A JORNADA DOS BEBÊS
Ainda no útero, eles reconhecem e preferem a voz materna e, com poucas horas de vida, eles já distinguem sabores e aromas; identificam também formas pelo toque e estão aptos a enxergar o suficiente para notar características do rosto de quem os pega no colo.
Eles não enxergam exatamente como adultos nos primeiros meses de vida, mas distinguem aromas, têm capacidade de reconhecer texturas pelo toque, preferem determinados tipos de som e desde bem novinhos gostam (ou desgostam) de certos sabores. Estudos desenvolvidos nos últimos anos revelam que os bebês nascem muito mais “prontos” do que se supunha há algumas décadas. Por volta dos 7 meses, por exemplo, já são capazes de se lembrar de músicas vários dias depois de tê-las ouvido. Com poucas semanas de vida, diferenciam sabores e emitem suas opiniões por meio das expressões faciais. Quanto aos odores, recém-nascidos notam a diferença entre os perfumes e os cheiros fétidos – virando a cabeça para se aproximar do que lhes agrada ou na direção oposta para evitar o desconforto. A sensibilidade das mãozinhas também é fundamental para as primeiras explorações do mundo. Desde que nasce, a criança apresenta capacidade para coordenar informações, obtidas por meio do tato, sobre forma dos objetos, associando-as à experiência visual.
Embora a visão seja um dos sentidos mais estudados, durante muito tempo se pensou, por exemplo, que as crianças nasciam cegas ou que só poderiam distinguir imagens com precisão após muito tempo. Atualmente, médicos e cientistas admitem que o bebê de poucas horas de vida enxerga, sim, ainda que não nitidamente, já que seu sistema visual é imaturo e os sentidos não estão totalmente desenvolvidos. Ao nascer, ele vê suficientemente para perceber os olhos, a boca e até uma mosca no nariz de quem o pega no colo. Um bebê de algumas semanas consegue seguir com os olhos uma pessoa que se movimenta ao seu redor, apenas com um pouco de atraso, sobretudo se a pessoa andar rapidamente.
TUDO EMBAÇADO
No início vê o mundo de forma desfocada. Isso acontece porque tem dificuldade de executar uma função orgânica chamada “acomodação”. Trata-se, na verdade, da habilidade de fazer a curvatura do cristalino variar para obter uma imagem nítida, permitindo ajustar a visão para objetos próximos ou distantes. O mundo se torna um pouco mais nítido para os pequenos a uma distância entre 20 cm e 75 cm, uma faixa em que o cristalino consegue se acomodar parcialmente. A partir de 2 meses, a acomodação se desenvolve. E um fato interessante: aos 3 meses e meio, ela é superior à dos adultos, e os bebês conseguem enxergar nitidamente um objeto situado a 5 cm – uma distância que não facilita a visão em nenhum outro momento da vida.
Quanto ao campo visual, se o dos adultos é de 180 graus, o de um recém-nascido é de apenas 60 graus. Esse campo visual se desenvolve lentamente durante os dois primeiros meses de vida, aumentando rapidamente até os 8 meses.
Mesmo apresentando acuidade visual aproximadamente 60 vezes mais fraca que a do adulto, os pequeninos são capazes de identificar expressões faciais, embora tenham dificuldades para perceber detalhes. Mas o recém-nascido enxergará cada vez melhor com o tempo. Aos 6 meses, sua acuidade visual será apenas cinco vezes menor que a do adulto.
A maneira como os olhos dos bebês se deslocam também apresenta particularidades. Quando um adulto segue um objeto com os olhos, a “perseguição ocular” é suave. Os bebês nem sempre têm essa facilidade. Para comprovarem isso, pesquisadores mostraram a vários recém-nascidos um objeto preto se movimentando sobre um fundo branco a fim de estudar se seus olhos se moviam de forma suave ou brusca. Perceberam que crianças de até 5 semanas eram capazes de seguir o alvo quando ele se deslocava lentamente, mas assim que o objeto acelerava seu movimento a perseguição ocular ocorria aos trancos. O estudo, várias vezes replicado, mostra que, mesmo se a visão dos pequenos seja limitada em relação à dos adultos, ela é funcional.
SONS DO ÚTERO
Há mais de duas décadas os psicólogos americanos A. J. De Casper e W. P. Fifer realizaram uma das mais surpreendentes experiências com recém-nascidos. Os resultados foram publicados pela revista Science. Eles pediram que dez mulheres que tinham acabado de dar à luz lessem um texto durante 25 minutos e gravaram sua voz. Os pesquisadores colocaram fones de ouvido nos bebês dessas mulheres, cinco meninos e cinco meninas, e lhes deram uma chupeta ligada a um aparelho que permitia acionar o gravador.
Com apenas alguns dias de vida, os bebês ouviam então a voz da própria mãe e depois a de uma mãe desconhecida, ou o inverso. Suas reações de sucção foram observadas enquanto escutavam a gravação que podiam acionar. Resultado: de forma geral, os recém-nascidos modificavam sua sucção, aumentando ou diminuindo o ritmo, de maneira a ouvir mais frequentemente a voz da mãe. Essa experiência mostrou não somente que o pequeno reconhecia e preferia a voz materna, como também era capaz de aprender como produzir o som que preferia. Experiências semelhantes, feitas também por De Casper, com a voz do pai não revelaram o mesmo comportamento. Crianças de até 4 meses não reconheceram a voz paterna. Os psicólogos acreditam que isso ocorre provavelmente porque a experiência pré-natal influencia significativamente a preferência, já que o feto está mais exposto à voz da mãe que à do pai.
Outro estudo se propôs a avaliar a capacidade de identificação da voz materna antes mesmo do nascimento. Participaram da experiência 60 grávidas que estavam por volta da 39a semana de gestação. A metade dos fetos ouviu uma gravação em fita magnética da mãe lendo um poema durante dois minutos. Os outros ouviram o mesmo texto lido por uma voz desconhecida. O som era emitido por um alto-falante a uma distância de 10 cm acima da barriga da mãe, a 95 decibéis.
GOSTINHO BOM
Os pesquisadores registraram a frequência cardíaca dos fetos durante a sessão e repararam que ela aumentava com a voz da mãe e diminuía com o som. Para os pesquisadores, a aceleração se deve ao fato de que a voz da mãe estimula o bebê. Esse estudo prova que o bebê reconhece a diferença entre a voz da mãe e a voz de uma desconhecida antes mesmo de nascer. Ou seja: se antes de nascer a criança já reconhece – e prefere – a voz de sua mãe, faz sentido, portanto, que as grávidas conversem com os filhos quando ainda estão na barriga.
É comum dizer que os recém-nascidos não têm o paladar tão apurado quanto os adultos. Da mesma forma, nos perguntamos se conseguem distinguir o doce do salgado, o amargo do azedo. Foram feitas várias experiências para descobrir se eles eram instintivamente capazes de perceber essas diferenças.
Em um desses estudos, as psicólogas Harriet Oster e Diana Rosenstein, ambas pesquisadoras da Universidade de Nova York, realizaram um teste no qual colocaram na boca de 12 recém-nascidos de duas horas de vida, alternadamente, açúcar, cloreto de sódio, ácido cítrico e cloridrato de quinino – com sabores, respectivamente, salgado, cítrico e amargo. Elas observaram e filmaram as expressões faciais dos bebês em contato com essas quatro substâncias. Com o açúcar, as crianças ficavam tranquilas e relaxadas e começavam a mamar. Mas, em resposta às soluções salgadas, ácidas e amargas, mostraram expressões emocionais negativas: para o gosto ácido, os lábios ficavam apertados; ao sentirem o amargo, os bebês bocejavam, e não houve expressão facial específica para o gosto salgado.
Outro pesquisador, Jacob E. Steiner, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, demonstrou com o mesmo tipo de experiência que o açúcar fazia com que os bebês mostrassem a língua, relaxassem os músculos do rosto e às vezes até sorrissem. Com o quinino, bocejavam e faziam caretas, arqueando os lábios, franzindo a testa e o nariz e enrugando os músculos ao redor dos olhos. Os recém-nascidos balançavam as mãos e os braços e era possível ver sacudidelas ou afastamento da cabeça. Com o ácido, Steiner notou reações intermediárias entre essas observações extremas. Como não houve nenhuma resposta facial para o gosto salgado até aproximadamente os 4 meses, o pesquisador supôs que a capacidade de detecção do sal se desenvolve mais tarde.
Mesmo que não tenham nenhuma experiência anterior do paladar – exceto a ingestão pré-natal do líquido amniótico –, os recém-nascidos sabem diferenciar o amargo, o doce e o ácido. Cada um desses três sabores provoca reações faciais específicas. Segundo os cientistas, podemos interpretar essas reações como prazerosas ou desagradáveis.
É possível que a origem do comporta- mento facial seja funcional: ele pode ter um valor comunicativo para a mãe, para informar de qual sabor o bebê gosta mais. As preferências parecem ser adaptativas. A inclinação inata pelo doce pode ser o resultado de uma evolução para detectar e identificar as fontes mais calóricas de alimentos. Assim como a aversão ao amargo e ao ácido indica habilidade seletiva para evitar itens não comestíveis e até tóxicos. Isso explica, do ponto de vista evolucionista, por que tantas crianças rejeitam comidas amargas como certos legumes e verduras (jiló, agrião e rúcula, por exemplo). A melhor forma de driblar a resistência é a persistência: os pais não devem desistir de apresentar repetida- mente os alimentos aos pequenos até que essas comidas, em geral bastante nutritivas, passem a ser toleradas e até apreciadas.
TOCAR PARA SABER
O bebê é capaz de reconhecer com os olhos aquilo que toca: assim, a informação passa da mão para os olhos. Para comprovarem essa “transferência toque-visão”, os psicólogos Arlette Streri, da Universidade Paris Descartes, e Edouard Gentaz, da Universidade Pierre-Mendès-France, desenvolveram uma pesquisa com 12 meninos e meninas com apenas 3 dias. Eles colocaram na mão direita de cada bebê um prisma ou um cilindro. Se a criança largasse o objeto, um dos pesquisadores o apresentava novamente até que ela se acostumasse com a forma.
Numa segunda fase da experiência, os psicólogos ofereciam dois objetos lado a lado diante dos olhos do bebê durante 60 segundos e mediam o tempo durante o qual ele olhava para cada um. Os pesquisadores perceberam então que os bebês se detinham mais tempo naquele que não havia sido explorado pelo toque – os que tinham segurado o prisma olhavam mais para o cilindro, e vice-versa. Isso demonstra que a forma previamente explorada pelo toque era familiar ao bebê, enquanto a outra era percebida como nova.
Tempos depois, Streri e Gentaz tiveram a ideia de estudar o comportamento visual de 12 outros recém-nascidos, sem que tivessem de segurar nas mãos o cilindro ou o prisma. Os resultados mostraram que esses bebês olhavam durante o mesmo tempo para ambos, o que confirmou que o cérebro de um bebê de 3 dias é capaz de realizar uma “transferência intermodal”. Isso quer dizer que um objeto percebido por um sentido pode ser reconhecido por outro: desde o nascimento, o ser humano tem a capacidade de coordenar as informações sobre a forma dos objetos entre as modalidades visual e tátil antes mesmo de ter aprendido isso a partir das associações resultantes de suas experiências.
NOVOS AROMAS
Um adulto consegue identificar logo um odor desagradável ao entrar em uma sala. Mas será que um bebê com poucas horas de vida também é capaz de ter a mesma reação? Empenhados em encontrar a resposta para essa pergunta, cientistas realizaram uma experiência com 20 bebês de 16 a 100 horas de vida: colocaram um frasco contendo um pouco de amoníaco perto do rosto de cada criança, de um lado de cada vez. Essa operação foi repetida em várias ocasiões com todos os bebês. Após breve apresentação do produto, os movimentos dos pequenos foram filmados.
Em cerca de 70% das vezes, eles viraram a cabeça na direção oposta ao recipiente. Os que faziam esse gesto mais vigorosamente eram os que mostravam menos agitação de- pois de cheirar o amoníaco. Inversamente, aqueles que tinham dificuldade para desviar a cabeça ficavam muito mais agitados.
Para estudar a reação infantil aos cheiros bons, também foram feitas algumas pesquisas. Ao apresentar diferentes aromas para recém-nascidos de menos de 12 horas de vida, Steiner, por exemplo, demonstrou que eles eram receptivos a vários odores. Após ter filmado cada um dos bebês, ele notou que os extratos de banana, baunilha e manteiga provocavam sorrisos e movimentos de sucção. Em compensação, os cheiros de camarão e ovo podre causavam comporta- mentos como curvar os cantos da boca para baixo e apertar os lábios.
As experiências mostraram que os bebês notam a diferença entre os aromas e perfumes agradáveis e os odores fétidos e outros cheiros irritantes. É possível concluir que a criança tem a capacidade inata de evitar, por meio de uma ação (virar a cabeça), e de comunicar (pela sua expressão facial) sua repulsa pelos cheiros desagradáveis. O inverso é verdadeiro para os cheiros agradáveis. As reações nesse caso, aliás, são bastante similares às de adultos. A “esperteza olfativa” infantil aparece também em outra situação: recém-nascidos são capazes de perceber o odor materno, em comparação com o de outras mulheres.
CADA UM DO SEU JEITO
Assim como acontece com adultos, bebês têm reações que podem ser consideradas universais, mas também devem ser levadas em conta as particularidades de cada criança: são indivíduos únicos e, como tal, desde muito cedo apresentam comportamentos e reações específicas.
Essa diversidade já está presente mesmo antes de virem ao mundo. Durante a gravidez, muitas mães relatam diferenças na movimentação fetal, em situações de tranquilidade e estresse, em comparação a gestações anteriores ou mesmo entre os fetos no caso de gêmeos. O recém-nascido demonstra sua individualidade, por exemplo, ao responder de maneira complexa aos estímulos ambientais.
De certo modo, porém, a percepção da individualidade é algo recente. Para o pediatra e neonatologista T. Berry Brazelton, da Escola Médica da Universidade Harvard, em Boston, o conhecimento científico das três últimas décadas permitiu alterar de forma radical a concepção que até então considerava o bebê um ser provido de reflexos isolados, incapaz de responder a estímulos visuais e auditivos, insensível à dor e pronto a ser moldado pelo ambiente. Hoje, ele é considerado um ser dinâmico organizado, com habilidade para se adaptar socialmente – uma característica essencial para enfrentar o desafio da vida pós-natal.
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