e máquinas, não sairá vivo do hospital sem um novo coração. Mas a primeira fase do recurso, que pode ser rotulada como Era A.C (Antes dia Ciclosporina), não fugiu ao velho clichê que atenua as frustrações científicas: a cirurgia foi um sucesso, mas o paciente morreu. João resistiu 28 dias até seu organismo rechaçar o segundo coração.

O fato é que a modalidade cirúrgica continha em si o germe da falência momentânea. No final dos anos 60, os centros cardiológicos foram desistindo de transplantar novos paciente ou reduzindo o número de enxertos. A técnica estava dominada; os caprichos das defesas biológicas contra corpos estranhos, não. Os corticoides, drogas imunodepressoras até então disponíveis, não davam conta da reação do organismo contra o órgão.

A segunda era dos transplantes é a D.C – depois da ciclosporina, substância imunodepressora isolada de fungos em 1972. No fim daquela data, ela começou a ser incorporada aos transplantes. Os procedimentos dispararam – com aprimoramentos técnicos e de gestão organizacional. O cardiologista Noedir Stolf faria, nessa nova era, nada menos que 400 deles – a maior estatística   individual do país. E o InCor tem hoje transplantados com mais de vinte anos de segunda vida.

Nesses 50 anos, novas técnicas, como os dispositivos metálicos que mantêm coronárias abertas e saudáveis por anos, revolucionaram a cardiologia, reduzindo os casos transplantáveis. Mas a troca de corações ainda salva e fascina. Se Zerbini nunca se divertiu tanto no primeiro, pode-se dizer o mesmo sobre os cirurgiões de agora.

“Acabei de fazer um” diz Fábio Gaiotto, um dos integrantes do Núcleo de Transplantes do Instituto… “Não há quem não fique tocado quando o coração volta a bater no peito do receptor”. Este também é o sentimento de Fábio Jateme, vice-presidente do lnCor e filho de Adib Jatene, um dos pioneiros da segunda era dos transplantes.

“Todo cirurgião gosta. ´´E uma delícia”. São Paulo, onde tudo começou, tem oito centros onde o transplante é rotina. No InCor, foi criado há cinco anos um núcleo que reúne as equipes cirúrgicas, clínicas e multiprofissionais de transplante de coração adulto, infantil e de pulmão. A dinâmica propiciada pelo serviço agregada à eficiência do Sistema Nacional de Transplantes e à disposição permanente de um avião da FAB para o transporte de órgãos aumentou o número de cirurgias e reduziu a mortalidade de pacientes na espera e no pós-operatório. “A mortalidade caiu de 30% para 15% e l2 % respectivamente”, informa o Cardiologista Roberto Kalil Filho, presidente do InCor. E os 32 transplantes realizados em 2012, saltaram para 69 em 2017 entre adultos e crianças.

A demanda ainda é maior do que a oferta. O InCor tinha, na semana passada, sete pacientes internados à espera de um coração. É provável que nem todos resistam à espera pela chegada de um órgão compatível. Essa é a média, num país em que a cultura da não-doação ainda mata.

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PSICOLOGIA ANALÍTICA

DESEJOS (QUE TENTAMOS GUARDAR) LONGE DA CONSCIÊNCIA

Há em nossa mente significados codificados, revestidos de metáforas e imagens; sentimentos reprimidos, porém, reaparecem disfarçados e deslocados, tanto nos sonhos quanto no cotidiano.

Desejos que tentamos guardar loge da consciência

 “O inconsciente é por definição incognoscível. O psicanalista está, portanto, na posição infeliz de um estudioso daquilo que não se pode conhecer”, escreveu Thomas Ogden, em The primitive edge of experience, de 1989.  Na verdade, podemos pensar o inconsciente sob duas ópticas. Como adjetivo, é possível associá-lo ao que escapa à consciência, sem estabelecer discriminação entre conteúdos dos sistemas pré-consciente e inconsciente.  Para melhor compreender, vale observar aqui que a concepção de consciência parece semelhante à de atenção: estamos conscientes daquilo para o que nos voltamos e inconscientes daquilo com que não nos ocupamos.

Poderíamos, segundo essa lógica, estar conscientes de situações e fenômenos para os quais voltássemos nossa atenção – entraríamos então no que Freud chamou de pré-consciente. Aquilo para que evitamos dar atenção por acharmos que podem deflagrar perturbação e dor está no inconsciente reprimido.  É possível, nesse caso, falar do inconsciente como substantivo, no sentido tópico. Trata-se, assim, de uma instância psíquica, faz parte da primeira teoria do aparelho psíquico desenvolvida por Freud, constituído de material recalcado, não diretamente acessível à consciência.

A consciência pode ser comparada com o que está visível na tela do computador. Temos acesso imediato a outras informações “pulando” para outra parte do documento ou mudando de janela. Esse gesto seria aná­ logo às partes consciente e pré-consciente da mente. Mas pode ser mais difícil acessar outros conteúdos, pois podem estar criptografados ou atachados, podem exigir senha ou ainda estar sido corrompidos, de modo que a informação esteja embaralhada e, portanto, incompreensível.

A ideia de que guardamos motivações sobre as quais não temos controle (e, por vezes, nem mesmo, ciência) traz à tona a hipótese que oferece consistência a comportamentos e vivências que, de outra forma, pareceriam completamente incoerentes. Freud se deu conta de que lapsos verbais e de escrita, falhas da memória, ações confusas e outros equívocos podem ser, em um nível mais profundo, não casuais – mas inconscientemente intencionais. Para ele, os sonhos constituem um caminho privilegiado para o inconsciente, embora não seja possível desvendá-los completamente. Da mesma forma que os sonhos, outras formas de comunicação podem apresentar representações de desejos e observações inconscientes que empregam os mesmos mecanismos oníricos. Os significados inconscientes são codificados, revestidos de metáforas e imagens. Um exemplo muito comum disso se dá em situações em que sentimos raiva, mas reprimimos essa emoção por sabermos que desencadeará sentimentos dolorosos e em especial quando é dirigida a alguém com quem temos relação mais próxima. Assim, os sentimentos reprimidos são disfarçados e deslocados – e aparecem, por exemplo, quando criticamos outra pessoa.

É possível pensar na seguinte situação: a orientadora de pesquisa de uma jovem avisa que vai ausentar-se do país durante um período crítico do trabalho. A estudante pode até compreender, de forma sincera, as razões da orientadora. Mas, prosseguindo a conversa, ela fala de um caso que ouvira: uma mãe havia deixado o filho pequeno sozinho em casa para fazer compras, a criança acordou e terminou se ferindo ao cair da escada. A mensagem inconsciente é clara: a orientadora é tida como a mãe negligente, a aluna é o filho desprotegido. A queda faz alusão ao risco que ela julga correr. Conscientemente, a garota fala como adulta, mas inconscientemente se ressente com a orientadora que não cumpre a função de mãe.

Cabe considerar que a consciência tem gradações. Vivências infantis que evocaram grande vergonha ou culpa podem ficar tão abafadas que se torna muito difícil resgatá-las, sendo possível ter apenas indícios desse material. Já uma introspecção momentânea, aliada a alguma capacidade psicológica de tolerar o desconforto de lidar com algum conteúdo que estava inconsciente, pode levar o desejo que parecia escondido ao pleno conhecimento. Do mesmo modo, no decorrer de uma terapia psicanalítica na qual o paciente é encorajado a falar e pensar com maior liberdade para estabelecer associações, seus anseios e temores tendem a se aproximar, gradualmente, da consciência.

CARACTERÍSTICAS DA MENTE OCULTA {*)

  • Impulsos ou ideias incompatíveis podem existir simultaneamente sem parecer contraditórios. É aceitável que amor e ódio se expressem ao mesmo tempo, sem que haja discordância.
  • Os significados podem ser facilmente deslocados de uma imagem para outra. Muitos significados podem ser reunidos em uma única imagem; é o que chamamos de condensação.
  • Processos inconscientes são atemporais e as ideias não têm ordem cronológica. Conteúdos referentes a anos atrás podem surgir misturados aos mais recentes.
  • O inconsciente independe do mundo externo, representa a realidade psíquica, interna. Por isso, sonhos e alucinações são percebidos como reais.

(“) Identificadas por Freud no texto O inconsciente, de 1915.

FREUD E O HOMEM DA AREIA

Em 1919 Freud escreveu o ensaio das Unheimliche, na maioria das vezes traduzido para o português como O estranho e, mais recentemente, por Paulo César de Souza, direto do alemão (e publicado pela Companhia das Letras), como O inquietante.

Souza reconhece, porém, que é “desnecessário chamar a atenção do leitor para a insuficiência desse termo”.  Em seu texto, o criador da psicanálise não trata propriamente do inconsciente, mas de temas de afins, como castração, compulsão à repetição, pulsão de morte, narcisismo e o duplo, tomando como ponto de partida o conto de E. T. de A. Hoffman, O homem da areia. Para Freud, o estranhamento tem origem em traumas da infância, é recalcado no inconsciente e se torna algo, de alguma forma, “familiar” e ao mesmo tempo “suspeito”; ele chega à conclusão de que o inquietante é algo já conhecido, enclausurado no inconsciente – e quando vem à tona causa sensação de medo, terror, estranheza. O conto de Hoffman revela estreita ligação entre o medo de perder os olhos com a castração na fase edípica. Nessa época, “poetas e escritores já dominavam um pensamento diferente daquele racional imposto pela ciência positivista que Freud bem articulou à nova ciência humana emergente, a psicanálise”, escreve a psicanalista Sandra Edler, na apresentação de livro Freud e o estranho, organizado por Bráulio Tavares (Casa da Palavra, 2007). “A qualquer momento podemos nos confrontar com um episódio estranho, sem explicação à primeira vista, e por isso mesmo perturbador; mas Freud nos lembra que vamos acabar por reencontrá-lo ou ainda reviver a inquietante sensação de estranheza que experimentamos.”    

OUTROS OLHARES

O NOVO MELHOR AMIGO DO HOMEM

O novo melhor amigo do homem

Um estudo global publicado recentemente revelou que 49% dos jovens brasileiros da geração Z (entre 16 e 20 anos) que usam smartphone consideram o aparelho como “melhor amigo”.

A pesquisa, realizada pela Motorola em parceria com a pesquisadora e professora da Universidade Harvard Nancy Etcoff, investigou os comportamentos e hábitos de utilização do celular de diferentes gerações e o impacto do smartphone nas relações do usuário. Participaram entrevistados de quatro países: Brasil, França, Estados Unidos e Índia, com idade entre 16 e 65 anos.

De acordo com o levantamento, 33% dos participantes priorizam o smartphone em detrimento de passar mais tempo com amigos, família ou pessoas importantes. No caso do Brasil, esse número aumenta para 36%. Apesar disso, os entrevistados demonstraram consciência de que é necessário buscar um maior equilíbrio no que diz respeito ao uso do smartphone: 61% concordam que querem aproveitar o aparelho quando estão com ele, mas, ao mesmo tempo, aproveitar melhor a vida quando estão sem ele. Além disso, 60% dos participantes afirmam que é importante ter uma vida separada do celular. No Brasil, os percentuais são de 61% e 48%, respectivamente.

O levantamento também identificou três comportamentos ligados ao smartphone que impactam as relações interpessoais – e que são mais prováveis em gerações mais novas, já que cresceram em um mundo digital.

Verificação compulsiva: quase metade (49%) dos entrevistados admite verificar o celular numa frequência maior do que gostaria (no Brasil, o número é similar, de 48%).

Tempo demais no celular: um terço (35%) concorda que passa tempo demais no smartphone e 34% acreditam que estariam mais felizes se passassem menos tempo usando o aparelho. Considerando-se apenas o Brasil, os percentuais são de 33% e 30%, respectivamente.

Superdependência emocional: dois terços (65%) admitem que entram em pânico quando acham que perderam o celular (no Brasil, 56%), e 29% concordam que, quando não estão usando o smartphone, estão pensando no próximo uso. No caso brasileiro, o número é um pouco maior, de 31%.

GESTÃO E CARREIRA

GERAÇÃO COCA-COLA, APPLE E MARPINN…

Já parou para pensar que o comportamento de compra do se cliente est á ligado não só à necessidade ou ao desejo, mas também às características pessoais, culturais e históricas do nascimento cada um deles? Conheça as gerações que movimentam o mercado e como fidelizá-las como consumidoras de sua empresa.

Geração Coca-cola, apple e marppin...

Uma das variáveis mais estudadas no mercado – o comportamento de compra do ser humano – pode ser definida a partir de duas questões fundamentais: a necessidade e o desejo. A primeira pode ser descrita como algo que é imprescindível para a sobrevivência do ser humano, é aquilo que não se pode viver sem. Já a segunda pode ser entendida como tudo aquilo que se quer e que está acima da linha da necessidade. Aqui entram, portanto, os estudiosos que se dedicam a criar esse desejo no consumidor, uma vez que ele pode ser estimulado.

No momento da compra, sabe se que o consumidor é influenciado por quatro principais fatores: estímulos pessoais, ambientais, situacionais e de marketing. Os pessoais estão relacionados às emoções, percepções, crenças e experiências do cliente. Já os ambientais envolvem questões de natureza social, cultural, econômica e valores. As situacionais, por sua vez, têm a ver com o momento do consumidor, as circunstâncias que o levaram àquela compra, sua disponibilidade de tempo. Finalmente, as de marketing estão ligadas a decisões de produto, preço, promoção e distribuição, e que essas, sim, estão sob controle da empresa e têm o objetivo de conquistar e promover respostas específicas nos clientes.

Mas por que isso tudo é importante para o empreendedor? Entender as razões pelas quais o seu cliente está interessado em seu produto pode determinar o sucesso ou o fracasso de sua empreitada. Consumo, como pode ser analisado de acordo com as características descritas acima, tem a ver com necessidade, com desejo, com as emoções, com o meio em que se vive, com status, com oportunidade, com condições econômicas e sociais.

Cientes da importância do processo decisório no ato da compra de um produto ou de um serviço para a sobrevivência e o sucesso de suas empreitadas, empresários têm cada vez mais pesquisado a respeito das chamadas gerações, conceito que engloba um conjunto de indivíduos que nascem em uma mesma época e que seguem certos comportamentos devido à influência do contexto histórico em suas vidas.

Grande estudiosa sobre gerações e suas interações com o mundo em que estão inseridas, a administradora e sócia da Stanton Chase Internacional, Eline Kullock, destaca que conhecer as características de seu público-alvo dá uma vantagem competitiva muito grande aos empresários, especialmente aos micro e pequenos, que precisam de toda ajuda possível para conquistar e fidelizar a clientela. “O problema é que não há uma única característica de cada geração, mas um conjunto de características e comportamentos de consumo, e é importante entender cada uma dessas gerações na s suas complexidades”, pondera ela.

A professora de liderança e coaching do Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE), Melissa Antonychyn, também vê o estudo das gerações como importante para que as pequenas empresas se posicionem de forma mais assertiva no mercado. “O empreendedor precisa entender os quadros de referência de seu público­ alvo, ou seja, não só o período de nascimento, mas também as questões geográficas, econômicas, a história, a cultura local; para muitos, os costumes religiosos e as crenças filosóficas definem sua maneira de consumir. É importante ampliarmos nossa percepção em relação ao modo de pensar das pessoas e também fazermos um paralelo em estarmos vivenciando uma época que a informação e as conexões permitem que as pessoas reavaliem seus gostos, sua forma de se mostrar para o mundo”, opina.

Veja a seguir quais são as gerações que detêm o poder de compra, suas características e veja como vender a cada uma delas.

Gestão & Negócios - Edição 90

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E DENTRO DAS EMPRESAS?

Ao falar de gerações, as diferenças entre elas aparecer não só no comportamento de consumo, mas também na postura corporativa. A maioria das corporações hoje possui equipes compostas por pessoas de idades diferentes. Cabe ao gestor equilibrar, unir e potencializar as competências de cada colaborador, segundo Melissa Antonychyn. O diálogo entre as partes é fundamental, e os trabalhos em grupo podem ser importantes para a construção de uma relação sinérgica e harmônica. “Trabalhos participativos, em que todos opinem, que a tarefas e os comportamentos necessários sejam contratados conforme as necessidades de cada período”, avalia.

 0 QUE ESPERAR DO FUTURO?

Apesar de ainda ser cedo para falar na próxima geração, estudiosos apontam o surgimento de uma nova a partir dos nascidos em 2010. Atualmente ainda pequenos demais para tomarem decisões de compra, em pouco tempo essa nova geração chegará ao mercado e estará completamente conectada, munida de informações mil. Grande analista de gerações, Eline Kullock destaca que só é possível definir uma geração quando seu comportamento difere da anterior. Contudo, ela prevê que a características da geração Z devem se intensificar. “Decisões mais rápidas, comunicação mais rápida, maior necessidade de gratificação, mais auto­centrados, mais volúveis, menos apego à marca. Resta ver o que vem por aí”, projeta.

A professora do Instituto Superior de Administração e Economia (ISAE), Melissa Antonychyn, endossa a previsão de Eline e reforça que a próxima geração deve chegar pronta para priorizar produtos e serviços que unam tecnologia e sustentabilidade: “consumidores ávidos por produto e serviços que integrem toda a tecnologia, praticidade e ao mesmo tempo sejam desenvolvidos com todos os ditames de uma produção sustentável, que, além de atender às suas necessidades individuais, também atendam às necessidades do planeta”.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 19: 13-15

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A Ternura de Cristo para com as Crianças

Temos aqui as boas-vindas que Cristo deu a algumas crianças que lhe foram trazidas. Observe:

 I – A fé daqueles que as trouxeram. Quantas foram trazidas não nos foi dito; mas elas eram tão pequenas a ponto de serem carregadas nos braços, um ano de idade, talvez, ou dois no máximo. A explicação dada aqui é que foram trazidas crianças até Ele “para que lhes impusesse as mãos e orasse” (v. 13). Provavelmente as pessoas que as trouxeram eram seus pais, guardiões, ou amas-secas; e neste ponto:

1. Eles declararam sua consideração por Cristo, e a importância que davam a sua bondade e a sua bênção. Note que aqueles que glorificam a Cristo vindo até Ele, devem glorificá-lo ainda mais trazendo até Ele, do mesmo modo, tudo o que têm, ou aquilo sobre o que têm podei: Devemos dar a Ele, dessa maneira, a glória pelas insondáveis riquezas da sua graça e por sua abundante e infalível plenitude. Não há melhor maneira de glorificar e honrar a Cristo do que tendo comunhão com Ele.

2. Eles fizeram, sem dúvida, um favor para os seus filhos, mas também precisavam se preparar melhor neste mundo para as bênçãos do porvir; como também para receber bênçãos como resultado das orações do Senhor Jesus, a quem eles viam, pelo menos, como uma pessoa extraordinária, como um profeta, se não como um sacerdote e rei. As suas bênçãos eram valorizadas e desejadas. Outros trouxeram seus filhos para Cristo, para serem curados quando estavam doentes; mas as crianças citadas aqui não estavam sofrendo nenhuma enfermidade naquele momento – aqueles que as traziam apenas queriam uma bênção para elas. Trata-se de uma boa coisa quando nós mesmos vamos a Cristo, e levamos nossos filhos a Ele, antes que sejamos conduzidos a Ele (como dizemos) por uma necessidade premente. Deus se compraz quando nos dirigimos a Ele não apenas quando estamos em dificuldades, mas quando nos dirigimos a Ele mostrando a nossa total dependência dele, e do benefício que esperamos dele.

Eles desejavam que Ele impusesse as suas mãos sobre as criancinhas e orasse. A imposição das mãos era um rito utilizado principalmente na transmissão de bênçãos paternais. Jacó fez uso dessa prática quando abençoou e adotou os filhos de José (Genesis 48.14). Isso sugere algum amor e alguma intimidade combinados com poder e autoridade, e evidencia uma eficácia na bênção. Através do seu Espírito, Cristo coloca a sua mão sobre aqueles por quem Ele intercede no céu. Note que:

(1).  Crianças pequeninas podem ser levadas a Cristo quando necessário, pois são capazes de receber as suas bênçãos, e têm interesse em sua intercessão.

(2).  Por isso, elas devem ser levadas a Ele. Não podemos fazer nada melhor por nossas crianças do que confiá-las ao Senhor Jesus, para que Ele cuide e interceda por elas. Nós só podemos pedir que sejam abençoadas, e somente Cristo pode ordenar a bênção.

II – O erro dos discípulos por repreender àqueles que as traziam. Eles desaprovaram a abordagem como vã e frívola e os censuraram por torná-la impertinente e incômoda. Eles podem ter agido assim porque consideravam que prestar atenção às crianças era algo que estava em um nível inferior ao do seu Mestre, exceto se alguma coisa em particular as afligisse; ou pensavam que Ele tinha trabalho suficiente com suas outras tarefas, e não queriam que Ele se desviasse disso; ou ainda podem ter pensado que se uma abordagem como essa fosse encorajada, todo o país levaria suas crianças até Ele, e isso nunca teria fim. Note que é bom para nós que Cristo tenha em si mais amor e ternura do que o melhor dos seus discípulos. E devemos aprender com Ele a não desaprovar qualquer desejo de almas bem-intencionadas em seus questionamentos a respeito de Cristo, mesmo que sejam frágeis. Se Ele não quebra os galhos fracos, nós também não devemos quebrá-los. Aqueles que procuram a Cristo, não devem estranhar se encontra­ rem oposição e reprovação, mesmo por parte de homens bons, que pensam conhecer o pensamento de Cristo melhor do que realmente conhecem.

III – A bondade de nosso Senhor Jesus. Veja como Ele a exercitou aqui.

1. Ele repreendeu os seus discípulos (v. 14): “Deixai os pequeninos e não os estorveis de vir a mim”. Ele tolerou as criancinhas e não as proibiu; e corrigiu o engano que os discípulos cometeram, acrescentando: “porque dos tais é o Reino dos céus”. Note que:

(1).  Os filhos de pais crentes pertencem ao reino e são membros da igreja visível. Dos tais, não somente dos tais em disposição e amor (esta pode ter sido uma das razões pelas quais pombos ou cordeiros deviam ser levados a Ele), mas dos tais, em idade, é o Reino dos céus; a eles, como aos judeus da antiguidade, pertencem os privilégios de fazer parte da igreja visível. “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos…”. Eu serei por Deus “a ti e à tua semente”.

(2).  Por essa razão, eles são bem-vindos a Cristo, que está pronto para acolher aqueles que, quando não podem vir por si mesmos, são trazidos a Ele. E isso:

[1].  A respeito das próprias criancinhas, por quem Ele, em diversas ocasiões, havia manifestado uma preocupação; e que, tendo participado das malignas influências do primeiro pecado de Adão, devem necessariamente compartilhar as riquezas da segunda graça de Adão, do contrário o que seria da analogia do apóstolo? (1 Coríntios 15.22; Romanos 5.14,15 etc.). Cristo não lançará fora, de modo nenhum, aqueles que lhe são dados como parte de sua aquisição.

[2].  Observando a fé dos pais que os trouxeram, e os apresentaram como sacrifícios vivos. Os pais são fiéis depositários do testamento de seus filhos, e são autorizados pela natureza a agir em benefício deles. Por essa razão, Cristo aceita a consagração que eles fazem de seus filhos como obra e ato deles, e receberá aqueles que lhe forem dedicados no dia em que reunir as suas joias.

[3]. Por esse motivo, Ele considera isso como uma ofensa da parte daqueles que proíbem e excluem as crianças a quem Ele recebeu: aqueles que os excluem da herança do Senhor, e dizem: “Não tendes parte no Senhor” (veja Josué 22.27). E quem poderá impedir o fornecimento da água com a qual devem ser batizados aqueles que, com o cumprimento daquela promessa (Isaias 44.3), “receberam, como nós, o Espírito Santo”, pelo que sabemos.

2. Ele recebeu as criancinhas, e fez como desejavam; impôs as suas mãos sobre elas, isto é, Ele as abençoou. O crente mais forte vive, não tanto por conquistar a Cristo, mas por ser conquistado por ele (Filipenses 3.12); não tanto por conhecer a Deus, mas por ser conhecido dele (Gálatas 4.9); e disso, a menor criança é capaz. Se elas não podem estender as suas mãos para Cristo, mesmo assim Ele pode impor as suas mãos sobre elas, e assim torná-las suas e confessá-las como suas.

Parece-me que há algo notável no fato de que, tendo-lhes imposto as mãos, partiu dali (v. 15). É como se Ele pensasse que havia feito o suficiente ali, quando havia então declarado os direitos dos cordeiros do seu rebanho, e tomado as devidas providências para a sucessão das pessoas em seu reino.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

INCOSNCIENTE, O ESTRANHO QUE VIVE EM NÓS.

Que aspecto é esse que nos habita, influencia escolhas, mas do qual sabemos tão pouco?  Essa intrigante instância psíquica organiza memórias, desejos e experiências que preferimos esquecer ou dos quais não queremos saber –  e se revela em sonhos, amores, desejos e fantasias.

Inconsciente, o estranho que vive em nós

Tempos atrás recebi um paciente que começou a falar sobre suas dificuldades no trabalho: – E além de tudo esse cara quer patronizar!

Repeti para ele a curiosa palavra que emergiu, provavelmente, como sugestiva combinação entre padronizar e patrão. Ele se referia a um colega de trabalho que queria que tudo fosse feito de modo meticulosamente correto. Mas o tal chato não era seu chefe de fato, apenas agia como tal. Ele poderia ter dito, simplesmente, que o colega se achava patrão, ou que ele era um seachão – uma pessoa arrogante, que “se acha” e se comporta como se fosse superior às demais. Mas ele não disse isso, o que teria sido de toda sorte trivial. Patronizar emergia, assim, como uma possível formação do inconsciente combinando desejos contrários nesta troca de um “d” por um “t”. Para minha surpresa ele responde: Ah! Foi só um ato falho. O que eu queria dizer é padronizar.

  • Sim, um ato falho. Aqui é o lugar… análise, lembra?
  • Mas foi inconsciente!
  • Sim, justamente, por isso quero saber o que você vai fazer com seu ato falho.
  • Mas é inconsciente. Eu queria dizer…
  • Entendi o que você queria dizer. Estou interessado no que você
  • Vocês psicanalistas querem ver sentido em tudo! Assim não dá.
  • Tá bom, vou patrocinar seu ato falho então. (Ele havia me dito antes que detestava quando os outros pagavam as contas para ele fazendo-se sentir incapaz de se virar sozinho.)
  • Como assim patrocinar?
  • Você prefere paitrocínio? (Eu sabia que o pai de meu paciente tinha um papel importante na posição que ele ocupava na tal empresa.)
  • Tá bom, vou ver o que consigo associar, antes que aconteça um latrocínio por aqui … O caso ilustra como nosso entendimento sobre o inconsciente pode funcionar para neutralizar suas incidências reais. Ilustra também como o inconsciente não admite “genérico” – a própria pessoa tem de associar, por si mesma, para saber do que cada emergência do inconsciente é feita. Porém, o mais incrível – e contraditório em relação às origens históricas do inconsciente – é que essa instância passou a servir de subterfúgio e desculpa para as coisas com as quais não temos (ou não queremos ter) responsabilidade alguma. Em inglês, “ato falho” passou a se chamar freudian slip (escorregão freudiano) e a ideia de que existam intenções, organizadas ao modo de um roteiro ou de uma “agenda secreta” dentro de nós, tornou-se convencionalmente admitida. Como se não tivéssemos de pagar a conta pelas “obras” que nosso inconsciente produz com (e contra) nossas vidas. O inconsciente tornou-se uma espécie de catástrofe ecológica: sabemos que ela existe, vai acontecer e nos levará a todos para o buraco, mas poucos realmente se dedicam a fazer alguma coisa com a situação.

Quando saímos da concepção do inconsciente como “aquelas contas que sei que tenho de pagar…, mas deixo para depois”, ou seja, do inconsciente como um saber mais ou menos consciente, como um saber que eu não queria saber, geralmente chamamos essa instância psíquica para nos ajudar a entender por que os outros nos incomodam tanto. O filósofo francês Jean-Paul Sartre escreveu que o “inferno são os outros”. Nós estamos em uma época em que o inferno é o inconsciente do outro. E ele nos atrapalha porque não é só um saber, mas um fazer, um ato (no sentido de um ato falho), mas também de uma prática continuada. É aquele que diz “sei muito bem o que estou fazendo…, mas vou continuar a fazê-lo assim mesmo”.

PÔNEI MALDITO

Essas são duas das concepções pré-freudianas de inconsciente: um hábito irreflexivo e um saber inconsequente. Algo entre a complacência e o cinismo. Quando aparece do meu lado peço para ele dormir mansinho como um pônei maldito, mas quando vem do lado “do outro” parece um Jason de Sexta-feira 13 que não descansa nem morre jamais. É nesta linha que dizemos que aquele motorista que “barbariza” no trânsito é um “recalcado”; aquele que não tem piedade é um “perverso “, sem falar naquela mistura de complicação com inconstância que chamamos, pós- modernamente, de histérica. Muitas operações neuro-cerebrais envolvendo, por exemplo, memória, emoções e tomadas de decisão ocorrem sem que possamos ter consciência delas. Outras tantas estruturas sociais, como linguagem, ideologia e trocas entre sistemas simbólicos ocorrem sem que exista um “fantasma na máquina” comandando com sua mão invisível as cordas do destino.

Ora, o inconsciente freudiano não é apenas a inconsciência, no sentido da não consciência ou no sentido de uma outra consciência. Entre o inconsciente a céu aberto com suas profundezas obscuras e o inconsciente exposto a trovoadas, que nos atinge com um raio irracional, há espaço para uma dimensão produtiva e positiva. Nesse sentido, podemos dizer que o inconsciente é algo simultaneamente descoberto e inventado, uma vez que é um sistema que organiza nossas memórias, desejos e experiências que pretendemos esquecer ou dos quais não queremos saber. Ele existiu desde sempre, desde que sonhamos, amamos ou fantasiamos. O psicanalista Jacques Lacan acrescentou que há inconsciente desde que falamos com os outros. Os animais não têm inconsciente não porque não são racionais, ou porque não tenham consciência e muito menos porque estão privados de afetos e emoções – mas exclusivamente porque não falam. Mas se o inconsciente sempre existiu qual é a novidade da psicanálise? Na verdade, o que Freud inventou foi uma forma de usar o inconsciente para alguma coisa – aliviar o sofrimento psíquico e os sintomas, de modo a tornar a vida das pessoas mais interessante e, quiçá, menos dolorosa. Ele criou um método para ler o inconsciente e libertar o desejo do qual ele é feito usando uma maneira reduzida e muito mais concentrada de inconsciente que se chama transferência. Após algum tempo de análise, muitas pessoas se perguntam, surpresas, “o que acontece”, ao perceberem que passaram a agir de forma menos repetitiva e mais autônoma, sem, contudo, saber precisar de forma exata os momentos nos quais se deram as transformações. É o inconsciente que “acontece” entre analista e analisando. Com essa constatação, Freud mudou também nosso entendimento do que é uma patologia mental. Note que a mesma neutralização do inconsciente se dá com o que chamamos de “psicológico”. Uma pessoa que pensa estar sendo fulminada por um ataque cardíaco recebe a agradável notícia de que aquela “tempestade” em meio à taquicardia, sentimento iminente de morte e pânico, é apenas… psicológica. De novo estamos diante desse saber que “não quer dizer nada”. Agora, considere o problema do ponto de vista de quem está vivendo a situação: quando a “trovoada inconsciente” vem para o lado do “inconsciente a céu aberto”, aí temos problemas, que podemos chamar de sintomas. Eles chovem em nossa vida, eclodindo o chão onde pisamos, tornando nosso caminho um lodaçal sem fim.

 SEXUAL, INFANTIL, RECALCADO

Se o inconsciente sempre existiu, o que Freud inventou foi um método de tratamento usando o inconsciente como hipótese de trabalho e reforçando a ideia de que esse aspecto psíquico é algo que ocorre na relação entre pessoas, na forma como nós nos interpretamos e nos entendemos –  ou nos desentendemos. Podemos pensar que o inconsciente tem três capítulos principais: o sexual, o infantil e o recalcado. São as três figuras deste estranho que nos habita: o vizinho lascivo que “só pensa naquilo”, o passado de enganos e ilusões e a amnésia deliberada para coisas desagradáveis.  O prefácio do inconsciente é a inconsciência e o epílogo eu não posso contar porque seria antecipar o final e estragar o desfecho.

Muito se discute por que a psicanálise insiste no fato de que o inconsciente tem uma inflexão sexual, quando há tantas coisas mais interessantes e proveitosas na vida.

Carl Jung lembrou-nos de nossas aspirações à transcendência. Alfred Adler fala da importância do poder. Wilhelm Reich ressalta que temos uma sexualidade muito mais “prática” e “econômica” do que a proposta por Freud. Fritz Pearls e Levy Moreno tentaram dizer que somos mais criativos e ficcionais do que nosso inconsciente poderia pretender. Pierre Janet e Jean Piaget insistiam que a realidade ou o pensamento podem ser mais decisivos que a sexualidade. Sem falar dos teóricos que reivindicam um entendimento mais social e coletivo, contrariando interesses individua­ listas e egoístas do inconsciente freudiano.

É verdade, pensamos em sexo muito mais do que estamos dispostos a admitir. E quando não pensamos, a sexualidade se impõe, às vezes de forma inesperada. Há algo, porém, que precisa ser observado: o que chamamos de sexualidade em psicanálise é sempre mais amplo, mais complexo, mais deformado do que parece. Teima em aparecer em tudo o que colocamos dentro do condomínio fechado do “não sexual”. Talvez o que chamamos de “sentido”, nos referindo ao que “faz ou não sentido”, seja também mesmo texturizado sexualmente.

É muito mais fácil admitir que o inconsciente está ligado à infância. Neste caso precisamos deixar o passado para trás e ir em frente. Sempre em frente, diz nossa consciência desejante. Mas existem lemas dos quais nos valemos. Há um, bastante usado no exército: “Que ninguém seja deixado para trás”.  E outro, frequente no senso comum: “Para que ficar remoendo o passado?”. Alguns pacientes usam o conceito de inconsciente – ou de autoconhecimento –  para se desculpar pelo próprio desejo.

Não raro, essas mesmas pessoas remoem o futuro que jamais acontece. Por outro lado, há uma afirmação que perdeu a graça: somos todos crianças, que mal há nisso? O sentido regressivo, histórico e temporal do inconsciente é uma de suas facetas mais anacrônicas para nossa cultura.

A ideia de que estamos fixados em algum lugar do passado, que nossa liberdade e autonomia são limitadas por certas disposições infantis, que existem fantasias inconscientes das quais podemos nos envergonhar, nos culpar ou nos agredir perdeu muito de sua popularidade diante da erotização da infância, do narcisismo da adolescência ou da covardia corporativa do adulto. Mas, curiosamente, essa é uma daquelas ideias que fracassam quando triunfam. Sob certos aspectos, nossa educação parece ser equipada com blindagem anti-trauma. A capacidade de desculpar alguém por sua “infância infeliz” deu à luz o masoquismo da vítima levado à condição de axioma político. Nossos ideais e heróis adquiriram a espessura moral de uma Barbie repleta de segurança, cuidado e busca constante de autossatisfação.

A terceira dimensão do inconsciente, o recalcamento, é o conteúdo que se oculta em deformações simbólicas, repetições reais ou em subtrações imaginárias, desejáveis e indesejáveis. Esta parece ser a face mais atual do inconsciente, pois estamos todos um tanto desconfortáveis quanto ao que “realmente queremos” em um mundo de múltiplas ofertas de destinos e consumo de experiências. E isso só pode acontecer porque estamos escondendo, em algum lugar, o que seria a essência de nosso desejo e a verdade de nosso ser. Esse inconsciente cheio de signos e símbolos, repleto de trocas reveladoras, que usa seus truques para desvendar segundas intenções naqueles antigos livros dos sonhos, não está mais à venda nas bancas de jornal. Agora ele está disponível em banda larga nos manuais para decodificar a dança da sedução, entender a linguagem secreta das entrevistas de emprego ou realizar a viagem interna para aprender as sete leis espirituais do sucesso. Até a hermenêutica de si perdeu a vergonha e está se apresentando com métricas de resultados. Toda mensagem que demore mais de cinco segundos para revelar do que é feita está errada, é proibida ou depende de alguma central telefônica mal-intencionada. Tudo está tão “acessível” que enferrujamos a prática da intimidade, montamos greve geral contra o trabalho de decifração e tomamos toda experiência de sentido precário e incerto com desconfiança.

Resumo: o inconsciente sexual tornou-se trivial por excesso de oferta, o inconsciente infantil tornou-se inútil porque serve como desculpa moral generalizada e o inconsciente recalcado não assusta mais ninguém porque nossa vida “líquida” tornou tudo transparente. Será mesmo? Ledo engano. O inconsciente não é a inconsciência. A inconsciência se resolve pela atenção, pelo cuidado e pela crítica, o inconsciente não se resolve. Não é um estado patológico, como a gripe ou a dor de dente, que um dia vai nos deixar em paz. Só que se você não cuida, escuta ou presta atenção ao seu inconsciente, é como se ele inchasse, apodrecesse e começasse a exalar um mau cheiro insuportável. E não há como extraí-lo, amputá-lo. Ele veio para ficar como uma dor no ombro que melhora, mas não cura (nem com a prática de pilates todo dia), como uma sombra que não larga seu dono. Daí o lema freudiano: “Ali onde há inconsciente, lá preciso fazer um sujeito”.  

MUNDOS ESTRANHOS: para Freud, sonhos são a “via régia para o inconsciente”. Segundo ele, porém, aquilo de que nos lembramos ao acordar é resultado da elaboração onírica, resultante da passagem do conteúdo latente para uma representação consciente, o que implica um processo de deformação daquilo que está escondido em nossa mente. Para que esse “disfarce” ocorra, os elementos são fundidos, combinados, deslocados e os pensamentos, expressos em palavras, sensações e principalmente imagens

Inconsciente, o estranho que vive em nós.2

CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER – é psicanalista, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

OUTROS OLHARES

O SUS E AS TERAPIAS ALTERNATIVAS

O SUS e as terapias alternativas

A polêmica é inevitável na mesma dose em que se faz desnecessária. Ao disponibilizar no SUS vinte e nove terapias alternativas, o Ministério da Saúde acertou ou errou? Quer se defenda uma posição ou outra, o fato é que cada uma delas tem a sua ponta de razão.

O CFM julga que o ministério comete um equívoco, sobretudo porque as terapias alternativas não se adequam à eficácia e à segurança, fatores imprescindíveis ao exercício da medicina. Isso ocorre porque tais métodos (à exceção da acupuntura e homeopatia) não trazem consigo comprovação científica. Em decorrência da auto- sugestão, um paciente até pode apresentar sinais de melhora em seu quadro de enfermidade, mas essa situação é efêmera e está longe de se traduzir em tratamento. O CFM considera um absurdo as autoridades terem colocado sob a guarda do SUS as práticas que geram apenas efeito placebo, e isso no momento em que o nosso sistema público de saúde está falido e sem verba para os procedimentos mais elementares.

Aqueles que defendem a iniciativa do governo federal afirmam que a medida do ministério está de acordo com todos os protocolos da OMS: o conforto emocional do paciente tem sempre de ser levado em conta, ou seja, ele tem o direito de seguir o tratamento no qual acredita – até porque o efeito placebo, em alguns casos, ajuda na recuperação.

Assim, cabe ao profissional da saúde explicar claramente em que consiste o tratamento comprovado pela ciência e também o caminho da terapia alternativa, até porque as duas possibilidades não são conflitantes nem excludentes. Se as crenças do enfermo o beneficiam no tratamento científico, tanto melhor.

Há em todo o mundo diversas publicações sobre abordagens não convencionais, como, por exemplo, o “European Journal of lntegrative Medicine” e o ”American Journal of Chinese Medicine”. No Brasil, o próprio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) financia estudos e pesquisas nesse campo. Em relação à falência do SUS, que é pública e notória em todo o País, a argumentação dos que se opõem ao CFM segue a seguinte linha de raciocínio: não será a introdução de terapias integrativas que quebrará ainda mais o sistema. A mazela que o faliu por inteiro tem outro nome: é a corrupção generalizada em todos os setores da vida pública. Concluindo: se alguém crê nesses métodos não convencionais e quer se tratar por meio deles, tem todo o direito, democraticamente, de encontrá-los no SUS. A questão é republicana. Como se disse, há razão nas duas pontas. O importante, repita-se, é o médico que assistir o paciente expor, com clareza, as consequências, resultados e efeitos (desejados e colaterais) dos tratamentos heterodoxos e dos tratamentos já comprovados em amplas pesquisas pela ciência.

GESTÃO E CARREIRA

SE VOCÊ NÃO SABE PARA ONDE IR…

Se você não sabe para onde ir...

Eu queria contar para vocês qual é o meu personagem de histórias preferido: O gato de Cheshire. Lembram?’ Um gato com listras, olhos amarelos e sorriso escancarado. Ele não é meu ídolo porque é fofinho, colorido e intrigante, mas pelo quanto ele representa a sensatez. Mas com o assim?

O escritor Lewis Carrol criou esse personagem no livro “Alice no país das Maravilhas”. E preciso contar com minhas palavras o diálogo que ele atribuiu aos dois, diálogo este que me fez ser fã do gato:

Estava Alice a chorar copiosamente diante de uma encruzilhada e eis que aparece do nada um gato no galho de uma árvore que lhe pergunta:

–  Por que choras, linda menina?

Ela procura de onde vem a voz e diz:

–  Pode me dizer, por favor, qual caminho tomar para sair daqui?

E ele diz sem pensar ou pestanejar, com a maior obviedade possível:

–  Isto depende muito de aonde você quer chegar.

Alice responde prontamente:

–  O lugar não me importa muito…

E vem o gato novamente com a sua sensatez:

–  Ora, então não importa qual caminho você vai tomar.

–  Desde que eu chegue a algum lugar – retruca Alice.

E o gato finaliza:

–  Oh, sim, você certamente chegará a algum lugar – e com um sorriso irônico, o gato complementa – Se caminhar bastante.

Vamos analisar o que esse diálogo nos ensina no mundo dos negócios? A falta de objetivos claros é um dos problemas mais frequentes no universo das micro e pequenas empresas. É um dia a dia frenético de decisões a serem tornadas, viagens, correria, atendimentos, ficar de olho na concorrência, monitorar o fornecedor, treinar os funcionários e… ufa! Será que isso tudo está valendo a pena?

Existem vários motivos para que as pessoas deixem de definir objetivos. Os principais são não ter esse hábito desenvolvido e, por incrível que pareça, medo. Sim, se tenho medo de não realizá-los, é bem provável que eu não tenha coragem de escrevê-los. Essa crença precisa ser repensada, primeiro na definição dos objetivos pessoais para, depois, refletir nos objetivos empresariais.

Definir um objetivo não é um passe de mágica, não; o fato de defini-lo não garante alcançá-lo. Entretanto, ao definir um objetivo, é como se o caminho à sua frente ficasse mais nítido, com mais foco. Fica mais fácil decidir se deve aproveitar urna oportunidade que aparece, pois você saberá se ela tem relação com aonde você quer chegar. Fica mais lógica a análise de um risco, faz com que você tenha mais coragem para trabalhar até mais tarde e até mesmo continuar na hora que surgem os mais diversos tipos de obstáculos, porque coloca sentido e direção na sua caminhada. E mais: estabelecer objetivos aumenta a autoconfiança! Olha só que interessante.

Deixar o destino da empresa ao sabor dos ventos pode levá-la a lugares que não sejam os melhores ou mais indicados. Pense bem! O gato ainda alerta Alice de forma tão direta que, se caminhar bastante, chegará sim a algum lugar. Como seria viver uma vida, abrir uma empresa, viver aquele dia a dia frenético que citei sem saber se era lá que você queria estar, e muitos seguem a vida apenas caminhando. Você só vai saber se vale a pena caso souber aonde chegar. Aí conseguirá avaliar sozinho a evolução do caminho da sua vida e da sua empresa.

E, então, que tal separar um tempinho ainda esta semana para definir aonde você quer chegar?

 

CECÍLIA BETTERO – é administradora especializada em gestão empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 19: 3-12

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A Lei do Divórcio

Nós temos aqui a lei de Cristo no caso do divórcio, ocasionada, como algumas outras manifestações da sua vontade, por uma discussão com “os fariseus”. Ele suportou tão pacientemente as contradições dos pecadores, que as transformou em instruções para os seus próprios discípulos! Observe aqui:

 I – O caso proposto pelos fariseus (v. 3): “É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo?” Os fariseus lhe perguntaram isso para provocá-lo, e não porque desejassem ser ensinados por Ele. Algum tempo atrás, Ele havia, na Galileia, manifestado seu pensamento sobre esse assunto, contra aquilo que era uma prática comum (cap. 5.31,32); e se Ele, do mesmo modo, se pronunciasse agora contra o divórcio, eles fariam uso disso para indispor e enfurecer o povo desse país contra Ele, que olharia com desconfiança para alguém que tentasse diminuir a liberdade de que eles tanto gostavam. Os fariseus esperavam que Ele perdesse o afeto das pessoas tanto por esse como por qualquer um dos seus preceitos. Ou então, a armadilha pode ter sido planejada dessa forma: se Ele dissesse que os divórcios não eram legais, eles o aponta riam como um inimigo da lei de Moisés, que os permitia; se dissesse que eram legais, eles caracterizariam a sua doutrina como não tendo em si aquela perfeição que era esperada na doutrina do Messias, uma vez que, embora os divórcios fossem tolerados, eles eram vistos pela parte mais rígida do povo como não sendo algo de boa reputação. Alguns pensam que, embora a lei de Moisés permitisse o divórcio, ainda que houvesse uma causa justa, havia uma controvérsia entre os próprios fariseus, e eles desejavam saber o que Cristo diria sobre isso. Causas matrimoniais têm sido numerosas, e algumas vezes intrincadas e confusas; elas se tornam assim não por causa da lei de Deus, mas pelos desejos e pela loucura dos homens. Nesses casos, as pessoas frequentemente decidem o que vão fazer, antes de perguntarem qual seria a melhor solução.

A pergunta dos fariseus foi a seguinte: Será que um homem pode repudiar a sua mulher por qualquer motivo? O divórcio era permitido por alguns motivos, como por prostituição, mas o divórcio era praticado, como acontecia geralmente, por pessoas irresponsáveis, e por qualquer motivo. Será que ele poderia ser praticado por qualquer motivo que um homem pudesse julgar adequado (embora fosse, como sempre, frívolo), como também por qualquer antipatia ou desagrado? A tolerância, nesse caso, permitia isso: “Se não achar graça em seus olhos, por nela achar coisa feia, ele lhe fará escrito de repúdio” (Deuteronômio 24.1). Eles interpretavam esta passagem literalmente; e assim, qualquer desgosto, mesmo que sem motivo, poderia se tornar a base para um divórcio.

II – A resposta de Cristo para essa pergunta. Embora ela fosse apresentada para tentá-lo, mesmo sendo um caso de consciência, e de consciência pesada, Ele deu uma resposta satisfatória. Não foi uma resposta direta, mas foi eficaz, afirmando os bons princípios, como prova inegável de que os divórcios arbitrários que estavam sendo praticados, que tornavam os laços matrimoniais tão precários, não eram de forma alguma legítimos. O próprio Cristo não daria a regra sem uma razão, nem declararia o seu julgamento sem uma prova nas Escrituras para apoiá-lo. Seu argumento é este: “Se estão, marido e mulher, pela vontade e desígnio de Deus, ligados pela mais rígida e íntima união, então eles não devem sei levianamente e em qualquer ocasião, separados; se a ligação for consagrada, não poderá ser facilmente desfeita”. Para provar que existe tal união entre marido e mulher, Ele ressalta três pontos.

1. A criação de Adão e Eva. No que se refere a isso, Ele apela para o próprio conhecimento que eles tinham das Escrituras: “Não tendes lido?” Há alguma vantagem em discutir, tratar com aqueles que possuem e têm lido as Escrituras. Vocês têm lido (mas não têm considerado) “que, no princípio, o Criador os fez macho e fêmea” (Genesis 1.27; 5.2). Note que será de grande utilidade para nós pensarmos frequentemente sobre nossa criação, como e por quem, por que e para que, fomos criados. Ele os criou macho e fêmea, uma fêmea para um macho; de modo que Adão não poderia se divorciar de sua esposa, e tomar outra, porque não existia nenhuma outra para ser tomada. Isso, da mesma forma, sugeria uma união inseparável entre eles. Eva era uma costela tirada de Adão, de modo que ele não podia repudiá-la, porque não devia remover um pedaço de si mesmo, contradizendo as manifestas indicações da criação dela. Cristo faz uma breve alusão a isso, mas, recorrendo ao que eles tinham lido, Ele os remete ao registro original, onde é observado que, muito embora o restante das criaturas vivas tenha sido criado macho e fêmea, ainda assim isso não é dito no que se refere a nenhuma delas, mas apenas no que concerne à raça humana; porque a conjunção entre homem e mulher é racional, e planejada para propósitos mais nobres do que meramente a satisfação dos sentidos e a preservação da semente. E ela é, portanto, mais íntima e sólida do que aquela que existe entre macho e fêmea entre os animais, que não são capazes de se ajudar mutuamente como Adão e Eva. Por conseguinte, a forma de expressão é um tanto singular (Genesis 1.27): “E criou Deus o homem à sua imagem, macho e fêmea os criou”; algumas traduções da Bíblia em inglês trazem os pronomes “ele” e “eles” (singular e plural) de uma forma alternada. O singular é utilizado no princípio da criação, antes que se tornassem dois. Porém, mais tarde, eles se tornam novamente um, através de uma aliança de casamento, uma união que só poderia ser íntima e indissolúvel.

2. A lei fundamental do casamento é: “Deixará o homem pai e mãe e se unirá à sua mulher” (v. 5). A relação entre marido e mulher é mais íntima do que aquela que existe entre pais e filhos; então, se a relação filial não pode ser facilmente rompida, muito menos pode a relação de casamento ser rompida. Pode um filho abandonar seus pais, ou pode um pai ou mãe abandonar seus filhos, por qualquer motivo, seja ele qual for? Não, de modo nenhum. Muito menos pode um marido repudiar a sua esposa. Entre marido e esposa, a relação é mais íntima, e o laço da união é mais forte, do que entre pais e filhos – embora não por natureza, mas por desígnio divino. Observe que a relação pais-filhos é, em grande medida, substituída pelo casamento quando um homem deixa os seus pais para se unir à sua esposa. Veja aqui o poder de uma instituição divina. O resultado dela é uma união mais forte do que aquela que resulta das obrigações mais elevadas da natureza.

3. A natureza do contrato matrimonial. Esta é uma união de pessoas; os cônjuges “serão dois numa só carne”, de modo que (v. 6) “já não serão dois, mas uma só carne”. Os filhos de um homem são partes dele mesmo; mas a sua esposa é ele mesmo. Assim como a união conjugal é mais íntima do que aquela que existe entre pais e filhos, ela também é, até certo ponto, equivalente àquela união que existe entre um membro e outro no corpo natural. Uma vez que esta é uma razão pela qual os maridos devem amar suas esposas, também é uma razão pela qual eles não devem repudiá-las, pois “nunca ninguém aborreceu a sua própria carne”, ou a separou de si, “antes, a alimenta e sustenta”, e faz tudo o que pode para preservá-la. Os dois serão um; por isso deve haver apenas uma esposa, pois Deus fez apenas uma Eva para um Adão (MaIaquias 2.15).

A partir daí, o Senhor deduz: “O que Deus ajuntou não separe o homem”. Note que:

(1).  Marido e mulher são uma união de Deus; o próprio Deus instituiu o relacionamento entre marido e mulher no estado de inocência. O casamento e o sábado sagrado são as instituições, mais antigas. Embora o casamento não seja exclusivo da igreja, mas comum para o mundo, mesmo sendo caracterizado por uma instituição divina, que é aqui ratificada pelo nosso Senhor Jesus, ele deve ser conduzido como uma união sagrada, e santificado pela Palavra de Deus, e pela oração. Um respeito consciencioso para com Deus nessa instituição teria uma boa influência sobre o dever, e, consequentemente, sobre a tranquilidade e o conforto do relacionamento.

(2).  Marido e mulher, sendo unidos pela lei de Deus, não podem ser separados por qualquer lei humana. Homem nenhum deve separá-los; nem o próprio marido, nem alguém designado por ele; nem mesmo o magistrado, pois Deus jamais lhe deu autoridade para fazer isso. “O Senhor Deus de Israel, diz que aborrece o repúdio” (Malaquias 2.16). O homem não deve tentar separar aquilo que Deus uniu. Esta é uma regra geral.

 III – Uma objeção levantada pelos fariseus contra o dever do homem não separar o que Deus ajuntou – uma objeção não destituída de plausibilidade (v. 7): “Então, por que mandou Moisés dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la?” Jesus utilizou as Escrituras para argumentar contra o divórcio; os fariseus, por sua vez, alegam a autoridade das Escrituras para defendê-lo. Note que as aparentes contradições na Palavra de Deus são andes obstáculos para homens de mente corrompida. E verdade, Moisés era fiel àquele que o designou, e não ordenou nada além daquilo que recebeu do Senhor; mas, nesse caso, o que eles chamam de mandamento era apenas uma concessão (Deuteronômio 24.1), planejada mais para conter os excessos do que para encorajar o divórcio em si. Os próprios doutores judeus observam tais limitações naquela lei; o divórcio não podia ser concedido sem uma grande deliberação. Uma razão particular deve ser apontada: o atestado de divórcio deveria ser escrito, e, como uma ação judicial, deveria ter todas as suas formalidades executadas e registradas. Ele deveria ser entregue nas mãos da própria esposa (o que obrigaria os homens, se eles tivessem alguma consideração, a refletir), e os cônjuges eram expressamente proibidos de se juntar novamente.

IV – A resposta de Cristo a essa objeção.

1. Ele retifica o erro dos fariseus com relação à lei de Moisés. Eles a chamaram de um mandamento, Cristo a chama somente de permissão, uma tolerância. Corações carnais tomarão o braço se lhes dermos a mão. A lei de Moisés, nesse caso, era uma lei política que Deus concedeu como o Governante daquele povo; e o divórcio era tolerado por razões de Estado. Sendo o rigor da união matrimonial o resultado de uma lei não-natural, mas formal, em alguns casos a sabedoria de Deus prescindia dela através do divórcio, sem qual­ quer depreciação de sua santidade.

Mas Cristo diz aos fariseus que havia uma razão para essa tolerância – e esta não se devia, de modo algum, a algum mérito deles: “Moisés, por causa da dureza do vosso coração, vos permitiu repudiar vossa mulher”. Moisés se queixou do povo de Israel em seu tempo, pois o coração do povo estava endurecido (Deuteronômio 9.6; 31.27), endurecido contra Deus; naquela ocasião, a per­ missão para o divórcio se devia ao fato de eles estarem endurecidos contra o próximo; os homens eram geral­ mente violentos e ultrajantes, qualquer que fosse o caminho que seguissem tanto em seus desejos como em suas paixões. E então, se a eles não tivesse sido permitido repudiar suas esposas quando expressassem antipatia por elas, eles as teriam tratado com crueldade, teriam agredido e abusado delas, e talvez as matassem. Note que não há maior crueldade no mundo do que um homem ser rude e áspero com a sua própria esposa. Os judeus, ao que parece, eram abomináveis por isso, e então lhes foi permitido repudiá-las; melhor divorciar-se delas do que fazer pior, do que cobrir “o altar do Senhor de lágrimas” (MaIaquias 2.13). Uma pequena complacência para satisfazer a vontade de um louco, ou de um homem que delira, pode evitar um dano maior. Leis formais podem ser prescindidas em prol da preservação da lei da natureza, pois “Deus quer misericórdia e não sacrifício”. Entretanto, aqueles que tornaram isso necessário são infelizes, são perdidos que possuem um coração endurecido. E ninguém pode desejar ter a liberdade do divórcio, sem virtualmente confessar a dureza de seu coração. Jesus diz: “por causa da dureza do vosso coração”, não apenas daqueles que viviam naquela época, mas de toda a sua semente. Deus não apenas vê, mas também antevê a dureza do coração dos homens. Ele adaptou os manda­ mentos e a providência do Antigo Testamento ao temperamento daquela gente, e o fez através do medo. Observe também: a lei de Moisés considerava a dureza do coração dos homens, mas o Evangelho de Cristo, a cura; e sua graça tira do homem o coração de pedra e lhe dá um coração de carne. Através da lei, vinha o conhecimento do pecado; mas através do Evangelho, ele é derrotado.

2. Jesus os leva de volta à instituição original: “Mas, ao princípio, não foi assim”. Note que as perversões que se insinuam em qualquer lei de Deus devem ser expurgadas recorrendo-se à instituição original. Se a cópia es­ tiver incorreta, ela deverá ser examinada e retificada pelo original. Desse modo, o apóstolo Paulo, ao corrigir as transgressões da igreja de Corinto em relação à Santa Ceia, recorreu ao que aconteceu naquela reunião (1 Coríntios 11.23): “Porque eu recebi do Senhor”. A verdade estava disponível desde o princípio; nós devemos então perguntar “pelas veredas antigas, qual é o bom caminho” (Jeremias 6.16), e devemos fazer as devidas correções, não pelos padrões recentes, mas pelas regras antigas.

2. Jesus define a questão através de uma lei explícita: “Eu vos digo” (v. 9), e isso está de acordo com que Ele havia dito antes (cap. 5.32). Naquela ocasião, isso foi dito em um sermão; aqui, em uma discussão. Mas é a mesma Palavra, pois Cristo não muda. Entretanto, em ambas as passagens:

(1). Ele permite o divórcio em caso de adultério; sendo que a razão da lei contra o divórcio consiste na máxima: “Serão dois numa só carne”. Se a esposa se prostituir e se tornar uma só carne com um adúltero, a razão da lei cessa, e também a lei. O adultério era punido com a morte pela lei de Moisés (Deuteronômio 22.22). Então, o nosso Salvador suaviza o seu rigor, e determina que o divórcio seja a penalidade. O Dr. Whitby entende isso não como adultério (porque o nosso Salvador usa a palavra porneia fornicação), mas como a impureza cometida antes do casamento, que é descoberta mais tarde; porque se fosse cometida depois do casamento, seria um pecado capital, e assim o divórcio não seria necessário.

(2). O Senhor desaprova isso em todos os outros casos: “Qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério”. Essa foi uma resposta direta para a pergunta dos fariseus, e que não estava de acordo com a lei. E nisso, como em outras coisas, o tempo do evangelho é “tempo de correção” (Hebreus 9.10). A lei de Cristo tende a restabelecer o homem em sua integridade primitiva; a lei do amor, do amor conjugal, não é um novo manda­ mento, mas era desde o princípio. Se considerarmos quantos danos às famílias e países, quantas confusões e desordens resultariam de divórcios arbitrários, entenderemos o quanto essa lei de Cristo é para o nosso próprio benefício, e que amigo o cristianismo é para nossos interesses seculares.

A lei de Moisés, que permite o divórcio por causa da dureza do coração dos homens, e a lei de Cristo, que o proíbe, sugerem que estando os cristãos sob a dispensação do amor e da liberdade, pode-se, legitimamente, esperar uma brandura de coração entre eles, pois eles não serão desumanos como os judeus, pois “Deus chamou-nos para a paz”. Não haverá oportunidade para divórcios se os cônjuges forem indulgentes um com o outro, e perdoarem um ao outro no amor, como aqueles que são, e esperam ser, perdoados, e que descobriram que Deus não nos repudiará (Isaias 50.1). Não há necessidade de divórcios se os maridos amarem suas esposas, se as esposas forem obedientes a seus maridos, e se ambos viverem juntos como herdeiros da graça da vida: e estas são as leis de Cristo. Não encontramos uma lei como essa em todas as leis de Moisés.

V – Aqui está uma sugestão dos discípulos contra essa lei de Cristo (v. 10): “Se assim é a condição do homem relativamente à mulher, não convém casar”. Parece que os próprios discípulos estavam relutantes em renunciar à liberdade do divórcio, considerando-a como um bom expediente para preservar o bem-estar na condição de casado; e então, como crianças mal-humoradas, se eles não tivessem o que queriam ter, jogariam fora aquilo que tinham. Se a eles não for permitido repudiar suas esposas quando lhes aprouver, eles não terão esposas de modo nenhum. Entretanto, desde o princípio, quando o divórcio não era permitido, Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só”, e os abençoou, declarando como abençoados aqueles que fossem, dessa forma, completamente unidos; no entanto, a menos que possam ter a liberdade do divórcio, os discípulos acham que é melhor o homem não se casar. Note que:

1. A natureza corrupta não tolera o controle e as restrições, e de bom grado romperia os laços de Cristo ao meio para obter a liberdade para a sua própria luxúria.

2. É uma atitude tola e impertinente para os homens, abandonar os confortos desta vida por causa das cruzes que habitualmente os acompanham, como se precisássemos necessariamente sair do mundo por não termos todas as coisas que desejamos; ou precisássemos assumir uma ocupação ou uma condição improdutiva, porque a sobrevivência nele se tornou a nossa obrigação. Não. Qualquer que seja a nossa condição, devemos direcionar nossas mentes para isso: ser agradecidos pelos nossos confortos, obedientes às nossas cruzes, sabendo que quando pensarmos nos nossos dias, deveremos ter em mente que “Deus fez este em oposição àquele”, e assim fazermos o melhor com o que tivermos (Eclesiastes 7.14). O fato de não podermos desfazer os laços do casamento a nosso bel-prazer não significa que não devamos nos submeter a eles; mas que quando nos submetermos, deveremos decidir nos comportar de acordo por amor, submissão, e paciência, o que tornará o divórcio a coisa mais desnecessária e indesejável que pode existir.

VI – A resposta de Cristo a essa sugestão (vv.11,12), na qual:

1. Ele reconhece que é bom para alguns não se casar: Aquele que é capaz de receber essa palavra, que a receba – “Nem todos podem receber esta palavra, mas só aqueles a quem foi concedido”. Cristo consentiu com o que os discípulos disseram, “não convém casar”; não como uma objeção contra a proibição do divórcio, como eles o pretendiam, mas dando-lhes uma regra (talvez não menos desagradável para eles): que aqueles que têm a dádiva da abstinência, e não sentem qualquer necessidade de casar-se, fazem melhor se continuarem solteiros (1 Coríntios 7.1); pois aqueles que não estão casados têm a oportunidade, se tiverem disposição, de se preocupar mais com as “coisas do Senhor em como hão de agradar ao Senhor” (1 Coríntios 7.32-34), sendo menos comprometidos com os cuidados desta vida, e tendo uma maior disponibilidade de tempo e pensamento para preocupar-se com coisas melhores. O crescimento da graça é melhor do que o crescimento da família, e a comunhão com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo deve ser preferida à qualquer outra comunhão.

2. Ele desaprova, como absolutamente prejudicial, proibir o casamento, porque “nem todos podem receber esta palavra”; realmente poucos podem – é preferível que as cruzes da condição de casado sejam carregadas do que esses homens caírem em tentação para evitá-las; “é melhor casar do que abrasar-se”.

Cristo fala aqui de uma dupla incapacidade para o casamento.

(1). Aquela que é uma calamidade pela providência de Deus; tal como a daqueles que nascem eunucos, ou se tornam assim através dos homens, e que, sendo incapazes de corresponder a uma finalidade do casamento, não devem se casar. Mas que lhes seja permitido compensar essa calamidade com a oportunidade que existe na condição de solteiro – servir melhor a Deus.

(2). Aquela que é uma virtude pela graça de Deus; como é a daqueles que se fizeram eunucos “por causa do Reino dos céus”. Essa é uma incapacidade para o casamento, não no corpo (e alguns, por erro de interpretação dessa Escritura, prejudicaram a si mesmos de forma tola e perniciosa), mas na mente. Aqueles que se tornaram eunucos alcançando um sagrado desinteresse por todos os prazeres da condição de casado, têm uma decisão estabelecida, na força da graça de Deus, de se privar completamente deles; e por jejum, e outros exemplos de mortificação, subjugaram todos os desejos voltados a eles. Estes são aqueles que podem receber esta palavra; além disso, não devem obrigar a si mesmos, através de voto, a nunca se casar. Eles só devem entender que, da forma como pensam agora, pretendem não se casar.

Então:

[1]. Essa simpatia pela condição de solteiro deve ser concedida por Deus; pois ninguém pode recebê-la, exceto “aqueles a quem foi concedido”. Note que a abstinência é um dom especial de Deus para alguns, e não para outros; e quando um homem, na condição de solteiro, descobre por experiência que tem esse dom, ele pode resolver permanecer solteiro, e (como o apóstolo diz, 1 Coríntios 7.37) ficar “firme em seu coração, não tendo necessidade”, mas tendo poder sobre a sua própria vontade para se manter assim. Mas os homens, nesse caso, devem tomar cuidado para não se gabarem de um falso dom (Provérbios 25.14).

[2]. A condição de solteiro deve ser escolhida por amor ao Reino dos céus. Pois naqueles que resolvem nunca se casar apenas para que possam economizar nas despesas, ou para satisfazer um temperamento mal-humorado e egoísta, ou ainda para ter uma maior liberdade para servir a outros desejos e prazeres, isto está muito longe de ser uma virtude – é um vício perverso. Mas quando é por amor à religião – não sendo um ato meritório em si mesmo (em que os papistas o transformaram), mas apenas como um meio para manter a mente mais aplicada e mais direcionada aos serviços da religião, e para que, não tendo família para sustentar, a pessoa possa fazer mais obras de caridade -, isto é aprovado e aceito por Deus. Note que essa condição é melhor para nós. E ser escolhido e comportar-se adequadamente, que é o melhor para a nossa alma, nos leva a nos prepararmos mais e a nos preservarmos para o Reino dos céus.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

AFINAL, EXISTE UMA SEXUALIDADE INFANTIL?

Durante longo tempo, ela foi calada. Preconceitos de uma longa história no Ocidente tentaram preservar esse silêncio afirmando o mito da “inocência da criança”.

Afinal, existe uma sexualidade infantil

É intrínseco ao ser humano nascer prematuro. A prematuração lhe é própria, dado o estado de dependência que exige por um longo tempo a presença de um outro que possa lhe oferecer a garantia, tanto de vida biológica como de vida psíquica. É este corpo prematuro que irá carregar as marcas dos seus começos, as marcas do movimento que surge desde o nascimento, passando pelo controle da motricidade, até a aquisição da linguagem. Portanto, é esse corpo que, mesmo nascendo na sua naturalidade, irá inevitável e lentamente imergir na cultura, realizando um percurso que será o palmilhar de sua história – de suas vivências psíquicas.

Na sua impotência, o corpo do recém-nascido recebe as marcas dos estímulos internos e externos que o assaltam e é o lugar onde vêm se inscrever a harmonia e a desarmonia dos ritmos entre o infans e sua mãe, as frustrações e as satisfações das necessidades fundamentais.

Desta maneira, a história singular de cada homem dependerá da existência de um outro humano, ao qual Freud nomeia de “semelhante”, ou seja, um outro humano já submetido à cultura, às leis da interdição do incesto. Portanto, referir-se a um humano é admiti-lo como efeito da relação com um “semelhante”.

Durante longo tempo, a sexualidade infantil foi calada. Preconceitos de uma longa história no Ocidente tentaram preservar esse silêncio afirmando o mito da “inocência da criança”. O não reconhecimento dessa sexualidade desconsiderou que comportamentos que ocorriam na vida adulta encontravam sua real justificativa na sexualidade infantil.

Freud, em 1905, ao estabelecer um elo de semelhança entre as práticas perversas no adulto e os comportamentos na criança, reconheceu haver uma ligação entre esses comportamentos e a existência de uma sexualidade infantil. É inegável que algumas alusões sobre a “vida amorosa da criança” já houvessem sido feitas antes de Freud. No entanto, coube ao criador da psicanálise ter estabelecido o papel que a sexualidade infantil desempenha no desenvolvimento psíquico do ser humano, tornando-se esta uma das primeiras grandes descobertas de Freud.

São as dificuldades ocorridas na infância que irão provocar impedimentos, inibições e sintomas diversos na vida adulta. A reconstituição da sexualidade infantil e de seus traumas poderá ser realizada através do tratamento psicanalítico, podendo promover elaboração, mudança psíquica e ressignificações.

A expressão “sexualidade infantil” passou a ser empregada por Freud em 1917, para designar as atividades ocorridas na primeira infância, na qual a criança busca prazeres no seu próprio corpo. Em sua obra, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud formulou a existência de fases vivenciadas pela criança: a oral, a anal, a genital e a fálica. Entendemos essas fases mais como expressões vivenciais do que acontecimentos ocorridos no interior de uma rígida cronologia que as demarque.

A CRIANÇA E A LIBIDO

Na chamada fase oral é inaugurado o momento em que a criança, sendo separada da mãe pelo corte do cordão umbilical, passa a viver uma relação simbiótica por meio do seio materno. A ligação da criança ao seio materno, ocorrendo em torno da função alimentar, é responsável pelo primeiro estádio da vida afetiva, em que a satisfação deriva de uma atividade que é originalmente ligada à alimentação, mas dela se desliga muito rapidamente, para tornar-se a busca de um prazer independente da função alimentar. Na fase oral, uma das manifestações mais evidentes do componente puramente libidinal se exprime na sucção do polegar da criança, fora das mamadas. Essa fase corresponde, aproximadamente, ao primeiro ano da criança e termina habitualmente com o desmame.

Já a fase anal se instala a partir do controle esfincteriano no ato da defecação. Nesse momento surge na criança o controle que lhe possibilita o prazer de expulsar ou de reter. Esse controle esfincteriano que está sob a dependência da maturação neuromuscular, surge na criança em torno do fim do primeiro ano, ao mesmo tempo em que se esboçam os primeiros passos, portanto, quando o controle esfincteriano e a aquisição da marcha vêm ser investidos de uma significação análoga a de uma independência nascente. Sede de todas as sensações do erotismo anal, a mucosa anorretal representa, nessa fase, a zona erógena provocada pela passagem fecal, encontrando na excreção um estimulante.

Em 1905, Freud, chocando a sociedade da época, dizia “A criança utiliza esta estabilidade erógena retendo as matérias fecais até que o acúmulo das matérias produza contrações musculares violentas, e que, passando pelo esfíncter Anal, elas provoquem sobre a mucosa uma viva excitação.

Podemos supor que a esta sensação dolorosa se acrescente um sentimento de volúpia” (Freud, 1905). Este controle que é aquele que a criança exerce ao mesmo tempo sobre seu próprio corpo e sobre o mundo exterior, se duplica de uma satisfação no plano da sexualidade infantil.

Nesse período, a relação da criança com o objeto é constituída em termos da posse: todo objeto de seu desejo é alguma coisa em relação ao qual ela exerce direitos e todo objeto é assimilável à posse, a mais primitiva: suas matérias fecais. Essa ligação que estrutura sua relação ao objeto, carrega, assim, a marca da ambivalência: a criança pode de um lado, tentar ganhar este objeto para si, dele apropriar-se, ou, para se falar numa linguagem “anal”, retê-lo; ou ela pode, ao contrário, recusar este objeto rejeitando-o, expulsando-o.

Encontramos na componente sádica, cal como ela existe na libido infantil, duas tendências opostas, ambas gratificantes: uma dessas tendências seria destruir o objeto externo; a outra, conservá-lo e exercer sobre ele um controle. Assim, os componentes anais eróticos e sádicos, combinam nas duas fases: a primeira onde o sujeito retém e controla o objeto, a segunda onde ele o expulsa e o destrói.

Já na fase fálica a criança abandona o investimento libidinal da zona anal, em benefício de um novo domínio erógeno que aparece. O abandono ou a solução dos conflitos afetivos centrados sobre a analidade – que na evolução normal, surge em torno de dois anos – é substituído pelas novas preocupações que afirmam o interesse da criança pela zona genital e todas as funções que a ela se ligam. Uma observação sem preconceito permite encontrar essas manifestações em todas as crianças nessa fase.

É também quando a criança entra na fase fálica que a mãe é capaz de nomear para ela a figura do pai, que a criança vai poder viver a dor dessa separação e o reconhecimento da figura paterna. Em Organização genital infantil da libido (1923), Freud lembra que “a característica principal desta organização infantil é o que a diferenciada organização genital definitiva do adulto. Não existe um primado do genital, mas um primado do falo”.

“No decorrer dessas buscas”, nos diz Freud, “a criança chega à descoberta de que o pênis não é um bem comum a todos os seres que se lhe assemelham […]. Sabemos como as crianças reagem às primeiras impressões provocadas pela ausência do pênis. Negam a ausência e, creem ver, apesar de tudo, um membro: lançam um véu sobre a contradição entre observação e preconceito. Achando que ele ainda está pequeno e que crescerá dentro em pouco, chegam lentamente a esta certeza, tendo em seguida sido retirado. A ausência de pênis é concebida como o resultado de uma castração e a criança encontra-se agora no dever de enfrentar a relação da castração com sua própria pessoa (Freud, Organização genital infantil, 1923).

Segundo Freud, o menino, apesar de perceber desde o início as diferenças entre homens e mulheres, não tem a possibilidade de englobar nessa diferença a diversidade relativa aos órgãos genitais, como por exemplo, os testículos.

A ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO

Assim, o menino atribuiria a todos os seres vivos, homens e animais, órgãos genitais iguais aos seus, pondo-se a procurar, mesmo nos objetos inanimados, um membro igual ao seu. Por admitir a existência de um único órgão sexual, o masculino, para ambos os sexos, o menino perceberia a falta de pênis na mulher como o resultado de uma mutilação da qual também se veria ameaçado. Segundo Freud, a mutilação é atribuída pela criança ao pai.

Face a esta ameaça, o menino vivencia a angústia de castração, momento no qual à percepção da falta de pênis na região genital da mulher, conjugam-se advertências proferidas pela mãe ou substitutos, onde o pênis da criança era visado em suas atividades ligadas à masturbação ou à excreção. Ou ainda a falas da mãe referentes aos cuidados e preocupações quanto a supostos perigos aos quais a criança poderia estar exposta: “desça daí senão você se machuca”, “cuidado ao atravessar”, “ponha uma camisa para não se resfriar etc.

Esse conjunto de advertências ganharia significado a posteriori diante de uma ameaça afetiva. E a criança pensa: “era então verdade”. Assim, a visão da ausência do pênis na mulher de um lado, e a evocação auditiva de ditos verbais parentais, de outro, definem as duas condições principais do complexo de castração.

O aspecto essencial da experiência do com­ plexo de Édipo e do complexo de castração consiste no fato de que, pela primeira vez, a criança reconhece, ao preço da angústia, a diferença, anatômica entre os sexos. Até então ela vivia na ilusão da onipotência. Com a experiência da diferença a criança terá de aceitar que o mundo seja composto por homens e mulheres e que o corpo tenha limites.

A CRIANÇA E O MUNDO

Na vida concreta de uma criança, a angústia de castração não se expressa necessariamente tal qual o modelo teórico. Embora a teoria se revele válida, são múltiplas as maneiras como esse processo pode se expressar. É, justamente, em cada situação específica, que a angustia de castração, ao se singularizar, testemunha o complexo de Édipo.

Neste caso, é importante compreendermos que o termo falo não é o análogo do pênis enquanto realidade corporal referida ao sexo masculino. O termo falo representa valores, atributos, cuja característica é a de não pertencerem a um único indivíduo. O falo, no caso, adquire uma significação remetida a uma representação de uma perda narcísica fundamental para ingressar no mundo da Cultura. Enquanto imagem, falo estaria destituído de referência única a um objeto, podendo assim prestar-se a ser uma imagem vazia, susceptível aos vários simbolismos. Falo é um símbolo que traz para a presença valores que substituem o órgão pênis. Simbolizado de diferences representações, falo é, como todo valor, circulável, destacável de cada pessoa. Tal constatação permitiu a Freud conferir ao termo falo o estatuto de um simbolismo universal, simbolismo este garantido pela amplitude da ressignificação. Por possuir essas características, falo é um símbolo que expressa uma forma de interdição.

Justamente, devido a esse mundo de representações, dinamizado pelas significações e ressignificações, foi possível a Freud explicar as dissonâncias existentes entre a anatomia e o mundo das imagens. Portanto, seria um equívoco confundir sexo com sexualidade, pois enquanto aquele (o sexo) está ligado à anatomia, esta (a sexualidade) ocorre basicamente no interstício entre a anatomia e as representações.

Essa simbolização permite ao homem ingressar num universo de imagens. Incansável, Freud revela a importância desse universo imagético na constituição da sexualidade humana, diferenciando-a do que até então era conhecido como sexo.

Dizer, portanto, que uma criança ingressou no mundo da Cultura é ter que se considerar, a partir de uma abordagem psicanalítica, a qualidade e o modo como a criança vivenciou suas relações parentais. São os vestígios deixados por essa relação que irão aparecer na adolescência, determinando na vida adulta as relações com o Outro e, especialmente, com as imagens de autoridade ou as imagens de amor. Da maneira como foi vivido o conflito edipiano, dependerão as possibilidades de o adulto interagir com as imagens que ele forma do mundo.

Valorizado por Freud, esse universo de imagens nos lança, hoje, a novos desafios. Desafios que vêm sendo ressaltados pelo filósofo Jean Baudrillard (1990) quando este estabelece a diferença entre a imagem e o visual. Para Baudrillard, enquanto a imagem se refere a um “existo, estou aqui”, exigindo, portanto, na mesma percepção, um outro, que por sua vez demarca a existência de uma relação estruturante do narcisismo, o visual é definido como uma espécie de “imagem minimal, de definição menor, como a imagem vídeo, imagem tátil”. Acrescenta o autor que o visual distancia-se “da lógica da distinção”, nele inexistindo o “jogo de diferenças”, que segundo Baudrillard (1990) “recorre à diferença sem nela acreditar”. Trata-se, portanto, da indiferença, em que “ser, torna-se uma performance efêmera sem futuro, um maneirismo desencantado num mundo sem maneiras […]”.

Já no terceiro milênio, cabe não perder de vista a dimensão cultural garantidora da vida, sem contudo, negligenciar ou minimizar o que de novo irrompe neste novo século. É inegável o desvanecimento das imagens num mundo onde o excesso de visual, confundindo-se com as imagens, relativiza ou nega a imagem do outro, essencial para a formação e constituição do sujeito. Em face dessa tendência, a psicanálise revela-se, mais uma vez, possuidora de um importante papel social: lançar, não só Freud, mas o mico de Édipo para o terceiro milênio.

OUTROS OLHARES

ORKUT VOLTA COM HELLO

Já disponível no Brasil, nova rede social do pioneiro Orkut Büyükkõkten é lançada na Índia com a ambição de ser uma alternativa à hegemonia do Facebook.

Orkut volta com hello

Com 1,35 bilhão de habitantes, a Índia é um dos mercados mais atraentes para redes sociais. É também o novo alvo do engenheiro de software turco Orkut Büyükkõkten, conhecido como o criador da hoje nostálgica rede que levava seu nome. Há duas semanas, ele inaugurou no país asiático o serviço Hello, sua mais recente criação. Já disponível no Brasil, é uma espécie de herdeira do antigo Orkut.com, responsável por apresentar o potencial das redes sociais para muita gente. especialmente brasileiros e indianos. Enquanto esteve online. entre 2004 e 2014. a rede social chegou a 300 milhões de usuários. Começou como um projeto paralelo de Orkut quando o engenheiro trabalhava no Google – e logo se tomou sua principal ocupação. Para entrar era preciso receber um convite de outro usuário mais antigo, o que só aumentava seu apelo. Sua principal característica era reunir pessoas em comunidades nas quais podiam compartilhar gostos semelhantes. Havia milhares de grupos, para tudo: amantes de chocolate, de música alta, acordar tarde…Era uma experiência voltada para os computadores que ficou perdida com a popularização dos smartphones.

Quando a rede social encerrou suas atividades, o público acabou migrando para outras opções. principalmente o Facebook. Demorou até que o antes visionário Orkut conseguisse encontrar seu espaço. Com o Hello, ele finalmente pretende retomar a graça das comunidades. Feita especificamente para aparelhos portáteis, a rede resgata os grupos de interesse e introduz uma nova modalidade, chamada Persona, que é utilizada para definir os principais gostos de uma pessoa, do amor por gatos e cachorros até seu esporte preferido. Esses interesses, declarados pelos usuários, serão utilizados na oferta de publicidade. “As comunidades ofereciam às pessoas um espaço seguro para que elas se reunissem e dividissem seus interesses, sentimentos e paixões genuínas. Criamos toda a experiência de Hello em torno das comunidades”, disse Orkut. Com interface de apelo visual, favorece a divulgação de fotos e remete ao Instagram e ao Pinterest. Há cerca de um ano e meio no Brasil. já tem mais de um milhão de usuários. Para a campanha de lançamento na índia, Orkut se fantasiou de Super-homem e vestiu parte da equipe com trajes de super-heróis. A mensagem é clara: recuperar o lado “cult” de sua antiga rede social.

 AMBIENTE SEGURO

Um dos motivos que faz com que a maioria dos antigos usuários do Orkut lembrem dele com carinho é que a rede oferecia um ambiente praticamente livre de mensagens de ódio, ao mesmo tempo em que tinha um clima divertido de descoberta de pessoas com gostos parecidos. Ela enfrentou alguns problemas legais ao longo dos anos, mas a situação não chega nem perto do que é visto hoje no Facebook. “As companhias que cuidam das redes sociais priorizam os anunciantes, as marcas e os acionistas. Elas possuem algoritmos muito sofisticados que incorporam inteligência artificial para otimizar o tempo gasto, os cliques em anúncios e o retomo financeiro. A felicidade do usuário e as conexões entre as pessoas não são a prioridade”, afirma Orkut. Segundo ele, o resultado disso é uma falta de intimidade e espontaneidade. “Vemos nossos feeds e encontramos momentos perfeitamente coreografados, aparências e situações falsas. As redes estão nos trazendo ansiedade e depressão”.

O recente escândalo envolvendo a utilização de dados de usuários do Facebook pela Cambridge Analytica só piorou a situação da rede que dominou o mundo. Informações retiradas ilegalmente de milhões de contas foram utilizadas para influenciar eleições nos Estados Unidos e na Inglaterra. A Cambridge anunciou o fim de suas atividades, mas o estrago já estava feito. Mark Zuckerberg, criador do Facebook, foi obrigado a dar satisfações ao Congresso Americano. E sua rede social está sofrendo com um êxodo inédito. “As redes sociais deveriam ser transparentes sobre o que fazem com os dados dos usuários e com quem eles compartilham essas informações. Muitos se escondem atrás de termos de serviço. Sabemos que nem todos leem esses termos. É moralmente errado enganar usuários ao esconder suas intenções em letras miúdas”, afirma Orkut.

É nesse vácuo que o Hello pode encontrar terreno para crescer. “Acredito de todo coração que a tecnologia deveria nos conectar. Não entrar no caminho. Redes sociais devem ser criadas sobre valores como gentileza, amor, empatia e união”. A mensagem otimista de Orkut pode parecer até ingênua, mas oferece justamente uma esperança para quem se interessou pelas redes sociais nos anos 2000 e desde então não encontrou o mesmo ambiente divertido em outras plataformas. Ainda está longe de ser uma ameaça para o Facebook, mas mostra que há vida fora da rede social de Zuckerberg.

 Orkut volta com Hello2

 

Orkut volta com Hello3

GESTÃO E CARREIRA

COMO SE TORNAR UM LÍDER DO SÉCULO 21

Talento para lidar com pessoas, disposição para encarar a complexidade, espírito de equipe. Essas competências ganham o centro de uma transformação que vai forjar as novas lideranças e mudar as empresas. Você está preparado?

Como se tornar um líder do século 21

A julgar pelo que diz no mundo dos negócios, uma revolução libertadora está a caminho. “Deem ordens ao seu chefe o quanto antes: experimentem fazer isso logo no início. Se ele for o tipo certo de chefe, nada o agradará mais; se não for, ele não é a pessoa certa com quem vocês devam ficar”, afirmou um dos maiores nomes da siderurgia mundial. “Todo falatório sobre supergênios é besteira. Descobri que quando a estrelas vão embora, raramente seus departamentos sofrem”, adicionou um de seus pares. “Um empregador está sempre procurando mentes questionadoras”. disse o herdeiro de um dos grandes impérios automobilísticos. Boas-vindas à Geração Y? Não exatamente. As três frases foram ditas, respectivamente, por Andrew Carnegi (1835-1919), Charles Schwab (1862-1939) e Henry Ford II (1917-1987), dois barões do açoda virada do século19 para o 20 o neto do criador do conceito de linha de montagem. Suas práticas empresariais nunca foram propriamente democráticas. Durante uma greve conflituosa em sua siderúrgica, 1892, o mesmo Carnegie que conclama a funcionário a darem ordens aos chefes refugiou-se em sua Escócia natal e enviou 300 seguranças truculentos para dispersar os trabalhadores parados. O discurso libertário criou mofo faz tempo nas bibliotecas corporativas. mas o modelo autoritário de liderança dá sinais reais de esgotamento e algo novo começa, finalmente, a ser erguido em seu lugar. “Em grande parte uma empresa está sendo administrada, neste exato momento, por um pequeno grupo de teóricos e profissionais que já morreram há muito tempo e criaram as regras e convenções da gestão “moderna” nos primeiros anos do século 20”, afirma Gary Hamel, um dos mais influentes pensadores dos negócios da atualidade, no prefácio de O Futuro da Administração. “Contudo, a diferença das leis da física, as leis da gestão não são nem pre­determinadas nem eternas – ainda bem, pois o mecanismo de gestão está sobrecarregado com o peso de uma carga que não estava programada para carregar. Mudanças abruptas, vantagens fugazes, inovações tecnológicas, concorrentes indisciplinados, mercados fragmentados, clientes poderosos, acionistas rebeldes – esses desafios do século 21 estão pondo à prova os limites da estrutura das organizações em todo o mundo, e expondo as limitações do modelo de gestão que não conseguiu acompanhar os tempos”, escreveu Hamel.

Sacudida de um torpor de décadas para uma recessão global, muitas companhias se deram conta de que, em um período crítico de suas histórias, estão sendo comandadas por líderes do século passado. Em uma pesquisa divulgada no mês passado, a IBM constatou que 79 % de um grupo de mais de 1,5 mil CEOs de 60 países e 33 setores – pera aumento da complexidade, mas apenas 49 % sente-se preparado para enfrentá-lo. Entre as empresas americanas, 67 % admitiram, em outro  levantamento recente, que seus principais gestores precisam aprimorar habilidades de liderança, e 53 % afirmaram sentir falta de competências como planejamento estratégico e habilidades de comunicação. Muitas das principais demandas reprimidas das companhias em relação a seus líderes, como motivar gestores, desenvolver funcionários nada têm a ver com gestão de pessoas. Essa competência, antes negligenciada, está no centro de uma revolução que, segundo teóricos como Hamel, marcará o fim da era da liderança autoritária e o início de um ciclo competitivo centrado no capital humano.

ATIVOS INTANGÍVEIS

O século 21 trouxe com ele uma mudança de paradigma no modo como se gerencia. A velha economia era centrada em custo. Sua equação definidora era: preço = custo + margem. A base para a criação de valor eram os ativos tangíveis, como dinheiro, instalações e produtos. O foco estava na produção. Ou seja, na oferta de mercadorias. Isso levava os executivos a olharem sobretudo para dentro de suas fábricas. Já a nova economia, centra-se no cliente. A equação do momento é outra: valor = clientes + capital intelectual. Logo, a base para a criação de valor são os ativos intangíveis, como a capacidade de capturar a inteligência dos colaboradores e as necessidades dos clientes. O fator decisivo do sucesso é a geração de demanda. Dito de outro modo, não é a oferta que cria a demanda; é a demanda que induz a oferta. Não por acaso, a manufatura de produtos é muitas vezes terceirizada. É um mundo de fronteiras difusas, no qual os esforços conjuntos para inovar transformam em borrões os limites entre diferentes companhias. “Não sei onde acaba minha empresa e começa a do meu parceiro” é uma das frases definidoras desta era.

Naturalmente, essa mudança de paradigma traz um novo leque de competências exigidas dos líderes contemporâneos. Algumas delas formam uma pequena agenda do bem, como o compromisso com o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Não é por acaso que executivos acima do peso deram lugar a profissionais em forma, muitas vezes com físicos ­ rotinas – de atleta. O cuidado com o corpo e com a mente passou a ser reverenciado. Quem diz não ter tempo para isso provavelmente não se preocupará com o bem-estar de seus liderados. Ou o compromisso com a sustentabilidade. O executivo cobiçado não é o ambientalista, mas aquele que consegue enxergar novas formas de fazer negócios, aproveitando as demandas ambientais e sociais contemporâneas. Além de “do bem”, o executivo do século 21 é um generalista. As empresas de ponta já se preocupam menos com a especialidade do executivo e mais com sua capacidade de liderança. Décadas em um mesmo setor são cada vez menos valorizadas.

No que diz respeito à formação, finanças é uma disciplina mais importante hoje do que foi no passado. Valoriza­ se a percepção de riscos e oportunidades no mercado. Antes, o profissional financeiro era muito técnico. Agora, tem de ser estratégico. Justamente por isso, está ficando cada vez mais comum ver diretores financeiros promovidos à presidente. “Não dá para vir pelo marketing ou da operação sem muito conhecimento de finanças e assumir a presidência”, afirma Alexandre Fialho, diretor do Hay Group, uma consultoria global de gestão. Esta é uma tendência que chegou antes da crise financeira. No Brasil, está relacionada à sofisticação e à maior penetração do mercado de capitais no mundo empresarial. “Quando os juros eram muito altos, qualquer aplicação dava resultado. Agora, é preciso saber o que se está fazendo”, diz Fialho. Jim Kouzes e Barry Posner, autores do best-seller O Desafio da Liderança, realizaram recentemente uma pesquisa com milhares de profissionais dos mais variados níveis sobre as qualidades que desejam em seus líderes. O atributo visionário só perdeu para honesto. Foi selecionado por 72% dos respondentes. “Essa é a boa notícia”, afirmam Kouzes e Posner no ensaio que escreveram para o livro A Nova Organização do Futuro. “A má é que os líderes de hoje são péssimos nisso.” Isso acontece em parte porque os profissionais e as empresas são reféns do presente, pedalando incessantemente a bicicleta dos lucros trimestrais, o que os impede de parar, por alguns minutos que seja, para pensar além dos três meses que estão adiante. Isso não é novidade no mundo das companhias abertas, mas a maior complexidade dos problemas, as doses cavalares de incerteza e as jornadas de trabalho sem fim não facilitam a vida de quem tem a obrigação de ser visionário. Não é à toa que não existem muitos Steve Jobs por aí.

 REFLEXÃO EM GRUPO

Mas isso não serve de desculpa. “Lamentamos informar que nenhuma dessas pressões que mantem as pessoas reféns irá cessar”, afirmam Kouzes e Posner. Apesar das pressões diárias que mantêm sua mente aprisionada, você pode ser mais orientado para o futuro.” As dicas da dupla são de uma simplicidade desconcertante. E começam no tempo presente: perceba melhor o que acontece à sua volta e preste atenção aos sinais tênues. Maior consciência da situação atual tende a ajudar a pensar nos problemas e projetos que estão por vir. Melhor ainda se a reflexão for feita em conjunto. “O que as pessoas querem ouvir não é a visão do líder querem ouvir coisas sobre suas aspirações”, afirmam os autores. “Para ser capaz de descrever uma imagem convincente do futuro, você precisa ser capaz de compreender o que os outros querem.” É como se, para articular sua visão, o líder precisasse tomar emprestados os óculos de sua equipe. O debate sobre a competência no trabalho já enveredou por uma corrente irônica batizada de antiadministração. Uma de suas contribuições é o Princípio de Peter, cunhado em 1968 pelo educador canadense Laurence Peter, que afirma: “Em uma hierarquia, todo empregado tende a subir até seu níveI de incompetência”. Logo, “com o tempo, todo posto tende a ser ocupado por um funcionário que é incompetente para cumprir seus deveres”. A conclusão é que o trabalho é realizado pelos colaboradores que ainda não atingiram seu nível de incompetência. Depois de 42 anos, a máxima é aplicável a um universo corporativo cuja característica mais desafiadora – a tendência de aumento da complexidade. Primeiro, pela quantidade avassaladora de dados disponíveis para o gestor. Segundo, pelo aprofundamento da globalização. Um vulcão na Islândia impacta uma cadeia de suprimentos que termina na periferia de São Paulo. Tudo isso leva o ser humano a se deparar com o limite de sua incompetência. Muita gente boa já se convenceu de que é diante do desafio de fazer algo que ainda não sabemos que o aprendizado profissional se dá de forma mais rica. Desde que se tenha o que a Korn/Ferry, uma consultoria em recursos humanos chama de agilidade de aprendizagem. Isto é, talento para descobrir algo diferente que possibilite um bom desempenho em circunstâncias desconhecidas. “Lidar bem com mudanças e situações novas é um indicador mais forte de potencial e desempenho no longo prazo do que apenas inteligência”, diz Sérgio Averbach, presidente da Korn/Ferry na América do Sul. Liderar no exterior, por exemplo. O desafio das novas multinacionais brasileiras é formar profissionais com experiência multicultural.

Antes de chegar a uma companhia de capital nacional, Pérsio Pinheiro, o novo diretor de desenvolvimento organizacional da Brasil Foods, trabalhou em empresas americanas. Nelas, aprendeu o estilo rolo compressor de internacionalização. “Recebia uma caixinha pronta para aplicar em países que não necessariamente conhecia”, diz Pinheiro. “Aqui, nosso desafio é não repetir essa globalização de manual. “Ser internacional sem ser imperialista é tarefa para um novo perfil de executivo, capaz de se adaptar bem a qualquer lugar – e não adaptar qualquer lugar a seu estilo. Na hora de decidir quem terá uma oportunidade internacional, vale uma máxima futebolística: quem pede tem preferência; quem se desloca recebe. “O profissional tem de se colocar de maneira proativa. Estar disposto a um movimento lateral”, diz Pinheiro. Isso quer dizer, por exemplo, se dispor a fazer na África do Sul – uma operação de US$ 50 milhões – o mesmo trabalho que executa no Brasil, onde o faturamento é de US$ 2 bilhões. “Trata-se de um investimento na carreira.”

Tornar-se cosmopolita é uma competência que se adquire fora da sala de aula, viajando, mesmo que como turista, mas principalmente vivendo no exterior. Dois a cinco anos de experiência internacional são um dos ativos profissionais mais valorizados do momento. São necessárias uma ou duas experiências substanciais (não uma missão curta, de dois ou três meses) para ir além de uma impressão superficial da vida em um determinado país. Quanto mais estrangeira a pessoa se sente, maior sua sensibilidade aos valores locais.

 FORMAÇÃO HUMANÍSTICA

Adquirir competências fora da sala de aula é um caminho incontornável para os candidatos a líderes da era pós-autoritária. O executivo do século 21 tem de aprender a vida toda. E não pode estar centrado apenas no conhecimento técnico. Valoriza­ se, cada vez mais, uma formação humanística. Além da disposição para acompanhar a evolução da física, da biologia, da neurociência. A universidade de Berkeley, na Califórnia, está buscando esse equilíbrio entre gestão e cultura e já incorporou teatro, filosofia e outras disciplinas estranhas às escolas de negócios em seu curso de formação de executivos. “Os presidentes de empresa têm de se transformar em contadores de histórias”, diz Moisés Sznifer, sócio da consultoria Idea Desenvolvimento Empresarial. “Isso eles vão aprender no teatro e na literatura.”

Alexandre Prates, diretor do Instituto de Coaching Aplicado, está concluindo um estudo intitulado A Reinvenção do Profissional. Ele trata do que chama de competências do executivo do futuro – aquele que, supostamente, será disputado pelas organizações, independentemente de sua área de atuação. Prates destaca duas transformações entre aquelas que, nos últimos anos, apressaram a chegada do futuro: a crise global e o crescimento da classe C no Brasil, que forçou empresas, acostumadas até então a interagir com a classe média tradicional, a lidar com um novo consumidor. “As organizações tiveram de se adaptar às mudanças e, com isso, aperfeiçoaram seus processos de gestão, exigindo amadurecimento de seus profissionais”, afirma Prates. “Algumas competências tornaram-se fundamentais para que o profissional possa atender a esta nova demanda do mercado.” Entre elas estão cultura – “mais do que educação, estamos falando de conhecimento profundo, não perecível” – e obsessão por aprender.

A crise por que passam os MBAs está diretamente relacionada às novas competências demandadas pelo mercado. Esses cursos formaram um tipo de executivo perfeito para o século 20, mas não necessariamente têm a estrutura para dar aos homens e às mulheres de negócio contemporâneos a formação ampla de que necessitam. Um MBA feito cinco ou seis anos atrás já não vale muita coisa hoje. O executivo é estimulado a buscar permanentemente cursos específicos para preencher as lacunas em seu aprendizado e elevar o nível de suas competências. O termo em voga é AMP, sigla em inglês para Programa de Gestão Avançada, um curso oferecido por várias escolas de negócio de ponta a CEOs e potenciais CEOs, assim indicados por suas empresas. Em vez de abrir mão de jovens promissores por dois anos, um número crescente de companhias prefere oferecer módulos intermitentes de treinamento interno. Além de manter seus talentos no trabalho por mais tempo. as empresas têm a chance de corrigir o que muita gente no mundo corporativo considera uma distorção do currículo das escolas de negócio, o excesso de teoria.

Gurus de negócios e suas receitas do tipo tamanho único andam em baixa entre os altos executivos. O CEO de hoje não quer conhecimento pasteurizado, quer conteúdo sob medida. Tornou-se comum a prática de levar consultores renomados à companhia para discutir negócios em profundidade. Ou ir até eles. Em maio, depois de anos acalentando a ideia de trazer Jim Collins para reuniões de trabalho no Pão de Açúcar, Abílio Diniz, o principal acionista da empresa, levou sua diretoria executiva para Boulder, no Colorado, onde vive o consultor. Autor de clássicos contemporâneos como Empresas Feitas Para Vencer – que Diniz leu, fascinado, em 2005 -, Collins é possivelmente o pensador de negócios mais influente do momento. “É o sucessor de Peter Drucker”, afirma o headhunter Darcio Crespi, da Heidrick & Struggles.

Foram duas manhãs de discussões entre Collins e a equipe do Pão de Açúcar, em um hotel da cidade. À tarde, tempo para os 12 executivos brasileiros encararem a lição de casa deixada por Collins – que, de professor, no sentido convencional da palavra, não tem nada. Ele é socrático. Faz perguntas que dão origem a dinâmicas. “Quantas pessoas certas vocês têm na sua empresa?” “Quantas estão nos cargos-chave?” “Quantos cargos-chave existem na companhia?” Alguns dos participantes colocaram todos os gerentes de loja nesta última categoria. São quase 1.5 mil. Outros pensaram só na diretoria. Passam a ser menos de 50. A discussão foi longa. Mas resultou em critérios claros sobre o que são pessoas certas e pessoas errada, cargos mais ou menos importantes. Como subproduto, criou-se um ranking dos quatro principais valores do grupo:1) determinação e coragem:

2) disciplina; 3) humildade: e 4) equilíbrio emocional. No final da última sessão, Collins lançou uma pergunta desafiadora: “Se o Pão de Açúcar desaparecesse, o que o mundo perderia?”. O tópico rendeu uma tarde inteira de debates. O que ficou da viagem, para Enéas Pestana, o presidente da empresa, foi a percepção de que seu time principal de gestores acredita nos conceitos de Collins e concorda com eles. A começar pelo mais conhecido: tenha as pessoas certas no ônibus, coloque-as nos lugares corretos e não se preocupe, elas vão encontrar o melhor caminho. Crespi, o caça-talentos, aprova a metáfora. “O executivo do século 21 é esse com talento para reunir as melhores pessoas, mas tem de atuar como chofer do ônibus.”

REVISÃO CURRICULAR

Empresas que consideram indispensável o treinamento formal em negócios, mostram-se mais dispostas do que no passado a prover elas próprias a educação necessária. Para isso, no entanto, estão repensando o que precisam ensinar. Desde 1956, quando foi criado, o Instituto de Gestão da General Electric, em Crotonville, uma hora ao norte de Nova York, é sinônimo de excelência na formação de líderes. Mesmo essa instituição, porém, começa a ser questionada. Meses atrás John Sullivan, um professor de administração da Universidade de São Francisco criticou a empresa publicamente por insistir num modelo do século 20 em pleno século 21. O próprio conceito de programas de desenvolvimento que consomem muito do tempo dos executivos – 12 meses, no mínimo, nos primeiros 15 anos de cada líder da GE – levanta algumas questões. Vale a pena tirar altos executivos dos seus postos por semanas para ensinar a eles novas habilidades? Não seria melhor gastar tempo e dinheiro para aprofundar especializações ou, ao contrário, formar gestores mais generalistas? Desde que a crise financeira global atingiu em cheio a GE, derrubando o preço de suas ações de US$ 29 para US$ 6, Jeffrey Immelt, seu CEO, está repensando o modo como a companhia prepara seus executivos para liderar.

A GE gasta US$ l bilhão por ano em treinamento e chega a dedicar meses de cada ano para avaliar talentos. Mas parece convencida de que precisa reformar a grade curricular de seus programas de formação de líderes, de modo a incorporar o que sua diretora de aprendizado, Susan Peters, chama de “atributos do século 21”. Na época de Jack Welch, por exemplo, as habilidades valorizadas eram capacidade para cortar custos, eficiência e talento para fechar negócios. Na era Immelt, elas deram lugar a apetite por risco e inovação. Dentro da GE, a conversa boje é sobre os novos traços profissionais de que os líderes precisarão para prosperar, um assunto revisto a cada cinco anos na companhia. “Há cerca de um ano, começamos a refletir novamente sobre liderança, especialmente por causa da crise financeira”. afirmou Susan. “Reconhecemos que havia mais do que uma crise financeira.”

A GE está preocupada com velocidade da informação, interconexões, complexidade crescente. mudanças na tecnologia e nos meios de comunicação. “Reconhecemos que o ambiente de hoje requer ênfases diferentes e decidimos olhar mais uma vez para o modo como pensamos sobre liderança”, afirma Susan. A companhia convidou pensadores de fora para participar dessa revisão. Entre eles, David Bradley, dono da revista americana The Atlantic, e Edie Wejner, futurista e consultor de empresas. Em um esforço paralelo, pôs a principal turma de Crotonville, conhecida como EDC (da sigla em inglês para Classe de Desenvolvimento de Executivos) e formada por 35 participantes, para viajar pelo mundo durante três semanas, em busca de novas ideias. Essa tropa de elite corporativa foi enviada para 100 diferentes instituições – de uma escola do Partido Comunista na China até um time de basquete nos Estados Unidos. Sempre com a intenção de descobrir qual é a atual visão de liderança e como se ensinam as competências necessárias.

 ATRIBUTOS DO SÉCULO 21

Com o resultado desse trabalho em mãos, a GE injetou contemporaneidade em seus valores de liderança, incluindo neles os atributos do século 21. O primeiro, e talvez mais importante, é a habilidade de se adaptar. Ou seja, administrar múltiplos cenários, quer para reagir rapidamente ao derretimento das finanças, como em 2008, ou para enfrentar um desastre ambiental de proporções catastróficas, como no caso da BP. O segundo é o caráter global, a habilidade para desenvolver perspectiva cultural e fortalecer equipes profissionais em diferentes países. Na prática, do ponto de vista da matriz americana da GE, isso significa ter a capacidade de delegar com segurança em países emergentes. Em termos de comunicação, historicamente a ênfase sempre esteve mais na capacidade de expressão. Soma-se a isso, agora, o talento para ouvir e entender o que está acontecendo em todas as partes. Vem daí a demanda pelo que a GE chama de líder colaborador, capaz de ligar os pontos entre diferentes grupos de interesse na companhia. Na brasileira Natura, o programa de formação de lideranças ganhou musculatura nos últimos dois anos e foi desenvolvido a partir de parâmetros não muito diferentes dos da GE. Ele parte da constatação de que as disciplinas tradicionais não dão conta de preparar as pessoas para os desafios atuais. E apela para a chamada transversalidade de disciplinas. “Filosofia, antropologia, nanotecnologia, ciências da natureza… A ordem é ampliar a compreensão do contexto para conseguir uma atuação mais efetiva”, diz Marcelo Cardoso, vice-presidente de desenvolvimento organizacional da Natura. Uma parte pequena da formação, cerca de10%, se dá em sala de aula. O desenvolvimento para valer acontece no dia a dia. É assim que deve ser, a julgar por três dos mandamentos da agilidade de aprendizado elaborados pela Korn/Ferry:

>>> Toda e qualquer competência pode ser desenvolvida.

>>> As melhores oportunidades de desenvolvimento estão no próprio trabalho.

>>>Profissionais com potencial têm facilidade para desenvolver novas competências.

Ocorre que, na maioria dos casos, empresas e executivos escolhem os caminhos errados quando decidem correr atrás do prejuízo. Na média, 70% dos esforços típicos para aquisição de competências são centrados em cursos, 20% em programas de coaching e mentoring e apenas 10% dependem de experiências no trabalho. As evidências sugerem, porém, que o ideal é inverter a pirâmide, reduzindo o peso dos cursos a 10% e elevando o papel da experiência a 70%.

Mas atenção: aprender com a mão na massa é bem mais do que levantar cedo e ir para o trabalho todas as manhãs. Se você está cumprindo por dois ou três anos tarefas com as quais se acostumou, provavelmente não está aprendendo. Auto aperfeiçoamento profissional é um pouco como musculação. Uma competência só se desenvolve quando é exigida rotineiramente. Dói, causa desconforto, mas, com disciplina, dá resultados. Tanto quanto no passado, executivos contemporâneos valem-se de publicações especializadas – e outras nem tanto – para manter-se atualizados. Luiz Carlos Cabrera, especialista em recrutamento e treinamento de presidentes e diretores, sustenta que boa parte do conhecimento útil hoje está condensado e estruturado em revistas. ”Um bom artigo sobre um tema novo, publicado numa revista séria, muitas vezes é suficiente”, afirma Cabrera. “O importante é ter um elenco de revistas que você leia sistematicamente. Publicações de negócios daqui e de fora, além da The Economist.” Paralelamente, Cabrera sugere um programa misto para leituras mais alentadas. “Escolha dois livros por mês, um romance e um de negócios. Faço isso religiosamente”, diz. As bibliotecas dos executivos de hoje tendem a ser mais variadas que as de seus antecessores. Para cada Michael Porter em exposição há, por exemplo, um Nicholas Taleb, autor de A Lógica do Cisne Negro, um ensaio sobre a complexidade. Ler no papel ou em e-readers é questão de gosto.

O que não pode acontecer é o desperdício das ferramentas de aprendizado à distância. Em dezembro, a iTunes U, seção da loja virtual da Apple dedicada a universidades, bateu a marca de 100 milhões de downloads de conteúdo de dezenas de faculdades do mundo todo. Cases de Harvard, palestras de Stanford, está tudo lá. De graça e legalmente. Mais contemporâneo, impossível.

Como se tornar um líder do século 21- 2 

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ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 19: 1 – 2

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Cristo Deixa a Galileia e Entra na Judéia

 Aqui temos um relato da mudança de Cristo. Observe que:

1. Ele deixou a Galileia. Ali Ele tinha sido criado. Ali, naquela remota e desprezível parte do país, Ele havia passado a maior parte de sua vida; apenas por ocasião das comemorações que Ele ia para Jerusalém, e se manifestava ali; e podemos supor que, não tendo ali residência fixa quando chegou, suas pregações e milagres eram mais perceptíveis e mais aceitos. Mas isso foi um exemplo de sua humilhação, e nisso, como em outras coisas, Ele apareceu em um estado de humildade. Ele viria como um galileu, um homem do norte, a parte menos educada e refinada da nação. Até aqui, a maioria dos sermões de Cristo e a maioria de seus milagres haviam sido realizados na Galileia; mas agora, “concluindo Jesus esses discursos, saiu da Galileia”, e este foi o seu último adeus; porque (a menos que a sua passagem “pelo meio de Samaria e da Galileia”, Lucas 17.11, tenha ocorrido depois disso, o que, contudo, era apenas uma visita. Ele nunca mais veio para a Galileia novamente até depois da sua ressurreição, o que torna essa transição extraordinária. Cristo não partiu da Galileia até que houvesse encerrado o seu trabalho ali. Note que os fiéis ministros de Cristo não são afastados de nenhum lugar, até que tenham terminado o seu testemunho naquela localidade; eles também não são levados deste mundo enquanto não concluem a sua missão (Apocalipse 11.7). É muito confortável para aqueles que seguem não a sua própria vontade, mas a providência de Deus, em suas mudanças, saber que concluirão seus discursos antes de partirem. E quem desejaria continuar em qualquer lugar por mais tempo do que o necessário para realizar ali a obra de Deus?

2. Ele se dirigiu “aos confins da Judeia, além do Jordão”, para que os habitantes dali pudessem ter seu dia de visitação da mesma forma que a Galileia, pois eles também pertenciam às “ovelhas perdidas da casa de Israel”. Mas Cristo ainda se manteve naquelas partes de Canaã que se estende em direção a outras nações: a Galileia é chamada de “Galileia das nações”, e os sírios habitavam além do Jordão. Assim, Cristo insinuava que, embora se mantivesse dentro dos limites da nação judaica, Ele tinha em vista os gentios, e o seu Evangelho estava se encaminhando em direção a eles, pois esse era um de seus objetivos.

3. “Seguiram-no muitas gentes”. Onde estiver Siló, ali se congregarão os povos. Os “remidos do Senhor” são os que “seguem o Cordeiro” para onde quer que vá (Apocalipse 14.4). Quando Cristo parte, é melhor que o sigamos. O fato de Cristo ter sido constantemente seguido por uma multidão, para onde quer que fosse, era uma amostra de respeito a Cristo, embora fosse um problema constante. Mas Ele não procurava a sua própria comodidade, considerando quão má e desprezível essa turba era (como alguns os chamariam), nem fazia muita questão da sua própria glória, aos olhos do mundo. Ele “andou fazendo o bem”; e assim se segue que Ele curou a multidão “ali”. Isso mostra porque eles o seguiam: para ter suas enfermidades curadas; e eles o julgavam tão capaz e pronto para ajudar aqui como havia sido na Galileia. Pois, onde quer que esse “Sol da justiça” surgisse, traria “curas nas suas asas” (Malaquias 4.2, versão TB). Ele os curou ali, para que não o seguissem até Jerusalém, o que causaria escândalo. Ele “não contenderá, nem clamará”.

 

PSICOLOGIA ANALÍTICA

ALGO ERRADO NO CORPO

Um sentido pouco conhecido – e do qual na maioria das vezes sequer nos damos conta – é responsável pela percepção de estímulos internos e externos; quando essa habilidade falha, surgem distorções da imagem corporal e, em casos mais graves, as pessoas se tornam incapazes até mesmo de notar se têm calor, fome ou sede.

Algo errado no corpo

Não são raras as ocasiões em que N., uma mulher de 42 anos, simplesmente não percebe a baixa temperatura de seu corpo na época do frio, mesmo que esteja tremendo. É frequente que algum amigo tenha de avisá-la para vestir um agasalho depois de notar seus lábios roxos e pele arrepiada. Ela também parece não registrar sensação de fadiga: normalmente, não sente cansaço antes das 3 da manhã, ainda que tenha tido um dia especialmente atribulado. “Simplesmente não entendo corretamente os sinais do meu corpo”, diz.

Esse funcionamento parecia algo mais que apenas uma peculiaridade. Por isso, em setembro de 2010, N., na época com 36 anos, passou por uma bateria completa de exames psicológicos e retomou o tratamento contra anorexia nervosa, um distúrbio com o qual lutava havia mais de 20 anos. Um dos testes mediu um sentido pouco conhecido, chamado interocepção, responsável pela consciência do estado interno do próprio corpo. É essa capacidade que nos informa sobre emoções, dor, sede, fome e temperatura corporal. A forma como percebemos esses sinais, porém, varia. Da mesma maneira que muitas pessoas com distúrbios alimentares e problemas com a imagem corporal, N. mostrou dificuldades profundas relacionadas à interocepção.

Em parte, a depreciação da própria imagem corporal parece estar relacionada aos ideais de magreza, beleza e “perfeição” veiculados pela mídia e que se tornam ícones aos quais as pessoas comuns tendem a se comparar. Em junho de 2011, a Associação Médica Americana (AMA, na sigla em inglês) divulgou aos anunciantes uma solicitação para que interrompessem o uso de fotografias alteradas com recursos digitais, após diversas pesquisas apontarem a influência dessas peças expostas pelos meios de comunicação de massa sobre a imagem corporal negativa e sobre o desenvolvimento de graves transtornos alimentares, principalmente em mulheres com predisposição a esses quadros. Afinal, embora estejamos todos expostos a imagens de corpos (considerados) perfeitos, só alguns desenvolvem distúrbios relacionados à imagem corporal.

O número de pessoas insatisfeitas com a imagem do corpo não é pequeno. Quase metade das adolescentes relata estar infeliz com a aparência. O número de homens que dizem sentir grave insatisfação com a imagem corporal também está crescendo (embora ainda não possamos precisar a incidência do problema em pessoas do sexo masculino). Outro distúrbio que tem chamado a atenção de especialistas é o transtorno dismórfico corporal, em que as pessoas não conseguem parar de pensar em pequenas “falhas” (não raro, imaginárias) de sua aparência.

A maior parte dos especialistas concorda atualmente que o problema depende de diversos fatores psíquicos, biológicos e ambientais. A novidade é que pesquisas recentes apontam a interocepção como uma função biológica fundamental para compreendermos esse tipo de transtorno. Alterações nesse sentido podem estar relacionadas ao desenvolvimento de anorexia, bulimia e transtorno dismórfico corporal, e identificar o distúrbio ajudaria a desenvolver novas abordagens terapêuticas.

PARECEMOS O QUE PENSAMOS

Sabemos quando estamos satisfeitos ou com fome, com frio ou calor, com coceira ou dor no momento em que receptores localizados na pele, nos músculos e nos órgãos internos enviam sinais a uma região do cérebro chamada ínsula. Essa pequena bolsa de tecido neural está situada em uma dobra profunda da camada externa do cérebro, perto das orelhas. Essa estrutura mantém a consciência do estado interno do corpo, desempenhando um papel importante no autoconhecimento e na experiência emocional. Tanto as informações interoceptivas quanto as vindas do meio externo são processadas na ínsula. A região é responsável por relacionar, por exemplo, a forte dor que sentimos ao tocar um fogão quente com o vermelhão que aparece na mão queimada. “A integração dessas informações constitui a imagem corporal, ou seja, parecemos o que pensamos”, diz o neurocientista Manos Tsakiris, da Royal Holloway, Universidade de Londres. “Quanto maior a contribuição da interocepção em oposição a estímulos externos e visuais, melhor é a imagem corporal de uma pessoa.”

Um corredor com boa interocepção, por exemplo, pode se concentrar nas batidas firmes de seu coração e no choque de seus pés contra o pavimento, pistas úteis para orientar a velocidade e a duração da corrida. Em geral, o atleta que permanece atento ao funcionamento do organismo sente-se mais confiante, e isso termina por influir em seu rendimento. Já aquele com dificuldades na interocepção talvez surpreenda-se divagando, pensando, por exemplo, se alguém notou a flacidez de suas coxas. Pessoas com alterações nessa regulação biológica podem ter dificuldade para ancorar o “senso de si”, tornando-se excessivamente preocupadas com mínimos detalhes visuais, o que costuma resultar na depreciação da própria imagem. Pacientes com transtorno dismórfico corporal também apresentam esse tipo de problema, o que os leva a focar mais na forma do nariz do que a harmonia geral do rosto.

Imagem corporal distorcida, chamada formalmente de dismorfia corporal, pode variar desde leves preocupações sobre como um jeans pode não modelar tão bem o quadril até interpretações delirantes em relação ao tamanho e a forma do corpo, como nos casos de anorexia nervosa e transtorno dismórfico corporal. Muitos podem ter o problema inverso. Em um estudo de 2010, o cardiologista Sandeep Das e seus colegas da Universidade do Texas, Centro Médico do Sudoeste, descobriram que um em cada dez adultos obesos acreditava que seu peso estava saudável. Os cientistas acreditam que a baixa interocepção também ajuda a explicar a distorção positiva desses voluntários a respeito do próprio corpo.

Em 2004, o neurocientista Hugo Critchley e seus colegas da Universidade de Sussex, na Inglaterra, desenvolveram uma maneira fácil e confiável para medir essa experiência interna. A equipe de Critchley pediu a alguns voluntários sadios que contassem as batidas de seu coração sem tomar o pulso, enquanto os pesquisadores monitoravam eletronicamente a frequência cardíaca desses participantes. Os cientistas descobriram que aqueles com palpites mais próximos ao número real dos batimentos também marcaram mais pontos em outras medidas de sensibilidade interoceptiva, como questionários e exames cerebrais da atividade da ínsula.

“Esse teste de percepção se correlaciona bem com a maneira como julgamos outras mudanças fisiológicas, como a sensação de ‘borboletas’ no estômago”, diz Critchley.

Mesmo pessoas com facilidade para sentir seu estado interno não se dão conta disso porque não se comparam às outras. E a maioria se surpreende com os resultados quando passa por um exame (para fazer o teste, veja o quadro à esquerda).

Diferenças na habilidade interoceptiva ajudam a inferir o nível de satisfação corporal. Em um estudo de 2012, a psicóloga Christine Peat e seus colegas, atualmente na Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, aplicaram alguns testes em 214 universitárias para identificar problemas psicológicos, como ansiedade social e transtornos alimentares. Os pesquisadores descobriram que as participantes com menor pontuação em medidas da capacidade interoceptiva demonstraram maior insatisfação com o corpo, além de sintomas relacionados a transtornos alimentares, em comparação às colegas em maior sintonia com o próprio organismo.

Pessoas com alterações na interocepção podem não sentir (fisicamente) a perda de peso e acreditar que estão saudáveis ou ainda perceber-se com quilos a mais quando de fato estão muito magras. Pacientes com anorexia têm grande dificuldade para interpretar sensação de fome e saciedade, mas não só: o teste do batimento cardíaco demonstra que o problema se estende a outras áreas relacionadas à regulação interna. Em um estudo publicado em 2008, a psicóloga Olga Pollatos e seus colegas, atualmente na Universidade de Potsdam, na Alemanha, avaliaram um grupo de mulheres e descobriram que pelo menos 28 delas, com diagnóstico de anorexia, foram aproximadamente 10% menos precisas ao detectar a frequência cardíaca em relação às outras participantes sem distúrbio alimentar. Tsakiris acredita que o resultado representa uma diferença significativa na capacidade interoceptiva. Além disso, as voluntárias com anorexia também apresentaram mais problemas psicológicos, como depressão e ansiedade, e significativamente maior insatisfação com o corpo. (A maioria dos estudos relacionados à imagem corporal de pacientes com anorexia tem participação somente de mulheres devido ao baixo número de homens diagnosticados com o distúrbio.)

Os pesquisadores acreditam que as dificuldades interoceptivas de pessoas com anorexia podem estar relacionadas a alterações na ínsula. Em um estudo publicado em 2005, o psicólogo Tetsuro  Naruo e seus colegas da Universidade de Kagoshima, no Japão, usaram técnicas de ressonância magnética funcional para avaliar o cérebro de 12 mulheres em repouso que haviam se recuperado da anorexia nervosa. Eles observaram menor fluxo de sangue nessas voluntárias (o que sugere baixa ativação na ínsula) em relação a 11 participantes do grupo de controle sem o distúrbio alimentar. Em outro estudo de 2013, a psiquiatra Maria Râstam e seus colegas da Universidade Lund, na Suécia, apontaram resultados semelhantes. Ambas as pesquisas sugerem que pessoas que se recuperaram de anorexia são relativamente mais lentas para processar informações interoceptivas, um problema que pode prejudicar a chegada de informações do corpo ao cérebro, dificultando a recuperação, alerta o psiquiatra infantil e especialista em transtornos alimentares Bryan Lask, do Hospital Great Ormond Street, em Londres.

A OPINIÃO DOS OUTROS

Além de interpretar sinais internos quando está em repouso, a ínsula geralmente demonstra intensa atividade quando uma pessoa observa a própria imagem. Ao olhar fotografias de si mesmas, mulheres sadias apresentam maior fluxo sanguíneo nessa estrutura cerebral, o que sugere que a imagem aprimora a experiência pessoal de pertencimento em relação ao próprio corpo. Naquelas com anorexia, porém, a ínsula não responde mesmo com esse tipo de estímulo. Em um estudo publicado em 2008, o neuropsiquiatra Perminder Sachdev e seus colegas da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, submeteram 20 mulheres a um aparelho de ressonância magnética enquanto visualizavam fotografias de si mesmas (metade das participantes tinha diagnóstico de anorexia). Resultado: somente as voluntárias do grupo controle apresentaram atividade na ínsula (veja ilustração ao lado). Esses indícios sugerem que pessoas com o distúrbio têm dificuldade para relacionar dados externos sobre a própria aparência ao conhecimento interno do corpo, algo aparentemente simples para a maioria de nós. As diferenças na atividade da ínsula desapareceram quando as participantes observaram fotografias de outras mulheres: nesse caso, não houve alteração nessa região cerebral de nenhuma voluntária.

Dificuldades na capacidade de interocepção também podem deixar a imagem corporal mais vulnerável a outras influências visuais. Em um estudo de 2011, a equipe de Tsakiris avaliou 46 estudantes universitária por meio de uma pista visual incomum: uma mão de borracha. Trata-se de uma ilusão em que o participante sente que o objeto sintético é real depois de apoiar as duas mãos sobre uma mesa e ter a visão esquerda bloqueada por um anteparo. A mão postiça é posicionada logo à direita do divisor. Em seguida, tanto a real quanto a de borracha são acariciadas por um pequeno pincel. Em aproximadamente dois minutos, muitos dos que passam pela experiência começam a acreditar que a peça sintética faz parte de seu corpo. Por incrível que pareça, a temperatura da extremidade do braço esquerdo cai significativamente, sugerindo que, em certa medida, o cérebro perde o domínio da mão real e “se identifica” com a artificial.

Com base nos resultados do experimento dos batimentos cardíacos, Tsakiris e seus colegas dividiram as participantes em dois grupos: o primeiro com voluntárias que marcaram pontuações altas (a média girou em torno de 80%} e o segundo que atingiram escores abaixo de 50%. Resultado: participantes com menor consciência corporal eram levadas mais facilmente a pensar que a mão de borracha fazia parte de seu corpo. Considerando isso, Tsakiris acredita que imagens de mulheres magras divulgadas pela mídia podem causar efeitos ainda piores sobre aquelas com dificuldade de interocepção. Já as pessoas com sólido senso de si são menos afetadas ao verem outras que, segundo certos padrões, são mais esbeltas ou atraentes.

É provável que os que sofrem com transtorno dismórfico corporal tenham um problema de percepção adicional. Evidências sugerem que esses pacientes apresentam anormalidades no processamento visual, o que distorce a percepção. Os cientistas acreditam que essa alteração se combina com a baixa interocepção para criar uma autoimagem desfavorável.

Pessoas com fraca consciência de seu estado interno também tendem a ser facilmente influenciadas pela opinião alheia. Além disso, podem avaliar seus objetivos e atributos com base em como pensam que os outros as percebem e não de acordo com os próprios padrões –  ou seja, a referência fica fora de si, o que causa grande insegurança. Em um estudo, a psicóloga Myra Cooper e seus colegas da Universidade de Oxford solicitaram a um grupo de mulheres adultas diagnosticadas com transtorno dismórfico corporal que relembrassem episódios específicos da infância. Os pesquisadores observaram que as voluntárias eram significativamente mais propensas a relatar experiências pessoais como se tivessem acontecido com outros. Em vez de descreverem um evento da perspectiva da primeira pessoa (por exemplo, “Eu vi…”), contavam histórias como um narrador de romance (“aconteceu …”). Parece lógico, portanto, que construir uma melhor consciência interoceptiva possa não só favorecer a imagem corporal como também tornar menos frágeis os sentimentos sobre si.

A atenção plena, uma técnica mental focada no presente sem elaborações ou julgamentos, pode ser uma grande aliada para reforçar a capacidade de perceber o corpo. Diversos estudos da última década mostram que esse tipo de prática, aliada à psicoterapia, melhora significativamente a qualidade de vida de pacientes com distúrbios alimentares e transtorno dismórfico corporal. “Isso ocorre porque, ao aprender a se concentrar nas próprias sensações físicas do aqui e agora, as pessoas ampliam sua capacidade de interocepção”, afirma a psicóloga clínica Tiffany Rain Carei.

Assim como outros pesquisadores, ela tem utilizado a ioga aliada à psicoterapia para tratar pessoas com transtornos alimentares. Certas formas da técnica, como a hataioga ou vinyasa, incentivam o praticante a se concentrar na respiração e nas diferentes sensações corporais produzidas por cada posição – o que é fundamental para desenvolver a atenção plena.

Tiffany e seus colegas do Hospital Infantil de Seattle submeteram 27 adolescentes que recebiam tratamento ambulatorial por distúrbios alimentares a oito sessões de ioga semanais de uma hora. Os pesquisadores esperavam amenizar as obsessões dos pacientes com alimentação e peso ao levá-los a se concentrar nas posições de ioga e no próprio corpo.

A estratégia funcionou. No início do tratamento, os adolescentes estavam tão desconectados de si que tiveram problemas para se equilibrar em um pé só. Após oito semanas de exercícios, os voluntários “refinaram a sintonia consigo mesmos”, ganharam habilidades interoceptivas para encontrar equilíbrio facilmente e, mais importante, tiveram diminuição significativa de sintomas relacionados a transtornos alimentares e dismorfia corporal, em comparação a outros 27 jovens com os mesmos problemas, mas que não participaram do tratamento.

1. também aderiu às aulas de ioga. Considera a técnica fundamental em sua recuperação da anorexia e lembra que também a tem ajudado a diminuir outras dificuldades de percepção. Agora, ela consegue, por exemplo, identificar mais facilmente quando está com frio ou cansada. “Enquanto estou no tapete de ioga experimento todas essas sensações, não sou apenas consciente de que estou com fome, mas também do que quero comer”, conta animada. “Acho que só quem teve de conquistar essa percepção dia a dia entende o quanto é importante tê-la.”

  Algo errado no corpo2

TESTE

Aqui está uma maneira simples de medir suas habilidades interoceptivas, ou seja, sua capacidade de perceber quando está com fome, dor ou notar a temperatura do próprio corpo, por exemplo. Pegue um cronômetro e uma calculadora. Sente-se calmamente em uma cadeira confortável e respire profundamente algumas vezes. Agora, inicie o cronômetro e conte seus batimentos cardíacos durante um minuto com base no ritmo do seu coração. Não toque nos pulsos ou no pescoço. Anote o número dos batimentos.

Em seguida, faça o procedimento da maneira tradicional. Coloque dois dedos sobre o pulso ou pescoço e conte as batidas do coração por 60 segundos. Aguarde dois minutos e depois repita o processo. Tire a média das medições.

Calcule a diferença entre a estimativa dos batimentos cardíacos e a média. Pegue o valor absoluto da diferença. Você não precisa saber se ultrapassou ou contou a menos: basta o valor total. Depois, divida pela média e subtraia 1 do resultado. Abaixo, a fórmula do cálculo:

                                        batimento cardíaco estimado – média de pulso

1 –                                                                  média de pulso

 

INTERPRETAÇÃO DOS PONTOS

Se o resultado foi o,80 ou mais, sua capacidade interoceptiva é muito boa. Marcar entre 0,60 e 0,79 significa moderado senso de si. Abaixo de 0,59 indica pobre interocepção.

 

CARRIE ARNOLD – é jornalista científica, autora de Body of evidence: the new science of anorexia nervosa (Routledge Press, 2013, não lançado no Brasil).

 

OUTROS OLHARES

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Demora na entrega de compras feitas em sites internacionais ultrapassa seis meses – e reclamações de clientes aos Correios chegam a 140 mil por dia. Maior gargalo está em Curitiba.

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Fazer compras em sites estrangeiros costuma ser vantajoso do ponto de vista da economia: mesmo quando há incidência de impostos. os preços são mais baixos do que os praticados no Brasil. A vantagem financeira inicial, porém, pode se tornar prejuízo quando o item comprado fora do País esbarra na ineficácia logística de órgãos como a Receita Federal e os Correios.

A arquiteta Doty Oliveira, de São Paulo, está entre os milhares de consumidores lesados por essa lentidão inexplicável. “Comprei com três meses de antecedência um vestido para a festa de um ano da minha filha. O aniversário já foi há três meses e o vestido ainda não chegou”, diz Doty, desapontada. Além da roupa, outros produtos que ela comprou no exterior pela internet também não chegaram. E a culpa não é do site: uma mochila também comprada por uma amiga de Doty que mora no Chile chegou em menos de um mês.

Ao rastrear o status da entrega no site dos Correios, a mensagem que Doty encontra é de que o objeto foi encaminhado do Centro Internacional em Curitiba para uma Unidade Operacional e liberado sem imposto. Previsão de entrega: 40 dias úteis. Ou seja, a etapa que deveria ser a mais demorada – o desembaraço pelo Recinto Alfandegado de Remessas Postais Internacionais de Curitiba, que recebe 300 mil mercadorias por dia – já foi concluída, e mesmo assim os Correios pedem um mês e meio para trazer a carga da capital paranaense até São Paulo. Mas nem o dilatadíssimo prazo informado foi cumprido. Consumidores chegam a reclamar de entregas que estão paradas desde agosto.

“O número de produtos vem crescendo a cada ano”, diz Cláudia Regina Thomaz, delegada da Alfândega da Receita Federal em Curitiba. “No final de 2011 eram 100 mil por mês. Agora estamos com uma média de 6 a 7 milhões”, diz ela. A Receita Federal garante que mesmo com essa explosão da demanda, sua parte é concluída em um período de dois a seis dias. E enquanto a quantidade de encomendas cresce, o mesmo não ocorre com o número de funcionários concursados dos Correios. Em crise e sofrendo as consequências de anos de má gestão durante os governos petistas de Lula e Dilma, a estatal vem acumulando prejuízos seguidos: desde 2015, os balanços divulgados pela empresa somam dívidas de R$ 5.5 bilhões. Ex vice­ presidente de finanças e controladoria da estatal, o executivo Carlos Fortner assumiu há menos de um mês a presidência dos Correios com a missão de solucionar um problema que não é só financeiro – é também de confiança, uma vez que a cada dia 140 mil reclamações são registradas por clientes insatisfeitos. Fortner diz que os atrasos começaram no ano passado: ‘Tivemos um pico de encomendas no Black Friday e no Natal, que se manteve até hoje”.

 RECISÃO DE CONTRATO

É no mínimo curioso que, passado tanto tempo, as entregas não tenham sido normalizadas. Até porque o início do ano é historicamente o de menor movimento no comércio. Entre as explicações para o acúmulo de objetos não entregues está a rescisão do contrato de uma transportadora terceirizada, que deixou de atender os Correios para ganhar o triplo prestando o mesmo serviço a uma empresa privada. “Temos restrições orçamentárias, mas tenho priorizado a operação”, diz Fortner, que afirma ter liberado R$ 14 milhões para despesas de mão de obra. O adicional orçamentário inclui pagar de horas extras, remanejar funcionários e contratar mais empresas terceirizadas. Outra dificuldade enfrentada pelos Correios é a concentração das encomendas no Recinto Alfandegado de Curitiba. que recebe 90% das remessas internacionais que chegam ao País na modalidade “petit paquet”, com peso de até 2 kg e baixo valor declarado.

A maioria dessas importações entra no País pelo aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e de lá segue para o desembaraço em Curitiba. Depois disso, muitas retornam para São Paulo. Esse vai e vem custoso e ineficiente só deverá ser solucionado no ano que vem. “Estamos em negociação com um imóvel próximo ao aeroporto de Guarulhos. A ideia é criar um centro de tratamento e uma área de triagem ali”, diz Fortner. Mesmo sem poder contar com o futuro local de triagem, o presidente garante que novas remessas internacionais serão entregues dentro do prazo de 40 dias. Já as que estão atrasadas serão enviadas aos poucos até seus destinatários.

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GESTÃO E CARREIRA

A DIFERENÇA ENTRE CHEFES DE VERDADE E VERDADEIROS LÍDERES

O novo conceito de gestão, batizado de Accountability, mostra que o poder não está na autoridade, mas na coragem de assumir erros e dar autonomia às equipes. Saiba como desenvolver a habilidade da liderança do futuro – e garanta seu sucesso profissional.

A diferença entre chefes de verdade e verdadeiros lideres

Certa vez, ao assumir a presidência de uma companhia, um executivo encontrou seu antecessor, que tinha acabado de ser demitido. Durante a conversa, o antigo chefe disse ao substituto que deixaria a ele três envelopes lacrados e numerados, e o aconselhou: “abra as cartas sequencialmente nos momentos de crise”. Alguns meses depois, um problema sério surgiu, e o novo presidente leu a primeira mensagem, que dizia: “culpe seu antecessor”. Foi isso que o CEO novato fez – e se sentiu melhor assim. Na segunda crise, o executivo recorreu aos envelopes e leu o novo conselho> “culpe a equipe”. Ele achou que aquilo era uma boa ideia e tomou essa atitude. Não demorou muito para que surgisse mais uma situação delicada e a última carta precisasse ser aberta. Desta vez, o recado era o seguinte: “escreva três cartas”. Moral da história: Um chefe que não assume a responsabilidade por seus erros, mais cedo ou mais tarde, será dispensado.

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Essa anedota que tem circulado no mundo corporativo nos últimos anos ilustra o que um gestor não deve fazer e mostra a necessidade do desenvolvimento de uma competência essencial para a liderança: a accountability, tipo de gestão que reúne características como coragem, comunicação ágil, engajamento e autonomia. O conceito está na ponta da língua dos especialistas e prega que, com o poder, vem a responsabilidade por tudo o que acontece com as equipes e com os resultados. Essa é a habilidade do momento. É a hora de parar de apontar culpados e passar a se responsabilizar pelas decisões”, diz Eliana Dutra, CEO da Profit Coach & Treinamento, do Rio de Janeiro.

O problema é que a maior parte da liderança ainda não atua dessa maneira. Uma pesquisa global da consultoria Lee Hecht Harrison, feita em 2016 com 1900 executivos em 20 países, constatou que, no Brasil, 69% dos entrevistados estão insatisfeitos com o grau de comprometimento demonstrado pelos gestores – embora 71% considerem essa uma questão fundamental para o desenvolvimento das companhias. Mas existe um caminho para chegar lá.

PRESTAÇÃO DE CONTAS

A expressão accountability tem origem no setor público americano e é usada para responsabilizar os governantes por seus atos e para incentivar uma constante prestação de contas à sociedade. O termo ganhou força nas empresas privadas durante a crise econômica de 2008, quando algumas companhias americanas modificaram informações de seu balanço, o que acabou por deteriorar ainda mais as finanças do país. Ou seja, mais do que uma diferenciação entre responsabilidade e culpa, o conceito abrange outro aspecto: a transparência, característica que entrou na lista de prioridades dos brasileiros no que diz respeito às qualidades esperadas de um gestor. Ao serem questionados sobre o que torna uma companhia um excelente lugar para trabalhar, por exemplo, os funcionários que responderam à pesquisa do Guia VOCÊ S/A – As 150 Melhores Empresas para Trabalhar em 2017 apontaram o fato de ter chefes em quem possam confiar como um dos dez aspectos mais importantes. E não era para menos. Com o país mergulhado em denúncias de corrupção, tanto no governo quanto em grandes empresas, cresceu a expectativa sobre os gestores. Já não há tolerância com desculpa do tipo “‘eu não sabia de nada” quando os erros aparecem. Isso já existia, mas era mais leve. Agora estamos falando de um tópico essencial: o líder precisa responder por sua equipe em todas as situações, independentemente do que acontecer, diz Josué Bressane Jr., sócio-diretor da Falconi Gente, consultoria de RH, de São Paulo.

MENOS CONTROLE, MAIS CONSCIÊNCIA

Mas como exercer essa liderança comprometida? Além de atuar sempre com transparência e ter celeridade para dividir informações relevantes com a equipe, é preciso entender que liderar não é mandar. É indicar o caminho para chegar aos resultados esperados e ser percebido como o agente que vai permitir que cada um atinja seus objetivos. “Em uma nova estrutura organizacional, o líder é como um maestro de uma sinfônica. Ele deve conduzir pessoas – transmitir sua visão, fixar metas, mobilizar e incentivar. Não precisa ser o melhor músico nem o mais virtuoso. Sua função não é impor o poder, mas compartilhar a responsabilidade com a equipe”, diz Jonathan Raymond, especialista americano em desenvolvimento de liderança e autor do livro Good Authority (“A boa autoridade”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil).

Isso não quer dizer que a gestão deva ser frouxa, ao contrário. Os líderes responsáveis dividem as tarefas com suas equipes e monitora os resultados obtidos, mas dão autonomia para que os funcionários resolvam as próprias questões, mantendo a porta aberta para qualquer dúvida, problema ou sugestão “Quando as pessoas sentem que sua voz é ouvida, elas se engajam mais no trabalho. Quando apenas executam, não ocorre o mesmo envolvimento”, afirma Josué.

Para isso dar certo, cada um deve entender exatamente qual é sua responsabilidade – tanto líderes quanto liderados. Se os papéis são claros, há menos risco de ”desculpability”, atitude de quem não consegue fazer as entregas e, em vez de focar a melhora da performance, busca justificativas para os problemas. ‘Isso é mais comum em jovens líderes que sentem que pôr a culpa no outro deixa a situação mais confortável”, diz Anamaíra Spaggiari, gerente de produtos da Fundação Estudar, de São Paulo.  “Há situações sobre as quais temos maior ou menor controle, mas a questão é estar consciente de que o poder de mudar o cenário está em nossas mãos.”

S6 que não adianta nada explicar aos outros seus papéis se o próprio líder não entende sua verdadeira função na organização e seus objetivos de longo prazo. “Você precisa refletir por que está naquela posição, se quer mesmo seguir esse caminho e quais são suas fortalezas e limitações”, diz Fábio Eltz, consultor da Integração Escola de Negócios, de São Paulo. É apenas com essa reflexão que os gestores conseguem desenvolver as ferramentas necessárias para engajar o time, dividir corretamente as funções e suportar o peso emocional que vem junto com o poder. Afinal, nas mãos do líder estão as histórias, as ansiedades e as expectativas de milhares de pessoas – o que gera a responsabilidade de assegurar o sucesso do negócio e fazer com que as equipes e empresas trilhem o melhor caminho possível. Tamanha expectativa pode até assustar. Mas a coragem para assumir essa responsabilidade é o que transforma simples chefes em verdadeiros líderes.

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CRIANDO LAÇOS

Para se tornar um Líder com accountability é preciso ser transparente e engajar as equipes. Segundo Jonathan Raymond, especialista em desenvolvimento de liderança e autor do Livro Good Authority, uma das ferramentas mais importantes para isso é o feedback. Aprenda como fazê-Lo de forma eficaz:

PRIMEIRA ETAPA: MENCIONAR OS ERROS

Ser um Líder responsável é observar o comportamento dos membros da equipe e fazer as correções necessárias com rapidez. O feedback começa ao identificar atitudes pequenas, mas problemáticas, de forma informal, cuidadosa e em tempo real. Quando algo assim ocorrer, chame o funcionário para conversar, mencione o problema e pergunte o que vocês podem fazer para melhorar a situação. Isso mostra que você está preocupado com o desenvolvimento da equipe e cria laços de confiança.

SEGUNDA ETAPA: AJUDAR A REFLETIR

Nós somos ótimos em ver padrões no comportamento de outras pessoas, mas é muito difícil fazer o mesmo a nosso respeito. Líderes responsáveis ajudam os subordinados a pensar sobre si mesmos e a refletir sobre suas deficiências. Por exemplo, digamos que você tenha visto um funcionário cometer erros numa apresentação na segunda-feira, atrasando entregas na quarta-feira e, na sexta-feira, tido um mal-entendido comum colega. Ao perceber esses sinais de queda de desempenho, é necessário que o gestor converse com o profissional perguntando o que esses eventos podem ter em comum e estimulando a reflexão.

TERCEIARETAPA: APROFUNDAR A ANÁLISE

Agora que o relacionamento já está forte, o líder tem abertura para aprofundar a discussão com o subordinado. É hora de fazer perguntas e estimular os profissionais a descobrir de que maneira podem mudar um padrão de comportamento que prejudica o trabalho. O importante é que o gestor faça com que o liderado mantenha o foco no desenvolvimento pessoal e no impacto positivo da transformação.

 

ATITUDES CONCRETAS

Os comportamentos que colocam em prática a gestão com responsabilidade.

1 – CRIE UM FIO CONDUTOR

Se você quer que as pessoas sejam responsáveis, defina claramente os resultados desejados e dê autonomia e respaldo para que elas busquem essas metas.

2 – SEJA HONESTO

Fale a verdade ao ser questionado sobre algum processo, ainda que o diagnóstico não seja positivo. Um gestor responsável tenta motivara equipe a buscar alternativas.

3 – INSPIRE CONFIANÇA

Crie vínculos com o time e conheça as pessoas com certa profundidade. Fale sobre questões delicadas e debata assuntos polêmicos com serenidade e transparência.

4 – CAPACITE SUA EQUIPE

Conheça o nível de maturidade de seus funcionários e delegue funções de acordo com a

responsabilidade de cada um. Em paralelo, treine a equipe para sempre evoluir.

5 – DÊ O EXEMPLO

Adote uma postura amigável e aceite comentários. Assuma desafios, inove e espalhe otimismo. Atitudes positivas se refletem no desempenho dos funcionários.

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Fonte: Revista Você SA – Edição 237

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 18: 21-35

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O Perdão e a Parábola do Credor Incompassivo

Esta parte do discurso que diz respeito às ofensas certamente deve ser entendida como os erros pessoais, cujo perdão depende de nossa decisão. Agora observe:

I – A pergunta de Pedro com relação a esse assunto (v. 21): “Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?”

1. Ele já tem como certo o fato de que deve perdoar; Cristo havia anteriormente ensinado aos seus discípulos esta lição (cap. 6.14,15), e Pedro não a esquecera. Ele sabe que não deve guardar rancor contra o seu irmão, ou pensar em vingança, sendo um amigo tão bom quanto sempre foi esquecendo a injúria.

2. Pedro acha que é uma grande coisa perdoar até sete vezes; ele não quer dizer sete vezes por dia, como Cristo disse (Lucas 17.4), mas sete vezes na sua vida; supondo que se um homem tivesse de alguma forma abusado dele sete vezes, embora estivesse muito desejoso de se reconciliar, ele poderia então abandonar esse relaciona­ mento, e não ter mais nada a ver com ele. Talvez Pedro tivesse em vista Provérbios 24.16: “Sete vezes cairá o justo”; ou a menção de “três transgressões”, e uma quarta, e Deus não retiraria o castigo (Amós 2.1). Há uma tendência em nossa natureza corrupta de nos limitarmos àquilo que é bom, e termos medo de nos excedermos na religião, particularmente de perdoarmos demais, embora tenhamos recebido o perdão de tantas iniquidades.

II – A resposta direta de Cristo à pergunta de Pedro: “Não te digo que até sete” (Ele nunca teve a intenção de estabelecer limites), mas “até setenta vezes sete”; um número determinado para um número indefinido, mas que é muito extenso. Não é bom que contemos as ofensas que nos são feitas pelos nossos irmãos. O fato de contarmos as injúrias que perdoamos revela uma natureza má, como se fôssemos nos tornar vingativos quando a medida estivesse completa. Deus mantém um registro (Deuteronômio 32.34) porque Ele é o Juiz, e a vingança pertence a Ele. Mas não devemos praticar a vingança, para que não nos encontremos usurpando o seu trono. E necessário para a preservação da paz – tanto da paz interior, como da exterior – nos esquecermos das injúrias, sem calcularmos com que frequência o fazemos; é necessário perdoar e esquecer. Deus multiplica os seus perdões, e nós também devemos proceder assim (Salmos 77.38,40). Isto sugere que precisamos fazer do perdão das injúrias uma prática constante, e devemos nos acostumar com essa atitude até que ela se torne habitual.

 III – Um discurso posterior do nosso Salvador através de parábolas, para mostrar a necessidade de perdoar as injúrias que nos são feitas. As parábolas são úteis, não só como um forte incentivo ao cumprimento dos deveres cristãos, mas por causarem e deixarem uma impressão. A parábola é um comentário sobre a quinta petição na oração do Senhor: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos deve­ dores”. Estes, e somente estes, podem esperar ser perdoados por Deus: aqueles que perdoam os seus irmãos. A parábola representa o Reino dos céus, isto é, a igreja, e a administração da dispensação do Evangelho nele. A igreja é a família de Deus, é a sua corte; ali Ele habita, ali Ele governa. Deus é o nosso Senhor; nós somos os seus servos, ao menos em profissão de fé e por obrigação. Em geral, a parábola sugere quanta provocação Deus tem por parte de sua família na terra, e como os seus servos são rebeldes.

Há três pontos importantes na parábola.

1. A maravilhosa clemência do senhor ao seu servo que estava lhe devendo; ele o perdoou em dez mil talentos, por pura compaixão (vv. 23-27). E aqui observe:

(1). Todo pecado que cometemos é uma dívida para com Deus; não como uma dívida a alguém como nós, contraída comprando ou tomando emprestado, mas a um ser superior. Como uma dívida a um príncipe quando ocorre um erro de reconhecimento, ou quando alguém incorre em uma penalidade pela violação da lei ou pelo rompimento da paz. Como a dívida do servo ao seu senhor, retendo o seu serviço, desperdiçando os bens de seu senhor, quebrando o seu contrato, e incorrendo na penalidade. Todos nós somos devedores; devemos procurar liquidar a dívida, e nos sujeitarmos ao processo da lei.

(2). Há um registro das nossas dívidas, e devemos, em breve, prestar contas delas. Este rei queria que o seu servo prestasse contas. Deus agora ajusta contas conosco pelas nossas próprias consciências; a consciência é um auditor de Deus na alma, para nos cobrar a responsabilidade, e para ajustar contas conosco. Uma das primeiras perguntas que um cristão despertado faz é: “Quanto deves ao meu Senhor?” E a menos que haja suborno, dirá a verdade, e não escreverá cinquenta por cem. Um outro dia de prestação de contas está chegando; as contas serão aceitas ou rejeitadas, e nada além do sangue de Cristo será capaz de quitar todos os débitos.

(3). A dívida de pecado é uma dívida muito grande; e alguns estão mais endividados, por causa do pecado, do que outros. Quando ele começou a contar, um dos primeiros devedores pareceu dever dez mil talentos. Não há como escapar da inquirição da justiça divina; o seu pecado com certeza será descoberto. A dívida era de dez mil talentos, uma soma muito grande; é mais provável que uma quantia tão vultuosa pudesse ser um resgate de rei ou um subsídio de governo, algo muito superior à dívida de um servo. Veja o que são os nossos pecados:

[1]. Pela abominação de sua natureza; eles são equivalentes a talentos, a maior denominação que era usada na contagem de dinheiro ou peso. Todo pecado é como uma carga de um talento, um talento de chumbo, esta é a impiedade (Zacarias 5.7,8). Cada um dos bens que nos são entregues, como despenseiros da graça de Deus, são um talento (cap. 25.15), um talento de ouro. E para cada talento enterrado, e muito mais para cada talento desperdiçado, nós temos um talento de dívida, e isto faz com que a conta aumente muito.

[2]. Pela vastidão de seu número; eles são dez mil talentos, uma miríade, mais do que os cabelos da nossa cabeça (Salmos 40.12). Quem pode entender os próprios erros? (Salmos 19.12).

(4). A dívida de pecado é tão grande, que não somos capazes de pagá-la; o transgressor não precisou pagar nada. Os pecadores são devedores insolventes; a escritura, que coloca tudo debaixo do pecado, é um estatuto de falência contra todos nós. A prata e o ouro não pagariam a nossa dívida (Salmos 49.6,7). O sacrifício e a oferta não a pagariam; as nossas boas obras são apenas a operação de Deus em nós, e não podem liquidar a dívida. Estamos sem forças, e não podemos ajudar a nós mesmos.

(5). Se Deus tratasse conosco com uma justiça rígida, deveríamos ser condenados como devedores insolventes, e Deus poderia exigir a dívida, glorificando-se em nossa completa ruína. Ajustiça exige o pagamento: Que a sentença da lei seja executada. O servo havia contraído essa dívida pelo seu desperdício e obstinação. Portanto, poderia, de forma justa, responder por isso. “O seu senhor mandou que ele, e sua mulher, e seus filhos fossem vendidos”, como escravos às galés, vendidos para trabalhos forçados na prisão, “com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse”. Veja aqui o que todo pecado merece; este é o salário do pecado.

[1]. Ser vendido. Aqueles que se vendem para agir com impiedade, devem ser vendidos para que a dívida seja liquidada. Os cativos do pecado são cativos da ira. Aquele que é vendido como escravo fica privado de todos os seus confortos, e nada lhe sobra além de sua mulher, para que ele possa ter consciência de suas desgraças; esse é o caso dos pecadores condenados.

[2]. Assim ele teria um pagamento a ser feito, isto é, algo feito a respeito disso; embora seja impossível que a venda de alguém tão desprezível cobrisse a quantia necessária para o pagamento de uma dívida tão grande. Pela condenação eterna dos pecadores, a justiça divina será eternamente satisfatória, mas nunca satisfeita.

(6). Os pecadores convencidos de seu estado só podem se humilhar diante de Deus, e orar por misericórdia. O servo sob essa determinação, e essa condenação, prostrando-se aos pés do seu nobre senhor, o reverenciava. Conforme se lê em algumas versões, ele lhe suplicou; suas palavras eram muito submissas e muito importunadoras: “Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei” (v. 26). O servo já sabia que estava com uma grande dívida, contudo não se preocupava com isso, até que foi chamado a prestar contas. Os pecadores geralmente são negligentes sobre o perdão de seus pecados, até que sejam chamados à atenção por alguma palavra que os faz despertar, por alguma providência surpreendente, ou pela aproximação da morte. E então: “Com que me apresentarei ao Senhor?” (Miqueias 6.6). Com que facilidade, com que rapidez, Deus pode trazer o pecador mais orgulhoso aos seus pés: Acabe, ao seu pano de saco, Manasses, às suas orações, Faraó, às suas confissões, Judas, à sua restituição, Simão, o Mago, à sua súplica, Belsazar e Felix, aos seus tremores. O coração mais resistente desmaiará quando Deus colocar os pecados em ordem diante dele. Este servo não negou a dívida, não buscou evasivas, nem tentou fugir.

Mas:

[1].  Ele suplica pedindo tempo: “Sê generoso para comigo”. A paciência e a clemência são um grande favor; mas é loucura pensar que somente essas coisas nos salvarão; as postergações temporárias não são perdões. Muitos são tolerantes, e assim não são trazidos ao arrependimento (Romanos 2.4). Por essa razão, o fato de terem sido tolerantes não lhes traz nenhum benefício.

[2].  Ele promete um pagamento: “Sê generoso”, por um tempo, “e tudo te pagarei”. Ê loucura de muitos que estão sob as convicções do pecado, imaginarem que eles podem satisfazer a Deus pelos erros que cometeram contra Ele. Como aqueles que, falidos, buscando um acordo, procurariam o perdão da dívida dando os seus primogênitos por sua transgressão (Miqueias 6.7), procurando estabelecer a sua própria justiça (Romanos 10.3). “Não tendo ele com que pagar” (v. 25), julgava poder pagar “tudo”. Veja como o orgulho oculto persiste, mesmo em pecadores despertados; eles estão convencidos, mas não se humilham.

(7). O Deus de infinita misericórdia está muito pronto – devido à sua pura compaixão – a perdoar os pecados daqueles que se humilham diante dele (v. 27). O senhor daquele servo – quando poderia, de forma justa, tê-lo arruinado – por compaixão o soltou; e, visto que ele não poderia ficar satisfeito pelo pagamento da dívida, seria glorificado pelo perdão dela. A oração do servo foi: “Sê generoso para comigo”; o que o senhor concedeu foi uma quitação completa. Perceba que:

[1].  O perdão do pecado se deve à misericórdia de Deus, à sua terna misericórdia (Lucas 1.77,78); ele foi movido de íntima compaixão. As razões da misericórdia de Deus são extraídas de seu próprio interior. Ele tem misericórdia porque Ele terá misericórdia. Deus olhou com piedade para a humanidade em geral, que estava infeliz, e enviou o seu Filho para ser uma garantia para eles. Ele olha com piedade para os penitentes em particular, pelo fato de terem consciência de sua infelicidade (seus corações partidos e contritos), e os aceita no Amado.

[2].  Há perdão em Deus pelos maiores pecados, se eles se arrependerem. Embora a dívida fosse muito grande, Ele per doou toda a dívida (v. 32). Embora os nossos pecados sejam muito numerosos e muito hediondos, eles podem ser perdoados nos termos do Evangelho.

[3].  O perdão da dívida é a soltura do devedor. A obrigação está cancelada, o julgamento, anulado; nós nunca andamos em liberdade até que os nossos pecados sejam perdoados. Mas observe que, embora o senhor o tenha liberado da penalidade como um devedor, ele não o liberou de seus deveres como um servo. O perdão do pecado não diminui, mas fortalece, as nossas obrigações para com a obediência; e devemos considerar um favor o fato de Deus estar satisfeito por continuar com servos tão desperdiçadores como temos sido em um serviço tão proveitoso como é o dele, e devemos, portanto, libertados, servi-lo sem temor (Lucas 74.1). “Sou teu servo, porque tu soltaste as minhas amarras”.

2. A severidade irracional do servo em relação ao seu companheiro, apesar da clemência de seu senhor em relação a ele (vv. 28-30). Isso representa o pecado daqueles que, embora não sejam injustos, exigindo o que não lhes pertence, no entanto são rigorosos e implacáveis ao exigir o que lhes pertence, ao máximo de seu direito, o que, às vezes, demonstra ser um verdadeiro erro. Exigir pagamento pelas dívidas de injúria, que não tende à reparação nem ao bem público, mas puramente por vingança, embora a lei possa permitir, afim de infligir terror, e pela dureza dos corações dos homens, não demonstra um espírito cristão. Processar por dívidas financeiras, quando o devedor não pode pagá-las, e então deixá-lo perecer na prisão, demonstra um amor maior pelo dinheiro, e um amor menor pelo nosso próximo; este não é o amor que deveríamos ter (Neemias 5.7).

Veja aqui:

(1).  Como a dívida era pequena, muito pequena, comparada com os dez mil talentos que o seu senhor lhe perdoou. As ofensas feitas aos homens não são nada para aqueles que se opõem a Deus. Os atos desonrosos feitos a homens como nós mesmos são apenas como ciscos ou mosquitos; mas os atos desonrosos contra Deus são como talentos, vigas, camelos. Isso não significa que, portanto, possamos fazer pouco caso da atitude de prejudicar o nosso próximo, porque isso também é um pecado contra Deus; portanto, devemos fazer pouco caso das ofensas que nos são feitas pelo nosso próximo, e não agravá-las, nem planejar vinganças. Davi não se preocupava com os insultos contra ele. “Eu, como surdo, não ouvia”; mas se ofendia muito com os peca­ dos cometidos contra Deus; por eles, rios de lágrimas corriam de seus olhos.

(2). Como a exigência era severa: “Lançando mão dele, sufocava-o”. Os homens orgulhosos e iracundos pensam que se a questão de sua exigência for justa, isso os defenderá, apesar da maneira de ser tão cruel e desumana que demonstram. Mas este pensamento não terá apoio. O que justificava tanta violência? A dívida poderia ter sido exigida sem pegar o devedor pela garganta; sem lhe enviar uma intimação, ou colocando o meirinho sobre ele. Como a conduta desse homem é de soberba, e, contudo, como o seu espírito é indigno e servil! Se ele mesmo tivesse ido para a prisão pela sua dívida ao seu senhor, as suas razões teriam sido tão urgentes, que ele poderia ter tido algum pretexto para ir ao extremo ao exigir o que lhe pertencia; mas frequentemente o orgulho e a malícia predominam mais para tornar os homens severos do que a necessidade mais urgente o faria.

(3). Como o devedor era submisso. O seu companheiro, embora fosse igual, sabendo o quanto ele conhecera sobre a compaixão, prostrou-se a seus pés, e se humilhou a ele por essa dívida insignificante, da mesma forma que ele fez com o seu senhor pela dívida grande; porque o que “toma emprestado é servo do que empresta” (Provérbios 22.7). Aqueles que não podem pagar as suas dívidas têm de ter muito respeito para com os seus credores, e não é só falarem palavras boas, mas lhes fazer todos os bons ofícios que puderem; eles não devem ficar irados com aqueles que reclamam o que lhes pertence, nem falar mal deles por causa disso; não, mesmo que eles façam isso de uma maneira rigorosa. Mas nesse caso, deixe que Deus pleiteie a sua causa. O pedido do homem pobre é: “Sê generoso para comigo”; ele honestamente confessa a dívida, e não requer ao seu credor o ônus de prová-la, mas apenas pede mais prazo para pagá-la. A paciência, embora não seja o pagamento da dívida, é, às vezes, uma caridade necessária e louvável. Assim como não devemos ser excessivamente severos, também não devemos ser apressados em nossas exigências, mas de­ vemos considerar quanto tempo Deus nos tem tolerado.

(4). Como o credor foi implacável e violento (v. 30): “Ele, porém, não quis”, e não escutou a sua promessa justa, mas sem compaixão “foi encerrá-lo na prisão”. Como ele procedeu de forma insolente, pisando em alguém tão bom quanto ele, que se submeteu a ele! Que crueldade ele usou para com alguém que não havia lhe feito nenhum mal! Além disso, esta atitude não lhe traria nenhuma vantagem! Nisso, como através de um vidro, credores sem compaixão podem ver os seus próprios rostos, e sentem prazer em nada mais do que devorar e destruir (2 Samuel 20.19), e se gloriam por terem os ossos de seus pobres devedores.

(5). Como os outros servos estavam preocupados: “Contristaram-se muito” (v. 31), contristaram-se pela crueldade do credor, e pela desgraça do devedor. Os pecados e sofrimentos dos nossos companheiros deveriam ser motivos de pesar e perturbação para nós. Costuma-se dizer que qualquer um dos nossos irmãos deveria se fazer animal de presa, pela crueldade e barbaridade; ou ser feito animal de escravidão, pelo uso desumano daqueles que têm poder sobre ele. Ver um companheiro se enfurecendo como um urso, ou pisado como um verme, só pode causar grande tristeza a todos aqueles que têm qualquer zelo pela honra de sua natureza ou de sua religião. Veja com que olhos Salomão olhou para as lágrimas dos que foram oprimidos, e para a força dos seus opressores (Eclesiastes 4.1).

(6). Como a notícia do que aconteceu foi levada até o senhor: “Foram declarar ao seu senhor”. Eles não ousaram reprovar o seu conservo por isso, por ele ter sido tão irracional e abusivo (deixe que uma ursa roubada de seus filhotes encontre um homem, em vez de tal louco em sua loucura); mas eles foram ao seu senhor e rogaram que ele socorresse o oprimido contra o opressor. Aquilo que nos é motivo de tristeza, deveria nos ser motivo de oração. Deixemos as nossas queixas – tanto da impiedade dos ímpios como da aflição dos aflitos – serem levadas a Deus, e deixemo-las com Ele.

3. O ressentimento justo do senhor pela crueldade de que o seu servo era culpado. Se os servos consideraram isso tão mau, quanto mais o Senhor; cuja compaixão está infinitamente acima da nossa. Então observe aqui:

(1). Como ele reprovou a crueldade do seu servo (vv. 32,33): “Servo malvado”. Note que a falta de compaixão é uma iniquidade, e uma grande iniquidade.

[1].  O servo é repreendido diante da compaixão que ele tinha encontrado em seu senhor: “Perdoei-te toda aquela dívida”. Aqueles que desfrutam os favores de Deus, jamais deveriam ser repreendidos com eles. Mas aqueles que abusarem deles, poderão esperar por isso (cap. 11.20).

Considere que a dívida perdoada foi “toda aquela dívida”, aquela grande dívida. A grandeza do pecado amplia as riquezas da compaixão que perdoa; devemos ter sempre em mente que os nossos muitos pecados foram perdoados (Lucas 7.47).

[2].  Ele, assim, mostra ao servo a obrigação que ele tinha: deveria ter compaixão de seu companheiro: “Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?” Espera-se, de forma justa, que aquele que recebeu misericórdia, deva mostrar misericórdia. Ele mostra ao servo, em primeiro lugar, que esse deveria ter tido mais compaixão pela aflição de seu companheiro, pelo fato de ele mesmo ter experimentado a mesma aflição. O sentimento que nós mesmos tivemos faz com que entendamos melhor o sentimento de nosso irmão, e tenhamos atitudes melhores para com ele. Os israelitas conheciam o coração de um estrangeiro, porque eles foram estrangeiros; e este servo já deveria conhecer o coração de um devedor preso, e assim não poderia ter sido tão duro com o seu conservo. Em segundo lugar, ele deveria ter agido de uma forma mais semelhante ao exemplo do sentimento do seu senhor. Ele mesmo passou por isso, e foi favorecido. Note que o senso confortável da misericórdia que perdoa depende muito da disposição dos nossos corações para perdoar os nossos irmãos. Era no encerramento do Dia da Expiação que a trombeta do jubileu soava como sinal de uma liberação das dívidas (Levítico 25.9); porque devemos ter compaixão dos nossos irmãos, assim como Deus tem compaixão de nós.

(2).  Como o senhor daquele servo revogou o seu per­ dão e cancelou a quitação da dívida, para que o julgamento contra ele voltasse a vigorar (v. 34): “O seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia”. Embora a maldade tenha sido muito grande, o seu senhor não lhe infligiu outro castigo além do pagamento da sua própria dívida. Aqueles que não corresponderem aos termos do Evangelho não precisarão ser mais afligidos; basta que sejam entregues ao rigor da lei, e esta seguirá o seu curso natural contra eles. Observe como a punição responde ao pecado; aquele que não perdoa, não será perdoado. Ele o entregou aos atormentadores; o máximo que aquele homem poderia fazer pelo seu companheiro era apenas lançá-lo na prisão, mas ele mesmo foi entregue aos atormentadores. Observe que o poder da ira de Deus para nos destruir vai muito além do ponto máximo da força e da ira de qualquer criatura. As reprovações e terrores da sua própria consciência seriam esses atormentadores, pois esse é um verme que não morre; os demônios, os executores da ira de Deus, que são os tentadores dos pecadores agora, serão os seus atormentadores para sempre, eternamente. Ele foi enviado para a cadeia até que pagasse tudo. As nossas dívidas para com Deus nunca são pagas em parte; ou tudo é perdoado, ou tudo é exigido. Os santos glorificados no céu são perdoados de todas as suas transgressões e pecados através do pagamento total que foi feito por Cristo. Os pecadores condenados no inferno estão pagando tudo, isto é, são punidos por tudo. A ofensa feita a Deus pelo pecado está relacionada à honra, e não pode ser paga em parte ou com uma redução, que no caso não será admitida. Portanto, de uma maneira ou de outra, ela deve ser quitada pelo pecador, ou pelo seu fiador.

Por fim, aqui está a aplicação de toda a parábola (v. 35): “Assim vos fará também meu Pai celestial”. O título que Cristo aqui dá a Deus Pai foi utilizado (v.19) em uma promessa confortável: “Isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus”; aqui a palavra é usada em uma terrível ameaça. Se o governo de Deus for paternal, segue-se que é um governo justo, mas não significa que seja extremamente rigoroso, ou que sob o seu governo devamos ser mantidos no caminho certo pelo temor à ira divina. Quando oramos a Deus como “o nosso Pai que está nos céus”, somos ensinados a pedir o perdão dos nossos pecados, assim como perdoamos aos nossos devedores. Observe aqui:

1. O dever de perdoar; devemos perdoar de coração. Note que não perdoaremos corretamente, nem de forma aceitável, o nosso irmão que nos ofendeu, se não perdoarmos de coração; porque é para ele que Deus olha. Nenhuma malícia deve ser guardada ali, nem má vontade em relação a qualquer pessoa; nenhum projeto de vingança deve ser formado ali, nem o desejo de vingança, como há em muitos que exteriormente pare ­ cem pacíficos e reconciliados. No entanto, isso não é suficiente; devemos desejar de coração e buscar o bem-estar das outras pessoas, até mesmo daquelas que nos ofenderam.

2. O perigo de não perdoar: ”Assim vos fará também meu Pai celestial”.

(1).  Essas palavras não têm a intenção de nos ensinar que Deus reverte os perdões que Ele já concedeu a uma pessoa, mas que Ele os nega àqueles que são desqualificados para recebê-los de acordo com o sentido do Evangelho. Houve alguns que, embora parecessem ter se humilhado, como Acabe, se consideravam, e outros os consideravam, em um estado de perdão, e se comportavam de forma audaciosa com o conforto desse perdão. Temos, nas Escrituras, indícios suficientes da negação dos perdões como uma forma de prevenção contra os presunçosos; mas ainda assim temos uma segurança suficiente da continuidade do perdão para conforto daqueles que são sinceros, mas tímidos. Assim, um pode temer, e o outro pode ter esperança. Aqueles que não perdoam as transgressões dos seus irmãos nunca se arrependeram de verdade de suas próprias transgressões, nem creram verdadeiramente no Evangelho. Portanto, aquilo que foi tirado é apenas o que eles pareciam ter (Lucas 8.18).

(2).  Essa situação tem a intenção de nos ensinar que o juízo será sem misericórdia, e que a misericórdia triunfa sobre o juízo (Tiago 2.13). Para perdoarmos e ficarmos em paz, é necessário, e até mesmo indispensável, que as nossas atitudes sejam justas, e que também amemos a misericórdia. Esta é uma parte essencial dessa religião que é pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai: a sabedoria que vem do alto é boa, e fácil de ser solicitada. Observe como respondem aqueles que, embora tenham o nome de cristãos, persistem no tratamento mais rigoroso e cruel para com os seus irmãos, como se as leis mais rigorosas de Cristo pudessem ser dispensa­ das em prol da gratificação de suas paixões desenfreadas. E assim eles se amaldiçoam toda vez que fazem a oração do Senhor.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

OUTRAS VOZES

Segundo algumas estimativas, cinco em cada 100 pessoas já tiveram alguma alucinação auditiva, um sintoma nem sempre associado a transtornos psiquiátricos. Isolamento social ou eventos traumáticos podem desencadear o fenômeno.

Outras vozes

De repente, alguém gritou seu nome: “Isabela!”. Intrigada, a mulher deu uma volta pela casa em busca da voz misteriosa. A sala estava vazia. Ninguém nos quartos, na cozinha ou no banheiro. No quintal apenas o cachorro. Ela estava realmente a sós. Isabela sentiu um calafrio. E quem não sentiria?  De fato, a alucinação auditiva é um sintoma comum em algumas doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia. No entanto, nem todos que passam por essa experiência têm necessariamente um distúrbio mental. O filósofo grego Sócrates e a heroína francesa Joana d ‘Arc. diziam ouvir vozes, assim como o psiquiatra suíço Carl Jung e o artista plástico americano Andy Warhol.

O fenômeno já foi interpretado segundo diversos costumes e culturas. No século 12, a abadessa e filósofa Hildegarda de Bigen ignorou a hierarquia eclesiástica porque acreditava que as vozes que escutava eram a palavra de Deus. Foi assim que, para perplexidade geral, ela fundou o próprio convento em 1147. Ainda hoje a alucinação auditiva é estigmatizada. Nos sistemas de classificação dos transtornos psiquiátricos, representa um critério-chave para o diagnóstico da esquizofrenia. Pesquisas indicam, porém, que o fenômeno é bem mais disseminado.

Levantamento realizado em 1983 pelos psicólogos Thomas B. Posey e Mary E. Losch, ambos da Universidade Estadual de Murray, Estados Unidos, revelou que cerca de 70% dos universitários entrevistados recordaram pelo menos um episódio de alucinação auditiva. Alguns pensavam ouvir a voz de algum parente morto, outros acreditavam numa manifestação divina. Para a maioria tratava-se dos próprios pensamentos. Entre os estudantes, 40% relataram ouvir alguém chamar seu nome pouco antes de adormecer.  Nesse caso, há divergências: alguns psicólogos classificam o fenômeno como alucinação, outros argumentam que quando se está prestes a dormir ou despertar há um rebaixamento da consciência e ficamos mais sujeitos às pseudo alucinações –  assim chamadas, pois sabemos que não se trata de algo real.

PENSANDO ALTO

É difícil, portanto, falar em alucinações auditivas como se fossem um único tipo de manifestação. Há um continuum de manifestações auditivas que vai do falar sozinho ao pensar em voz alta. Isso explica por que os resultados das pesquisas nessa área variam tanto, dependendo da pergunta que se faz aos entrevistados e, principalmente, de como as experiências relatadas são classificadas. Segundo o psicoterapeuta Thomas Bock, diretor do ambulatório de psicoses do Centro Médico da Universidade de Hamburgo, de 3% a 5% da população europeia e americana já teve alucinações auditivas, embora a prevalência mundial de esquizofrenia seja de apenas 1%. Logo, nem todas as “vozes do além” são sintomas de distúrbios psicóticos. Muitas das pessoas que ouvem vozes geralmente passaram por experiências de abuso ou abandono na infância. Eventos traumáticos na idade adulta, como acidente grave, estupro ou perda de um ente querido também podem desencadear o fenômeno. A maioria sofre com conflitos psíquicos e se encontra em alguma situação-limite. “As alucinações auditivas seriam um sinal de que a ‘voz interior’ está ocupada, cuidando das próprias necessidades”, afirma Bock. Segundo ele, para alguns pacientes a voz tem origem interna e para outros, externa. A neurobiologia ajuda a entender o segundo caso: circuitos cerebrais que fornecem feedback do tipo “sou eu que estou falando” eventualmente falham.  Esse parece ser o caso dos esquizofrênicos, grupo em que as alucinações auditivas foram mais investigadas.

O psiquiatra Philip McGuire, do Instituto de Psiquiatria do King’s College de Londres, realizou diversos experimentos com esquizofrênicos, nos quais testou o que chama de atribuição heterônima. Em um deles, McGuire colocou pacientes e pessoas saudáveis para falar ao microfone, ao mesmo tempo que ouviam sua própria voz, levemente modificada. Os participantes tinham de pressionar um botão quando achassem que estavam ouvindo a si mesmos. Como esperado, os esquizofrênicos tiveram mais dificuldades para identificar a própria voz; entre esses, os que costumavam ouvir sons imaginários atribuíam a fala a uma fonte externa, além de avaliá-la de forma depreciativa.

Técnicas de imageamento cerebral fornecem explicações adicionais sobre determinados aspectos fisiológicos das alucinações auditivas. As regiões aparentemente envolvidas são as relacionadas à linguagem, principalmente a área de Wernicke, responsável pela associação entre fala e audição. Diversos estudos, entre eles os conduzidos pelo neurobiólogo Thomas Dierks, da Universidade de Frankfurt, comprovaram por meio de tomografia helicoidal que essa região cerebral está envolvida nas alucinações auditivas. Utilizando o mesmo método, a equipe de Dierks observou, em 1999, o cérebro de três esquizofrênicos no exato momento em que ouviam as vozes imaginárias. Perceberam que, além da área de Wernicke, também o córtex auditivo primário (área que elabora nossa impressão auditiva do mundo exterior) era estimulado. Não surpreende, portanto, que as alucinações pareçam reais. Outros estudos mostraram que, em pacientes com alucinações auditivas graves, a área de Wernicke parecia menor ou atrofiada.

 CIRCUITOS NEURAIS

A experiência de ouvir vozes não precisa estar necessariamente relacionada a uma alteração neurobiológica. Uma hipótese corrente é que o cérebro simplesmente carece de estímulos do mundo exterior, de modo que os inventa. Em 1992, o neurologista Detlef Kõmpf, da Universidade Schleswig-Holstein, em Lübeck, Alemanha, observou que a ausência de estímulos sonoros pode causar alucinações musicais em idosos ou deficientes auditivos. Segundo ele, o cérebro é capaz de reter informações apreendidas nos circuitos neurais durante muito tempo. Se um dia os estímulos cessam, os sinais armazenados acabam ganhando “vida própria”. Pessoas que ouvem vozes em geral são muito retraídas e o fenômeno intensifica o isolamento social.

A tolerância do indivíduo às vozes imaginárias é o critério que determina a necessidade de intervenção clínica. Na prática, as alucinações se distinguem entre a audição eventual de vozes e as descritas por pacientes em tratamento psiquiátrico. A diferença foi estabelecida em 1998 pelo psiquiatra Marius Romme, da Universidade de Maastricht, Holanda. Embora em ambos os casos os pacientes escutem diálogos, comentários ou a reprodução sonora dos próprios pensamentos, os pacientes psiquiátricos relatam conteúdos ofensivos ou repreensões. Pessoas saudáveis costumam ouvir palavras benevolentes e motivadoras e têm a sensação de poder controlar as vozes.

Falar com o paciente como se ele tivesse uma doença grave muitas vezes só agrava o problema, com risco de a pessoa se retrair ainda mais. Deixá-los falar livremente sobre suas vozes, por outro lado, faz com que elas percam um pouco a força. Segundo Bock, esse é o primeiro passo para controlar a situação. Na tentativa de libertar as pessoas das alucinações auditivas, o psiquiatra Ralph E. Hoffman, da Faculdade de Medicina da Universidade Yale, em New Haven, as submete a estimulação magnética transcraniana de baixa intensidade. A técnica começou a ser usada em esquizofrênicos em 2000. Estudo publicado em 2005 mostrou que em metade dos casos as alucinações cessam ou são reduzidas nos três meses seguintes. Os resultados em indivíduos saudáveis ainda estão em fase de avaliação.

Se não é possível afastar as vozes para sempre, mudar a forma como a pessoa as avalia já ajuda muito. Ainda que o conteúdo da mensagem ouvida continue negativo, intenções e características que lhe são atribuídas podem ser interpretadas de outra maneira. Segundo as recomendações da organização alemã de apoio a pacientes com distúrbios psiquiátricos Netzwerk Stimmenhõren, o principal objetivo é fazer o indivíduo “senhor de sua própria casa”. Assim, a pessoa pode, além de continuar ouvindo as vozes, responder a elas, concentrando-se em mensagens positivas ou estabelecendo limites para sua manifestação. Isabela, por exemplo, permite que suas vozes a perturbem apenas na parte da manhã e assim consegue ter sossego o resto do dia.

Outra possibilidade de tratamento se baseia na análise das interações sociais, pois com frequência a relação com as vozes é semelhante às que o indivíduo constrói na vida real, segundo o psicólogo Mark Hayward, da Universidade de Leicester, Reino Unido. “É preciso encontrar a saída do isolamento”, diz. Depois de alguns anos de terapia, Isabela reaproximou-se da mãe e dos amigos. As vozes não foram embora, mas ela deixou de se ver como vítima. Hoje elas já não a assustam mais.

 

BETTINA THRÃENHARDT – é psicóloga e jornalista científica.

OUTROS OLHARES

5 HÁBITOS PARA GANHAR 10 ANOS

Pela primeira vez, a ciência contabiliza o saldo em longevidade de pessoas acima dos 50 anos que, finalmente, decidem adotar atitudes saudáveis no cotidiano.

5 Hábitos para ganhar 10 anos

Os médicos sempre dizem que uma guinada na forma de cuidar da saúde, mesmo após os 50 anos, é capaz de prolongar a vida. O que eles não sabiam era afirmar quanto tempo a mais de vida os novos hábitos trazem. Agora isso está na ponta do lápis. São 10 anos a mais, pelo menos, segundo uma extensa pesquisa que acaba de ser publicada na Circulation, revista da Associação Americana do Coração. As ações recomendadas são conhecidas: uma dieta que preconize a ingestão de frutas, verduras e gorduras saudáveis; exercitar-se regularmente trinta minutos por dia; manter o peso adequado à altura, beber moderadamente (uma taça de vinho para mulheres e duas para os homens) e não fumar. Parece óbvio, mas é a primeira vez que a ciência faz a conta do ganho real que um indivíduo de meia idade obtém ao seguir a cartilha da vida saudável.

O trabalho foi feito por pesquisadores da Universidade de Harvard (EUA), que acompanharam por três décadas a evolução da saúde de 78 mil mulheres e 44 mil homens a partir dos 50 anos. Sem adotar as cinco atitudes saudáveis, elas tinham 29 anos de expectativa de vida. As que passaram a adotá-las viveriam mais 43 anos. No caso dos homens, o salto foi de 25 para 37 anos. Além disso, os cinquentões saudáveis apresentaram 74% menos risco de morte durante o período acompanhado. O grupo teve 82% menos possibilidade de morrer após um acidente vascular cerebral ou um infarto e 65% menos chances de falecer por causa do câncer.

São índices bastante expressivos, que podem ser explicados pelos benefícios fisiológicos proporcionados pelos hábitos. Somados, eles ajudam a proteger o corpo contra o câncer, as doenças cardiovasculares e as consequências destas, que são as principais causas de morte no mundo. Um dos grandes problemas, porém, é fazer com que as pessoas mudem de hábitos, e de forma consistente. “A adesão ainda é muito pequena”, lamentou Frank Hu, coordenador do trabalho.

A constatação traz ainda outro desafio: convencer os indivíduos de que eles são também responsáveis pela própria saúde. “É preciso que as pessoas atuem como protagonistas nisso, ficando mais conscientes do poder que têm de mudar a vida”, afirma a médica Vania Assaly, presidente da Associação Brasileira de Saúde Funcional e Estilo de Vida.

GESTÃO E CARREIRA

É BOM SE PREOCUPAR…

Esse sentimento, que sempre teve um peso negativo, foi essencial para a sobrevivência da espécie humana – e, se bem gerenciado, poderá ajudar no crescimento profissional e nos processos de decisão.

É bom se preocupar

A febre é uma elevação da atura do corpo em valores acima dos considerados normais e funciona como um sinal de alerta: o sistema imunológico avisa que está combatendo alguma infecção. É um alarme natural. Do ponto de vista psicológico, quem faz esse papel de alertar que algo vai mal é a preocupação, um dos sinais da ansiedade. Mesmo que seja vista como uma sensação negativa, ela é responsável por indicar que há ameaças externas que podem nos prejudicar. “Essas emoções cumpriram a função de proteger nossos ancestrais ao longo da evolução. Os que eram mais atentos e que prestavam atenção em sua volta conseguiram fugir de animais selvagens e se perpetuar por meio da seleção natural”, afirma Beatriz Brandão, psicóloga da Simplex Empresarial, empresa de gestão de consultórios, de São Paulo.

Embora hoje não existam selvagens à solta em busca de uma presa humana, a preocupação continua a ter uma função positiva – tese defendida pelos professores Kate Sweeny e Michael D. Dooley, da Universidade da Califórnia, num artigo publicado na revista científica Social & Persona! Psychological Compass. Para escrever o texto, a dupla estudou como esse sentimento afeta as pessoas em diferentes situações e perceberam que o sentimento pode ter um viés motivador e funcionar como uma espécie de “colchão emocional”, preparando os indivíduos para enfrentar situações difíceis. Um dos exemplos citados pelos pesquisadores é o de um grupo de graduandos da faculdade de direito que estavam aguardando o resultado dos exames. Aqueles que estavam mais tensos conseguiram analisar o boletim de maneira mais assertiva, independentemente das notas conquistadas. “A preocupação é, muitas vezes, desagradável. Mas, por ter experimentado essa sensação angustiante no momento da espera, qualquer coisa parece melhor quando acontece – mesmo que seja urna má noticia. Até a decepção se toma um alivio”, diz Kate.

SOLUÇÃO DE IMPASSES

Em níveis normais, a preocupação é o primeiro passo para que possamos resolver o que nos aflige. A palavra vem do latim praeoccupo e significa, simplesmente, “antecipar-se”- algo interessante, porque pressupõe que tracemos planos e tomemos cuidados diante dos imprevistos. ”Essa é a parte produtiva do sentimento, que apresenta um viés de ação e nos move para solucionar pendências. O problema está na preocupação improdutiva, que paralisa e é apenas ruminação”, afirma Mariângela Gentil Savoia, psicóloga no Ambulatório de Ansiedade (Amban), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Aplicar esse viés de resolver problemas à carreira é uma boa atitude, pois ajuda os profissionais a ficar longe do comodismo e a se meterem para encontrar soluções. “Preocupar-se em se manter atualizado e em agir de acordo com o código de conduta da empresa faz com que você se destaque e sobreviva no mercado”, diz Beatriz. Além disso, esse comportamento pode ser positivo para navegar bem no mundo cheio de transformações em que vivemos. “Os preocupados costumam ser mais pessimistas, mas levam em conta os riscos. Eles podem ser um bom contraponto no mercado”, diz Guilherme Barati, psicólogo clinico de São Paulo.

O empreendedor Pablo Linhares, de 38 anos, tem esse perfil. Afrente da PLL, companhia de assistência técnica para empresas de telefonia com 700 funcionários e escritórios em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, ele costuma analisar os cenários possíveis para cada uma das decisões que toma. “Traço planos pensando em todas as possibilidades. Por isso, não costumo ruminar e sofrer. Quando algo dá errado, já estou pronto para reagir rápido’, afirma Pablo. Essa habilidade se mostrou especialmente relevante durante um dos momentos mais difíceis da empresa-; o extravio da carga de um cliente.

Como a logística era responsabilidade da PLL, Pablo precisou arcar com os custos e negociar uma solução. “Quando um problema acontece, a preocupação tem de surgir para que a gente consiga traçar rotas e consiga minimizá-lo”, diz o empreendedor.

EMOÇÕES SOB CONTROLE

Para entender por que a preocupação tem aspectos negativos e positivos, é preciso compreender como uma adversidade pode ser interpretada por nosso cérebro. Considere que ele é dividido em três partes: o cérebro reptiliano, o mais primitivo e ligado a nossos instintos animais, como atacar ou fugir o sistema límbico, responsável pelas emoções e sensações; e o novo córtex, que comanda nossas atividades racionais, de planejamento e resolução de problemas. O desequilíbrio ocorre quando a ansiedade sai do córtex e o sistema límbico começa a falar mais alto. “Quando estou com baixo desempenho no trabalho, posso deixar de ser racional, ficar com medo e criar teorias da conspiração”, diz Aristides Brito, neurocientista e coach da Marca Pessoal Treinamentos, de Santos (SP). “Muitas de nossas ansiedades não são reais, pois diminuímos nossa capacidade de solução ao transferir inseguranças e emoções com as quais não sabemos lidar.”

Para evitar essa situação, é importante externalizar os sentimentos que causam angústia. Isso ajuda a enxergar outros pontos de vista de um problema – sem que as emoções tirem nossa visão. E é exatamente assim que a nutricionista Damaris de Luca, de 39 anos, costuma agir. A profissional, que trabalha há 22 anos na LC Restaurantes, empresa de refeições coletivas em São Paulo, conta que o hábito de buscar outras visões sobre determinado assunto foi fundamental num dos momentos em que mais se sentiu pressionada na carreira. Em 2013, ela foi convidada a sair de sua área de atuação para comandar a diretoria de novos negócios, divisão recém-criada na companhia. “Senti uma preocupação muito grande com o futuro, pois estava saindo da função em que eu estava há anos, teria de criar uma equipe do zero e gerir pessoas mais velhas e experientes do que eu”, diz Damaris. Sabendo que não daria conta sozinha, – a profissional criou uma liderança mais colaborativa e organizou a rotina para ter momentos de relaxamento. . Procuro sempre resolver os problemas em grupo, envolvendo pessoas da minha área e de outros departamentos. Assim, consigo me distanciar, analisar e encontrar soluções sem sofrer e sem perder noites de sono.”

NO MEIO DO CAMINHO

Por essa função estar intimamente relacionada à ansiedade, quando estamos preocupados liberamos uma série de hormônios no sangue, principalmente adrenalina e glucocorticoides, que aceleram os batimentos cardíacos e a respiração, secam a boca e nos deixam suando frio. Esse estresse no longo prazo pode levar a quadros crônicos de ansiedade ou a outras doenças e distúrbios alimentares. “Um indicativo de que a preocupação está além do nível considerado saudável e se tornando sem sentido é quando ela começa a atrapalhar ou impedir que você faça as atividades simples do dia a dia como dormir bem”, afirma Mariângela.

Algumas pessoas são propensas a sofrer mais com a ansiedade diante de algum dilema. Entre elas estão as que apresentam baixa inteligência emocional, aquelas que sucumbem facilmente em situações mais exigentes ou as que têm um perfil controlador, não toleram a incerteza e querem tomar as rédeas de tudo. “O ideal é assumir uma postura de aceitação e adotar ações que minimizem a angústia. Por exemplo, não levar os problemas para a hora de dormir ou para o trabalho, procurar estar presente em todas as atividades e evitar a ruminação, diz Mariângela. E, assim como a maioria dos sentimentos, o que vai determinar se a preocupação assumirá um lado bom ou ruim é o equilíbrio. No mundo ideal, não é a despreocupação o caminho que devemos almejar, mas a preocupação na medida certa.

RUGUINHA NA TESTA

Estratégias para gerenciar melhor a preocupação:

COLOQUE NA AGENDA

Reservar uma hora do dia para refletir sobre o que o preocupa pode ser eficiente, principalmente se a sensação faz com que você perca o sono. Programe o mesmo horário, todos os dias, e se concentre em pensar sobre o que está causando aflição – assim você diminui a chance de os problemas voltarem à mente durante o dia ou a noite.

FAÇA LISTAS

Escrever tudo o que causa angústia é um método eficiente porque ajuda a racionalizar um processo que, muitas vezes, está acontecendo em meio a um turbilhão de sentimentos.

MANTENHA O FOCO

Um dos grandes problemas da preocupação é que ela pode consumir todas as atividades da vida de alguém, fazendo com que a pessoa não consiga se concentrar em mais nada. Porém, quanto mais ruminação houver, mais distante de uma perspectiva de resolução de problema você vai estar. O ideal é tentar focar o momento presente.

 

Fonte: Revista Você SA – Edição 237

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 18: 15-20

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A Remoção dos Escândalos

 Cristo, tendo advertido os seus discípulos a não serem motivos de escândalos, vem em seguida instrui-los quanto ao que eles devem fazer no caso de alguém os escandalizar; o que pode ser entendido por injúrias pessoais, e então essas instruções têm o propósito de preservar a paz da igreja. O Senhor também pode estar se referindo a escândalos públicos, e então estas palavras têm o propósito de preservar a pureza e a beleza da igreja. Consideremos isso de ambas as formas:

 I – Como as discussões que acontecem sobre qualquer assunto entre os cristãos. Se teu irmão transgredir contra ti, afligindo a tua alma (1 Coríntios 8.12), te afrontando, ou colocando desprezo ou abuso sobre ti; se ele manchar o teu bom nome, fazendo falsos relatos e intrigas; se ele passar dos limites dos teus direitos, ou, de alguma forma, te prejudicar em sua propriedade; se ele for culpado de qualquer destas transgressões que são especificadas (Levítico 6.2,3); se ele transgredir as leis da justiça, caridade, ou obrigações familiares; estas são transgressões contra nós, e frequentemente ocorrem entre os discípulos de Cristo, e, às vezes, por falta de prudência, trazem terríveis consequências. Então observe qual é a regra prescrita neste caso:

1. “Vai e repreende-o entre ti e ele só”. Deixe que isso seja comparado com Levítico 19.17 e explicado por este texto sagrado: “Não aborrecerás a teu irmão no teu coração”; isto é: “Se tu concebestes uma mágoa contra o teu irmão por qualquer injúria que ele tenha feito a ti, não permitas que os teus ressentimentos se transformem em um rancor secreto (como uma ferida, que é mais perigosa quando sangra internamente), mas os expõe em uma admoestação suave e grave, deixando que eles mesmos se dissipem, e logo serão eliminados. Não o ataques pelas costas, mas repreende-o. Se ele tiver feito a ti uma injustiça considerável, tenta sensibilizá-lo quanto a isso, mas deixa que a repreensão ocorra em particular, entre ti e ele só; se conseguires convencê-lo exponhas, porque isso só o deixará exasperado, e fará com que a repreensão pareça uma vingança”. Isto está de acordo com Provérbios 25.8,9: ‘”Não te apresses a litigar’, mas ‘pleiteia a tua causa com o teu próximo mesmo’, discute a questão calma e amigavelmente; e se te ouvir, satisfatoriamente, ganhaste a teu irmão; há um fim da controvérsia, e é um final feliz; não deixes que nada mais seja dito a respeito disso, mas permite que a inimizade anterior traga a renovação da amizade”.

2. “Se não te ouvir’, se ele não se considerar culpado, nem chegar a um acordo, ainda assim não te desesperes, mas submete o que ele irá te dizer a uma ou duas pessoas, não só para serem testemunhas do que se sucede, mas para argumentarem sobre o caso posteriormente com ele. Ê mais provável que ele lhes dê ouvidos porque não são parte da contenda; e se a razão falar mais alto com ele, a palavra da razão na boca de duas ou três testemunhas lhe será melhor falada e mais considerada por ele, e talvez isso o influencie a reconhecer o seu erro, e a dizer: Eu me arrependo.”

3. “E, se não as escutar’, e não referir a questão ao julgamento delas, então relate-a à igreja, aos ministros, presbíteros, ou a outros oficiais, ou às pessoas mais respeitadas na congregação a que pertences, faze-os juízes para tratar do assunto, e não apeles ao magistrado, nem solicites uma intimação para ele.” Isto é totalmente explicado pelo apóstolo (1 Coríntios 6), onde ele reprova aqueles que foram à lei perante os injustos, e não perante os santos (v. l), e que deveriam recorrer aos santos para julgarem as pequenas questões (v. 2) pertencentes a esta vida (v. 3). Se você perguntar: “Quem é ‘a igreja’ que deve ser consultada?”, o apóstolo instrui (v. 5): “Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos?” Aqueles da igreja que presumidamente são mais capazes de determinar tais assuntos; e ele fala ironicamente, quando diz (vv. 4,5): “Pondes na cadeira aos que são de menos estima na igreja… Não há, pois, entre vós sábios, nem mesmo um, que possa julgar entre seus irmãos?” Esta regra era então um requisito, especialmente quando o governo civil estava nas mãos daqueles que eram não só estrangeiros, mas inimigos.

4. “Se também não escutar a igreja’, não der ouvidos à decisão dela, mas persistir no erro que te fez, e continuar a te fazer ainda mais injustiças, considera-o como um gentio e publicano; toma o benefício da lei contra ele, mas que este seja sempre o último recurso. Não apeles para os tribunais de justiça até que tenhas primeiro tentado outros meios de resolver a questão em desacordo. Também podes, se quiseres, romper a tua amizade e familiaridade com ele; embora não devas, de modo algum, pensar em vingança, podes escolher se terás qualquer acordo com ele, no mínimo, de um modo que não possa lhe dar uma oportunidade de fazer a mesma coisa outra vez. Tu o terás restaurado, tu terás preservado a amizade dele, porém ele pode não agir da mesma forma, mas com falsidade.” Se um homem trapacear e abusar de mim uma vez, a culpa será dele; se ele fizer isso duas vezes, a culpa será minha.

II – Consideremos isso como os pecados escandalosos, que são um escândalo aos pequeninos, um mau exemplo àqueles que são fracos e sugestionáveis, e de grande tristeza para aqueles que são débeis e tímidos. Cristo, tendo nos ensinado a ser indulgentes com a fraqueza de nossos irmãos, aqui nos aconselha a não sermos indulgentes com a maldade daqueles que utilizam a fraqueza como pretexto. Cristo, planejando edificar uma igreja para si mesmo no mundo, cuidou aqui da preservação:

1. De sua pureza, para que ela pudesse ter uma autoridade de expulsão, um poder para purificar-se e renovar-se, como uma fonte de águas vivas, que é necessário, uma vez que a rede do Evangelho traz à tona tanto peixes bons como ruins.

2. De sua paz e ordem, para que todo membro possa conhecer o seu lugar e obrigação, e a pureza dela possa ser preservada de um modo regular, e não desordenadamente. Então vejamos:

(1). Qual é o caso suposto? “Se teu irmão pecar contra ti”.

[1]. “O ofensor é um irmão, alguém que está na comunhão cristã, que é batizado, que ouve a Palavra, que ora contigo, com quem tu te reúnes para a adoração a Deus regular ou ocasionalmente.” Note que a disciplina da igreja é para os membros da igreja. Deus julga os que estão de fora (1 Coríntios 5.12,13). Quando qualquer transgressão for feita contra nós, o primeiro passo é identificar se o transgressor é ou não um irmão, pois antes de resolvermos qualquer problema, precisamos entendê-lo.

[2]. ”A ofensa é uma transgressão contra ti; se o teu irmão pecar contra ti (assim é a palavra), se ele fizer qualquer coisa que seja ofensiva a ti como um cristão.” Um pecado gritante contra Deus é uma transgressão contra o seu povo, que tem uma verdadeira preocupação pela sua honra. Cristo e os crentes têm interesses entrelaçados; aquilo que for feito contra os crentes será considerado por Cristo como algo que está sendo feito contra ele mesmo; e aquilo que for feito contra Ele, só poderá ser considerado pelos crentes como algo que está sendo feito contra eles mesmos. ”As afrontas dos que te afrontam caíram sobre mim” (Salmos 69.9).

(2). O que deve ser feito nesse caso. Temos aqui:

[1]. As regras prescritas (vv. 15-17). Prosseguindo nesse método, temos:

Em primeiro lugar: “Vai e repreende-o entre ti e ele só”. Não espere que ele venha a ti, mas vá até ele, como o médico visita o paciente, e o pastor vai em busca da ovelha perdida. Não devemos achar que o esforço para a recuperação de um pecador ao arrependimento seja grande demais. Repreende-o, faça com que ele se lembre do que fez, e do mal de sua ação; mostre-lhe as suas abominações. As pessoas são relutantes em enxergar os seus erros, e têm a necessidade de ser informadas sobre eles. Embora o fato seja claro, como também o erro, eles de­ vem ser expostos. Os grandes pecados frequentemente distraem a consciência, e no momento a entorpecem e a silenciam; existe a necessidade de ajudar a despertá-la. O próprio coração de Davi o afligiu, quando ele cortou a orla da veste de Saul, e quando ele contou o povo em um censo; mas (o que é muito estranho) não vemos que ele tenha sido afligido no caso de Urias, até que Natã lhe disse: “Tu és o homem”.

“Repreende-o, e faz isso com razão e argumentos, não com paixão.” Onde o erro é evidente e grande, a própria pessoa é a pessoa certa para lidarmos, e temos uma oportunidade para isso; não há nenhum perigo aparente de causar mais sofrimento do que bem. Devemos, com mansidão e fidelidade, dizer às pessoas o que está errado nelas. A repreensão cristã é um mandamento de Cristo para trazer os pecadores ao arrependimento, e deve ser tratada como um mandamento. “Que a repreensão seja em particular, entre ti e ele só; fique patente que buscas não a sua reprovação, mas o seu arrependimento.” Note que esta é uma boa regra, que deveria ser observada de forma costumeira entre os cristãos: não falar dos erros dos nossos irmãos aos outros, até que tenhamos falado desses erros com eles próprios, fazendo desse procedimento algo menos acusador e mais reprovador – isto é, menos pecados cometidos e mais deveres cumpridos. Provavelmente haverá mais eficácia sobre um ofensor quando ele vir o seu reprova­ dor preocupado não só com a sua salvação, ao lhe declarar o seu erro, mas também com a sua reputação, ao falar de seu erro de forma privada.

“Se te ouvir” – isto é, se te der atenção – se ele for tocado pela reprovação satisfatoriamente, “ganhaste a teu irmão”; tu ajudaste a salvá-lo do pecado e da ruína, e isso será teu crédito e conforto (Tiago 5.19.20). Note que a conversão de uma alma consiste em ganhar essa alma (Provérbios 11.30); e devemos desejá-la e trabalhar por ela como se fosse um ganho para nós. E como a perda de uma alma é uma grande perda, o ganho de uma alma é, com certeza, um grande ganho.

Em segundo lugar: Se isso não acontecer, “leva ainda contigo um ou dois” (v.16). Não devemos nos cansar de fazer o bem, embora atualmente não vejamos o bom sucesso dessa atitude. Se ele não o ouvir, não desista dele como em um caso em que não haja esperança; não diga que não servirá para nada mais lidar com essa pessoa, mas continue no uso de outros meios. Até mesmo aqueles que endurecem os seus pescoços devem ser frequentemente reprovados, e aqueles que se opõem devem ser instruídos em mansidão. Em um trabalho desse tipo, devemos sentir novamente as dores de parto (Gálatas 4.19); e é depois de muitos sofrimentos e dores que a criança nasce.

“Leva ainda contigo um ou dois”.

1. Para ajudá-lo; eles podem falar alguma palavra pertinente e convincente em que você não pensou, e podem tratar do assunto com mais prudência do que você o fez”. Note que os cristãos devem enxergar a sua necessidade de ajudar a fazer o bem, e orar por auxílio mútuo. Assim como em outras tarefas, ao repreender-se o dever deve ser cumprido, e que possa ser cumprido da melhor maneira possível.

2. “Para produzir efeito nele. Será mais provável que ele se humilhe por seu erro quando vir dois ou três testemunhando contra si” (Deuteronômio 19.15). Observe que o transgressor deve encontrar a hora certa para se arrepender e se corrigir. Ele precisa enxergar que a sua má conduta está se tornando uma ofensa e um escândalo geral. Embora em um mundo como este seja raro encontrar alguém bom de quem todos os homens falem bem, é mais raro ainda encontrar alguém bom de quem todos os homens falem mal.

3. “Para serem testemunhas de sua conduta, caso o assunto seja, depois disso, levado ao conhecimento da igreja”. Ninguém deve ser submetido à censura da igreja como obstinado e contumaz, até que seja muito bem provado que tal pessoa seja assim.

Em terceiro lugar: “Se não as escutar”, e não se humilhar, “dize-o à igreja” (v. 17). Há alguns espíritos obstinados a quem os meios mais prováveis de convencimento se mostram ineficazes; no entanto, não se deve desistir deles como incuráveis, mas permitamos que o assunto se torne mais público, e mais ajuda seja requisitada. Observe:

1. As admoestações em particular devem sempre ocorrer antes das censuras públicas; se métodos mais gentis funcionarem, aqueles que são mais severos não devem ser usados (Tito 3.10). Aqueles que ponderarão sobre os seus pecados, não precisarão ser envergonhados por eles. Deixemos que a obra de Deus seja feita de modo eficaz, mas com o menor estardalhaço possível; o seu reino vem com poder, mas não com observação. Mas:

2. Onde a admoestação em particular não funcionar, a censura pública deverá ocorrer. A igreja deve receber as queixas do ofendido, repreender os pecados dos ofensores, e julgar entre eles, depois de uma investigação imparcial dos méritos da causa.

“Dize-o à igreja”. É um a pena que esta ordem de Cristo. que foi expressa para acabar com as diferenças e remover os escândalos, seja em si um grande assunto de debate, e ocasione diferenças e escândalos pela corrupção dos corações dos homens. A grande questão é: o que se deve dizer à igreja. Isso compete ao magistrado civil, dizem alguns. Ao sinédrio judeu, dizem outros; mas pelo que se segue (v.18), fica evidente que o Senhor se refere a uma igreja cristã, que, embora ainda não formada, estava em seu início embrionário. “Dize-o à igreja”, àquela igreja específica em cuja comunhão o ofensor vive; torne o assunto conhecido aos daquela congregação que são, por permissão do Senhor, designados a receber informações desse tipo. Dize-o aos líderes e governantes da igreja, ao ministro ou aos ministros, aos presbíteros ou diáconos, ou (se esta for a constituição da sociedade) dize-o aos representantes ou chefes da congregação, ou a todos os membros dela; eles devem examinar o assunto e, se concluírem que a queixa é frívola ou sem base, repreendam o queixoso. Se eles a considerarem justa, repreendam o ofensor, e intimem-no ao arrependimento. É provável que isso traga mais força e eficácia à repreensão, por ser ministrada:

1.  “Com maior solenidade,”, e:

2. “Com maior autoridade”. Ê algo terrível receber uma repreensão de uma igreja, de um ministro, um reprovador por ofício; portanto, o assunto ganha uma perspectiva diferente, como uma deferência de uma instituição de Cristo e de seus embaixadores.

Em quarto lugar: “Se também não escutar a igreja”, se ele menosprezar a admoestação, se não se envergonhar de seus erros, nem os corrigir, considere-o como um gentio e publicano; que ele seja expulso da comunhão da igreja, afastado das ordenanças especiais, que perca a honra da posição de membro da igreja, que seja colocado sob desgraça, e que os membros da igreja sejam avisados a se afastarem dele, para que possa sentir vergonha de seu pecado, e que eles não se contaminem por ele, nem se tornem culpáveis juntamente com o transgressor. Aqueles que desprezam as ordens e regras de uma sociedade, e trazem reprovação sobre ela, falsificam as honras e os privilégios dela, e são justa­ mente isolados até que se arrependam e se sujeitem, e se reconciliem com ela novamente. Cristo indicou esse método para vindicar a honra da igreja, a preservação de sua pureza, e a convicção e restauração daqueles que são escandalosos. Mas observe que o Senhor não diz: “Que ele seja para ti como um diabo ou um espírito mal­ dito, como alguém cujo caso não tem esperança”, mas “como um gentio e publicano, como alguém que está na posição de ser restaurado e recebido outra vez. Não o considera como um inimigo, mas admoesta-o como um irmão.” As instruções dadas à igreja de Corinto com relação ao incestuoso concordam com as regras aqui; ele deve ser tirado dentre eles (1 Coríntios 5.2), e deve ser entregue a Satanás. Porque se ele for expulso do reino de Cristo, será considerado como pertencendo ao reino de Satanás; eles não devem estar em companhia dele (vv. 11,13). Mas se for humilhado e regenerado, ele deve ser recebido novamente em comunhão, e tudo estará bem.

[2]. Aqui está uma garantia para a ratificação de todos os procedimentos da igreja de acordo com essas regras (v. 18). Aquilo que foi dito anteriormente a Pedro é repetido aqui a todos os discípulos, e a todos os obreiros fiéis da igreja, até o final do mundo. Enquanto os ministros pregam a palavra de Cristo fielmente, e, em seu governo da igreja, obedecem estritamente às suas, eles podem ter a certeza de que são, e sempre serão, do Senhor. Ele os apoiará, e ratificará aquilo que eles dizem e fazem, para que seja considerado como dito e feito pelo próprio Senhor. Ele os reconhecerá:

Em primeiro lugar, em sua sentença de suspensão. “Tudo o que ligardes na terra será ligado no céu”. Se as censuras da igreja seguirem devidamente a instituição de Cristo, seus juízos seguirão as censuras da igreja, seus juízos espirituais, que são os mais dolorosos de todos os outros, como aqueles que foram sofridos pelos judeus rejeitados (Romanos 11.8), “um espírito de profundo sono”. Porque Cristo não tolerará que as suas próprias ordenanças sejam menosprezadas, mas dirá amém para as sentenças justas que a igreja decretar sobre os seus ofensores obstinados. Por maior que seja o desprezo que os zombadores orgulhosos possam demonstrar em relação às censuras da igreja, faça-os saber que elas são confirmadas no tribunal do céu; e seria em vão apelarem para este tribunal, porque o juízo já foi expresso ali contra eles. Aqueles que são deixados de fora da congregação dos justos agora, não permanecerão nela no grande dia (Salmos 1.5). Cristo não os possuirá como seus, nem receberá para si mesmo aqueles a quem a igreja devidamente entregou a Satanás; mas, se através de algum erro, ou da inveja, as censuras da igreja forem injustas, Cristo irá misericordiosamente ao encontro daqueles que forem banidos (João 9.34,35).

Em segundo lugar, em sua sentença de absolvição. “Tudo o que desligardes na terra será desligado no céu”. Considere que:

1. Nenhuma censura da igreja liga tão firmemente. Mas, mediante o arrependimento e a restauração dos pecadores, eles podem e devem ser novamente restaurados. A punição que alcança o seu propósito é suficiente, e o ofensor deve então ser perdoado e confortado (2 Coríntios 2.6). Não há nenhum abismo intransponível estabelecido, exceto aquele entre o céu e o inferno.

2. Aqueles que, por seu arrependimento, forem recebidos pela igreja em comunhão novamente, podem receber o conforto da sua absolvição no céu, se os seus corações forem sinceros para com Deus. A suspensão está para o terror do obstinado assim como a absolvição está para o ânimo do penitente. O apóstolo Paulo fala como alguém que tem a mente de Cristo, quando diz: ”A quem perdoardes alguma coisa também eu” (2 Coríntios 2.10).

Então, Cristo aqui dá uma grande honra à igreja. Ele não só condescenderá, reconhecendo as suas sentenças, mas as confirmará; e nos versículos seguintes temos duas coisas que são a base disso.

(1).  A prontidão de Deus em responder as orações da igreja (v. 19). “Se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito”. Aplique isso:

[1].  Em geral, a todos os pedidos, em oração, da semente fiel de Jacó; eles não buscarão a face de Deus em vão. Temos muitas promessas, nas Escrituras, de uma resposta misericordiosa às orações que forem feitas com fé. Mas esta dá um ânimo particular à oração conjunta, pois podemos entendê-la assim: “Os pedidos em que dois de vocês concordarem serão concedidos; quanto mais aqueles que tiverem a concordância de muitos”. Nenhuma lei do céu limita o número daqueles quepe­ dem. Cristo se agrada de honrar e permitir uma eficácia especial às orações conjuntas dos crentes fiéis, e às súplicas comuns que eles fazem a Deus. Se eles se unirem na mesma oração, se combinarem que se apresentarão ao trono da graça com algum propósito especial, ou, apesar da distância, concordarem em uma questão específica em oração, eles serão bem-sucedidos. Além da consideração geral que Deus tem pelas orações dos santos, Ele se agrada pa1ticularmente pela união e pela comunhão deles nessas orações. Veja 2 Crônicas 5.13; Atos 4.31.

[2].  Em particular, àqueles pedidos que são colocados diante de Deus sobre ligar e desligar, aos quais essa promessa parece se referir mais especialmente. Observe, em primeiro lugar, que o poder da disciplina da igreja não está confinado aqui na mão de uma única pessoa; mas duas, no mínimo, devem estar preocupadas com o assunto. Quando o coríntio incestuoso estava para ser expulso, a igreja estava reunida (1 Coríntios 5.4), e o castigo foi infligido por muitos (2 Coríntios 2.6). Em um caso de tamanha importância, dois é melhor que um, e na multidão de conselheiros há segurança. Em segundo lugar, é bom ver aqueles que têm o controle da disciplina da igreja concordando com a sua aplicação. Discussões acaloradas e animosidades, entre aqueles cujo trabalho é remover escândalos, será o maior escândalo de todos. Em terceiro lugar, a oração deve sempre estar de acordo com a disciplina da igreja. Não decrete uma sentença que você não possa, com fé, pedir a Deus que confirme. A palavra referente a ligar e desligar (cap. 16.19) era proferida através da pregação, e esse processo deveria estar envolto pela oração. Portanto, todo o poder dos ministros do Evangelho deve estar na Palavra e na oração, às quais eles devem se dedicar completamente. Ele não diz: “Se vocês concordarem com uma sentença e decretarem alguma coisa, ela deverá ser feita” (como se os ministros fossem juízes e senhores), mas: “Se vocês concordarem em pedir algo a Deus, vocês obterão uma resposta favorável da parte dele.” A oração deve estar de acordo com todos os nossos esforços em prol da conversão dos pecadores (veja Tiago 5.16). Em quarto lugar, as petições unânimes da igreja de Deus para a ratificação de suas justas censuras serão ouvidas no céu, e obterão uma resposta; isso lhes será feito, será ligado ou desligado no céu. Deus dará a sua autorização aos apelos e pedidos que você lhe fizer. Se Cristo (que aqui fala como quem tem toda a autoridade) diz: “Isso lhes será feito,” podemos nos sentir seguros de que será feito, mesmo que o resultado não se apresente da maneira que o buscamos. Deus nos aceita de uma maneira especial, e continua a ser o dono de nossa vida quando estamos orando por aqueles que escandalizaram tanto a Ele como a nós. Deus virou o cativeiro de Jó, não quando ele estava orando por si mesmo, mas quando ele estava orando por seus amigos que haviam transgredido contra ele.

(2).  A presença de Cristo nas assembleias dos cristãos (v. 20). Todo crente tem, em si mesmo, a presença de Cristo; mas a promessa aqui se refere às reuniões onde dois ou três estão reunidos em seu nome, não só para a disciplina, mas para a adoração religiosa, ou qualquer ato de comunhão cristã. As assembleias de cristãos para propósitos santos são aqui indicadas, instruídas e encorajadas.

[1]. Elas são aqui indicadas; a igreja de Cristo no mundo existe mais visivelmente em assembleias religiosas; é a vontade de Cristo que estas sejam realizadas. e acompanhadas, para a honra de Deus. para a edificação dos homens, e para a preservação da religiosidade no mundo. Quando Deus tem a intenção de conceder res­ postas especiais à oração, Ele requer uma assembleia solene (Joel 2.15,16). Se não houver liberdade e oportunidade para assembleias grandes e numerosas, mesmo assim é a vontade de Deus que dois ou três se reúnam, para que Ele mostre a sua boa vontade à grande congregação. Quando não pudermos fazer o que faríamos, no exercício da religião, devemos fazer o que pudermos, e Deus nos aceitará.

[2]. Eles são aqui instruídos a se reunir em nome de Cristo. No exercício da disciplina da igreja, eles devem se reunir em nome do Senhor Jesus Cristo (1 Coríntios 5.4). Este nome fornece ao que eles fazem uma autoridade na terra, e uma aceitabilidade no céu. Em nossas reuniões ou em nossa adoração, devemos manter os nossos olhos em Cristo; devemos nos reunir pela virtude de sua garantia e decreto, em sinal de nossa relação com Ele, professando a nossa fé nele, e em comunhão com todos aqueles que, em todo lugar, o invocam. Quando nos reunimos para adorar a Deus, devemos depender do Espírito e da graça de Cristo como Mediador para que sejamos auxiliados, e do seu mérito e da sua justiça como Mediador para que sejamos aceitos. Precisamos ter uma verdadeira consideração para com Ele como o Caminho para o Pai, e o nosso Advogado junto ao Pai; assim nos reunimos em seu nome.

[3]. Eles são aqui encorajados com uma garantia da presença de Cristo: “Aí estou eu no meio deles”. Pela sua presença comum, Ele está em todos os lugares, como Deus; mas essa é uma promessa de sua presença especial. Onde os seus santos estão, o seu santuário está, e ali Ele habitará; é o seu repouso (Salmos 132.14), é o seu andar (Apocalipse 2.1); Ele está no meio deles, para vivificá-los e fortalecê-los, para reanimá-los e confortá-los, como o sol no meio do universo. Ele está no meio deles, isto é, em seus corações; é uma presença espiritual, a presença do Espírito de Cristo com o espírito deles, que aqui é proposta. “Aí estou eu”, não só: Eu estarei aí, mas, e Eu estou aí; como se Ele viesse primeiro. Estando diante deles, eles o encontrarão aí. Ele repetiu essa promessa na sua partida (cap. 28.20): “Eis que eu estou convosco todos os dias”. A presença de Cristo está nas assembleias de cristãos conforme a sua promessa, e pode ser pedida pela fé. Os cristãos podem depender dela: ”Aí estou eu”. Isso é o equivalente ao Shekiná, ou a presença especial de Deus no tabernáculo e no templo do passado (Êxodo 40.34; 2 Crônicas 5.14).

Embora apenas dois ou três estejam reunidos, Cristo está no meio deles; esse é um estímulo para a reunião de alguns, quando é feita, em primeiro lugar, por escolha. Além do culto particular realizado por pessoas específicas, e os cultos públicos de toda a congregação, pode haver, às vezes, uma oportunidade para dois ou três se reunirem, ou para auxílio mútuo em conferência, ou para o auxílio conjunto em oração, não em desprezo ao culto público, mas em cooperação com ele; Cristo estará presente ali. Ou, em segundo lugar, por coação; quando não houver mais que dois ou três para se reunir, e se não ousarem adorá-lo por medo dos judeus, mesmo assim Cristo estar á no meio deles, porque não é a multidão que convida a presença de Cristo, mas a fé e a devoção sincera dos adoradores. E mesmo que haja apenas dois ou três, o menor número que pode haver, mesmo assim Cristo está presente no meio deles. Ele é a pessoa principal, e a sua reunião será tão honorável e confortadora quanto se houvesse dois ou três mil participantes.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

VOCÊ ESTÁ MESMO NO COMANDO DA SUA VIDA?

Cientistas pesquisam como nossas decisões são controladas por aspectos físicos e psíquicos dos quais nem sempre temos consciência. A neurobiologia pode ajudar a entender como escolhemos nosso destino.

Você está mesmo no comando da sua vida

Em um canto remoto do Universo, em um pequeno planeta azul gravitando em torno de um sol monótono, nos distritos exteriores da Via Láctea, organismos surgiram da lama e do lodo   primordial em uma longa luta pela sobrevivência. Apesar de todas as evidências desfavoráveis, essas criaturas bípedes se consideram extremamente privilegiadas, ocupando um lugar privilegiado em um cosmos de um trilhão de trilhões de estrelas. Vaidosos, muitos desses seres incorrem no ledo engano de acreditar que somente eles podem escapar da lei de ferro da causa e efeito que rege tudo. E pensam que podem agir assim por se valer de algo que chamam de livre-arbítrio, essa capacidade de tomar decisões. Mas será que somos mesmo tão livres em nossas escolhas?

A questão não é meramente uma ironia filosófica, mas nos diz respeito como poucas outras da metafísica. Trata-se, na verdade, do alicerce das noções de sociedade, responsabilidade, reconhecimento e culpa. Em última análise, diz respeito ao grau de controle que exercemos sobre nossa vida.

Pense numa situação prática. Imagine que você vive com alguém amoroso, encantador e está satisfeito com sua vida afetiva. Ou, pelo menos, era o que pensava até encontrar, casualmente, um estranho que lhe desperta grande atração e deixa sua vida de cabeça para baixo. Vocês conversam por horas no telefone, compartilham segredos mais íntimos e iniciam um jogo de sedução. Por outro lado, você percebe perfeitamente que tudo isso é errado do ponto de vista ético e pode causar estragos na vida de várias pessoas. Além disso, não há nenhuma garantia de um futuro feliz e produtivo se continuar essa história. No entanto, algo em você anseia por mudança.

Até que ponto de fato há interesse em resolver a situação? Esse tipo de escolha nos confronta com valores e desejos. Em princípio, você acha que pode terminar tudo. Mas, apesar de diversas tentativas, de alguma forma nunca consegue. Por que será?

Embora a filosofia tenha trazido grandes contribuições para o debate sobre o livre-arbítrio, podemos focar nas respostas – ainda que parciais – da psicologia, da física e da neurobiologia sobre esse antigo enigma.

 TONS DE LIBERDADE

Recentemente, participei de um júri no Tribunal Distrital dos Estados Unidos, em Los Angeles. O réu era um membro de uma gangue de rua que contrabandeava e traficava drogas. Ele era acusado de assassinar um colega de quarto com dois tiros na cabeça. Enquanto a cena do crime era discutida com parentes e membros atuais e passados da gangue (alguns algemados e vestidos com macacão laranja de prisioneiro), eu pensava sobre as forças individuais e sociais que moldaram aquele rapaz, sentado na cadeira do réu. Alguma vez ele teve escolha?  A educação violenta que recebeu o transformou em assassino? Felizmente, o júri não foi chamado para responder a esses questionamentos complexos ou determinar a punição. Tivemos apenas de decidir, mesmo com alguma dúvida, se acreditávamos que ele seria culpado da acusação:  atirar em certa pessoa num determinado lugar e numa ocasião específica. Foi o que fizemos. De acordo com o que alguns chamam de livre-arbítrio, um conceito articulado por René Descartes no século 17, somos livres se, em circunstâncias idênticas, podemos agir de formas diferentes. Condições análogas se referem   não só a fatos externos, mas também a estados mentais. Assim, a mente pode escolher com autonomia, permitindo que a consciência expresse seus desejos, assim como um motorista que guia um carro pode optar por qual estrada prefere ir. Esse é um dos pontos de vista mais aceitos pelo senso comum.

Agora, compare essa forte noção de liberdade com uma concepção mais pragmática chamada “compatibilismo”, a visão dominante em alguns círculos biológicos, psicológicos, jurídicos e médicos. Segundo essa ideia, somos livres se podemos seguir nossos próprios desejos e preferências. Por exemplo, um fumante de longo prazo que tenta parar, mas reincide, não é livre – seu desejo é frustrado pela dependência. Segundo essa definição, poucos de nós somos totalmente livres.

São raras as pessoas “autônomas” que me vêm à mente: Mahatma Gandhi, com sua força de aço, deixava de comer por semanas a fio por um propósito ético elevado. Também o monge budista Thich Quang Duc, que cometeu autoimolação para protestar contra o regime repressivo no sul do Vietnã, em 1963. A natureza calma e deliberada de seu ato heroico, capturada por fotografia, é assombrosa.  Enquanto queima até a morte, Duc permanece na posição de lótus meditativo, sem mover um músculo ou emitir qualquer som, enquanto as chamas o consomem. Para o resto de nós que, muitas vezes, luta para não comer a sobremesa, a liberdade é sempre uma questão de grau, e não um bem absoluto que temos ou não.

UNIVERSO MECÂNICO

O direito penal reconhece casos de responsabilidade diminuída. O marido que bate no amante de sua mulher até a morte durante um ataque cego de fúria depois de pegar o casal em flagrante é considerado menos culpado do que se tivesse premeditado uma vingança semanas mais tarde. O norueguês Anders Breivik, que disparou a sangue-frio contra mais de 60 pessoas, em julho de 2011, foi diagnosticado como esquizofrênico paranoico. Considerado um criminoso insano, será confinado em uma instituição psiquiátrica. A sociedade contemporânea e o sistema judicial são construídos a partir dessa noção pragmática e psicológica de liberdade. Mas é possível ir mais fundo e investigar as causas por trás de ações tradicionalmente consideradas “livres”.

Em 1687, o célebre físico e matemático inglês Isaac Newton publicou a obra Principia, com três volumes, na qual enunciou a lei da gravitação universal e as três leis do movimento. A segunda lei de Newton relaciona a força trazida a um sistema (por exemplo, uma bola de bilhar rolando sobre o feltro verde da mesa) à sua aceleração. Esse postulado tem consequências profundas, pois implica que posições e velocidade de todos os componentes que constituem uma entidade, em qualquer momento particular, juntamente com a força entre eles, determinam inalteravelmente o destino dessa unidade – isto é, sua futura localização e velocidade.

Essa é a essência do determinismo. A massa, a localização e a velocidade dos planetas (que viajam em suas órbitas ao redor do Sol) estabelecem onde estarão em mil, um milhão ou bilhão de anos a partir de hoje, contanto que todas as forças que agem sobre eles sejam devidamente contabilizadas. Uma vez em movimento, o Universo segue seu curso inexorável, como um relógio.

O caos determinístico, porém, é um grande choque contra essa noção de que o futuro pode ser previsto com precisão. O meteorologista Edward Lorenz, morto em 2008, deparou com esse complexo sistema enquanto resolvia três equações matemáticas simples que caracterizam o movimento da atmosfera. A solução prevista pelo programa de computador variava muito quando inseria valores iniciais que diferiam em pequenas quantidades. Essa é a marca do caos: irregularidades infinitesimais em pontos de partida das equações conduzem a resultados radicalmente diferentes. Em 1972, Lorenz cunhou o termo “efeito borboleta” para designar essa extrema sensibilidade às condições iniciais: o bater de asas de uma borboleta cria ondulações quase imperceptíveis na atmosfera que, finalmente, alteram o caminho de um tornado em outro lugar. Extraordinariamente, essa dependência sensível às condições iniciais foi encontrada nas engrenagens celestes, o resumo do universo mecânico. Planetas movem-se majestosamente, impulsionados pela rotação inicial da nuvem que formou o sistema solar. Foi uma incrível surpresa descobrir, por meio da modelagem computacional, na década de 90, que Plutão tem uma órbita caótica, com um tempo de divergência de milhões de anos. Astrônomos não podem afirmar se o planeta estará desse ou do outro lado do Sol (em relação à posição da Terra) daqui a 10 milhões de anos! Se a incerteza vale para um objeto com uma composição interna relativamente simples, que se move no vácuo do espaço sob uma única força, a gravitacional, imagine tentar prever o destino (influenciado por fatores incalculáveis) de uma pessoa ou de uma minúscula célula nervosa.

ORIGENS DA INCERTEZA

No entanto, o caos não invalida a lei natural de causa e efeito. Ele continua a reinar. Físicos planetários podem ter dúvidas sobre onde Plutão estará em algumas eras, mas têm certeza de que sua órbita será completamente dependente da gravidade para sempre. O que se rompe no caos não é a cadeia de ação e reação, mas a previsibilidade. O Universo é um relógio gigantesco, mesmo que não tenhamos certeza para onde os minutos e as horas vão apontar daqui a uma semana.

O golpe mortal contra a teoria de Newton foi o célebre princípio da incerteza da mecânica quântica, formulado por Werner Heisenberg em 1927. O enunciado impõe restrições à precisão com que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares de observáveis em nível subatômico. Basicamente, ele afirma que qualquer partícula, por exemplo um fóton de luz ou um eletro, não pode ter posição e impulso definidos ao mesmo tempo. Se a velocidade é precisa, a posição é correspondentemente mal definida, e vice-versa. O princípio da incerteza de Heisenberg é uma ruptura radical com a física clássica, substituindo a certeza dogmática pela ambiguidade.

Considere um experimento em que há 90% de probabilidade de um elétron estar aqui e 10% lá. Se a experiência for repetida mil vezes, em aproximadamente 900 a partícula estará numa posição e 100 noutra. O resultado estatístico, porém, não estabelece onde o elétron estará na próxima verificação. Albert Einstein nunca pôde se reconciliar com esse aspecto aleatório da natureza. Foi nesse contexto que disse “Deus não joga dados”.

O Universo tem um caráter irredutível, aleatório. Se fosse um relógio, suas engrenagens, molas e alavancas não seriam fabricadas na Suíça, pois não seguem um caminho definido. O determinismo físico foi substituído pelo determinismo das probabilidades. Nada mais é certo.

Mas espere! Há sérias objeções. Não há dúvida de que o mundo macroscópico da experiência humana é construído sobre o mundo quântico microscópico. No entanto, isso não implica que objetos do cotidiano, como os carros, herdam todas as propriedades misteriosas da mecânica quântica. Quando estaciono meu mini conversível vermelho, sua velocidade é zero em relação ao solo. Ele é extremamente pesado em comparação com um elétron, portanto a imprecisão associada à sua posição é, para todos os efeitos, nula.

Automóveis têm estruturas internas relativamente simples. Já o cérebro de abelhas, cães beagles e meninos, é extremamente diferente: os componentes que o constituem têm um caráter frenético. A aleatoriedade é evidente em todos as regiões do sistema nervoso, desde neurônios sensoriais receptores de imagens e aromas até células neurais motoras que controlam os músculos do corpo. Não podemos descartar a possibilidade de que a indeterminação quântica também leva à indefinição comportamental.

A aleatoriedade pode desempenhar um papel funcional. Uma mosca perseguida por um predador que faz uma virada de voo abrupta e repentina tem mais chances de ver a luz do dia por mais tempo do que um inseto mais previsível. É provável que a evolução favoreça circuitos que exploram a aleatoriedade quântica para certos atos ou decisões – e tanto a mecânica quântica quanto o caos determinístico levam a resultados imprevisíveis.

DE PRONTIDÃO

Deixe-me voltar a terra firme e falar sobre um experimento clássico que convenceu muita gente de que o livre-arbítrio é uma ilusão. O estudo foi feito no início de 1980 pelo neuropsicólogo Benjamin Libet, da Universidade da Califórnia em São Francisco.

O cérebro e o mar têm algo em comum: ambos são incessantemente agitados.  Um eletroencefalograma (EGG) permite visualizar esse alvoroço por meio das pequenas flutuações do potencial elétrico (de alguns milésimos de volts) na parte de fora do couro cabeludo. Assim como um sismógrafo, o traçado do EGG se move freneticamente, registrando tremores invisíveis do córtex. Sempre que a pessoa testada está prestes a mover um membro, um potencial elétrico (ou de prontidão, como os cientistas chamam) aumenta. O fenômeno precede o início real do movimento por um ou mais segundos.

Intuitivamente, acreditamos numa certa sequência de eventos que leva a um ato voluntário. Quando decidimos levantar uma das mãos, o cérebro comunica essa intenção aos neurônios responsáveis pelo planejamento e execução dos movimentos relacionados. Essas células neurais transmitem os comandos apropriados para as motoras, que por sua vez contraem os músculos do braço. Libet, porém, não se convenceu desse processo. Não seria mais provável que o cérebro agisse ao mesmo tempo que a mente? Ou até mesmo antes?

O neuropsicólogo decidiu determinar o momento em que acontece um evento mental, quando uma pessoa toma uma decisão deliberada, e compará-lo com o tempo de um evento físico, o início do potencial de prontidão após a decisão. Ele projetou numa tela um ponto de luz brilhante que girava em círculo, como a ponta do ponteiro dos minutos do relógio. Um grupo de voluntários, submetidos a um exame de EGG com eletrodos, deveria flexionar o pulso espontânea e deliberadamente. Os participantes agiram no momento em que prestaram atenção à posição da luz, quando se tornaram conscientes da necessidade de fazer algo.

Os resultados foram inequívocos e reforçados por experiências posteriores. O início do potencial de prontidão antecede a decisão consciente de agir por meio segundo ou mais. O cérebro age antes de a mente decidir! A descoberta é uma completa inversão da intuição profundamente arraigada da causação mental.

DECISÃO CONSCIENTE

Se quiser, pode tentar repetir a experiência: flexione os pulsos. Você experimenta três sentimentos relacionados (mas diferentes): o planejamento para se mover (intenção), sua disposição (um sentimento que os especialistas chamam “de autoria”) e a sensação provocada pelo movimento em si. Mas se um amigo dobra sua mão você vivencia somente o movimento, ou seja, não se sente responsável pela ação. Essa ideia, não raro, é negligenciada nos debates sobre livre-arbítrio: o nexo mente-corpo cria uma experiência específica e consciente de “eu quis isso” ou “sou o autor dessa ação”.

O psicólogo Daniel Wegner, pesquisador da Universidade Harvard, é um dos pioneiros dos estudos modernos da volição. Em um experimento, ele pediu a uma voluntária que usasse luvas e ficasse na frente de um espelho, com os braços pendentes. Um membro do laboratório, vestido de forma idêntica, se posicionou atrás dela, estendendo seus braços sobre as axilas da moça, de modo que quando ela olhasse sua imagem refletida tivesse a impressão de que as mãos eram suas. Os dois usavam fones de ouvido, por meio dos quais Wegner emitia instruções, como “bater palmas” ou “estalar os dedos da mão esquerda”. A voluntária deveria informar em que medida acreditava que as ações das mãos do assistente do laboratório eram dela. Quando ouvia as coordenadas do psicólogo antes que as mãos alheias se levantassem, relatava maior sensação de ter desejado realizar a ação, em comparação com os momentos em que as instruções de Wegner vinham depois.

Diversos neurocirurgiões, acostumados a sondar o tecido cerebral com breves pulsos de corrente elétrica, sublinham a veracidade da sensação de intenção. Em um experimento, o cirurgião ltzhak Fried, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, estimulou a área motora suplementar (situada no córtex cerebral e próxima ao córtex motor primário), desencadeando a necessidade de movimentar um membro. O neurocientista cognitivo Michel Desmurget, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, e a neuropsicóloga Angela Sirigu, do Instituto de Ciência Cognitiva, na França, descobriram algo semelhante ao estimular o córtex parietal posterior, uma área responsável por transformar informações visuais em comandos motores. “Senti que queria mover um dos pés, mas não sei explicar o motivo”, disse um dos voluntários. “Fiquei com vontade de rolar a língua pela boca”, acrescentou outro. O sentimento surgiu sem que houvesse sugestão do examinador. Com isso, aprendi duas lições. Primeira: uma concepção mais pragmática sobre o livre-arbítrio. Eu me esforço para viver o mais livre possível de restrições.  A única exceção se refere ao controle deliberado e consciente que me imponho, geralmente motivado por preocupações éticas, como não ferir os outros e tentar deixar o planeta melhor do que encontrei.  Outras considerações incluem vida familiar, saúde, estabilidade financeira e consciência. Segunda: tento entender melhor minhas motivações inconscientes, desejos e medos. Procuro refletir mais profundamente sobre minhas próprias ações e emoções do que quando era mais jovem.

O que proponho não é nenhuma novidade. São lições que homens sábios de diversas culturas ensinam há milênios. Os gregos antigos tinham o aforismo seauton gnothi (conhece-te a ti mesmo) inscrito acima da entrada do Templo de Apolo, em Delfos. Os jesuítas mantêm a tradição espiritual de aproximadamente 500 anos, segundo a qual é imprescindível examinar a consciência duas vezes ao dia. Os budistas examinam seus atos quando se sentam para meditar e, a partir daí, refazem o compromisso pessoa de renunciar ao que faz mal e se aproximar daquilo que realmente querem para si. Esse interrogatório interno constante aguça a sensibilidade para nossas ações, vontades e motivações. A atitude permite não só nos compreendermos melhor, mas também vi­ vermos mais harmoniosamente conosco e com nossas metas de longo prazo.

INTERDEPENDÊNCIA:

o termo “efeito borboleta” foi cunhado por Edward Lorenz, em 1972, para designar a extrema sensibilidade às ligações que os seres e os fenômenos têm uns com os outros: o bater de asas cria ondulações quase imperceptíveis na atmosfera que, finalmente, alteram o caminho de um tornado em outro lugar do planeta

Você está mesmo no comando de sua vida2 

CHRISTOF KOCH – é diretor científico do Instituto Allen de Ciências do Cérebro, em Seattle, e professor de biologia comportamental cognitiva do Instituto de Tecnologia da Califórnia. Adaptado de Consciência: confissões de um reducionista romântico, por Christof Koch. © Instituto de Tecnologia de Massachusetts, 2012. Todos os direitos reservados.

OUTROS OLHARES

A DOR DE 540 MILHÕES

Esse é número estimado de pessoas no mundo afetadas por problemas lombares. E o pior: uma em cada três recebe o tratamento errado.

A dor de 540 milhões

Considerada uma das condições mais incapacitantes, a dor lombar pode ser ainda pior quando os sintomas são negligenciados. É o que aponta o estudo publicado recentemente pela revista científica “The Lancet”, segundo o qual 540 milhões de indivíduos sofrem com dor nas costas – e a maioria dos pacientes recebem tratamento errado. A pesquisa foi conduzida por cientistas de 12 países e revelou que taxa de incapacidade causada pela dor lombar aumentou 50% desde a década de1990.

Não existe um fator especifico que desencadeia o problema, considerado mais um sintoma do que uma doença Emoções como estresse e ansiedade podem hipersensibilizar o sistema de alarme da dor e isso faz com que a percepção de desconforto e incapacidade seja exacerbada em pacientes com lombalgia, que atinge principalmente os adultos. “A chave para o tratamento é uma conversa profunda”, diz Lucíola Menezes Costa, doutora em fisioterapia e líder da pesquisa no Brasil pela Unicid. Um dos erros mais comuns, segundo ela, é solicitar de forma excessiva exames por imagens, que não vão mudar a conduta terapêutica do doente. Os cuidados que ele terá não serão alterados pelo resultado. Além disso, faltam medidas eficientes para investigar os sintomas e o uso de opioides (drogas que atuam no sistema nervoso central para aliviar dores fortes) e cirurgias cresce desenfreadamente. “Precisamos desafiar o paciente a uma nova educação. A intervenção cirúrgica não pode ser a primeira opção”, afirma. Para a especialista, porém, o poder de escolha sobre como lidar com a dor muitas vezes não é acertado com o paciente.

Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), a dor nas costas é a maior causa de afastamento do trabalho em pessoas com menos de 45 anos. O estudo publicado na semana passada mostrou que a maioria das crises de dor lombar é de curta duração. Porém, quando acontecem de maneira recorrente, um terço dos pacientes terá dor novamente em menos de um ano – condição que pode ser classificada como duradoura. Os pesquisadores também chamaram atenção para os sistemas públicos de saúde, que deveriam oferecer terapias mais eficazes e acessíveis à população. Com isso, o prognóstico e a eficácia nos tratamentos seria muito mais eficiente. Segundo o estudo, o descanso é frequentemente recomendado em países de menor poder aquisitivo, onde os recursos para melhorar a ergonomia nos locais de trabalho são escassos.

TRATAMENTOS PARA DOR NAS COSTAS

ADEQUADOS:

>> Sessões de fisioterapia acompanhadas de um profissional capacitado.

>> Técnicas que movimentem o corpo como bicicleta, natação, esteira, pilates e caminhadas.

>> Conversa aprofundada com médico para diminuir a ansiedade e crenças negativas que existem em cima dos sintomas.

INADEQUADOS:

>> Massagem usada de forma isolada.

>> Equipamentos de eletroterapia (frequentemente usados).

>> Uso excessivo de medicamentos à base de opioides.

>> Cirurgias indicadas de forma abusiva.

GESTÃO E CARREIRA

ALPINISTAS CORPORATIVOS

Moda entre as empresas, o montanhismo se torna uma arma para mapear o perfil comportamental de profissionais e identificar quem são os futuros líderes.

Alpinistas corporativos

De tempos em tempos, as empresas elegem um novo tema para explorar em programas e treinamentos. Depois da onda dos escapes games, jogos de fuga e estratégia, o queridinho da vez é o montanhismo. O esporte, que vem ganhando a atenção dos arrojados donos de startups aos executivos de multinacionais, é a analogia perfeita para quem deseja “escalar negócios”. Existem inúmeros paralelos possíveis: enquanto o guia de expedição orienta com sabedoria, o líder conduz com inteligência; enquanto o montanhista calcula riscos, o funcionário planeja metas; enquanto a escalada pede força, a carreira exige resiliência. E, sem espírito de equipe, ninguém chega ao topo, nem da montanha nem da empresa.

Apesar de os críticos considerarem as escaladas apenas mais um dos modismos corporativos e defenderem que logo serão substituídas por outra tendência qualquer, a verdade é que elas se tomaram uma febre ao redor do mundo. Ambientes desafiadores, como montanhas, oferecem uma oportunidade real de aprendizado.

“A medida que caminham e escalam, os participantes de uma expedição compreendem a importância de ser socialmente inteligentes, de se adaptar às mudanças de condições, de construir a confiança e de manter uma visão holística”, diz Christopher Maxwell, Ph.D. em liderança.

Durante 15 anos, Christopher foi professor na Wharton School, escola de negócios da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e dirigiu um programa experimental de desenvolvimento de liderança em que levava gestores para os mais altos picos do mundo. No final de 2016, ele publicou o livro Lead Like a Guide (sem tradução no Brasil), no qual relata sua experiência na área e mostra o que guias de montanhas têm a ensinar aos executivos. A obra fez barulho entre os empresários.

Do lançamento do livro para cá, houve um boom de interesse sobre o assunto, inclusive no Brasil. Segundo consultorias de aventura ouvidas, a procura pelo esporte aplicado com viés empresarial cresceu até 600% nos últimos dois anos.

Companhias de diferentes portes e setores têm promovido o alpinismo entre seus times, tanto para motivá-los com insights fora do ambiente de trabalho quanto para mapear perfis. “O pico de interesse ocorreu durante a crise, comas organizações buscando novas maneiras de promover o crescimento e aumentar a eficiência”, diz Carlos Eduardo Santalena, que alcançou o cume do Monte Everest, maior montanha do mundo, aos 24 anos e hoje é sócio da Grade 6, de Campinas (SP), que promove viagens turísticas e corporativas para destinos famosos pela altitude.

EXPERIMENTO TRAIÇOEIRO

No fundo, o objetivo das empresas é que as expedições sejam um grande laboratório comportamental. Quem as promove quer provocar as reações. Durante a atividade, limites físicos e mentais são testados. Há situações adversas, corno o frio e a chuva, e é necessário cozinhar e dormir em barracas ao lado de pessoas com as quais se tem pouca – ou nenhuma – intimidade. Ou seja, desestabiliza-se o profissional.

O RH, claro, fica atento às atitudes. A escalada revela, entre outros aspectos, quem são os estrategistas e quem são os executores. E diz muito sobre o estilo de gestão, revelando se o chefe é motivador, técnico ou visionário, se delega e se é capaz de ceder espaço para outro profissional. ”Tira-se proveito do clima informal para aplicar testes, criar situações adversas e plantar imprevistos que exijam atenção, colaboração e solução de problemas. A ideia é saber como cada um reage”, diz Renata Perrone, sócia da consultoria de recrutamento e desenvolvimento De Bernt Entschev, do Rio de Janeiro.

Diferentemente dos escape games, que ficaram famosos nos processos de seleção, o montanhismo não costuma ser aplicado para recrutar talentos, e sim para treinar e desenvolver. Isso acontece devido ao alto custo da atividade – roteiros que envolvem longas distâncias e imersão na montanha chegam a 7500 reais por cabeça.

Por causa disso e dos elevados preços das passagens aéreas no Brasil a preferência das empresas costuma ser os destinos localizados num raio de até 100 quilômetros da sede. O percurso e o modelo da aventura são definidos por consultores especializados, levando em consideração faixa etária, preparo físico do grupo e, sobretudo, objetivo da escalada. ”Se há uma rixa entre as áreas de marketing e financeiro, por exemplo, focamos a prática na resolução desse problema. Identificamos os líderes de cada grupo e os colocamos para trabalhar lado a lado”, diz Marco Santos, diretor e guia da Terra Trekking, especializada em treinamento outdoor, de Itabira(MG).

Na multinacional francesa de artigos esportivos Decathlon, que conta hoje com 1500 funcionários no Brasil o montanhismo é usado tanto par integrar a equipe quanto para promover a estratégia de negócio. Na loja de Florianópolis, quinto maior faturamento no país, a última escalada foi em dezembro, durante o processo de integração: 12 profissionais fizeram a trilha do Santinho, na Praia de Moçambique, em Florianópolis.

“O intuito era apresentar os novos empregados e, ao mesmo tempo, melhorar o diálogo entre o time. A trilha é um bom lugar para trabalhar a comunicação clara”, diz Cauã Guzmán, diretor da unidade. Já na unidade da Marginal Tietê, de São Paulo, a escalada é utilizada como uma espécie de reunião de estratégia e inclui desde gerentes até o CEO. A mais recente, em outubro, levou 51 pessoas par Juquitiba, no interior de São Paulo.

DO JEITO CERTO

Via de regra, quando a organização decide promover uma expedição, profissional pode se recusar a participar. Segundo as empresas, no entanto, isso é raro e o número de inscritos em geral ultrapassa o de vagas, o que as obriga a adotar critério de desempate. A saúde é um deles só viaja quem estiver apto.

Se a pessoa se sente vulnerável, o RH precisa ter maturidade para entender a questão. Não se pode obrigá-la e muito menos preteri-la por causa de sua recusa.

Passageira ou não, eficaz ou não, o fato é que a onda do montanhismo tomou conta do mundo corporativo. E, para que traga benefícios (em vez de prejuízos) aos empregados, precisa ser executada com responsabilidade. “Há pontos importantes na hora de desenhar uma expedição: ela precisa ser desafiadora, mas também criar oportunidades de discussão. Se a expedição for bem planejada, e liderada por guias especializados de montanha, ajudará os indivíduos a ser profissionais e líderes melhores”, diz Christopher Maxwell.

Na Tenco, que gerencia shoppings em oito estados e possui 778 trabalhadores, os próprios executivos são os guias. Administrada pela família Gribel, cujos membros são alpinistas desde a década de 90, a companhia levou, nos últimos dois anos, 40 pessoas para subir o Monte Roraima e a Chapada Diamantina. “Uma expedição bem-feita ensina espírito de equipe, respeito às diferenças, persistência, coragem e criatividade”, diz Adriana Gribel, vice-presidente da Tenco, de Minas Gerais, e alpinista nas horas vagas – ela já escalou os sete cumes mais altos do Brasil. “Quando voltam da montanha, os funcionários passam a ser porta-vozes desses valores e sua performance na empresa melhora.”

Aurélio Pedro de Resende Neto, de 37 anos, de São Paulo, é um exemplo. Onze meses após passar oito dias na Chapada Diamantina e percorrer 100 quilômetros, o advogado foi promovido a um cargo de gerência na Tenco e recebeu aumento de 15%. “Mudei a maneira de pensar e de agir. Percebi a importância de reconhecer limitações e passei a ter mais disciplina. Na montanha, bastava um atraso e todos corriam o risco de dormir na floresta sem segurança alguma”, diz.

Mas o que acontece quando alguém do time tem um desempenho pífio durante a escalada? Consultores afirmam que é obrigação das empresas trabalhar as fragilidades dos profissionais. ”Ao vivenciar as fraquezas, o empregado pode refletir sobre elas e colocar em prática ações para combatê-las”, afirma Renata, da De Bernt Entschev. Ela diz, ainda, que, em tempos de inovação, o erro perdeu a pecha de vilão, A reflexão sobre o fracasso, inclusive emocional, é essencial para o surgimento de novas ideias.

Quando convidou, no final do ano passado, 35 de seus 70 funcionários para uma escalada de 5 horas na Pedra Grande, em Atibaia (SP), a Planetun, empresa paulistana de serviços e soluções para o mercado automotivo e de seguros, tinha ciência de que limitações viriam à tona. Henrique Mazieiro, sócio fundador, é praticante do montanhismo há seis anos e já escalou picos como o Kilimanjaro, na Tanzânia, e o Monte Elbrus, na Rússia – considerado o mais alto da Europa. “Notei o interesse dos times em minhas histórias e, como sabíamos que a experiência traria lições importantes, decidimos levá-los”, diz o executivo, de São Paulo, que deixa claro: aceitar um desafio sabendo dos próprios limites demonstra vontade de sair da zona de conforto. “Isso, por si só, já valoriza o passe profissional”

VERSÃO LIGHT

Na rabeira do montanhismo, outras modalidades do esporte (mais acessíveis e menos arriscadas) também vêm ganhando espaço nas empresas. Uma delas é o trekking de regularidade, também conhecido como enduro a pé. Nele, cada membro da equipe tem uma missão no grupo, que deve chegar ao destino por meio de trilhas num prazo estabelecido e tendo como base apenas instrumentos de navegação tradicionais, como GPS, mapas e bússola. O celular não é permitido.

A multinacional francesa do ramo de bebidas alcoólicas Pernod Ricard e a gigante automotiva Mercedes-Benz são algumas das organizações que já promovem a prática entre seus contratados. Na Mercedes, o interesse pela atividade surgiu após a necessidade de mudar a mentalidade dentro da companha. “As equipes precisaram repensar a forma como estavam se comunicando, dando e recebendo feedbacks, relacionando-se entre si e, principalmente, liderando’, afirma Ana Paula Desiderio, diretora de recursos humanos da Mercedes-Benz, de São Bernardo do Campo (SP).

Por lá, a prática, diferente das imersões nas montanhas, acontece em ambientes controlados, como em hotéis-fazenda em meio à natureza que se encontram no máximo a 3 horas de distância do escritório. Não há acampamento, mas plantamos elementos-surpresa para dificultar o percurso e forçar os colaboradores a desenvolver flexibilidade, agilidade e resistência, competências essenciais hoje na empresa”, diz Ana Paula.

Diante desse cenário, cabe ao profissional aproveitar a chance de repensar suas habilidades. Já para as empresas o desafio é realizar avaliações acuradas para não prejudicar o funcionário, um efeito rebote ao qual devem estar atentas. Afinal, o objetivo é chegar ao topo juntos.

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LIÇÕES DO MONTANHISMO

Veja sete ensinamentos que a prática pode promover para os profissionais:

1 – Autoconfiança – escaladas ajudam o cérebro a agir rapidamente em situações inesperadas e melhoram a auto–confiança do indivíduo, que passa a calcular melhor os riscos e as consequências de suas decisões.

2 –  Aceitar limitações – subidas trazem a seguinte reflexão: estou realmente preparado para o desafio? Tal como numa empresa, na montanha é preciso conhecer os próprios limites e, se necessário, recuar.

3 – Humildade – experiência não é garantia de assertividade. Para chegar ao topo, é preciso estar aberto à novas ideias e ouvir a opinião dos demais.

4 – Metas tangíveis – o cume não é algo utópico: alcança-lo é possível, mas, assim como na vida corporativa. Os caminhos precisam ser viáveis, o que exige planejamento realista.

5 – Persistência – expedições podem apresentar trechos íngremes, baixas temperaturas, ar rarefeito e adversidades que exigem força, resiliência e persistência. Se falhar, estude o erro, refaça os planos e tente outra vez.

6 – Senso de coletividade – o trabalho em conjunto garante a sobrevivência da equipe e facilita a chegada ao cume. As dificuldades parecem, menores quando alguém ao lado está disposto a ajudar.

7 – Boas Ideias – criatividade é fundamental para contornar dificuldades numa expedição, como um rio caudaloso que surge no meio do caminho. Numa empresa boas ideias salvam negócios.

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Fonte: Revista Você SA – Edição 237

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 18: 7-14

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Advertências contra os Escândalos

 

O nosso Salvador fala aqui de ofensas, ou escândalos:

I – Em geral (v. 7). Tendo mencionado o fato de escandalizar os pequeninos, Ele aproveita para falar de forma mais geral sobre os escândalos. Um escândalo é algo:

1. Que provoca a culpa, que através da sedução ou da intimidação tende a atrair os homens, desviando-os daquilo que é bom para aquilo que é mau.

2. Que causa sofrimento, que entristece o coração do justo. Agora, em relação aos escândalos, Cristo aqui lhes diz:

(1). Que eles ocorreriam com certeza: “Porque é mister que venham escândalos”. Quando temos a certeza de que há perigo, devemos estar melhor armados. Não que a Palavra de Cristo necessite que qualquer homem escandalize, mas esta é uma predição sobre um aspecto das causas; considerando a astúcia e a malícia de Satanás, a fraqueza e a depravação dos corações dos homens, e a loucura que é encontrada ali, é moralmente impossível que não haja escândalos. E Deus determinou permiti-los para fins sábios e santos, para que tanto aqueles que são perfeitos como aqueles que não o são possam ser manifestos. Veja 1 Coríntios 11.19; Daniel 11.3. Informados com antecedência de que haverá sedutores, tentadores, perseguidores e muitos maus exemplos, estejamos vigilantes (cap. 24.24; Atos 20.29,30).

(2). Que eles seriam coisas deploráveis, e a consequência deles, fatal. Aqui está um desgosto anexado aos escândalos:

[1]. Uma desgraça para o descuidado e desprotegido, que sofre a ofensa: ”Ai do mundo, por causa dos escândalos!” As obstruções e oposições à fé e à santidade em todos os lugares são a perdição e a fonte de corrupção da humanidade, e a ruína de milhares de pessoas. Este mundo presente é um mundo maligno, e está repleto de escândalos, pecados, laços e tristezas; viajamos por uma estrada perigosa, cheia de pedras de tropeço, precipícios, e falsos guias: ”Ai do mundo”. Quanto àqueles a quem Deus escolheu e chamou do mundo, e livrou dele, eles são preservados pelo poder de Deus do dano desses escândalos, são ajudados a superar todas essas pedras de tropeço. “Muita paz tem os que amam a tua lei, e para eles não há tropeço” (Salmos 119.165).

[2]. Uma desgraça para o ímpio, que intencionalmente participa ou gera o escândalo: “Mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!” Embora seja mister que os escândalos venham, não haverá desculpa para aqueles que escandalizarem. Note que, embora Deus tenha feito os pecados dos pecadores servirem ao seu propósito, isto não lhes salvará da sua ira; e a culpa será depositada na porta daqueles que motivarem o escândalo, embora eles também se enquadrem na desgraça daqueles que o sofrem. Aqueles que de alguma forma atrapalham a salvação de outros acharão a sua própria condenação a mais intolerável, como Jeroboão, que pecou “e fez Israel pecar”. Esta desgraça é a moral daquela lei judicial (Êxodo 21.33,34-22.6), de que aquele que abriu a cova, e acendeu o fogo, foi responsabilizado por todo o dano que se seguiu. A geração anticristã, por meio da qual veio o grande escândalo, se enquadrará nessa desgraça por seu engano para com os pecadores (2 Tessalonicenses 2.11,12), e suas perseguições aos santos (Apocalipse 17.1,2,6), porque o Deus justo ajustará contas com aqueles que destruírem os interesses eternos de almas preciosas, e os interesses temporais de santos preciosos. Precioso aos olhos do Senhor é o sangue dos santos; e os homens prestarão contas, não só pelas coisas que fizeram, mas pelos frutos de suas ações, pelo mal que foi feito por eles.

I – Em particular, Cristo aqui fala dos escândalos gerados:

1. Por nós a nós mesmos, que é expresso pela nossa mão ou pé nos escandalizando; nesse caso, a mão ou o pé deve ser “cortado e lançado fora” (vv. 8 ,9). O Senhor Jesus Cristo havia mencionado essas palavras anteriormente (cap. 5.29,30), onde Ele se refere especialmente às transgressões do sétimo mandamento; aqui, o assunto é tomado de um modo mais geral. Aquelas palavras duras de Cristo são desagradáveis para a carne e o sangue, precisam ser repetidas para nós várias vezes, e ainda assim é pouco. Considere então:

(1) O que é que está aqui imposto. Devemos nos livrar de um “olho”, ou uma “mão”, ou um “pé”, isto é, aquilo, seja lá o que for, que nos for caro, quando isso inevitavelmente gerar uma ocasião de pecado para nós. Note que:

[1]. Muitas tentações para pecar surgem de dentro de nós mesmos; os nossos próprios olhos e mãos nos escandalizam; se jamais houvesse um demônio para nos tentar, de­ veríamos nos afastar da nossa própria concupiscência. As coisas que em si são boas, e podem ser usadas como instrumentos do bem, até mesmo estas, através das corrupções dos nossos corações, mostram-se como laços para nós, nos inclinam a pecar, e nos prejudicam em nossa obediência.

[2]. Nesse caso, devemos, tão legitimamente quanto pudermos, nos desfazer daquilo que não pudermos manter sem ficarmos emaranhados no pecado. Em primeiro lugar, é certo que a concupiscência interior deve ser mortificada, embora seja cara para nós como um olho, ou uma mão. “Crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências” (Gálatas 5.24). O corpo do pecado deve ser destruído; as inclinações e apetites corruptos devem ser identificados e eliminados; a amada concupiscência, que tem sido colocada debaixo da língua como uma doce guloseima, deve ser abandonada com repulsa. Em segundo lugar, as ocasiões externas do pecado de­ vem ser evitadas, embora, desse modo, coloquemos uma violência muito grande sobre nós mesmos, como seria cortar uma mão, ou arrancar um olho. Quando Abraão saiu de sua terra natal, por medo de se envolver com a idolatria que havia ali, e quando Moisés saiu da corte de Faraó, por medo de se misturar com os prazeres pecaminosos que havia ali, uma mão foi cortada. Não devemos considerar nada caro demais ou valorizado demais para dele nos livrarmos, a fim de que possamos manter uma boa consciência.

(2). Sobre que incentivo ou persuasão isso é exigido:

“Melhor te é entrar na vida coxo ou aleijado do que, tendo duas mãos ou dois pés, seres lançado no fogo eterno”. O argumento é tomado do estado futuro, do céu e do inferno; daí são extraídos os dissuasivos mais convincentes contra o pecado. O argumento é o mesmo do apóstolo (Romanos 8.13).

[1]. Se vivermos segundo a carne, morreremos. Tendo dois olhos, todas as transgressões feitas no corpo do pecado geram a corrupção, como no caso de Adonias. Não é possível escusar o pecado como uma inclinação natural ou inata. Todo aquele que permanecer no pecado será lançado no fogo do inferno.

[2]. Se nós, através do Espirita, mortificarmos as obras da carne, viveremos. Isto se explica por entrarmos na vida coxos, isto é, o corpo do pecado estar coxo; e é melhor ficarmos coxos enquanto estivermos neste mundo. É desejável que a mão direita do velho homem seja cortada, e seu olho direito seja arrancado, com suas políticas principais arruinadas e seus poderes destruídos. Mas ainda há um olho e uma mão sobrando, com os quais haverá luta. Aqueles que são de Cristo pregaram a carne na cruz, mas ela ainda não está morta; sua vida é prolongada, mas o seu domínio foi tirado (Daniel 7.12), e o ferimento mortal lhe foi conferido, e não poderá ser curado.

2. Com relação aos escândalos causados por nós aos outros, especialmente aos pequeninos de Cristo, do que somos aqui convocados a dar atenção, de acordo com o que Ele havia dito (v. 6). Considere:

(1).  A própria advertência: “Vede, não desprezeis algum destes pequeninos”. Isto foi dito aos discípulos. Da mesma forma que Cristo irá se indignar com os inimigos de sua igreja, se eles fizerem alguma injustiça com qual­ quer dos seus membros, mesmo o menor, Ele irá se in­ dignar com os grandes da igreja, se eles desprezarem os pequeninos dela. Em outras palavras: “Vocês que estão disputando quem será o maior, tomem cuidado para que, nesta disputa, vocês não desprezem os pequeninos do reino”. Também podemos entender essas palavras literalmente, como se o Senhor estivesse falando das crianças pequenas (vv. 2,4). A semente infantil dos crentes fiéis pertence à família de Cristo, e não deve ser desprezada. Ou figuradamente: estes pequeninos são crentes verdadeiros, porém fracos em sua condição exterior, ou na estrutura de seu espirita; são como crianças peque­ nas, os cordeiros do rebanho de Cristo.

[1]. Não devemos desprezá-los, nem pensar mal deles, como cordeiros desprezados (Jó 12.5). Não devemos caçoar de suas fraquezas, nem olhar para eles com desprezo, nem agirmos com escárnio ou desdém em relação a eles, como se não nos importássemos com o que lhes aconteceu. Não devemos dizer: “Embora eles sejam o­ fendidos, e entristecidos, e tropecem, o que nos importa?” Nem devemos tomar a menor atitude que os faça ficar em dificuldades e perplexos. Este desprezo pelos pequeninos é contra o que somos grandemente advertidos (Romanos 14.3,10,15,20,21). Não devemos impor nada sobre a consciência dos outros, nem traze-los à sujeição das nossas vontades, como aqueles que dizem às almas dos homens: “Inclinem-se, para que possamos passar por cima de vocês”. Deve-se algum respeito à consciência de todo homem que parece ser consciencioso.

[2]. Devemos prestar atenção para não os desprezarmos; devemos ter medo do pecado, e ter muito cuidado com o que dizemos e fazemos, para que inadvertidamente não escandalizemos os pequeninos de Cristo, para que não os desprezemos, sem termos ciência disso. Houve aqueles que os odiavam, e os lançavam fora, e ainda diziam: “Que o Senhor seja glorificado”. Devemos temer o castigo: “Preste atenção para não desprezá-los, por­ que isto será arriscado para você”.

(2).  As razões para reforçar o cuidado. Não devemos olhar para esses pequeninos como desprezíveis, porque, na verdade, eles são dignos de consideração. Não deixe que a terra despreze aqueles a quem o céu respeita; não os olhemos com algum tipo de falta de respeito, mas consideremo-los como os favoritos do céu. Para provar que os pequeninos que creem em Cristo são dignos de res­ peito, considere:

[1]. A ministração dos anjos bons sobres eles: “Os seus anjos nos céus sempre veem a face de meu Pai que está nos céus”. Isto Cristo nos diz, e podemos confiar em sua Palavra. Ele veio dos céus, e nos faz saber o que é feito ali pela multidão de anjos. Duas coisas que ele nos faz saber sobre eles:

Em primeiro lugar, que os anjos são deles. Os anjos de Deus são deles; porque tudo o que é de Deus é nosso, se formos de Cristo (1 Coríntios 3.22). Os anjos são deles; porque eles têm uma ordem para servirem em favor desses pequeninos (Hebreus 1.14), armar suas tentas ao redor deles, e segurá-los em seus braços. Alguns têm imaginado que todo santo em particular tem um anjo da guarda. Mas por que de veríamos supor isso, quando sabemos que todo santo em particular, quando há necessidade, é guardado por anjos? Isto é particularmente aplicado aqui aos pequeninos, porque eles são muito desprezados e muito expostos. Eles podem contar pouco consigo mesmos, mas podem olhar, pela fé, para as hostes celestes, e chamá-las de suas. Enquanto os grandes do mundo têm homens honoráveis e guardas para o seu séquito, os pequeninos da igreja são servidos por anjos gloriosos, que anunciam não só o valor deles, mas o perigo que correm aqueles que desprezam e abusam deles. É ruim ser inimigo daqueles que são assim protegidos; e é bom termos a Deus como o nosso Deus, porque assim podemos considerar os seus anjos como sendo os nossos anjos.

Em segundo lugar, eles sempre veem a face do Pai que está nos céus. Isto indica:

1. A felicidade e a honra contínua dos anjos. A felicidade do céu consiste na visão de Deus, vê-lo face a face como Ele é, contemplando a sua beleza; os anjos possuem esse privilégio de uma forma ininterrupta. Quando eles estão nos ministrando na terra, mesmo nesses momentos, por contemplação, veem a face de Deus, porque estão cheios de olhos por dentro. Mesmo enquanto falava com Zacarias, Gabriel estava na presença de Deus (Apocalipse 4.8; Lucas 1.19). A expressão sugere, como alguns pensam, a dignidade e a honra especiais dos anjos dos pequeninos; os primeiros-ministros de estado são mencionados como aqueles que veem a face do rei (Ester 1.14). É como se os anjos mais fortes fossem encarregados dos santos mais fracos.

2. A sua contínua prontidão para ministrar aos santos. Eles contemplam a face de Deus, esperando receber ordens dele quanto ao que fazer para o bem dos santos. Como os olhos dos ser­ vos estão fixados na mão de seu senhor, prontos para ir e vir ao menor gesto, assim os olhos dos anjos estão volta­ dos à face de Deus, esperando as intimações da sua vontade, que estes mensageiros alados voam rapidamente para cumprir. Eles correm e tornam, à semelhança dos relâmpagos (Ezequiel 1.14). Se quisermos contemplar a face de Deus em glória no porvir, como fazem os anjos (Lucas 20.36), devemos então contemplar a face de Deus agora, com prontidão para cumprir o nosso dever, como eles o fazem (Atos 9.6).

O plano misericordioso de Cristo com relação a eles (v. 11): “Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido”. Esta é uma razão, em primeiro lugar, porque os anjos dos pequeninos têm tal responsabilidade com relação a eles, e os servem; os anjos agem de acordo com o plano que Cristo tem para os salvar. A ministração dos anjos é baseada na mediação de Cristo; através dele, os anjos recebem missões relativas a nós. E quando eles celebraram a boa vontade de Deus em relação aos homens, a isso juntaram a sua própria boa vontade. Em segundo lugar, porque eles não devem ser desprezados; porque Cristo veio para salvá-los, para salvar aqueles que se tinham perdido, os pequeninos que estão perdidos aos seus próprios olhos (Isaias 66.3), que trazem a incerteza dentro de si mesmos. Ou, antes, os filhos dos homens. Considere:

1. As nossas almas são, por natureza, almas perdidas. São como um viajante que está perdido, que está fora do seu caminho, como um prisioneiro condenado que está perdido. Deus perdeu o serviço do homem caído, perdeu a honra que Ele deveria ter tido da parte desse homem.

2. A missão de Cristo no mundo é salvar o que se tinha perdido, nos trazer à obediência, nos restaurar ao nosso trabalho, restabelecer os nossos privilégios, e assim nos colocar no caminho correto que nos leva ao nosso final grandioso; salvar aqueles que es­ tão espiritualmente perdidos, não deixando que permaneçam assim eternamente.

3. Esta é uma boa razão para que os crentes menores e mais fracos não devam ser desprezados ou escandalizados. Se Cristo os valoriza dessa maneira, não os desvalorizemos. Se Ele renunciou tanto a si mesmo pela salvação deles, com certeza devemos renunciar a nós mesmos em benefício de sua edificação e consolação. Veja a urgência desse argumento (Romanos 14.15; 1 Coríntios 8.11,12). Se Cristo entrou no mundo para salvar as almas, e o seu coração está tão empenhado nessa obra, Ele severamente ajustará contas com aqueles que a obstruem e a prejudicam, atrapalhando o progresso daqueles que estão voltando suas faces ao céu, e assim frustram o seu grande plano.

[3]. A terna consideração que o nosso Pai celestial tem por esses pequeninos, e a sua preocupação pelo seu bem-estar. Isto é ilustrado por uma comparação (vv. 12-14). Observe a progressão do argumento: os anjos de Deus são seus servos, o Filho de Deus é o seu Salvador, e, para completar a sua honra, o próprio Deus é o seu amigo. “Ninguém as arrebatará das minhas mãos” (João 10.28).

Aqui temos, em primeiro lugar, a comparação (vv. 12,13). O proprietário que tinha perdido uma de suas cem ovelhas não faz pouco caso disso, mas diligentemente a busca, fica grandemente feliz quando a encontra, e tem nisso uma alegria considerável e comovente, superior à alegria que sente pelas noventa e nove que não se perderam. O medo que ele teve de perder aquela ovelha, e a surpresa ao encontrá-la, são somados à alegria. Então, isso é aplicável:

1. Ao estado do homem caído em geral; ele está desviado como uma ovelha perdida. Os anjos que ficaram eram como as noventa e nove que nunca se desviaram; o homem perdido é procurado nas montanhas que Cristo, em grande fadiga, atravessou em busca dele, e assim foi encontrado. Este é um motivo de alegria. No céu, há uma alegria maior pelos pecadores que retornam do que pelos anjos que ali permanecem.

2. A crentes em particular, que são escandalizados e tirados de seu caminho por pedras de tropeço que são colocadas diante deles, ou pelos estratagemas daqueles que os atraem para fora do caminho. Então, embora apenas uma das cem ovelhas tenha se desviado do caminho – algo que acontece facilmente com elas -. esta única ovelha deveria ser protegida com muito cuidado. Ela foi recebida com muito prazer; portanto, o mal que aconteceria com ela, sem dúvida alguma, seria contado com muito desgosto. Se há alegria no céu por um desses pequeninos que foi encontrado, há ira no céu quando alguém os escandaliza. Note que Deus, de forma misericordiosa, está preocupado não só com o seu rebanho em geral, mas com cada cordeiro, ou ovelha, que lhe pertence. Embora elas sejam muitas, Ele pode sentir facilmente a falta de uma delas, porque Ele é o grande Pastor, e não a perderá facilmente, porque Ele é o bom Pastor e conhece particularmente o seu rebanho mais que qualquer outro. Ele chama as suas ovelhas pelo nome (João 10.3). Veja uma exposição completa dessa parábola (Ezequiel 34.2,10,16,19).

Em segundo lugar, a aplicação dessa comparação (v. 14): “Não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca”. Mas é sugerido do que expressado. Não é a sua vontade que qualquer se perca, mas:

1. É a sua vontade que esses pequeninos sejam salvos; é a vontade expressa pelo seu plano, e o seu deleite. Ele planejou, e colocou o seu coração nisso, e Ele o realizará. A sua vontade é que todos façam o que puderem para que o seu plano seja divulgado, e que nada o atrapalhe.

2. Esse cuidado se estende a cada membro do rebanho em particular, até mesmo àquele que é aparentemente o mais insignificante. Pensamos que se apenas um ou dois forem escandalizados, e caírem em uma armadilha, não terá muita importância, e que não precisaremos nos importar com isso; mas os pensamentos de amor e ternura de Deus estão acima dos nossos.

3. Fica a sugestão de que aqueles que fazem qualquer coisa pela qual qualquer um desses pequeninos é colocado em perigo de perecer, contradizem a vontade de Deus, e o provocam grandemente. E embora eles não possam prevalecer nesse ponto, terão que prestar contas por isso àquele que, em seus santos, como em outras coisas, é zeloso quanto à sua honra, e não suportará tê-la menosprezada (veja Isaias 3.15). “Que tendes vós que afligir o meu povo?” (Salmos 76.8,9).

Observe como Cristo se dirigiu a Deus (v. 19): “Meu Pai que está nos céus”. Ele também chama Deus Pai de “vosso Pai, que está nos céus” (v. 14). O Senhor assim sugere que Ele não se envergonha de chamar os seus pobres discípulos de irmãos. Pois Ele e os discípulos não têm um só Pai? “Subo para meu Pai e vosso Pai” (João 20.17); portanto, Deus Pai é nosso Pai porque é Pai do Senhor Jesus. Isto sugere, da mesma forma, a base da segurança de seus pequeninos: que Deus é o Pai deles, e assim está sempre disposto a socorrê-los. Um pai cuida de todos os seus filhos, mas é particularmente carinhoso com os pequeninos (Genesis 33.13). Ele é o seu Pai nos céus, um lugar de perspectiva. Portanto, Ele vê todos os insultos que são lançados contra eles. Esse também é um lugar de poder; portanto, Ele pode vingá-los. Isso conforta os pequeninos que são ofendidos: a sua testemunha está nos céus (Jó 16.19), o seu juiz está ali (Salmos 68.5).

PSICOLOGIA ANALÍTICA

O COMPLEXO DE ÉDIPO NA MODERNIDADE

O Complexo de Édipo e outras essências psicanalítica frente à nova estrutura familiar.

O complexo de Édipo na modernidade

Na opinião de Ana Maria Bittencourt, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), do ponto de vista psicanalítico, um dos problemas da atualidade acerca dos conceitos freudianos reside no estabelecimento do Complexo de Édipo e na interdição da sexualidade da criança diante das recentes modificações da estrutura familiar. Ela cita como exemplo a clássica imagem do menino apaixonado pela mãe. “Se não existe um homem que diga, ‘sua mãe é minha mulher, você não vai realizar o ato incestuoso com ela’. Se não houver a presença deste terceiro, a criança pode criar a fantasia de que todos os desejos dela podem ser realizados. Logo, tem que haver aquela pessoa que vai interditar”, explica.

Júnia Vilhena, professora do Departamento de Psicologia da PUC- Rio, também lembra que o Complexo de Édipo deve ser entendido como uma interdição que algum agente provoca na relação mãe e filho, algo que rompa a simbiose entre bebê e mãe. Segundo ela, que é também Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (LIPES) da PUC Rio, o papel de agente interditor pode ser desempenhado por pessoas variadas, ou até mesmo instituições. Como exemplo, ela afirma que “essa função pode ser exercida por uma vizinha, um terceiro elemento que desempenha a função de interditor, pode ser um homem ou até o trabalho”.

HOMOSSEXUALIDADE

Um exemplo claro do quão diferente é a conjuntura histórica que se apresenta à psicanálise hoje, se comparada àquela de Freud, é a polêmica em torno do direito de casais de homossexuais de adotar uma criança. Como ocorreria o processo de identificação com um pai ou uma mãe que tenha desejo por um objeto do mesmo sexo? De que maneira a sexualidade deste indivíduo seria influenciada?

Para Ana Maria Bittencourt, em primeiro lugar, deve-se chamar a atenção para o fato de que a psicanálise não trabalha com o genérico. “Dito isto, é possível que, na singularidade de um determinado casal homossexual, um funcione como aquele que vai se oferecer àquele bebê como o objeto de desejo incestuoso – que vai pegar no colo, dar banho, mamadeira – e o outro vai funcionar como o interditor”, afirma. E conclui: “Eu acho que, de fato, ainda não há tempo de observação para que se possa responder a essa questão”.

Segundo Sara Menezes Cortez, psicanalista da Associação Psicanalítica do Rio de Janeiro (Aperj Rio 4), a interdição ocorre de formas distintas nas diferentes estruturas sociais. No caso de uma mãe solteira, por exemplo, o Édipo vai se construir na “figura masculina que ela tem dentro dela, no pai, no avô. E no caso de um casal de lésbicas, a construção do Édipo vai se dar na pessoa que desempenha a figura masculina’. Ela ressalta que muito mais do que na pessoa, em si, essas construções se dão na função exercida.

Na opinião da psicanalista e professora da UFRJ, Marci Dória, a reflexão sobre os casais homo parentais passa necessariamente pela compreensão de que todo ser humano, independente da sua anatomia, tem uma possibilidade bissexual intrínseca que pode ser exercida, condição muitas vezes explorada por crianças de ambos os sexos – o que ocorreria em um contexto em que pesam as leis civilizatórias, os costumes, de cada cultura. “Quando você transgride muito uma certa lei organizadora, de um certo caminho civilizatório, as consequências podem ser muito grandes, como um pai que tem relação sexual com uma filha ou uma mãe que tem relações sexuais com um filho”, exemplifica. Nesse sentido, a transgressão ocorreria também em casais heterossexuais e não apenas em casais homo parentais. Deve-se analisar, por exemplo, se o casal está bem estruturado, psiquicamente organizado, se ele sabe lidar com as diferenças e se ele não determina que a criança tem que ser como ele é. “Não acho que a questão esteja na homo parentalidade, mas na maneira como cada um é estruturado. É uma questão de como se lida com a diferença, com a alteridade, com o reconhecimento de que o outro é diferente de você, mesmo que seja um filho que nasceu de você”, defende.

Ela ressalta, entretanto, que não se trata de diminuir a complexidade da questão. “Há consequências? É lógico que sim. Provavelmente em uma sociedade onde o mais natural – se é que a gente pode falar em naturalidade, pois desde que o homem entra na civilização a natureza dele tem a ver com tradição, valores e leis civilizatórias – tudo que foge disso gera um questionamento, causa uma polêmica e o indivíduo terá que fazer um esforço para dar um sentido à situação, para se referir àquilo, àquela situação, de uma certa maneira’.

Embora a questão da interdição, do conflito, seja uma realidade na cultura e, portanto, atual, Celmy Correa, membro efetivo da SBPRJ e psicanalista de criança, lembra que o conceito de Complexo de Édipo é datado, uma vez que foi descrito por Freud com base na família burguesa do século 19. Ela afirma que para o Édipo, e de forma geral para a psicanálise, os conflitos de ambivalência são muito importantes na medida em que são questões humanas.

Se por um lado as novas organizações familiares modificam a forma de manifestação do Édipo e alteram de certa maneira alguns conflitos humanos, por outro, é preciso ressaltar que não existem estudos que demonstrem modificações na sexualidade, agora entendida como manifestação das opções sexuais, em crianças criadas em diferentes formas familiares. “Não necessariamente uma criança criada por esse casal homo genérico terá sua sexualidade comprometida, ou será pervertida”, afirma.

A suposição de que a criança criada por casais homossexuais pode apresentar alterações sexuais é inclusive um grande preconceito que afeta ainda mais os casais homossexuais masculinos, explica Júnia Vilhena. “A homossexualidade feminina é muita mais permitida do que a masculina, é mais fácil para um casal de lésbicas adotar uma criança do que para um casal de homens. Isto porque se faz muita frequentemente uma associação da homossexualidade masculina com a pedofilia”, diz.

As próprias motivações das escolhas como objeto de seu desejo por uma pessoa do mesmo sexo ou uma do outro sexo devem ser questionadas. “Essa é uma questão que a psicanálise ainda não conseguiu responder de maneira satisfatória, inclusive em função do preconceito calcado no medo que rodos nós temos de tomar contato com a nossa própria condição bissexual e, portanto, de tomar contato com fantasias e desejos homossexuais que todos nós podemos ter”, defende Ana Maria Bittencourt.

A analista defende que “a psicanálise precisa levar em conta esse preconceito na hora de refletir sobre as possíveis influências dessas novas configurações na subjetividade de uma criança para poder responder se determinadas patologias serão provocadas pelo fato de haver um casal homossexual ou o quanto isso pode se dever a pressão que tal união pode sofrer dentro de uma sociedade onde ele está inserido”, defende. Bittencourt acrescenta, ainda, que “a repressão faz com que nós alijemos os homossexuais, pois eles são uma ameaça ao tradicional. Eles representam algo que quebrou com a nossa tradição, com a família constituída por pai, mãe e filho”. E pontua: “a homossexualidade não é uma categoria e não se pode patologizá-la”.

 OUTRAS FORMAÇÕES

Se falta perspectiva histórica para analisar os possíveis efeitos da união entre homossexuais e o desenvolvimento da sexualidade do indivíduo neste contexto, outras estruturas familiares bem distintas daquelas encontradas nos pacientes analisados por Freud já se consolidaram – mas nem por isso são plenamente compreendidas. Filhos de pais separados, de pais e mães solteiros, bebês de proveta: hoje se apresenta à psicanálise uma vasta gama de novas considerações vinculares que ela se vê obrigada a levar em consideração.

Na opinião de Júnia Vilhena, os novos laços que começam a ser tecidos na contemporaneidade interferem de maneira importante na organização familiar. Um exemplo bem peculiar das novas categorias de parentesco seria o “ex-irmão”, que surgiria quando um casal que já possuía filhos com outras pessoas se une. Essas crianças, embora não tenham relações consanguíneas, acabam se tornando irmãos postiços e, quando ocorre uma separação elas, viram “ex-irmãos”. A rígida fronteira do incesto, nesse caso, torna-se menos precisa ao passo que existem envolvimentos afetivos, mas não ligação de sangue. A questão na realidade é tão singular que Celmy Correa lembra que em culturas descritas por antropólogos “o incesto entre mãe e filho, pai e filha, não é considerado incesto, ele é permitido. Em muitos casos, o que é barrado é a relação, por exemplo, com o irmão da mãe, ou o tio, ou um avô – dependendo de toda a mitologia que estrutura aquela cultura, que a organiza. Dessa forma, diferentes culturas podem apresentar uma situação edípica aparentemente distinta da nossa cultura ocidental, da organização burguesa”.

Quanto à incerteza que paira sobre o grau de influência dessas transformações, a psicanalista de crianças e adolescentes da SBPRJ Teresa Mancini concorda que ainda é necessário observar melhor as novas organizações da família. Entretanto, ela acredita que “a constituição da identidade se fará de uma maneira mais fácil dentro de uma estrutura familiar harmônica. Harmônica no sentido de ter um casal, ter pai e mãe com papéis definidos, ter uma relação afetiva bem vivida, onde a criança tenha o lugar de filho, o pai lugar de pai e a mãe lugar de mãe”. Para Mancini, essa estrutura, de certa maneira “tradicional”, acabaria favorecendo o desenvolvimento da identidade, agindo como um elemento facilitador.

Quanto às diferenciações de classe social, é interessante observar que determinadas situações podem ser bem características e dessa maneira podem manter alguma ligação com o conceito de sexualidade infantil. Sara Menezes Cortez considera que é possível identificar, nos extremos sociais – em famílias muito ricas ou muito pobres -, uma dificuldade na constituição da subjetividade infantil por conta dos longos períodos em que as crianças muitas vezes permanecem afastadas dos pais. Cortez considera também que situações como o abandono podem facilitar uma identificação por parte da criança com figuras como traficantes, por conta da falta de pais exercendo os seus papéis na construção de sua subjetividade. Os traficantes, no caso, passam a exercer para a criança o papel do pai, e uma das razões para que isso aconteça, de acordo com a especialista, é a proteção que esse traficante acaba, em alguns casos, dando às crianças. Teresa Mancini, por sua vez, considera que realmente haja muitas vezes, por parte de crianças, a identificação paterna em traficantes, mas ela acredita que esta situação é decorrente não de uma razão social, mas sim de um contexto familiar no qual a criança está inserida.

Na opinião de Marci Doria, se a princípio não se pode negar que mudanças na estrutura familiar ocorreram, não se pode afirmar também se o foi para melhor ou pior. Ela questiona inclusive a suposição de que, antes, as famílias eram mais estáveis. ”Às vezes, havia urna mãe profundamente infeliz naquela relação, totalmente amargurada e que amargurava os filhos. Ou um pai que escava em casa, mas que na verdade era muito ausente, que tinha outras famílias escondidas ou outras relações”, defende a especialista.

Doria chama a atenção, ainda, para alguns excessos que ocorreram com a consolidação da psicologia infantil, no processo de reconheci­ mento da criança enquanto sujeito. “A psicologia começou a dizer que se masturbar era normal e que isso fazia parte da descoberta do prazer do próprio órgão, das fantasias, do lidar com o próprio corpo e isso não seria algo a ser punido. No entanto, a partir daí, muitos pais acharam que tinham que ensinar o filho a se masturbar, por exemplo. Nessas circunstâncias é criado um excesso em função de um certo caráter incestuoso, algo complicado – bem diference do indivíduo descobrir as expressões do seu corpo”, explica.

A professora acrescenta que as crianças devem ser ouvidas, mas em alguns momentos criaram-se situações às vezes absurdas em que os adultos não assumiriam mais certas decisões. “Como a criança pode resolver onde é que ela quer escudar ou se ela pode parar de estudar? Os pais delegaram as decisões e as consequências das decisões para os filhos, que, por sua vez, não podem arcar com certas decisões ou consequências. Então, ocorrem determinados excessos e se começa a viver numa espécie de civilização paranoica, em que não se pode fazer nada”.

RELAÇÕES OBJETAIS

A despeito das modificações sofridas pela sociedade e dos desafios decorrentes que se impõem à psicanálise, na opinião de Ana Maria Bittencourt, os conceitos fundamentais de Freud sobre a sexualidade infantil não se modificaram. ”As postulações freudianas de que existe uma sexualidade infantil, de que o recalque desta sexualidade ocupa um lugar inconsciente e essa sexualidade recalcada produz sintomas não sofreram mudanças conceituais”, afirma.

Segundo a especialista, mesmo levando-se em consideração as diferenças entre as várias correntes psicanalíticas que se desenvolveram desde Freud, existe um ponto que as une: o trabalho com o inconsciente. “Faz parte da sexualidade infantil ter o desejo incestuoso, e esse ponto fundamental não mudou. Eu não conheço uma corrente que o negue, pois negar essa questão é negar a existência do inconsciente”, pontua.

Entretanto, se por um lado pode-se afirmar que a teoria se manteve, por outro, não se pode negar que ela sofreu acréscimos importantes. “A psicopatologia tem a ver com toda uma história e, evidentemente, a cultura em que estamos inseridos produz determinados sintomas que antes não eram expressos com tanta abundância quanto outros. Exemplos são os problemas das adições, dos distúrbios alimentares, das doenças psicossomáticas”, diz

Tais patologias, conforme explica Bittencourt, diferem das situações neuróticas à medida que se caracterizam por uma pobreza de processos simbólicos. Ela cita como exemplo o caso de jovens levados ao consultório por suas mães em função de uma bulimia e que não necessariamente, têm um sofrimento psíquico.  “Esse indivíduo tem uma queixa apenas de que vomita e de que isso é muito desconfortável para ele. Essa situação muda um pouco a técnica, pois o analista tem que partir do princípio de que neste tipo de patologia não necessariamente se está trabalhando com um recalcado. Pode-se estar diante de um outro tipo de defesa, com outro tipo de explicação para a formação desse sintoma – o que pode ter relação, por exemplo, com o que certos autores consideram como sendo falhas ambientais. Ou seja, são doenças que não são produzidas por um recalque da sexualidade, mas por uma falta da capacidade que a pessoa tem de ter uma experiência psíquica do que está se passando. A experiência passa direto para o corpo. O corpo fala de algo de que o psiquismo não consegue expressar de outro modo”, afirma. Para ela, estas seriam as “doenças da contemporaneidade” ou “patologias do vazio”. “O tipo de cultura narcísica em que estamos inseridos, com essa valorização do corpo, com essa hiper­sexualização presente das crianças, com essa sociedade muito consumista, que dá a objetos valores muito grandes, favorece que este tipo de patologia floresça mais hoje, possivelmente, do que naquela época de Freud”, diz.

A tentativa de dar conta de tais quadros, tendo em vista possíveis falhas ambientais, deu origem justamente à teoria das relações de objeto, que para muitos – entre eles Bittencourt – seria um desenvolvimento das teorias freudianas. “Winnicott, principalmente, foi um dos autores que partiram da compreensão de que existem determinados sintomas que não mais são devido a um conflito intrapsíquico relacionado às pulsões sexuais, aos recalques e a uma instância superegóica. O sintoma neurótico se daria no fundo por um conflito entre a sexualidade e uma instância censora que vai dizer que aquele desejo sexual é proibido”, destaca a psicanalista.

Bittencourt explica que, em síntese, os teóricos das relações de objeto propõem que determinadas formações sintomáticas vão se dever a uma falha ambiental, ou seja, a uma falha do objeto, do outro, em poder funcionar como um esquema de proteção às pulsões. “Digamos assim: é suposto que a esse objeto, a mãe, por exemplo, caiba ter uma função de proteger o eu infantil de um excesso pulsional. Então, se o objeto falha em atender a essa necessidade de proteção, aquela excitação que o eu infantil experimentou torna-se uma condição traumática. Há uma necessidade de que o objeto funcione com essa função de acolhimento, de dar um envolvimento àquele eu infantil para que ele não se transborde em uma excitação excessiva”, resume.

A psicanalista acrescenta, ainda, que tais teóricos propuseram um tipo de abordagem, uma técnica, uma prática clínica que supre essa limitação daquele paciente de estabelecer a neurose de transferência. “Eles acharam que esse trabalho daria conta de cercas patologias que Freud, com os instrumentais de que ele possuía na época, acreditou que não poderia abranger”, pontua. Ela acrescenta ainda que “o fato de uma pessoa ter tido falhas no ambiente precoce não significa que ela não tenha problemas relacionados à sexualidade. E os dois níveis de situação podem aparecer no material de uma determinada sessão psicanalítica”.

SEXUALIDADE HOJE

Na opinião de Marci Doria, ocorreu uma cerra ampliação conceitual do conceito de sexualidade. “Isso ampliou toda discussão e base teórica sobre o assumo, o que certamente implicou numa melhora de atendimento. Hoje já se sabe uma série de mecanismos relacionados ao desenvolvimento de psicoses que afetam o nosso relacionamento com o outro. Isto certamente torna melhor a nossa escuta e abre a possibilidade de operar analiticamente com pacientes muito mais graves. Antigamente não se tinha isso. Além disso, a psicanálise atualmente não seria só para ricos, já que existe uma série de trabalhos sociais que visam a levá-la a diversas comunidades carentes”, destaca.

Para Doria, as mudanças no que diz respeito à sexualidade infantil foram fundamentalmente técnicas e, nesse sentido, o psicanalista deve ver o que está disponível em cada paciente em termos de recursos, vocabulário, formas de dar sentido ao que está se passando. “É necessário verificar o universo cultural e os valores de cada pessoa porque aquele valor teve certamente algum efeito na vida dela. Cada pessoa tem um inconsciente, mas ele se dá de forma singular. Não é o conceito que muda, mas o modo de operá-lo. Tudo dependerá do objeto com o qual se lida e o jeito de lidar com ele. No tratamento de crianças, por exemplo, é comum a utilização de jogos e de brincadeiras de mãe e filho, enquanto que em adultos são utilizados psicodramas”, argumenta.

A ORIGEM

Apesar dos muitos direcionamentos que a pesquisa do inconsciente dinâmico tomou, na opinião de José Candido Bastos, membro da SBPRJ, o pilar central do qual saem todas as teorias é o de Freud. “Foi dito por muita gente que havia um inconsciente, mas que não haveria formas de explorá-lo e Freud, indiscutivelmente, foi a primeira pessoa do mundo a descobrir uma forma de explorar esse inconsciente”, afirma.

Dentre as contribuições dos diversos autores para o desenvolvimento da psicanálise, o estudioso destaca os esforços despendidos na tentativa de compreender o universo infantil. “Todas os teóricos que vieram depois trataram diretamente de crianças, como Melanie Klein, Winicott entre outros. Eles tiveram esse relacionamento e tentaram compreender o mundo infantil e como ele era estruturado. E descreveram isso de uma forma muito mais detalhada, muito mais aprofundada do que Freud”, afirma.

Entretanto, ele salienta que isto diminui de maneira alguma a importância do “pai” da psicanálise na contemporaneidade. “O trabalho fundamental do analista é trabalhar com o inconsciente dinâmico. Este trabalho tem tido a possibilidade de mudanças muito fecundas, muito eficientes, mas sempre apoiados naquela base sólida que Freud estabeleceu e que realmente ainda é válida até hoje”, ressalta Bastos.

Na opinião de Luiz Antônio Telles de Miranda, membro da Aperj Rio 4, muitas vezes ocorre um certo reducionismo dos autores pós-freudianos ao pensamento de Freud, quando, na verdade, eles seriam independentes. “Eu creio que o grande enriquecimento da técnica para nós, como analistas, é justamente diferenciar muitíssimo bem o que os teóricos das relações de objeto entendem que é o psiquismo, o porquê do adoecer. E mesmo dentro dos teóricos das relações de objeto, pode-se perceber, por exemplo, que Winnicott pensa diference de um Kohut, que pensam diferente do Ferenczi”, defende. Ele acrescenta que “nada disso pertence à teoria Freudiana, mas pode nos ajudar a trabalhar o complexo de Édipo, que é o que Freud propõe”.

Um ponto que diferenciaria os teóricos da relações de objeto da teoria freudiana, no ponto de vista do estudioso, é que Freud por exemplo, faz um psiquismo fundado e angústia e resolvida em princípio de prazer “O fundador das teorias das relações de objeto, que na minha opinião é Ferenczi, era um contemporâneo e um discípulo de Freud mas tinha uma compreensão diferente do adoecer psíquico e cria uma estrutura do psiquismo diferente. Se ele cria uma estrutura do psiquismo diferente, mudam a técnica, os objetivos e as indicações”, destaca Telles de Miranda. E conclui: “a teoria do Freud ser sempre a teoria do Freud, pois ele funda psiquismo de uma única maneira. Parece-me que ela continua viva”.

NEUROCIÊNCIA: CASAMENTO POSSÍVEL

De acordo com José Candido Bascos, a relação estabelecida entre a psicanálise e a neurociência é um processo controvertido. “Entre os analistas alguns acham que a neurociência não traz nenhuma contribuição para a psicanálise, alguns dizem até que seria um elemento que facilita uma destruição da análise, uma destruição do valor da psicanálise”, afirma.

Ele, entretanto, discorda dessa posição. “Na minha opinião, e na de um número cada vez maior de pessoas ligadas à nossa ciência, é evidente que essas descobertas trazem esclarecimento sobre alguma coisa que nós afiançávamos, que nós afirmávamos de uma maneira empírica e que com essas pesquisas científicas agora podem ser provadas com roda a tecnologia moderna – uma tecnologia que não pode ser negada e que, já em sua época, Freud imaginava que pudesse haver no futuro. Tanto assim, que em determinados trabalhos ele afirma:·’isso será esclarecido no futuro’. São vários os trabalhos em que ele faz essa referência e essa suposição”, ressalta o especialista.

Bastos cita como exemplo de aproximação entre as postulações freudianas e as recentes descobertas da neurociência sobre a questão do esquecimento de todos os fatos ocorridos até os cinco anos de idade. Esta questão é particular­ mente importante na medida em que é nesta fase da vida que ocorre a formação do inconsciente dinâmico, que vai dar matiz, colorido, forma à toda a vida futura.

“Freud afirmava isso, mas sem nenhuma comprovação. A neurociência moderna, por sua vez, explica que a criança não é capaz de registrar na memória aqueles acontecimentos, pois o aparelho de memorização, que é o hipocampo, ainda não está mielinizado, ou seja, não está pronto para memorizar”, afirma o psicanalista. Ele explica ainda que, depois dos cinco ou seis anos, a criança começa a possuir as características necessárias para registrar a memória. “E aí se passa a uma outra memória, a evocável. E não mais aquela memória que dinamicamente é importante, mas não pode ser evocada”, pontua.

Outro exemplo de uma possível colaboração entre as ciências, de acordo com Bastos, são os trabalhos desenvolvidos por Eric Kandell sobre a classificação das memórias. “Kandell divide as memórias em Declarativas (explícitas) e Procedurais (implícitas). As primeiras registram todos os fatos e eventos ocorridos e estão mediadas pelo córtex pré-frontal. Esta seria a área correspondente ao consciente e pré-consciente na visão de Freud”, explica o psicanalista.

A memória procedural (implícita), por sua vez, segundo a descrição de Kandell, seria composta por quatro elementos: o primeiro ligado à conduta, o segundo à parte de reconhecimento de estímulos ligados ao neocórtex, o terceiro ligado ao condicionamento clássico, que daria as respostas emocionais e as reações músculo esqueléticas, e um último componente que seria o do aprendizado automático.

“Todos esses elementos estariam contidos no que Freud chamou de inconsciente dinâmico, que nunca chega diretamente ao consciente, mas que continua mostrando sua existência, estabelecendo uma maneira de ser, um comportamento que se repete por toda a vida – e que como consequência aparece na situação analítica. Situação em que o paciente não se lembra de nada do que foi vivido e esquecido, mas age em função disco”, pontua Bastos.

Segundo ele, era este inconsciente que Freud explorava com a psicanálise e que a neurociência tenta localizar anatômica e funcionalmente, o que seria um encontro entre as duas ciências. “Na memória procedural (implícita) temos um exemplo biológico de um componente da vida mental inconsciente”, afirma Bastos, citando Kandell. “A ciência está se rejuvenescendo, com isso criando coisas muito novas e que mostram que muito do que Freud disse pode ser comprovado cientificamente”, conclui.

OUTROS OLHARES

A HERANÇA DO RACISMO

Meio século após a morte de Martin Luther King, o mundo ainda vive mergulhado em discursos de ódio contra a população negra.

A herança do racismo

Em 1963, o pastor afro-americano Martin Luther King fez um discurso histórico contra o racismo na Marcha de Washington. “Eu tenho um sonho”, disse ele. Ganhador do Nobel da Paz de 1964, o líder político foi assassinado em 4 de abril de 1968. Meio século após sua morte, o sonho de Luther King ainda se mantém, assim como o ódio que ele combateu. Provas disso são os discursos de supremacistas brancos nos Estados Unidos e na Europa, carregados de xenofobia e preconceitos raciais

“É evidente que houve evolução no que diz respeito aos direitos civis de forma que a população negra pudesse alcançar espaços de poder que antes eram inalcançáveis. Mas isso ficou muito longe de representar uma superação do racismo”, diz o professor Tiago Vinícius dos Santos, doutor em direitos humanos pela Universidade de São Paulo (USP). Ele cita como exemplo a eleição de Barack Obama nos Unidos. Ao alcançar o poder máximo no país, o ex-presidente deixou a impressão de que não era mais necessário discutir o racismo. “Há uma tentativa de excluir, de uma vez por todas o debate racial das políticas públicas”, afirma. Durante a era Obama, os insultos raciais tomaram uma proporção muito maior do que no período pré direitos civis. A ideia equivocada de que os EUA superaram a discriminação ficou evidente com o fortalecimento de discursos como o de Donald Trump. O confronto entre supremacistas brancos e militantes do movimento negro em Charlottesville, no ano passado, é um exemplo de como o atual presidente dos EUA lida com questões raciais. Trump em nenhum momento condenou os supremacistas e manteve a ideia de que houve violência das duas partes. “O grande problema é ter na presidência alguém que vai legitimar o lado mais horrível da história, algo que não pode acontecer novamente”, diz Santos.

Os discursos de ódio racial não se limitam aos EUA. Em vários países da Europa, a direita radical avança atacando imigrantes, apontados como vilões durante muitas campanhas eleitorais de partidos nacionalistas, que acusam os estrangeiros de tirar emprego das populações locais. O fenômeno das fake news está diretamente ligado a isso. Nos tempos atuais, a pregação racista só mudou de plataforma, passando da televisão para a internet. É o que afirma Virgílio Pedri Rigonatti no recém-lançado “Cravo Vermelho, livro que narra os acontecimentos que marcaram os anos 60. Ele lembra, por exemplo, de ver na TV marchas lideradas por Luther King e de, ao mesmo tempo, acompanhar a Ku Klux Klan no noticiário. “O assassinato foi um balde de água fria nos jovens”, diz o escritor.

ONTEM E HOJE

“Uma figura emblemática que ultrapassa os limites dos Estados Unidos.” É assim que o pró-reitor de assuntos comunitários da UFABC Almeida, doutor em sociologia pela USP define Luther King. Para o especialista, desde o surgimento do líder americano, o racismo foi mudando de face ao longo dos anos. “O racismo é a última fronteira do ódio e, de tempos em tempos, ele aparece mostrando sua fúria”, afirma Almeida, citando a tentativa de Israel de expulsar imigrantes africanos, em março. As investidas contra os imigrantes só acabaram com a intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU), na semana passada. “Então não aprendemos nada com a história? Segundo o professor Almeida é importante considerar que o racismo é estruturante na sociedade brasileira e no mundo. E que, para resolver essa questão, é funda primeiro, reconhecer que ela existe.

 

Fonte: Revista Isto É – Edição 2520

GESTÃO E CARREIRA

MERITISSIMO ROBÔ

Meritíssimo robô

Cerca de 1050 advogados têm usado um robô para escrever as petições e dar entrada nos processos de clientes que pagaram mais ICMS nas contas de luz e querem pleitear uma restituição do governo. O Eli, de Enhanced Legal lntelligence, foi lançado no final do ano passado pela Tikal Tech, que desenvolve sistemas de inteligência artificial após seu CEO perceber a oportunidade de mercado.”[O ICMS] é uma causa que, se não tivesse essa automação, não valeria a pena para os advogados, pois os valores são baixos e o trabalho muito cansativo, já que envolve levantar faturas de luz de vários anos, diz Derek Oedenkoven, CEO da empresa. O empreendedor, entretanto, não acredita que as máquinas sejam uma ameaça significativa aos profissionais de direito. “Muitos casos judiciais são repetitivos, mas outros são totalmente novos, o que demanda uma capacidade intelectual dos advogados para a defesa de novas teses”, afirma. A inteligência artificial vai resolver os processos que são mecânicos e tomam tempo,”

 

Fonte: Revista Você SA – Edição 237

ALIMENTO DIÁRIO

MATEUS 18: 1- 6

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A Importância da Humildade

Assim como nunca houve um padrão de humildade maior, nunca houve um pregador maior que Cristo, em todos os aspectos, inclusive em termos de humildade. Ele aproveitou todas as ocasiões para ensiná-la aos seus discípulos e seguidores.

 I – A ocasião desse discurso com relação à humildade foi urna competição inconveniente entre os discípulos por preeminência; eles chegaram ao pé de Jesus, dizendo, entre si (porque estavam envergonhados para perguntar a ele, Marcos 9.34): “Quem é o maior no Reino dos céus?” Eles não quiseram dizer quem o seria pelo caráter (então a pergunta teria sido boa, de forma que eles poderiam saber em quais graças e deveres precisavam se superar), mas quem pelo nome. Eles tinham ouvido muito, e pregado muito sobre o Reino dos céus, o reino do Messias, sua igreja neste mundo; mas mesmo assim eles estavam muito distantes de ter qualquer noção clara disso, e sonhavam com um reino temporal, a pompa exterior, e o seu poder. Cristo havia recentemente predito os seus sofrimentos, e a glória que deveria se seguir; que Ele deveria ressuscitar dos mortos, que a partir daí eles esperassem o início de seu reino; então eles pensavam que era a hora de estabelecer os seus lugares no reino. É bom, nesses casos, falar logo. Surgiram debates desse tipo diante de outros discursos de Cristo (cap. 20.19,20; Lucas 22.22,24). Ele falou muitas palavras com relação aos seus sofrimentos, mas apenas uma palavra sobre a sua glória; no entanto, eles se firmaram em uma coisa, e ignoraram a outra; e em vez de lhe perguntarem como poderiam ter forças e graça para sofrer com Ele, perguntaram quem seria “o maior” ao reinar com Ele. Note que muitos amam ouvir e falar dos privilégios e da glória, e desejam ignorar os pensamentos de trabalho e dificuldade. Eles olham tanto para a coroa, que se esquecem do jugo e da cruz. Foi o que os discípulos fizeram aqui, quando perguntaram: “Quem é o maior no Reino dos céus?”

1. Eles supõem que todos os que têm um lugar naquele reino são grandes, porque é um reino de sacerdotes. Os homens verdadeiramente grandes são aqueles verdadeiramente bons; e eles aparecerão assim finalmente, quando Cristo os possuir como o seu povo, embora sejam tão maus e pobres no mundo.

2. Eles supõem que há graus nessa grandeza. Todos os santos são honoráveis, mas nem todos da mesma forma; uma estrela difere de outra estrela em glória. Nem todos os oficiais de Davi eram valorosos, nem todos os seus valorosos estavam nas três primeiras posições.

3. Eles supõem que alguns deles devam ter a posição de primeiro-ministro de estado. A quem o Rei Jesus deveria ter prazer em honrar, além daqueles que tinham deixado tudo por Ele, e que eram agora os seus companheiros na paciência e na tribulação?

4. Eles disputam quem deveria ser o quê, cada um tendo uma pretensão ou outra ao reino. Pedro sempre foi o principal orador, e já tinha recebido as chaves; ele espera ser o presidente da Câmara dos Pares ou o camareiro-mor da casa, sendo assim o maior. Judas tinha a bolsa, e assim ele espera ser o tesoureiro-mor, o qual, embora agora venha por último, espera ser o maior. Simão e Judas são meio parentes de Jesus, e esperam estar acima de todos os grandes oficiais de estado, como príncipes de sangue. João é o discípulo amado, o favorito do Príncipe; portanto, espera ser o maior. André foi chama­ do primeiro; e por que não teria a primeira preferência? Nós somos muito inclinados a nos entreter e a nos agradar com fantasias tolas de coisas que nunca acontecerão.

II – O próprio discurso, que é uma justa reprovação para a pergunta: Quem será o maior? Nós temos muitas razões para pensar que, se Cristo tivesse a intenção de que Pedro e seus sucessores em Roma fossem os chefes da igreja, e seus principais sacerdotes na terra, tendo tido uma ocasião tão boa para isso, Ele agora avisaria aos seus discípulos; mas Ele está tão distante disso, que sua resposta desautoriza e condena a própria atitude de desejar ser o maior. Cristo não conferir à tal autoridade ou supremacia em nenhum escalão de sua igreja; quaisquer que tiverem essa intenção serão usurpadores; em vez de estabelecer qualquer dos discípulos nessa dignidade, Ele adverte a todos eles a não aspirarem tal posição.

Cristo aqui os ensina a serem humildes:

1. Por um sinal (v. 2); “E Jesus, chamando uma criança, a pôs no meio deles”. Cristo frequentemente ensinava por sinais ou ilustrações sensatas (comparações visuais), como os profetas do passado. A humildade é uma lição aprendida de forma tão dura, que precisamos de todos os modos e meios para sermos ensinados. Quando olhamos uma criança pequena, devemos ter em mente a comparação que Cristo fez com essa criança. Coisas sensatas devem ser utilizadas para propósitos espirituais. “Jesus a pôs no meio deles”; não para que eles pudessem brincar com ela, mas para que pudessem aprender através dela. Os homens crescidos, e os homens grandes, não deveriam desdenhar da companhia das crianças pequenas, ou considerar como algo inferior a atitude de notá-las. Eles podem falar com as crianças, e instruí-las; ou prestar atenção nelas e receber instruções delas. O próprio Cristo, quando criança, esteve “assentado no meio dos doutores” (Lucas 2.46).

2. Por um sermão sobre esse sinal, no qual Ele mostra a eles e a nós:

(1).  A necessidade da humildade (v. 3). O seu prefácio é solene, e ordena tanto a atenção como o consentimento: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus”. Aqui observe:

[1]. O que Ele exige e no que Ele insiste.

Em primeiro lugar: “Vocês devem se converter, vocês devem ter uma outra mentalidade, e em outra estrutura e sentimento; devem ter outros pensamentos, tanto de si mesmos como do Reino dos céus, antes de estarem aptos a ocupar um lugar nele. O orgulho, a ambição e a artificialidade de honra e domínio, que apare­ cem em vocês, devem sofrer um arrependimento, uma mortificação e uma reforma, e vocês devem se dar conta disso.” Além da primeira conversão de uma alma de um estado de natureza para um estado de graça, há conversões posteriores de determinados caminhos de apostasia, que são igualmente necessários para a salvação. Todo passo fora do caminho devido ao pecado deve ser um passo de volta ao caminho através do arrependi­ mento. Quando Pedro se arrependeu de ter negado ao seu Mestre, ele se converteu.

Em segundo lugar: Vocês devem se tornar “como crianças”. A graça que converte nos faz como meninos, e não como meninos no entendimento (1 Coríntios 14.20), nem inconstantes (Efésios 4.14), nem brincalhões (cap. 11.16); mas, como crianças, devemos “desejar afetuosamente o leite racional” (1 Pedro 2.2); como crianças, não devemos nos preocupar com nada, mas deixar que o nosso Pai celestial cuide de nós (cap. 6.31). Devemos, como crianças, ser inocentes e inofensivos, e sem malícia (1 Coríntios 14.20), governáveis, e estar sob autoridade (Gálatas 4.2); e (o que aqui é a principal intenção) devemos ser humildes como crianças pequenas, que não ligam para a pompa, que não dão importância às formalidades. O filho de um nobre brincará com o filho de um mendigo (Romanos 12.16). A criança em farrapos, mas vestida, estará tão alegre quanto a outra criança, e não invejará a roupa da criança que se veste de seda; as crianças pequenas não têm grandes ambições quanto a lugares de destaque, ou a projetos de se elevarem a altas posições no mundo; elas não se exercitam em grandes assuntos, nem em coisas muito elevadas para elas. E nós devemos, da mesma maneira, calar e sossegar a nossa alma (Salmos 131.1,2). Como as crianças são pequenas no corpo e baixas em estatura, assim devemos ser pequenos e baixos no espírito, e nos nossos pensamentos a respeito de nós mesmos. Este é um sentimento que leva a outras boas disposições; a época da infância é a época do aprendizado.

[2]. Que ênfase o Senhor coloca sobre isso. Sem isso, “de modo algum entrareis no Reino dos céus”. Note que os discípulos de Cristo têm a necessidade de ser mantidos em expectativa por meio de ameaças, para temerem ficar “para trás” (Hebreus 4.1). Os discípulos, quando fazem aquela pergunta (v. 1), têm a certeza de entrar no Reino dos céus; mas Cristo os desperta para o fato de estarem enciumados uns dos outros. Eles eram ambiciosos, e queriam ser “o maior no Reino dos céus”. Cristo lhes diz que, a menos que tenham uma atitude melhor, jamais chegarão lá. Muitos que aspiram ser o maior na igreja, demonstram ser não só pequenos, mas nada, e acabam não tendo parte ou porção no assunto em questão. O nosso Senhor pretende aqui mostrar o grande perigo do orgulho e da ambição; a despeito do que os homens professem, se eles se permitirem cair nesse pecado, serão rejeitados e não entrarão nem no tabernáculo de Deus, nem em seu santo monte. O orgulho fez cair do céu os anjos que pecaram, e nos deixará de fora, se não nos convertermos. Aqueles que se exaltam com o orgulho, caem na condenação do diabo. Para evitar isso, devemos nos fazer como crianças pequenas. E para fazermos isso, devemos nascer de novo, devemos nos revestir do novo homem, devemos ser como o santo Filho Jesus; assim Ele é chamado, mesmo depois de sua ascensão (Atos 4.27).

(2).  Ele mostra a honra e o avanço que resultam da humildade (v. 4), fornecendo assim uma resposta direta, mas surpreendente, à pergunta deles. Aquele que se tornar humilde como uma criança pequena – embora possa temer que assim se apresente como alguém desprezível, como um homem de mente tímida, que desse modo se lança para fora do caminho da preferência -, esse é o maior no Reino dos céus. Os cristãos mais humildes são os melhores cristãos, os mais parecidos com Cristo, e os mais elevados em seu favor; estão melhor posicionados para as comunicações da graça divina, mais adequados para servir a Deus neste mundo, e desfrutar o mundo vindouro. Eles são grandes, porque Deus domina o céu e a terra, e não deixa de considerá-los; e certamente aqueles a serem mais respeitados e honrados na igreja são os mais humildes e os que renunciam a si mesmos; porque, embora eles não bus­ quem ser grandes, são aqueles que o merecem.

(3).  O cuidado especial que Cristo tem por aqueles que são humildes. Ele advoga a causa deles, os protege, se interessa por suas preocupações, e não permite que sejam vítimas de injustiça, sem que tenham uma futura compensação.

Aqueles que assim se tornam humildes temerão:

[1]. Que ninguém os receba; mas (v. 5): “Qualquer que receber em meu nome uma criança tal como esta, a mim me recebe”. Jesus considera qualquer ato de bondade feito a alguém como sendo feito a Ele mesmo. Existe um ato que deve ser aceito e recompensado como um ato de respeito a Cristo: aquele que acolhe um cristão manso e humilde, mantém-no em uma situação de tranquilidade, não o deixa perder por sua modéstia, aceita-o em seu amor e amizade, em sua companhia e cuidado, e estuda alguma maneira de lhe fazer algum gesto de bondade; aquele que faz isso em nome de Cristo, por amor a Ele, pelo fato de o cristão levar a imagem de Cristo, servir a Cristo, e porque Cristo o recebeu. Mesmo que apenas uma pequena criança seja recebida em nome de Cristo, isto será aceito. Note que a terna consideração que Cristo tem por sua igreja se estende a cada membro em particular, até mesmo ao que é aparentemente mais insignificante; não só a toda a família, mas a cada membro da família. Quanto menores forem aqueles a quem demonstrarmos bondade, mais boa vontade estaremos demonstrando em relação a Cristo. Quando fazemos algo por pessoas que naturalmente não ajudaríamos, estamos fazendo mais por amor a Cristo; e Ele aceita esta oferta. Se Cristo estivesse pessoalmente entre nós, entendemos que jamais conseguiríamos recebê-lo tão bem quanto Ele merece. Mas sempre temos conosco os pobres, os pobres de espírito; e podemos fazer a eles aquilo que faríamos pessoalmente ao próprio Cristo. Veja cap. 25.35-40.

[2]. Eles temerão que todos abusem deles; os homens mais indignos se deliciarão ao menosprezar o humilde. Ele trata dessa objeção (v. 6), e adverte a todas as pessoas quanto ao risco envolvido em sua resposta, para que não tragam qualquer injúria a algum dos pequeninos de Cristo. Esta palavra funciona como uma parede de fogo em torno deles; aquele que tocar neles, toca na menina dos olhos de Deus.

Considere, em primeiro lugar, o crime que está em foco: escandalizar um desses pequeninos que creem em Cristo. A sua crença em Cristo, embora sejam pequeninos, os une a Ele, e faz com que Ele se interesse pela causa deles, de forma que, como eles participam do benefício de seus sofrimentos, Ele também participa das injustiças que lhes são causadas. Os pequeninos que creem têm os mesmos privilégios dos grandes, porque todos eles conseguiram uma fé preciosa. Há aqueles que escandalizam estes pequeninos, fazendo-os pecar (1 Coríntios 8.10,11), afligindo e causando dor em suas almas justas, desencorajando-os, aproveitando-se de sua mansidão para fazer deles uma presa individualmente, em suas famílias, aprisionando os seus bens ou o seu bom nome. Dessa forma, os melhores homens frequentemente têm encontrado o pior tratamento da parte deste mundo.

Em segundo lugar, a punição desse crime que é sugerida nesta palavra: “Melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar”. O pecado é tão horrendo, e a ruína é proporcionalmente tão grande, que seria melhor que o transgressor sofresse os castigos mais dolorosos infligidos sobre o pior dos criminosos, algo que só pode matar o corpo. Note que:

1. O inferno é pior do que a profundeza do mar, porque ele é um abismo sem fundo, e é um lago de fogo. A profundeza do mar apenas mata, mas o inferno é atormentador. Conhecemos alguém que teve conforto na profundeza do mar: Jonas (Jonas 2.2,4,9); mas ninguém jamais teve o menor grão ou vislumbre de conforto no inferno, nem o terá na eternidade.

2. A condenação irrevogável e irresistível do grande Juiz trará uma prisão mais rápida, um naufrágio mais certo e mais rápido, do que uma mó de azenha pendurada ao pescoço. Existe um grande abismo que jamais pode ser transposto (Lucas 16.26). Escandalizar os pequeninos de Cristo, embora por omissão, é apontado como o motivo para esta terrível sentença: ”Amaldiçoados sejam”, que no final será a condenação dos perseguidores orgulhosos.

PSICOLOGIA ANALÍTICA

TREINO CEREBRAL

Supressão emocional para apagar memórias negativas.

Treino cerebral

Reprimir as emoções ruins relacionadas a certos fatos ocorridos parece reduzir as memórias negativas, seja consciente ou inconscientemente, dizem pesquisadores envolvidos em um novo estudo publicado no periódico científico Neuro-psychologia. A conclusão ocorreu após uma bateria de exames cerebrais por ressonância magnética funcional em 17 indivíduos que se submetiam a uma tarefa de classificação de imagem. Um grupo controle de mesma amostra da população realizou atividades idênticas, mas sem submeter-se ressonância magnética funcional.

Enquanto classificavam 180 imagens (quanto a sua negatividade), os voluntários receberam instruções para reprimir sentimentos negativos, explícitas ou dissimuladas. Ambas as formas de supressão emocional reduziram memórias negativas, contando-se uma semana depois do experimento nos exames de neuroimagem, verificou-se que, nesses casos, houve redução da conectividade em regiões do cérebro responsáveis pela codificação de memórias emocionais.

As diferentes supressões resultaram em processamentos distintos, no entanto, quanto à experiência imediata com as imagens – instruções explícitas incitara m menos respostas negativas instantâneas, diminuindo a atividade na amígdala, uma região do cérebro que auxilia no processamento emocional.

OUTROS OLHARES

A FORÇA QUE VEM DOS LIKES

Como as mensagens de apoio recebidas dos milhões de seguidores na internet ajudam a modelo Nara Almeida a enfrentar um câncer raro.

A força que vem dos likes

A carreira de modelo da maranhense Nara Almeida começava a decolar em meados de 2017 quando ela recebeu um diagnóstico desalentador. As fortes dores que ela sentia no estômago eram causadas por um câncer. Abalada, decidiu compartilhar a notícia com os milhares de seguidores que já a acompanhavam no Instagram. “A única coisa que conseguia fazer era chorar, mas não era um choro de tristeza”, escreveu. “Compartilharei tudo que servir de inspiração, tudo que faça com que vocês saiam do automático”. A decisão, ousada, fez com que um número cada vez maior de pessoas passasse a curtir e a apoiar a modelo a cada etapa do tratamento, mandando mensagens de força. Nara se tomou assim um grande exemplo da luta contra o câncer para a geração que está habituada a seguir influenciadores digitais e youtubers apenas para saber o que vestem, comem ou como se divertem. Dessa vez foi diferente.

“As pessoas têm a tendência a se mostrarem empáticas com aquelas que estão vivendo um momento mais complicado”, afirma o psicólogo Yuri Busin. Os números na conta de Nara no Instagram reforçam a ideia da empatia. Hoje, ela tem 3,2 milhões de seguidores – e suas postagens atingem cerca de 800 mil curtidas cada. Antes da doença, a média era de 7 mil. Ela recebeu também o apoio de diversas celebridades. A cantora Larissa Manoela, por exemplo, pagou uma viagem para que a mãe de Nara encontrasse a filha após quase 20 anos. Cada postagem sua recebe manifestações carinhosas de Adriane Galisteu, Sabrina Sato e outras famosas.

O grande alcance que a modelo tem nas redes sociais também ajuda a desmistificar a doença e serve de apoio para aqueles que enfrentam uma situação parecida. “Muitas pessoas buscam compensação emocional nas redes sociais para algo que estão sentindo”, diz Busin. Este é um caso em que essa busca tem um efeito benéfico. Segundo o psicólogo, muitos se sentem solitários após um diagnóstico como o de Nara. A rede que se formou em torno da modelo, que não esconde nenhuma etapa do tratamento e aborda temas como depressão e a gravidade dos tratamentos contra o câncer, pode oferecer informação e conforto.

Nara nasceu na pequena cidade maranhense de João Lisboa. Foi criada pelos avós e começou a trabalhar muito cedo. Mudou-se para Goiânia antes de se instalar definitivamente em São Paulo. Lançou uma confecção e vendia peças pela internet. Suas fotos começaram a atrair mais seguidores e ela chegou a firmar parcerias com algumas marcas. Foi nesse momento que descobriu o câncer no estômago, comum em mulheres idosas, mas bastante raro na idade de Nara. Ela vem passando por sessões de quimioterapia e radioterapia para conter o avanço do tumor. Atualmente. vive ao lado do namorado, o youtuber Pedro Rocha, e recebe o apoio da sogra e da mãe.

O RISCO DA EXPOSIÇÃO

Evidentemente, redes sociais não amplificam apenas mensagens positivas. Logo no início do tratamento. Nara foi à praia e postou fotos em que aparecia de biquíni. Recebeu mensagens de pessoas perguntando sobre a dieta que estava fazendo. “Só eu sei o quanto estou debilitada. Não consigo me alimentar mais”, escreveu. “Uma mensagem pode mudar seu dia. Para melhor…ou pior”, disse ela em outra postagem.

“Muitos pacientes sentem necessidade de compartilhar suas histórias. Mas sempre avisamos que eles precisam estar preparados para encarar comentários negativos e críticas”, afirma o psicólogo Busin. Se a pessoa estiver ciente dessa possibilidade, o compartilhamento costuma ter mais benefícios do que contraindicações.

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Fonte: Revista Isto É – Edição 2519