MATEUS 5:27-32
Continuação do Sermão da Montanha
Aqui temos uma explicação do sétimo mandamento, que nos é dada pela mesma mão que fez a lei, e que, portanto, era a mais adequada para ser a intérprete do mandamento: é o mandamento contra a impureza, que adequadamente segue o anterior; que coloca uma restrição às paixões pecaminosas. Isto com relação aos desejos pecaminosos, que precisam sempre est ar sob o controle tanto da razão quanto da consciência, e que, se tolerados, são igualmente perniciosos.
I – O mandamento é apresentado aqui (v. 27): “Não cometerás adultério”, o que inclui uma proibição de todos os outros atos de impureza, e o desejo deles; mas os fariseus, em suas interpretações deste mandamento, tornaram a sua abrangência limitada somente ao ato do adultério, sugerindo que se o pecado somente fosse considerado no coração, e não passasse disso, Deus não o ouviria, não o consideraria (Salmos 66.18), e, portanto, eles pensavam que isto era suficiente para que pudessem dizer que não eram adúlteros (Lucas 18.11).
II – Aqui está explicada a severidade, em três aspectos, que agora podem parecer novos e estranhos àqueles que sempre foram governados pela tradição dos anciãos e que assumiam o que eles ensinavam como sendo palavras de oráculo.
1.Aprendemos que existe o adultério no coração, os pensamentos e tendências adúlteros, que nunca dão origem ao ato do adultério ou da fornicação; e talvez a impureza que eles causam à alma, que aqui está tão claramente declarada, não estivesse incluída no sétimo mandamento, mas tinha sentido e objetivo em muitas das profanações cerimoniais sujeitas à lei, pelas quais eles deviam lavar as roupas e a sua carne na água. Qualquer pessoa que olhasse para uma mulher (não somente a esposa de outro homem, como alguns interpretam, mas qualquer mulher) para cobiçá-la, teria come tido adultério com ela em seu coração (v. 28). Este mandamento proíbe não apenas os atos de fornicação e adultério, mas:
(1) Todos os apetites impuros, toda a cobiça do objeto proibido. Este é o início do pecado, a concepção da concupiscência (Tiago 1.15); é um mal passo em direção ao pecado. E onde se aprova e se lida com a cobiça, e o desejo devasso é tratado pela língua como algo doce, ali está a comissão do pecado, até onde o coração pode tê-la – não faltando nada – a não ser uma oportunidade conveniente par a o próprio pecado. Adultera mens est – A mente é corrupta, Ovídio. A cobiça é frustrada ou influenciada pela consciência: influenciada, se ela não diz nada sobre o pecado; frustrada, se ela não comanda o que diz.
(2) Todas as abordagens deste caso. Alimentar os olhos com a visão do fruto proibido; não apenas procurando este fim, que eu possa cobiçar, mas olhando até que eu cobice realmente, ou procurando gratificar a cobiça, onde nenhuma satisfação adicional possa ser obtida. Os olhos são, ao mesmo tempo, a entrada e a saída de uma grande quantidade de pecados deste tipo, como testemunham a mulher que tentou José (Genesis 39.7), a mulher que se entregou a Sansão (Juízes 16.1), e a amante de Davi (2 Samuel 11.2). Há olhos cheios de adultério que não cessam de pecar (2 Pedro 2.14). Que necessidade temos nós, portanto, como o santo Jó, de fazer um concerto com os nossos olhos, de fazer este acordo com eles, para que tenham o prazer de contemplar a luz do sol e as obras de Deus, com a condição de que nunca se fixem ou residam sobre qualquer coisa que possa provocar imaginações ou desejos impuros. E, sob esta penalidade, pelo que eles fizessem, precisariam sofrer com lágrimas penitentes! (Jó 31.1). Para que temos a pálpebra sobre os olhos, a não ser para restringir os olhares corruptos e para evitar as impressões que possam nos contaminar? Aqui também se proíbe o uso de qualquer outro dos nossos sentidos para provocar a cobiça. Se os olhares sedutores são frutos proibidos, muito mais o são as palavras impuras e os galanteios devassos, combustível e o fole deste fogo infernal. Estes preceitos são limites sobre a lei da pureza do coração (v. 8). E se olhar é cobiçai aqueles que se vestem e se enfeitam, se exibem, com o desejo de serem vistos e desejados (como Jezabel, que pintou o rosto, enfeitou a cabeça, e olhou pela janela) não são menos culpados. Os homens pecam, mas os demônios tentam ao pecado.
2.Tais olhares e tais galanteios são tão perigosos e destrutivos para a alma, que é melhor perder o olho e mão que assim pecam do que abrir caminho ao pecado e perecer eternamente nele. Isto nos é ensinado aqui (vv 29,30). A natureza corrupta logo objetaria contra a proibição do adultério no coração, dizendo que ela é algo impossível de se controlar: “São palavras duras, que pode suportá-las? A carne e o sangue não podem evitar olhar com prazer para uma mulher bonita, e é impossível se abster de cobiçar e flertar com algo assim”. Des culpas como estas dificilmente serão vencidas pela razão, e, portanto, devem ser atacadas com os terrores do Senhor; e é assim que são atacadas aqui.
(1) Aqui é descrita uma operação severa para a prevenção desses desejos carnais. Se o teu olho direito te escandalizar ou ofender outra pessoa, com olhares devassos a coisas proibidas; se a tua mão direita te escandalizar, ou ofender outra pessoa com flertes devassos; se for realmente impossível, como se diz, controlar olho e a mão, e eles estiverem tão acostumados a estes procedimentos pecaminosos, a ponto de não poder evitá-los; se não existir outra maneira de restringi-los (que, bendito seja Deus, por meio da sua graça, existe), melhor para nós arrancar o olho e cortar a mão (ainda que sejam o olho direito e a mão direita, os mais digno de honra e os mais úteis) do que tolerar que eles pequem para a ruína da alma. E se isto tiver que ser contido- diante desta ideia, a natureza estremece – devemos no determinar ainda mais a controlar o corpo e a conter estas coisas. Viver uma vida de mortificação e de autonegação; manter constante vigilância sobre os nossos próprios corações; suprimir o surgimento de qualquer desejo e corrupção ali; evitar as oportunidades de pecados, resistir aos seus estímulos e recusar a companhia daqueles que são uma armadilha par a nós, ainda que sejam muito agradáveis; ficar afastados do caminho do mal e reduzir o uso das coisas lícitas, quando descobrirmos que são tentações para nós; buscar a Deus, buscar a sua graça; confiar diariamente na sua graça, e desta maneira andar no Espírito, para não satisfazermos os desejos da carne – isto será tão eficiente quanto cortar a mão direita ou arrancar o olho direito; e talvez igualmente eficiente em oposição à carne e ao sangue; esta é a destruição do velho homem.
(2) Um argumento estarrecedor é usado para reforçar esta prescrição (v. 29), e é repetido nas mesmas palavras (v.30), porque nos negamos a ouvir o que é reto (Isaias 30.10). E melhor para nós que um dos nossos membros pereça, ainda que seja um olho ou uma mão, que se poupado pode trazer o pior, do que todo o nosso corpo ser lançado no inferno. Observe:
[1] Não é inconveniente que um ministro do Evangelho pregue sobre o inferno e a condenação. Não. Ele precisa fazê-lo, pois o próprio Cristo o fez; e nós seremos infiéis ao que nos foi confiado, se não advertirmos sobre a ira futura.
[2] Existem alguns pecados dos quais precisamos ser salvos pelo medo, particularmente os desejos carnais, que são animais tão selvagens que não podem ser detidos, a não ser pelo medo; não podemos ser afastados de uma árvore proibida, a não ser por um querubim com uma espada flamejante.
[3] Quando somos tentados a pensar que é muito difícil negar a nós mesmos e crucificar os desejos carnais, devemos considerar quão mais difícil é estar para sempre no lago que arde com fogo e enxofre. Estas pessoas não sabem o que é o inferno, ou não acreditam em sua existência, e preferem se arriscar à ruína eterna nestas chamas a negarem a si mesmas o prazer de um desejo bruto e vil.
[4] No inferno haverá tormentos para o corpo. Todo o corpo será lançado no inferno, e haverá tormentos para todas as suas partes, de modo que se cuidarmos do nosso corpo, nós o possuiremos em santificação e honra, e não na paixão da concupiscência.
[5] Mesmo aquelas imposições que são mais desagradáveis para a carne e o sangue são boas para nós; e o nosso Mestre não exige nada de nós, exceto o que Ele sabe que é par a o nosso bem.
3.Que os homens se divorciassem de suas esposas quando não gostassem delas, ou por qualquer outro motivo que não fosse o adultério, por mais tolerado e praticado que fosse este motivo entre os judeus, era uma violação do sétimo mandamento, pois abria uma porta para o adultério (vv. 31, 32). Observe aqui:
(1) Como ficava o assunto agora, com relação ao divórcio. Foi dito (Ele aqui não diz como antes: “Foi dito aos antigos”, porque este não era um preceito, como eram aqueles. Embora os fariseus estivessem inclinados a compreendê-lo assim, cap. 19.7, esta era somente uma permissão): “Qualquer que deixar sua mulher; que lhe dê carta de desquite”. Em outras palavras, que o homem não pense em fazê-lo somente em palavras, quando estiver aborrecido, mas que o faça deliberadamente, por um instrumento legal por escrito, confirmado por testemunhas; se ele dissolver a ligação matrimonial, que ele o faça solenemente. Assim a lei tinha evitado divórcios intempestivos e apressados, e talvez no início, quando a escrita não era tão comum entre os judeus, tivesse tornado raros os divórcios. Mas com o passar do tempo, o divórcio acabou ficando muito comum, e esta orientação de como fazê-lo, quando houvesse justa causa para ele, se transformou em uma permissão para ele, com qualquer causa (cap.19.3).
(2) Corno esta questão foi corrigida pelo nosso Salvador. Ele reduziu o ritual do casamento à sua instituição primitiva: eles serão uma única carne, não facilmente separável, e, portanto, o divórcio não deve ser permitido, exceto em caso de adultério, que rompe o pacto de casamento. Aquele que repudia a sua esposa com qualquer outra desculpa faz com que ela cometa adultério, e também o faz aquele que se casa com a repudiada. Observe que aqueles que levam os outros à tentação do pecado, ou os deixam na tentação, ou ainda os expõem a ela, se tornam também culpados do pecado, que lhes será imputado. Esta é uma forma de ter a sua parte com os adúlteros (Salmos 50.18).
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